quinta-feira, novembro 30, 2006
A COMÉDIA DO PODER (L'Ivresse du Pouvoir)
Depois que assisti A DAMA DE HONRA (2004) no cinema no ano passado, eu prometi a mim mesmo que não perderia mais os filmes de Claude Chabrol que estreassem nas salas da cidade. Ver os filmes de Chabrol no cinema é outra coisa. Já conhecia, então, uns poucos filmes de sua filmografia, como CIÚME - O INFERNO DO AMOR POSSESSIVO (1994) e MULHERES DIABÓLICAS (1995), mas ver os seus filmes na tela pequena diminui o impacto que eles exercem sobre nós. E pensar que eu fiz a besteira de perder A TEIA DE CHOCOLATE (2000) há poucos tempo. A boa notícia é que o DVD do filme, dizem, vem com extras preciosos - cenas comentadas pelo diretor e um documentário sobre os bastidores.
A COMÉDIA DO PODER (2006) é o novo filme desse cineasta incansável que aos 76 anos continuam fazendo grandes filmes com uma regularidade invejável. Ir ao cinema ver mais um belo trabalho de Chabrol não tem preço. A princípio, eu imaginei que iria gostar menos desse filme que dos demais por causa da temática mais política, mas felizmente não foi o caso. O gostoso andamento do filme e a presença magnética de Isabelle Huppert, uma das mais talentosas atrizes do mundo, são os principais trunfos desse filme, que ainda conta com colaboradores de peso do diretor, como seu filho Matthieu Chabrol, responsável pela trilha sonora, e o português Eduardo Serra, na direção de fotografia.
Na trama, Isabelle Huppert é a juíza Jeanne Charmant Killman - repare na ironia dos dois sobrenomes -, uma mulher que assume a missão de acabar com o crime do colarinho branco na França. Ela começa prendendo o presidente de uma grande empresa (François Berleand), cujos crimes não são muito bem esclarecidos - os interrogatórios são sempre vagos. O que ela não sabe é que por trás de tudo isso, há uma intrincada rede de corrupção que torna cada vez mais difícil o seu trabalho.
O grande barato de A COMÉDIA DO PODER é perceber as escolhas que Chabrol faz, que tornam esse filme único. O diretor evita os clichês de filmes políticos, evita o thriller, evita nos encher de informações detalhadas sobre os casos assumidos pela juíza, evita, enfim, oferecer um filme comum. O que mais vemos é a juíza trabalhando. Ela não faz outra coisa a não ser trabalhar. Tanto que seu marido deprimido está bastante incomodado com a intensa visibilidade na imprensa da esposa e da total falta de interesse que ela lhe reserva. Curioso o descaso que ela tem como marido. Ela pouco liga quando tem que sair de casa e se separar dele, nem chora quando fica sabendo de sua tentativa de suicídio. Chabrol mostra a juíza como uma mulher fria e impiedosa e que paga pra entrar numa briga. Quando ela é obrigada a trabalhar com uma juíza-assistente, notamos que há no filme uma tendência a mostrar as mulheres como inimigas dos homens, como se elas estivessem partindo para a desforra contra a "macharada". E com a vantagem de terem muito mais charme e exuberância. Huppert, já tendo passado de seus 50 anos, continua admirável. A COMÉDIA DO PODER é o sétimo filme que ela fez em parceria com Chabrol. Os outros filmes, pela ordem, são: VIOLETTE NOZIÈRE(1978), UM ASSUNTO DE MULHERES (1988), MADAME BOVARY (1991), MULHERES DIABÓLICAS, NEGÓCIOS À PARTE (1997) e A TEIA DE CHOCOLATE.
quarta-feira, novembro 29, 2006
EU ME CHAMO ELISABETH (Je M'Appelle Elisabeth)
Filmes protagonizados por crianças são bem fáceis de agradar ou pegar o público pelo coração. E nem é preciso que a criança seja bonitinha, basta mostrar o quanto ela é incompreendida pelos adultos. Cineastas como François Truffaut e Steven Spielberg, por exemplo, souberam trabalhar muito bem esse conflito, talvez por terem tido, eles mesmos, uma infância marcante. Claro que a qualidade do filme vai depender também do carisma do ator ou atriz mirim. No caso de EU ME CHAMO ELISABETH (2006), quem encanta a platéia é a pequena Alba Gaïa Kraghede Bellugi, no papel da solitária e dramática Betty. Vi no IMDB que Alba também aparece em O TEMPO QUE RESTA, de François Ozon.
A trama se passa na França rural do pós-guerra, mas poderia ser em qualquer lugar ou tempo, já que o contexto histórico-geográfico é pouco citado e pouco relevante. Betty é uma menina de dez anos que se sente sozinha depois que sua irmã mais velha (e melhor amiga) sai de casa para estudar fora. Sua mãe (Maria de Medeiros) também está ausente e em processo de separação com o seu pai (Stéphane Freiss, de O AMOR EM CINCO TEMPOS, também do Ozon), que é médico de um hospital psiquiátrico que abriga pessoas com problemas mentais. Um dos loucos dessa instituição foge e a pequena Betty o esconde da família numa cabana perto da casa, onde ela guarda sua bicicleta. Ela o alimenta e o chama de "mon fou".
Um dos momentos mais legais do filme é aquele em que Betty foge de casa, depois de pensar em suicídio, ao lado do louco e de seu desprezado cachorro. A trupe dos desprezados segue rumo à floresta. Ela comenta com o rapaz louco algo sobre o céu estrelado, que no filme realmente é mostrado de maneira muito bonita. É nesse momento que o diretor Jean-Pierre Améris nos faz perceber que fez um trabalho acima da média. Curiosamente, a autora do romance no qual o livro é baseado é Anne Wiazemsky, a Marie de A GRANDE TESTEMUNHA, de Robert Bresson, e que também trabalhou em filmes de Godard e Pasolini.
P.S.: Como algumas pessoas já entraram aqui no blog procurando por uma cópia do filme FIQUE COMIGO (Touch me), com a Amanda Peet, aviso que a Globo vai exibir o filme no Corujão da próxima sexta-feira.
terça-feira, novembro 28, 2006
FONTE DA VIDA (The Fountain)
O que dizer sobre FONTE DA VIDA (2006)? Dizer que é um dos filmes mais chatos e pretensiosos do ano é chover no molhado. Poderia então falar do quanto eu fiquei impaciente e olhando para o relógio, torcendo pra que aquela tortura acabasse logo, mas sobre isso não tenho muito o que desenvolver. Dos longas anteriores de Darren Aronofsky - PI (1998) e RÉQUIEM PARA UM SONHO (2000) - gostei um pouco do segundo, ainda que muito disso seja por causa da presença de Jennifer Connelly, que sempre me deixa hipnotizado e com meu senso de julgamento afetado. FONTE DA VIDA seria um retorno a uma temática mais pretensiosa, mais cabeça, iniciada em PI. É o filme da vida do diretor. Fico imaginando o quanto deve ser frustrante para um artista o filme de sua vida resultar num fracasso. Se bem que é possível que Aronofsky tenha ficado satisfeito com o seu trabalho, já que vários críticos elogiaram bastante o filme. Nesse ano, FONTE DA VIDA talvez seja, ao lado de A DAMA NA ÁGUA, de Shyamalan, o filme que mais vem despertando opiniões diametralmente opostas.
