
A franquia Missão: Impossível nasceu num momento em que Tom Cruise estava construindo uma carreira perfeita, a partir da parceria feita com grandes cineastas autores. Nesse período, que vai dos anos 1980 até os anos 2000, ele trabalhou com gigantes como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Ridley Scott, Tony Scott, Oliver Stone, Neil Jordan, Steven Spielberg, Michael Mann, Stanley Kubrick e Paul Thomas Anderson. Por isso que os três (ou quatro?) filmes da franquia Missão: Impossível foram dirigidos por gente como Brian De Palma, John Woo, J.J. Abrams e Brad Bird. A ideia, até então, era que cada filme tivesse a cara de seu diretor.
Eis que tudo muda com MISSÃO: IMPOSSÍVEL – NAÇÃO SECRETA (2015), dirigido por Christopher McQuarrie, que dirigiria também os próximos três filmes da cinessérie. Tom Cruise havia gostado de trabalhar com McQuarrir em JACK REACHER – O ÚLTIMO TIRO (2012), mas na verdade McQuarrie já era um roteirista presente em vários outros filmes estrelados pelo astro – desde OPERAÇÃO VALQUÍRIA (2008). E essa parceria acabou dando muito certo num momento em que Cruise assumiu de vez a posição de astro de filmes de ação, e não mais aquele cara que quer ganhar o Oscar ou ficar “à sombra” de um grande autor. Agora ele é dono de seus filmes, o produtor. E um produtor muito exigente, que faz questão até de, ele mesmo, estar presente em cenas bem perigosas, quando poderia usar um dublê.
MISSÃO IMPOSSÍVEL – NAÇÃO SECRETA também foi o filme que trouxe pela primeira vez a belíssima atriz sueca Rebecca Ferguson no papel de Ilsa Faust, uma personagem moralmente ambígua, uma ex-agente de inteligência empregada pelo MI6. Infelizmente Ilsa morre em MISSÃO: IMPOSSÍVEL – ACERTO DE CONTAS: PARTE UM (2023) e pra mim fez muita falta no último filme da série, sua continuação direta, mas uma obra mais ambiciosa, MISSÃO: IMPOSSÍVEL – ACERTO FINAL (2025), que não conta com o mesmo ritmo frenético do anterior e que traz temas mais sérios e exige um pouco mais de concentração por parte do espectador, por mais que a maior parte da informação repassada possa ser relevada, como acontece em muitos filmes de espionagem, quando o que importa é conseguir concluir a missão, muitas vezes só compreendida quando ela já está sendo executada – esse recurso é até inteligente, pois evita repetições e mais blá-blá-blá e até traz algumas boas surpresas na hora da ação.
No sétimo e no oitavo filmes da franquia, Tom Cruise e seu fiel escudeiro, o diretor Christopher McQuarrie, sentiram o desejo de fazer um grande épico, a mais longa aventura de Ethan Hunt, e isso acabou beneficiando mais a primeira parte, de 2023. Nesta segunda, há uma intenção de tornar a ameaça cibernética, uma inteligência artificial chamada A Entidade, como algo maior que um mero mcguffin, e por isso há longos e confusos diálogos a respeito, alguma tentativa de estabelecer certo vínculo com o atual momento geopolítico e certa crítica à dependência que temos do mundo digital e da internet, por mais que no fim das contas saibamos que Missão: Impossível é mesmo sobre obstáculos extremamente difíceis a ser superados.
Inclusive para o próprio Tom Cruise, que até já quebrou o tornozelo uma vez, nas filmagens de um dos mais festejados títulos da cinessérie, MISSÃO: IMPOSSIVEL – EFEITO FALLOUT (2017). O ACERTO FINAL tem o problema de se levar a sério demais e entregar uma quantidade menor de cenas empolgantes, diferente do anterior – além de terem matado uma personagem muito querido no filme passado. A sorte é que, ainda assim, este aqui ainda tem duas atrizes bem carismáticas, Hayley Atwell, a ladra, e Pom Klementieff, a assassina, ambas apresentadas no filme anterior.
As duas cenas de ação mais importantes são a do submarino (bem longa, mas também bem tensa e marcante) e a dos bimotores. E são cenas que se beneficiam do realismo do estilo antigo de filmar, com bem menos uso de CGI. Não deixa de ser um mérito e tanto para os dias de hoje em Hollywood, que faz com que saiamos das sessões de aventuras com a impressão de ter visto uma produção toda feita em computador. Claro que, além da vontade, é preciso muito dinheiro para executar esse tipo de projeto, mais analógico.
Esse ar de maior ambição (e de saudosismo) deste novo filme vem também de uma vontade de fazer uma auto-homenagem, trazendo cenas de títulos anteriores e fazendo uma conexão direta com a história do primeiro e hoje clássico MISSÃO: IMPOSSÍVEL (1996), dirigido por Brian De Palma. As imagens em forma de flashbacks rápidos servem para dar um tom de despedida à franquia e trazer também uma dúvida sobre o futuro da carreira de Cruise. Será que ele vai deixar os filmes de ação e ingressar em filmes de autores consagrados novamente? É possível, já que a idade chega e também há o projeto já em andamento para o ano que vem, sob direção de Alejandro G. Iñarritú, cujo O REGRESSO deu finalmente um Oscar a Leonardo DiCaprio.