FONTE DA VIDA tem uma narrativa dividida em três partes. Tirando a narrativa contemporânea, que mostra o drama de um médico/cientista (Hugh Jackman) que estuda um meio de curar o câncer da esposa (Rachel Weisz), as outras duas são um pouco difíceis de serem situadas geograficamente. Principalmente aquela que mostra um Hugh Jackman careca sentado no espaço numa espécie de plano astral. A terceira, depois iremos saber, situa-se há mais de 500 anos na Espanha, na época da Inquisição. A impressão que se tem é que o diretor não soube costurar essas tramas e o resultado acabou sendo um melodrama ingênuo e mal ajambrado com pretensões de soar espiritual, cósmico ou coisa parecida. Um dos momentos mais constrangedores do filme é aquele em que Rachel Weisz pergunta ao marido o que ele acha da idéia de se morrer para dar a vida. Como se essa idéia fosse original.
As religiões orientais já lidam com isso há séculos. Para os hinduístas, por exemplo, o universo inteiro é parte do divino, e tudo é parte de Deus. Desta maneira, Deus está presente em tudo. Nesse sentido, Deus morreu para criar o mundo, como um dançarino que se confunde com a própria arte ou como uma semente que morre para que uma árvore possa nascer. Falando em árvore, a tal árvore "cabeluda" da estória é supostamente inspirada numa árvore do Jardim de Éden. Essa árvore teria o poder de trazer a vida eterna.
No meio dessa salada toda, os únicos momentos realmente empolgantes do filme é quando a gente ouve a palavra "termine, termine" repetidas vezes. É como se houvesse uma entidade secreta, dentro do próprio filme, tentando acabar com aquela tortura. E quanto mais eu ouvia isso, mais eu torcia pra que o filme acabasse mesmo. Tanto que nem me lembro mais do final. Enquanto isso, a veterana Ellen Burstyn sofre, tendo participado de duas bombas seguidas, sendo que a outra foi O SACRIFÍCIO.
segunda-feira, novembro 27, 2006
PARIS, EU TE AMO (Paris, Je T'Aime)
Às vezes eu acho que sou abençoado pelos deuses do cinema. Deve ter algum São Hitchcock ou São Truffaut me protegendo ou mexendo os pauzinhos para que eu consiga ver certos filmes, mesmo quando tudo leva a crer que não vai rolar. Já aconteceu antes com um filme do Woody Allen. Quando eu achava que não ia dar certo eu ver a única sessão do filme, lá estava eu no cinema ouvindo aquele jazz típico. Dos filmes exibidos na edição desse ano do Festival Varilux de Cinema Francês, PARIS, EU TE AMO (2006) era o que eu mais queria ver. Mas não podia, pois eu dou aula durante a semana, e o filme estava programado para passar apenas na sexta e na terça. Assim, já estava mais ou menos conformado em ver o filme só no ano que vem, quando ele entrasse em circuito comercial. Assim, pego o carro e vou até o bairro Bom Jardim. Quando chego lá, a escola está fechada e o vigia fala que só terá aula na segunda-feira. Tentei não demonstrar que estava feliz da vida por isso - sabe como é, professor tem a obrigação de amar a profissão acima de tudo -, e saí devagarinho ouvindo Leonard Cohen. Logo comecei a ouvir um estranho ruído acompanhando a canção do Cohen: era o som do pneu do carro, que tinha furado. Saí à procura de alguém que pudesse trocar o pneu, já que eu ainda não aprendi a fazer isso. Encontrar alguém foi mais fácil do que imaginei. Ruim é que o estepe também estava furado, mas consegui chegar a tempo numa borracharia. Mas isso não atrapalhou a minha alegria nem me atrasou para a sessão.
PARIS, EU TE AMO é, de longe, o melhor filme em episódios que eu já assisti. Esqueçam os recentes CRIANÇAS INVISÍVEIS e 11 DE SETEMBRO. PARIS, EU TE AMO supera até mesmo os clássicos RO.GO.PA.G e HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS. De que outra maneira poderíamos ver num mesmo filme Steve Buscemi, Catalina Sandino Moreno (ê, Waltinho esperto!), Sergio Castellitto, a maravilhosa Juliette Binoche, Willem Dafoe, Nick Nolte, Ludivine Sagnier (bom, confesso que não a reconheci), Maggie Gyllenhaal, Fanny Ardant, Bob Hoskins, Elijah Wood, Natalie Portman, Gérard Depardieu e os cassavetianos Ben Gazzarra e Gena Rowlands? Nem mesmo Woody Allen ou o recém-falecido Robert Altman conseguiriam juntar num mesmo filme toda essa gente. Mas o melhor é que todos esses grandes intérpretes são dirigidos por alguns dos melhores cineastas da atualidade. Mesmo os cineastas que eu não conheço - a maioria, na verdade - me surpreenderam com pequenas pérolas. Como foi dado total liberdade para os realizadores, cada um fez o que bem quiz. Vou tentar falar um pouco de cada um dos curtas. Como são curtas, eu aviso que posso estar estragando um pouco o filme pra quem não assistiu ainda, já que muito da graça de PARIS, EU TE AMO está nas surpresas. Mesmo assim, vou tentar não dizer muito do enredo de cada segmento.
1."Montmartre", de Bruno Podalydès. Esse simpático curta de abertura mostra um homem em busca de uma vaga para estacionar. E de alguém para amar. Até que uma mulher desmaia perto de seu carro. Será que essas coisas acontecem mesmo na vida real?
2."Quais de Seine", de Gurinder Chadha. A diretora é queniana. Não conhecia. Se eu já tinha gostado do anterior, esse, então, é dos meus favoritos. Um rapaz se apaixona por uma garota muçulmana. Adorei o final.
3."Les Marais", de Gus Van Sant. Esse é um dos curtas que mais geraram expectativas por causa dos últimos trabalhos do diretor. Trata-se de um autêntico Van Sant, com direito a amor entre dois rapazes, conversa - aliás, monólogo -, sobre almas gêmeas, e uma opção por poucos cortes na edição.
4."Tuileries", de Joel e Ethan Coen. O primeiro curta não-romântico do projeto. Aliás, duvido que os Coen consigamm fazer um filme romântico algum dia, eles que são tão ácidos e sarcásticos. No segmento, Steve Buscemi é um turista solitário em Paris que, sem querer, se mete numa confusão.
5."Loin du 16ieme", de Walter Salles e Daniela Thomas. Esse curta me passou a impressão de ser mais curto do que os demais. Waltinho e sua parceira na direção têm o orgulho de trazer a belíssima Catalina Sandino Moreno como uma mulher hispânica que precisa deixar o seu bebê em casa para trabalhar de baby sitter. Simples e bonito.
6. "Porte de Choisy", de Christopher Doyle. O único curta ruim da antologia. Bem que poderia ser tirado. Melhor Doyle continuar trabalhando apenas como diretor de fotografia, coisa que ele faz muito bem. A trama é meio esquisita, sobre um vendedor de xampu que chega num bairro chinês de Paris. Bleargh!
7. "Bastille", de Isabel Coixet. Sergio Castellitto planeja terminar com a esposa para ficar com a amante, mas precisa mudar de planos, quando descobre que a esposa está com câncer. A diretora é a do belo e triste MINHA VIDA SEM MIM (2003). Lindo!
8. "Place des Victoires", de Nobuhiro Suwa . Esse é maravilhoso. Tem um clima meio lynchiano, principalmente pela participação de Willem Dafoe como uma espécie de caubói, mas muito da sua força vem da presença sempre divina de Juliette Binoche. Ela faz o papel de uma mãe que sofre a perda de seu filho pequeno e que tem a chance de dar o último adeus à criança.
9. "Tour Eiffel", de Sylvain Chomet. Esse é simpático, mas não é dos meus favoritos. É uma estória de amor entre dois mímicos.
10. "Parc Monceau", de Alfonso Cuarón. Num único plano seqüência, vemos uma jovem mulher (Ludivine Sagnier) e um homem mais velho (Nick Nolte) discutindo sobre suas vidas. Cada vez eu gosto mais de Cuarón. E ele vem aí com FILHOS DA ESPERANÇA (2006), que promete ser um filmaço!
11. "Quartier des Enfants Rouges", de Olivier Assayas. Como Assayas adora mostrar pessoas de culturas diferentes se relacionando num mundo globalizado e subversivo, vemos uma atriz americana (a sempre ótima Maggie Gyllenhaal) se apaixonando por um traficante de drogas. Excelente!
12. "Place des Fetes", de Olivier Schmitz. Esse é dos mais tristes da antologia. Um homem está ferido numa praça e é socorrido por paramédicos. Filminho bonito, ainda que não esteja entre os meus favoritos.
13. "Pigalle", de Richard LaGravenese. Esse é um dos mais fracos, mas ainda assim desperta o interesse por causa das performances de Fanny Ardant e Bob Hoskins, como um casal em busca de novas emoções para o seu relacionamento.
14. "Quartier de la Madeleine", de Vincenzo Natali. É o mais diferente da antologia. Elijah Wood é um turista que se apaixona por uma vampira. Detalhe para a cor do sangue. Engraçado que na hora desse curta, algumas pessoas saíram da sala. Isso que eu chamo de preconceito com o gênero, hein!
15. "Pere-Lachaise", de Wes Craven. O cineasta mais ligado ao gênero horror da turma acaba fazendo um curta sobre dificuldades de relacionamento. Na trama, um casal em férias visita o túmulo de Oscar Wilde.
16. "Fauborg Saint-Denis", de Tom Tykwer. Só por ter a presença luminosa de Natalie Portman esse curta já merece destaque. O cuidado com o visual já é uma marca de Tykwer, que conta o romance entre uma jovem aspirante a atriz e um rapaz cego.
17. "Quartier Latin", de Frédéric Auburtin e Gérard Depardieu. O curta marca a estréia de Depardieu atrás das câmeras. Não é dos melhores, mas a ótima performance de Ben Gazzarra e Gena Rowlands compensa um pouco. Cá pra nós, como Gazzara está velho, hein! E pensar que nos anos 90, ele já foi o "come-todas" Marcelo num dos filmes do Khouri.
18. "14th Arrondissement", de Alexander Payne. Esse curta é a cara de Payne. É uma espécie de versão feminina de AS CONFISSÕES DE SCHMIDT (2002). Tem algo no curta que me incomoda, que é a idéia de mostrar os losers como motivo de riso, como se o cineasta estivesse zoando deles. Ao mesmo tempo, é um curta que diverte bastante e que mexe com as emoções. Só não sei se foi o segmento ideal pra finalizar a antologia. A tentativa no final de unir alguns dos episódios também soou forçada, mas nada que atrapalhe a apreciação geral.
P.S.: Tem blog novo na área: o Blog of Snobs, do David. Demorou, mas ele acabou cedendo aos pedidos do pessoal.
sexta-feira, novembro 24, 2006
GERRY
A partir de GERRY (2002), Gus Van Sant vem sendo visto como um diretor de um cinema comtemplativo, a exemplo de um Abbas Kiarostami, um Manoel de Oliveira, um Michelangelo Antonioni, ou o Vincent Gallo de THE BROWN BUNNY. Compararam bastante GERRY com os filmes do cineasta húngaro Bela Tarr, mas como nunca vi nenhum filme desse diretor, fico na minha. Já a comparação com Tarkovski não me agrada. Tudo bem que Tarkovski é um cineasta contemplativo também, mas cada fotograma de seus filmes parece ter um poder, uma força que os filmes de Van Sant ainda não têm. Os tempos mortos de GERRY, por exemplo, podem ser preenchidos por pensamentos dos mais diversos. Por isso que na longa seqüência de caminhada de Matt Damon e Casey Affleck eu me dispersei. Esqueci do filme por alguns momentos e pensei em coisas da minha vida, bem pouco relacionadas àquela cena. Acredito que se tivesse assistido o filme no cinema, essas dispersões seriam bem menos freqüentes.
GERRY é um filme praticamente sem plot. A narrativa não tem muita importância. Pode-se resumir a estória como sendo a de dois amigos que se perdem no deserto. Não se sabe o que os dois pretendem, qual o objetivo dessa viagem, o que eles fazem da vida, porque eles se tratam ambos como "Gerry", porque eles usam o verbo "to gerry" (significando algo como fazer bobagem). Quando eles se vêem "oficialmente" perdidos, muitas dessas perguntas já não nos interessam mais. Só o que importa agora é achar um caminho para sair daquele lugar. Enquanto isso, o deserto os engole aos poucos. E o que é pior: eles estão sem água ou comida. E à medida que eles vão ficando cansados, a conversa vai diminuindo, pois suas forças estão se esgotando e é preciso economizar energia.
Esse suspense tem o seu auge na cena em que Casey Affleck fica "preso" em cima de uma rocha alta e não consegue mais descer. Se ele pular, ele pode torcer o tornozelo. O que fazer, então? É uma cena que dura cerca de dez minutos e é o momento de maior força de GERRY. Depois dessa cena, comecei a ficar um pouco incomodado com o filme. Mas talvez isso seja um elogio e a intenção de Van Sant tenha sido essa mesmo. Dizem, inclusive, que durante a exibição do filme num festival passado, muitas pessoas abandonaram a sessão no meio. Talvez seja por isso que GERRY não chegou a ser exibido no circuito comercial ou a ser lançado em DVD. É, muito provavelmente, o trabalho mais anti-comercial de Van Sant. Mais até do que LAST DAYS (2005), ainda que esse último seja bem mais ousado na opção por abandonar completamente o plot. Acontece que LAST DAYS, por ser inspirado em Kurt Cobain, conquistou o interesse de uma grande audiência, enquanto que GERRY, nem a presença de Matt Damon atraiu bilheteria. Quanto à cena final dos dois rapazes no deserto, eu ainda estou para entendê-la. O interessante é que essa ambigüidade pode gerar mais discussões. Há teorias que dizem que os dois Gerries seriam uma só pessoa dividida; outros já vêem o filme como um romance. De todo modo, vê-se que não se trata de um filminho qualquer ou uma capricho de um cineasta que quer se reinventar e ser reconhecido entre os grandes.
quinta-feira, novembro 23, 2006
MASTERS OF HORROR: SOUNDS LIKE
Depois do fraco THE V WORD, a expectativa era de melhorar com SOUNDS LIKE (2006), de Brad Anderson. E melhora. O problema é que ainda não apareceu um trabalho realmente excelente nessa segunda temporada de MASTERS OF HORROR. Mas vamos com calma, que a série começou agora.
SOUNDS LIKE é um filme perturbador que parece um episódio da série ALÉM DA IMAGINAÇÃO, bem como uma espécie de filme-irmão de CHOCOLATE, que Mick Garris dirigiu para a primeira temporada. É um filme que passa a impressão de ser bem dirigido, tem belas composições que privilegia o focar e o desfocar, uma fotografia fria que funciona sempre a favor, além de um trabalho de som muito bem cuidado. Pena que o final é um pouco previsível, lembrando o final de O HOMEM DOS OLHOS DE RAIO X, de Roger Corman, que é infinitamente melhor, claro.