+ TRÊS FILMES
BAILARINA (Ballerina)
Talvez se este filme tivesse sido lançado antes do primeiro John Wick, aqui chamado de DE VOLTA AO JOGO (2014), ele fosse visto como sendo algo mais interessante e até inovador, mas a ideia de um spin-off sem muita inventividade e protagonizado por Ana de Armas (talvez por sua boa cena de ação em 007 – SEM TEMPO PARA MORRER) teria funcionado se os criadores da franquia original, principalmente Chad Stahelski, tivessem assumido a direção e o comando também de BAILARINA (2025). Entregar para um cara apagado e sem talento como Len Wiseman ( ANJOS DA NOITE - UNDERWORLD, 2003) é como entregar o ouro ao bandido, ou então não estar muito interessado na reputação tão boa que a franquia estrelada por Keanu Reeves alcançou de público e crítica. Aqui temos uma história de vingança que também não funciona muito bem como história de vingança. Ou funciona em parte, já que no momento em que ela chega no KG do chefe da organização criminosa o filme começa a ficar mais interessante - gosto especialmente de uma cena envolvendo fogo e água, que é simbólica do feminino contra o masculino. Outro problema é que John Wick representa um momento de transição do cinema de ação americano, que passou a olhar mais atenciosamente para as produções de ação de Hong Kong e talvez também da Tailândia para a elaboração das cenas. O que fica em BAILARINA é o ar de familiaridade com o que já conhecíamos: o hotel Continental, os personagens de Ian McShane e Lance Reddick, as moedas de ouro e, claro, a participação de Keanu Reeves. Ana de Armas tem, sim, um grande carisma e já tem um currículo invejável, mas merecia um diretor melhor, até para ter, finalmente, um bom filme inteiramente protagonizado por ela.
O ESQUEMA FENÍCIO (The Phoenician Scheme)
Acompanho Wes Anderson no cinema desde TRÊS É DEMAIS (1998), quando ele ainda não havia sedimentado seu estilo. A partir de OS EXCÊNTRICOS TENEBAUMS (2001), porém, seu estilo ficou inconfundível e sua direção de arte e seu trabalho de simetria tornariam sua assinatura de fácil identificação. Acho incrível o quanto o diretor segue fazendo seu cinema sem concessões e aparentemente livre de interferência de produtores e estúdios. E ainda com elencos invejáveis, com os atores provavelmente trabalhando com salários bem menores para que as produções sejam possíveis. E nem se trata de ser a mesma trupe de amigos: a cada filme, novos nomes talentosos se juntam a seu time. O ESQUEMA FENÍCIO (2025) faz uma homenagem às antigas aventuras rocambolescas dos anos 1920-40, e em especial ao trabalho do diretor e produtor Alexander Korda, de O LADRÃO DE BAGDÁ. O filme é estrelado por Benicio Del Toro, que faz o papel de um chefão do crime que é constantemente alvo de tentativas de assassinato por parte de vários inimigos. O ESQUEMA FENÍCIO não me pegou tanto quanto o anterior ASTEROID CITY (2023), onde eu consegui penetrar no aparente jogo racional de Anderson. Mas acredito que posso ter visto num dia ruim. De todo modo, é difícil não admirar o trabalho do diretor, suas obsessões e seu estilo narrativo semelhante a um livro e às vezes a uma pintura, mas essencialmente cinematográfico.
VINGANÇA (The Assignment)
Quando soube da premissa deste filme já fiquei logo interessado em ver. É mais ou menos como se a personagem-vítima de A PELE QUE HABITO, de Pedro Almodóvar, fosse partir para a vingança depois de ter sido capturada e transformada em mulher numa cirurgia de mudança de sexo. Ou seja, é um tipo de filme que se arrisca no mau gosto, em ser acusado de transfóbico, inclusive, mas ao mesmo tempo é sempre muito atraente. Ou talvez por isso mesmo seja atraente, assim como também chama muito a atenção seu dinamismo como filme de ação criminal, com uma narração em voice-over da protagonista que às vezes lembra um Frank Castle (o Justiceiro, da Marvel), sendo que o nome do personagem é Frank Kitchen. Ainda bem que as cenas de Michelle Rodriguez de barba são poucas, pois são as que menos funcionam, embora uma cena de prótese seja importante para enfatizar o membro perdido, mas depois a atriz entrega muito bem como a pessoa atormentada e disposta a partir pra cima dos responsáveis pelo que lhe aconteceu. Gosto das transições entre cenas, quando Walter Hill, cujo auge como cineasta aconteceu nos anos 1970 e 80, faz brincadeiras com desenho e uso de íris, o que acaba tornando a apreciação deste VINGANÇA (2016) quase como uma leitura de um quadrinhos. Sigourney Weaver interpreta a cirurgiã responsável pela operação, e principal condutora da narrativa. Uma bela surpresa. Valeu pela dica, Cristian Paiva!