Na trama de SOUNDS LIKE, um homem é amaldiçoado com uma super-audição que aos poucos vai lhe roubando o que sobrou de sua sanidade, já bastante avariada depois da morte do filho de seis anos. Sua esposa tenta engravidar novamente a fim de trazer um pouco de conforto espiritual para aquela triste casa. Mas à medida que os dias vão passando, essa super-audição vai tornando a sua vida insuportável. Um dos maiores méritos do filme é o interessante uso de câmera de alta definição para demonstrar cinematicamente os quadros de perturbação do personagem.
Pelos três filmes de terror de Anderson que eu vi - SESSION 9 (2001), O OPERÁRIO (2004) e SOUNDS LIKE -, pode-se perceber que o cineasta prefere apostar no mal interior, na ameaça que nasce da própria mente humana. Mesmo SESSION 9, que conta com fantasmas "de verdade", é um filme que aposta no terror psicológico. Sobre SESSION 9, falarei mais sobre ele futuramente. O protagonista de SOUNDS LIKE é Chris Bauer, conhecido de quem acompanhou a série THIRD WATCH na Warner - não é o meu caso. Bauer está no elenco de A CONQUISTA DA HONRA, de Clint Eastwood.
O próximo episódio de MASTERS OF HORROR será JOHN CARPENTER'S PRO-LIFE. Esse promete, hein!
quarta-feira, novembro 22, 2006
A PEQUENA JERUSALÉM (La Petite Jérusalem)
No que confiar? No sentimento ou na razão? Não seria um erro acreditar que a mente tem capacidade de discernimento melhor que o coração? Não seria o Iluminismo e a "idade da razão" apenas uma ilusão? A mente não é capaz de criar armadilhas muito piores para as pessoas? Apesar de essas questões serem até um pouco óbvias para muita gente, a estudante de Filosofia Laura (a bela Fanny Valette) é fascinada no pensamento de Kant e no racionalismo exacerbado. Ela tem medo de se entregar às paixões e deixar de pensar com clareza. Até chega a adotar o método de Kant de caminhar sozinha sempre no mesmo horário, todos os dias, seguindo o mesmo intinerário. (Confesso que fiquei interessado nisso também, eu que tenho uma relação de afeto com a rotina.) Para a sua família judaica ordodoxa, residente em Paris, a atitude de Laura é estranha, principalmente porque ela põe em discussão até mesmo a natureza de Deus e não participa das reuniões familiares para fazer a sua caminhada obrigatória.
A PEQUENA JERUSALÉM (2005), de Karin Albou, é um belo filme que combina com sensibilidade e harmonia o emocional, o racional, o religioso e o sensorial. Desde a cena inicial, quando vemos Fanny Valette seminua - closes de partes de seu corpo - e lendo a Torá, que percebemos esse caminho escolhido pela diretora. Apesar de o foco principal do filme ser Laura e o drama de se apaixonar por um mulçumano, o filme também lança um olhar bem de perto em Mathilde, a irmã casada de Laura. Ela fica abalada quando descobre que o marido (Bruno Todeschini) a está traindo. Descobre também que o motivo dessa traição é a insatisfação do marido em relação à rotina sexual do casal. Ele procura lá fora o que não encontra dentro de casa. Assim, Mathilde procura uma conselheira judia que possa lhe ajudar a encontrar uma maneira de temperar o relacionamento sem, com isso, infringir as leis de Moisés. Outra figura feminina importante no filme é a da mãe das duas, uma mulher que é adepta de uns misticismos estranhos ao Judaísmo. A cena de Mathilde falando sobre sexo com a mãe, de uma geração em que a mulher era mais subserviente e excessivamente recatada, é das melhores do filme. Porém, o maior alvo de interesse é mesmo Laura, com seu conflito interior e sua sensualidade à flor da pele. Depois de tanto tempo de auto-repressão, ela entra em ebulição.
Sobre o interessante ponto de vista judaico mostrado no filme, engraçado como o cinema francês tem se interessado em mostrar os imigrantes que moram no país, como pode-se perceber em filmes recentes como DESDE QUE OTAR PARTIU, de Julie Bertucelli, e A GRANDE VIAGEM, de Ismaël Ferroukhi. Percebemos o quanto a França, e principalmente a capital, Paris, tem se transformado num grande caldeirão cultural.
terça-feira, novembro 21, 2006
NÃO SE MOVA (Non Ti Muovere / Don't Move / No Te Muevas)
Deveria ter falado desse filme na semana passada, no calor da emoção, momentos depois de ter enxugado as lágrimas com o final. Agora, acho que vou soar um pouco mais racional do que o filme merece. O cinema italiano tem essa tradição passional, coisa que está muito presente na alma dos italianos. E Sergio Castellitto honra essa tradição com louvor nesse filme emocionante estrelado por ele, Penélope Cruz e Claudia Gerini.
Na trama de NÃO SE MOVA (2004), Castellitto é Timoteo, um médico cuja filha adolescente sofre um grave acidente e encontra-se em coma no hospital onde ele trabalha. A possibilidade da perda da filha faz com que ele lembre do passado, de quando ele conheceu uma mulher pobre e sem instrução chamada Italia (Penélope Cruz). Na época, ele já era um homem casado e bem sucedido. Tinha uma esposa bonita (Claudia Gerini, de A PAIXÃO DE CRISTO) e os dois pensavam em ter um filho. A paixão clandestina que Timoteo nutre por Italia pode pôr em risco o seu casamento, mas como se trata de paixão, o pensamento fica turvo.
Penélope Cruz aparece feia pra cacete nesse filme. Cabelo desgrenhado, dentes podres, roupa velha, aspecto excessivamente humilde, sem amor próprio ou vaidade. Uma das cenas mais tocantes do filme é quando ela diz para Timoteo algo como: "não me deixes nunca; venha uma vez por dia, uma vez por mês ou uma vez por ano, mas não me abandone." Como se ela não tivesse outra opção a não ser aceitar as condições de viver junto àquele homem casado, mesmo que tivesse que estar sempre em segundo plano. Ao mesmo tempo, fiquei bastante comovido com a compreensão da esposa de Timoteo, que sabia que o marido estava fazendo algo de errado por aí, mas que preferia não perguntar nada. Esse amor incondicional entre essas três pessoas é lindamente emoldurado por belíssimas canções, em especial "If it be your will", de Leonard Cohen, e "Scrivimi", canção mais conhecida dos brasileiros pela versão de Renato Russo para o álbum Equilibrio Distante.
No entanto, ainda que tenha toda essa carga emocional e passional, nem tudo é belo no filme. Aliás, é belo. É que o filme não se envergonha de mostrar o lado negro da sexualidade masculina e de como isso pode até atrair as mulheres. A primeira vez que Timoteo e Italia fazem sexo, aquilo ali é um estupro. E ambos sabem disso. E quando Timoteo se mostra mais agressivo no sexo com a esposa, ela acha aquilo o máximo, diferente do que haviam feito até então, pelo menos. Lembro que quando Carlão Reichenbach esteve aqui em Fortaleza, no ano passado, ele comentou sobre o aspecto machista do filme e isso me deixou curioso. Mas eu havia perdido o filme quando ele passou no cinema da cidade e o tempo foi passando e eu fui adiando, mas da última vez que fui à locadora, resolvi pegar. O DVD da Imagem Filmes não respeita a janela do filme e o traz em fullscreen, mas ainda assim não deixa de ser imperdível.
segunda-feira, novembro 20, 2006
CANTA MARIA
No mesmo dia que estréia o excepcional O CÉU DE SUELY, outro filme nacional entra em cartaz com menor visibilidade, ainda que dentro do circuitão. O problema é que não há nenhuma estratégia de marketing para divulgação do filme. Eu sequer sabia de sua existência até um dia anterior à estréia. Não vi trailers do filme. Até mesmo o título foi mudado meio que às pressas. Era pra se chamar "Os Desvalidos", título do romance de Francisco J.C. Dantas e foi mudado para CANTA MARIA (2006), título de uma das canções de Daniela Mercury, presente na trilha sonora. Acredito que o título definitivo é bem pouco atraente e deve até afastar o público, que pode associar o filme a algum musical religioso, quando na verdade trata de uma estória de amor ambientada na época do cangaço.
CANTA MARIA é o retorno de Francisco Ramalho Jr. ao posto de diretor depois de um hiato de quase 20 anos. Não conheços os seus filmes, exceto FILHOS E AMANTES (1981), que tenho vontade de rever por causa das presenças deslumbrantes de Lúcia Veríssimo e Denise Dumont. CANTA MARIA é um filme que se passa no conturbado nordeste brasileiro da década de 30, quando a região estava em guerra. De um lado, os cangaceiros chefiados por Lampião, de outro, os volantes, tropa da polícia especializada em atacar o cangaço. É um cenário que por si só já é muito rico e interessante. Também havia naquela época uma crença muito forte no Padre Cícero. Muitos acreditavam que ele fazia milagres.
Nesse cenário, acompanhamos a estória de Maria (Vanessa Giácomo), uma bela jovem cuja família foi assassinada pelos volantes. Sua família apoiava e recebia com freqüência Lampião (José Wilker) e por isso foi alvo de uma chacina executada pelo próprio governo. Quem encontra Maria é Felipe (Marco Ricca), um domador de cavalos que mora junto com o seu sobrinho (Edward Boggiss). Há uma atração mútua entre Maria e Felipe, apesar de ela ser, como o próprio tio falou, "aprumada" demais para ele. Felipe é um homem bruto e de pouca instrução. Os dois se casam e boa parte do que acontece de desgraça em seguida é culpa da estupidez dos próprios personagens, especialmente dos homens.
O filme é narrado com muita simplicidade e linearidade. Não há nenhuma tentativa de fazer algo diferente ou moderno. É um trabalho à moda antiga. A produção foi realizada na pequena cidade de Cabaceiras, no interior da Paraíba. O lugar teve suas estradas asfaltadas cobertas com areia e seus postes de iluminação foram arrancados para dar vida à cidade fictícia de Vale de Rio das Paridas (êta nomezinho feio, sô). Entre os destaques do filme está a performance do versátil Marco Ricca, José Wilker no papel de Lampião e, principalmente, a beleza e o brilho da jovem Vanessa Giácomo, que foi descoberta na novela CABOCLA (2004). Ela está também no novo filme de Ricardo Elias, OS 12 TRABALHOS (2006). O problema do filme é uma falta de força no ato final, quando deveria haver uma catarse. Em vez disso, acabei saindo do cinema meio que vazio. Ainda assim, é um filme que merece ser conferido.
P.S.: Dois avisos: o primeiro é que Heráclito já está de volta com um novo blog, o Viscera. O segundo é que tem coluna nova no CCR. Falo sobre o efeito do tempo, o envelhecer, essas coisas.
sábado, novembro 18, 2006
JOHN FORD EM DOIS FILMES
Estou tendo a oportunidade - graças ao empurrãozinho do livro "John Ford - A Filmografia Completa", editado pela Taschen - de conhecer facetas diferentes de John Ford, cineasta que eu sempre associei ao western e quase sempre ligado à personalidade forte de John Wayne. Lendo o livro, deu vontade de conhecer alguns filmes mudos do diretor, que são bem difíceis de encontrar hoje. O autor do livro destacou, entre os trabalhos de Ford no cinema mudo, O CAVALO DE FERRO (1924) e TRÊS HOMENS MAUS (1926). Mas como já é tarefa difícil encontrar trabalhos da década de 30 do cineasta, que dirá dos anos 20. De qualquer maneira, ficarei de olho para uma possível chance de que isso ocorra algum dia. E declaro iniciada, com este post, a peregrinação à obra desse gigante do cinema. Os dois títulos abaixo são filmes estranhos ao que eu estou acostumado a ver de Ford. Pertencem a uma fase diferente de sua carreira, que ainda estou tentando entender. Independente de aprofundar-se ou não na sua obra, ver os seus filmes é sempre um prazer.
A PATRULA PERDIDA (The Lost Patrol)
Encontrei o DVD de A PATRULHA PERDIDA (1934) enquanto passava de bobeira em frente a uma banca de revista. Apareceu nas bancas como um lançamento de uma tal Ocean Pictures do Brasil, ainda que, por dentro, tenha o slogan da ClassicLine apresentando o filme. Como o preço era bem convidativo, adquiri o DVD com um sorriso no rosto. A qualidade da imagem está boa. A PATRULHA PERDIDA foi o primeiro dos dois filmes de Ford em parceria com Merian C. Cooper, da RKO, um dos diretores do KING KONG original. Trata-se de um filme bem simples e que dá pra perceber a economia de recursos. Em alguns momentos, até parece adaptado de uma peça de teatro, principalmente pelo fato de os personagens ficarem muito tempo no mesmo lugar, um oásis no meio do deserto. Na trama, durante a Primeira Guerra Mundial, uma patrulha da cavalaria britânica está em missão nos desertos da Mesopotâmia, quando o seu comandante é assassinado por um atirador de elite árabe, deixando os soldados perdidos sem saber o que fazer e para onde ir no meio daquele deserto. Com sede e cansados, eles avistam um oásis e se alegram por algum tempo, desfrutando de sombra e água fresca. Mas os atiradores de elite árabes, que nunca aparecem, vão dando cabo de cada um deles. Um dos méritos do filme é ser simples, curto (65 minutos) e eficiente na construção do suspense e da tensão. No elenco, há a presença de Boris Karloff no papel de um fanático religioso. Para a RKO, Ford ainda faria o elogiado O DELATOR (1935), que daria o primeiro Oscar de direção ao cineasta.
O FURACÃO (The Hurricane)
Depois do Oscar ganhado por O DELATOR e de mais cinco produções menores, John Ford trabalha num filme de orçamento maior, com direito até a efeitos especiais que ainda hoje impressionam. O FURACÃO (1937) é um misto de disaster movie com estória de amor e estória de prisão. A trama se passa num ilha que logo no começo do filme sabemos já não existir mais. O filme começa com um narrador passando de navio por essa ilha e contando a uma pessoa o que aconteceu com aquele paraíso tropical. Assim, conhecemos a fictícia ilha de Manikoora, colonizada pelos franceses. O personagem principal é Terangi, um jovem amado pela comunidade e que, indo a trabalho ao Tahiti, esmurra um homem que lhe importunava e por isso é condenado a passar seis meses na prisão. Como o rapaz não nasceu pra ficar preso, ele vai tentando diversas vezes sair da prisão e isso vai aumentando cada vez mais a sua pena. É uma estória comovente e que nos deixa indignados. Curiosamente, um filme de mesmo nome - aquele com o Denzel Washington - também tem esse poder de indignação. Mas O FURACÃO de Ford é um filme diferente. O último ato consegue ser ainda melhor, mostrando os estragos que um grande furacão faz naquele pedaço de terra cercado de água. Os efeitos especiais são caprichadíssimos. Fiquei bastante surpreso com esse filme de Ford, que peguei achando que era apenas um trabalho sem grandes pretensões e o que eu vi foi uma obra de mestre.
Devo pegar pra rever, numa próxima ida à locadora, NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS (1939), filme que marcaria a história do cinema. Pena que só existe a cópia da Continental.
P.S.: Fiquei triste com o fim do Blog da Desforra, do amigo Heráclito Maia. Espero que ele retorne à blogosfera em breve. Sei que, como eu, muitos são admiradores do seu trabalho e de sua simpatia.
sexta-feira, novembro 17, 2006
O DIABO PROVAVELMENTE (Le Diable Probablement)
"Niilismo. 1. Redução a nada; aniquilamento. 2. Descrença absoluta. 3. Doutrina segundo a qual nada existe de absoluto. 4. Doutrina segundo a qual não há verdade moral nem hierarquia de valores. 5. Doutrina segundo a qual só será possível o progresso da sociedade após a destruição do que socialmente existe." (Fonte: Dicionário Aurélio)
Se tem um filme que mais se aproxima do niilismo, este é O DIABO PROVAVELMENTE (1977), de Robert Bresson. Se nos títulos anteriores do diretor, esse sentimento (ou seja lá o que for) já estava bastante presente, é nesse filme que ele aparece em sua totalidade. Alguns outros personagens anteriores de Bresson já tinham esse desapego com a vida e uma atração pela morte (DIÁRIO DE UM PADRE, 1951; O PROCESSO DE JOANA D'ARC, 1962; MOUCHETTE, A VIRGEM POSSUÍDA, 1967), mas nenhum deles tinha a idéia fixa de cometer suicídio de forma tão intensa quanto o jovem Charles (Antoine Monnier). Para ele, a vida não tem sentido e o mundo é um lugar condenado pela crueldade humana.
Desde o começo do filme, já sabemos qual será o fim de Charles. Bresson já nos entrega o que acontecerá com o rapaz no primeiro fotograma. Só não sabemos como isso se dará. E é impressionante como Bresson não nos deixa prever o que virá a seguir, já que seus personagens agem de forma totalmente contrária ao que normalmente uma pessoa faria. Quando, por exemplo, uma moça dá carona a Charles e a Alberte, eles sequer a cumprimentam. Alberte entra direto pra dentro do apartamento, Charles apenas olha rapidamente para a moça, mas nada diz, e ela vai embora. São pequenos detalhes que se percebe e que dão ao filme certa estranheza que o torna difícil de se ver. Eu cheguei a rever a meia hora inicial do filme pra tentar entender melhor. E realmente funciona melhor na segunda vez, ainda que eu ainda confundisse as namoradas de Charles e seu amigo, Michel. Achei as atrizes parecidas e sem traços fortes que a distinguissem. E essa é apenas uma das dificuldades que a gente encontra nos filmes de Bresson. Quanto mais personagens tem, mais confuso eu fico. Vai ver que é por isso que os meus Bressons preferidos são O PROCESSO DE JOANA D'ARC e UM CONDENADO À MORTE ESCAPOU (1956), filmes que se concentram basicamente num único personagem.
Apesar de Bresson usar ângulos de câmera bem estranhos, preferindo às vezes nos mostrar os pés das pessoas no lugar de seus rostos, esse recurso não chega a ser tão constante e incômodo quanto em seu filme anterior, LANCELOT DU LAC (1974). Interessante que o título do filme surge de uma conversa num ônibus, quando dois passageiros falam do atual estado de destruição do mundo e um deles se pergunta quem é que está escarnecendo com a humanidade, ou levando-a a cometer tais crimes consigo mesma. E um deles diz, em tom de ironia: "o diabo, provavelmente".
O DIABO PROVAVELMENTE me lembrou um pouco O GOSTO DE CEREJA, de Abbas Kiarostami. Acho que por ser o único filme sobre a jornada de um homem em busca de seu próprio aniquilamento que eu havia visto anteriormente. Em certo sentido, o filme de Kiarostami ganha em profundidade por não dizer em momento algum qual a razão de o protagonista estar querendo morrer. No filme de Bresson, podemos encontrar um motivo, mas esse motivo não nos parece justo. Afinal, no que a morte de uma pessoa ajudará na melhora da sociedade? Mas esse é apenas um dos questionamentos que o filme provoca. Na cena em que Charles parte rumo ao seu destino final, ele chega a parar quando ouve uma música de Mozart. Como se, por alguns segundos, aquela música fosse um motivo para que ele permanecesse vivo. Por mais que se acredite que a atitude de Charles diante da impossibilidade da vida fosse de covardia e de desespero, há também que se considerar a sua atitude como sendo corajosa. Será que o nosso mundo ainda tem jeito?
P.S.: Alguém que viu o filme pode me dizer exatamente como é o final? A cópia que consegui em divx termina no exato momento em que Valetin executa o seu trabalho e sai correndo. Bem antes de completar os 95 minutos de duração que consta no IMDB.
quinta-feira, novembro 16, 2006
TRÊS FILMES DISPENSÁVEIS (OU QUASE)
A fim de diminuir a minha lista de filmes ainda não comentados - atualmente com 11 títulos -, vou me livrando dos três filminhos mais ordinários da relação.
EFEITO BORBOLETA 2 (The Butterfly Effect 2)
Eu tinha gostado do primeiro EFEITO BORBOLETA (2004) e apesar das críticas desfavoráveis a essa continuação, resolvi encarar assim mesmo. Trata-se de um dos piores filmes a aportar nos cinemas brasileiros nos últimos meses. EFEITO BORBOLETA 2 (2006) foi lançado direto no mercado de vídeo nos EUA, mas aqui ganhou lançamento pela PlayArte. O filme tem todo um jeitão de picaretagem. Também pudera, o diretor John R. Leonetti tem no currículo apenas MORTAL KOMBAT: ANIQUILAÇÃO (1997), que eu não vi nem quero ver. O roteirista é o responsável por CROCODILO, mais uma das recentes presepadas de Tobe Hooper. O enredo é praticamente o mesmo do primeiro filme, só que contado de uma maneira bem menos criativa. A melhor coisa do filme é a gostosa Erica Durance, mais conhecida como a Lois Lane de SMALLVILLE, numa cena sensual.
O SACRIFÍCIO (The Wicker Man)
Da atual onda de refilmagens, esse filme é talvez o caso mais infeliz. Gerou até mesmo uma brincadeira na internet (no youtube), que merece ser vista. O HOMEM DE PALHA (1973) original , além de ter uma atmosfera toda sinistra e estranha, ainda tem uma bela cena musicada e generosas cenas de nudez com uma moça muitíssimo bem apessoada. O SACRIFÍCIO (2006), a refilmagem, nem tem a gracinha da Leelee Sobieski sem roupa. O filme até que começa bem, mas isso se resume ao prólogo. Depois é ladeira abaixo. Na trama, Nicolas Cage é um policial que, depois de tentar salvar mãe e filha de um acidente muito estranho, recebe uma carta de uma ex-namorada que mora num ilha do Pacífico contando que sua filha havia desaparecido. Como ele está de licença do trabalho, acaba indo parar nessa tal ilha, toda governada por mulheres que realizam rituais pagãos. Neil LaBute, que começou a carreira com jeito de cineasta autoral, agora afundou de vez.
MUITO BEM ACOMPANHADA (The Wedding Date)
Na verdade, esse MUITO BEM ACOMPANHANDA (2005) nem é ruim, é até bem simpático. Mas como faz um tempão que o assisti e não tive muito o que dizer a respeito, resolvi colocar no mesmo balaio. Debra Messing, de WILL & GRACE, é uma jovem que contrata um garoto de programa (Dermot Mulroney) para servir de acompanhante na festa de casamento de sua irmã. A intenção é apresentá-lo como namorado, uma forma de fazer com que seu ex-namorado fique com ciúmes. O que ela não esperava era se apaixonar pelo "prostituto". O filme tem os seus clichês de comédia romântica e um final previsível, mas dá pra assistir numa boa. Os protagonistas são bem simpáticos. O DVD do filme veio parar nas minhas mãos através de minha irmã, que pegou emprestado com uma amiga e quis que eu assistisse.
quarta-feira, novembro 15, 2006
MASTERS OF HORROR: THE V WORD
Feriado é sempre bom, mas nesse de hoje a preguiça impera. Nenhum filme bom nos cinemas da cidade, nenhuma pré-estréia pra animar o dia. De bom, apenas o episódio de PRISON BREAK que eu vi há pouco. Foda, essa série. Mas hoje não é dia de falar de PRISON BREAK. Falemos de THE V WORD (2006), a estréia de Ernest R. Dickerson em MASTERS OF HORROR. Nunca vi nenhum trabalho desse diretor e pelo visto não estou perdendo grande coisa. Ao que parece, seu título mais conhecido como diretor é BONES - O ANJO DAS TREVAS (2001), estrelado pelo rapper Snoop Dogg e por Pam Grier. Ele costuma trabalhar sempre com atores negros e trabalhou como diretor de fotografia em alguns filmes de Spike Lee. Em THE V WORD, um dos protagonistas (Arjay Smith) é negro. Não deve ser coincidência.
O filme é fraco e tem diálogos horríveis. A culpa disso é de Mick Garris, que assinou o roteiro. Garris, aliás, mantém nessa segunda temporada o mesmo número da primeira: dois créditos como roteiro e um como diretor. Mas tudo bem, os diálogos ruins a gente finge que é culpa da burrice dos personagens e tenta relevar. Até porque tem um filme com adolescentes burros que eu adoro: OLHOS FAMINTOS, de Victor Salva. Pensando dessa maneira, dá pra assistir THE V WORD numa boa.
O melhor momento do filme é quando os dois rapazes estão na funerária e gera-se uma expectativa em torno do que vai acontecer. Outro ponto a favor do filme é a sanguinolência exagerada até pra um filme de vampiros. O vampiro que ataca Arjay Smith, por exemplo, rasga sua jugular e bebe o sangue que esguicha. Os vampiros de hoje em dia não têm mais a classe de um Bela Lugosi, que, aliás, aparece numa cena de DRÁCULA, de Tod Browning, numa tv. Já o personagem de Branden Nadon se assemelha ao Brad Pitt em ENTREVISTA COM O VAMPIRO. Ele rejeita a sua condição de vampiro pra não ter que matar ninguém. Michael Ironside é o vampirão-mor da trama.
É possível que o título "THE V WORD" seja uma brincadeira em cima de THE L WORD, série que mostra as aventuras de garotas que gostam de garotas na qual Dickerson dirigiu alguns episódios. O próximo filme da antologia é SOUNDS LIKE, de Brad Anderson. Ao menos, o diretor é melhor.
terça-feira, novembro 14, 2006
O GRANDE TRUQUE (The Prestige)
Christopher Nolan é um desses cineastas queridinhos dos críticos pop, que apreciam filmes que os façam se sentir inteligentes. Foi assim com AMNÉSIA (2000), o filme que revelou para o mundo o diretor; foi assim com O GRANDE TRUQUE (2006), ainda que de lá pra cá muita coisa tenha acontecido. Nolan passou de cineasta independente a diretor de primeiro escalão de Hollywood depois de ter assumido a proposta de revitalização da franquia do homem-morcego em BATMAN BEGINS (2005). Taí mais um filme que foi alardeado como grande espetáculo pela crítica pop, mas que não me enganou não. Aliás, enganar é uma palavra chave quando se fala de Nolan. E enganar está no coração de O GRANDE TRUQUE. Claro, não podia ser diferente, já que se trata de um filme de mágicos ilusionistas.
Tenho um amigo de infância que é fascinado por essas coisas. Aprendeu até vários truques e ganhou habilidade nas mãos para esconder cartas ou outros objetos. Interessante, mas não pra mim. Sou obcecado pela verdade e pela clareza. E não gosto de enganar ninguém, embora tenha dúvidas sobre gostar de ser enganado. Quem gosta de cinema, deve gostar de ser enganado, não é? Mas aí é outra história, já que nos permitimos ser enganados pela nossa própria retina. Na verdade, acho que estou me perdendo nesse assunto e não sei como sair. O fato é que me incomodo um pouco com esses filmes que se sustentam apenas no enredo e posam de inteligentes. Também incluiria nessa lista OS SUSPEITOS, de Bryan Singer.
O GRANDE TRUQUE retoma a parceria de Nolan com os atores Christian Bale e Michael Caine e com o diretor de fotografia Wally Pfister, todo saídos de BATMAN BEGINS, e todos voltarão a trabalhar juntos em THE DARK KNIGHT (2008). Na trama, Bale e Hugh Jackman são mágicos ilusionistas que se tornam rivais graças a uma tragédia que aconteceu com a namorada do personagem de Jackman. Ela foi vítima de um truque que deu errado e morreu afogada num tanque cheio d'água. Michael Caine é mentor dos dois e responsável pela criação de várias engrenagens. Scarlett Johansson é pouco aproveitada, no papel de assistente de Jackman.
Interessante como esse lugar e essa época, a Inglaterra vitoriana, inspira a produção de obras de ficção científica. Alan Moore, sabendo disso, soube aproveitar uma série de personagens literários dessa época nas suas graphic novels da Liga Extraordinária. Tem um interessante filme de ficção científica, chamado UM SÉCULO EM 43 SEGUNDOS, de Nicholas Meyer, que mistura Jack, o Estripador, com viagens no tempo. Inclusive, tenho impressão que se o filme de Nolan tivesse explorado mais o seu lado fantástico, eu teria gostado mais. Um dado interessante no filme - spoiler! - é o fato de o personagem de Bale ser, desde o início, o mais amoral e cínico dos dois e de repente se tornar o herói da história. Isso é muito estranho. Não é por estar na condição de vítima que ele iria conquistar a simpatia do público. O pessoal tem a memória fraca, mas nem tanto.
No fim das contas, o melhor filme de Nolan continua sendo INSÔNIA (2002). E continuo interessado em ver o primeiro filme dele, o inédito no Brasil FOLLOWING (1998), que tem uma premissa interessantíssima. Ah, e em O GRANDE TRUQUE, eu quase não reconheci o David Bowie, embora de vez em quando eu olhasse pra ele e pensasse: "esse velho é a cara do David Bowie..."
segunda-feira, novembro 13, 2006
VOLVER
Depois de uma obra-prima comovente como FALE COM ELA (2002), é até natural que Pedro Almodóvar não consiga mais se superar. Mesmo assim, ainda espero o dia em que o cineasta nos presenteará com uma obra à altura de seu grande talento. VOLVER (2006) é tão bom quanto MÁ EDUCAÇÃO (2004), ainda que seja um pouco mais comportado. Trata-se de um retorno às protagonistas femininas, depois de dois filmes centrados em personagens homens. Carmen Maura, depois de um longo tempo afastada de Almodóvar por causa de um desentendimento, volta a trabalhar com o diretor num papel de destaque. Como em time que está ganhando, não se mexe, Alberto Iglesias, responsável pela trilha sonora dos filmes de Almodóvar desde A FLOR DO MEU SEGREDO (1995) continua presente. Bem como o veterano diretor de fotografia José Luis Alcaine, que trabalhou com o cineasta em mais três outros títulos. Se bem que qualquer fotógrafo que trabalhe com Almodóvar deve seguir as orientações do cineasta. A ênfase nas cores quentes, em especial o vermelho e o amarelo, já é uma marca de seus filmes.
Se fosse feito no Brasil, talvez o filme se chamasse "A Velha debaixo da Cama", tendo em vista as várias vezes que Carmen Maura aparece escondida. Ela interpreta a falecida mãe das irmãs interpretadas por Penélope Cruz e Lola Dueñas. O filme começa com as duas mulheres - e mais Yohana Cobo no papel da filha adolescente de Penélope - no cemitério, limpando o túmulo da mãe. A trama gira em torno de dois acontecimentos: a morte do marido de Raimunda (Penélope Cruz) pela própria filha, depois que o pai tenta abusar sexualmente da menina; e o aparecimento da já citada mãe morta.
Interessante que o filme é totalmente isento de moralismos. Os crimes são imediatamente perdoados pelo público, que se torna cúmplice das personagens. A presença feminina é poderosa e constante. Quase não há espaço para personagens masculinos, ainda que eles tenham a sua importância na trama, sendo responsáveis pelos traumas na vida das mulheres. Se em MÁ EDUCAÇÃO, o abuso sexual está presente na igreja, em VOLVER, ele aparece dentro do lar. O marido de Raimunda, no pouco tempo que aparece no filme, mostra-se um completo inútil e dominado por desejos carnais. A cena dele se masturbando na cama porque a mulher lhe nega fogo, me fez lembrar do estuprador de KIKA (1993), que precisa a todo custo satisfazer os seus desejos. Penélope Cruz aparece muito sensual, com um decote matador e usando uns enchimentos para ficar com os quadris mais largos, mais próximos da típica mulher italiana que Almodóvar quis homenagear. Numa seqüência, Carmen Maura assiste na televisão a Ana Magnani numa cena de BELÍSSIMA, de Luchino Visconti.
Interessante a mudança gradativa de tom do começo para o final do filme. No início, VOLVER se alimenta de um clima de mistério, acentuado pela música de Alberto Iglesias e pelo som do vento uivante da região de La Mancha. No começo, uma série de eventos tornam o filme um pouco pesado: a morte de Paco, o câncer em Agustina (Blanca Portillo), a morte de Tia Paula, o aparecimento de um fantasma. Aos poucos, com o esclarecimento dos mistérios e a praticidade com que as irmãs Raimunda e Sole (Lola Dueñas) contornam seus problemas, o filme vai ficando mais leve e mais colorido. Entre as cenas mais marcantes do filme está, com certeza, aquela em que Penélope Cruz canta, com os olhos cheios de lágrimas, o tango "Volver", de Carlos Gardel. Sua mãe, escondidinha no canto, fica toda orgulhosa. E aposto que Almodóvar também.
sábado, novembro 11, 2006
OS INFILTRADOS (The Departed)
Não é sempre que filmes de dois gigantes do cinema estréiam no mesmo dia. Pedro Almodóvar e Martin Scorsese. Dois mestres totalmente diferentes. Enquanto um é homossexual e entende a alma feminina, o outro é hetero e admite saber muito pouco das mulheres. Nos filmes de Scorsese, as mulheres, ou são putas ou são santas. Em seus filmes, os homens só entendem a linguagem da brutalidade, levam as namoradas para cines pornô, batem na mulher por causa de um bife, alimentam-se da violência e da testosterona. Às vezes, eles buscam o Deus católico, mas dificilmente o encontram. Scorsese, sabendo de suas limitações, faz dessas limitações a sua força. Se é o universo masculino e da violência que ele conhece, é esse universo que ele explora e transforma em algo belo, em arte. E a violência em seus filmes não é gráfica como a de um Dario Argento ou de diretores orientais contemporâneos. A violência se encontra no núcleo de seus personagens. Dependendo do nosso estado de espírito, essa violência pode nos chocar, como aconteceu comigo em OS BONS COMPANHEIROS (1990), ou pode empolgar, como aconteceu comigo enquanto assistia a OS INFILTRADOS (2006). De uma forma ou de outra, é sempre bom ver Scorsese de volta àquilo que sabe fazer melhor: o filme de gângster.
Talvez OS INFILTRADOS seja o filme mais comercial de Scorsese desde CABO DO MEDO (1991), mas é impressionante como, mesmo quando ele parece se render às vontades da indústria hollywoodiana, ele continua fazendo trabalhos notadamente autorais, vigorosos e cheios de qualidade. Foi assim também com O AVIADOR (2004), que é um filme bem mais ousado e pretensioso. Dos três filmes protagonizados por Leonardo Di Caprio, OS INFILTRADOS é o mais redondo, talvez por se tratar de um remake - CONFLITOS INTERNOS. O que não quer dizer que seja melhor que os outros dois, que são muito mais cheios de altos e baixos, mas cujos altos são mais altos que qualquer momento desse novo filme. De qualquer maneira, trata-se de uma obra admirável. Scorsese deve estar orgulhoso de seu garoto, que começou um pouco tímido ao lado de um grande ator como Daniel Day-Lewis - em GANGUES DE NOVA YORK (2002) -, interpretou um maníaco obsessivo em O AVIADOR, e agora põe um pouco dessa neurose no personagem do tira infiltrado na máfia que luta contra suas próprias crises de pânico, mas que vence seus demônios interiores com coragem. Nunca Leonardo Di Caprio pareceu tão forte. A ponto de ficar em pé de igualdade com o monstro Jack Nicholson.
Claro que quem tem mais intimidade com o cinema de Scorsese deve adorar a familiaridade que OS INFILTRADOS traz, mas acredito que aqueles que vão ao cinema apenas para ver um bom filme, para se divertir, também curtirão o jogo de gato e rato, aliás, de rato e rato, cujo eixo do tripé é Jack Nicholson. De um lado, temos um policial infiltrado na máfia (Di Caprio); do outro, um membro da gangue de Nicholson treinado para ser um policial modelo (Matt Damon). Diferente do filme chinês, OS INFILTRADOS é um trabalho bem fácil de se assistir, como é natural no cinema americano, que oferece uma narrativa quase didática. Inclusive, até no que se refere ao maniqueísmo, isso é muito mais presente no filme americano. Em CONFLITOS INTERNOS, os dois personagens são bem mais complexos. O "vilão" não é tão mau, só quer o conforto da vida de policial e poder se livrar dessa vida dupla que despedaça sua alma. No filme de Scorsese, é difícil simpatizar com o personagem de Matt Damon. Aliás, quando Damon faz um sujeito amoral, ele consegue mesmo ser odioso, como aconteceu antes com O TALENTOSO RIPLEY. No entanto, se Scorsese perde no aprofundamento dos personagens, ele ganha na condução da narrativa.
O gosto pelo rock sessentista e setentista aparece na trilha sonora, que traz duas canções dos Rolling Stones, "Gimme Shelter" e "Let it Loose", ao lado de músicas dos Beach Boys, Allman Brothers, John Lennon, entre outros. Inclusive, Lennon é citado numa cena. Jack Nicholson faz uma citação aparentemente gratuita de uma frase do cantor e compositor: "Give me a tuba, and I'll get something out of it." Será que isso não é uma forma de Scorsese dizer que por mais que lhe entreguem trabalhos de encomenda ou comerciais, sempre sairão filmes de Martin Scorsese? Sobre os Rolling Stones, parece que Scorsese está se dedicando cada vez mais aos documentários. No próximo ano poderemos ver um documentário sobre a última turnê da banda de Mick Jagger e Keith Richards. Scorsese está ficando velho, mas ainda tem muito rock no sangue. Amém.
sexta-feira, novembro 10, 2006
O CÉU DE SUELY
O trio Karim Aïnouz-Sérgio Machado-Marcelo Gomes ainda vai dar muito o que falar. Filmes como MADAME SATÃ (2002), CIDADE BAIXA e CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS são um sopro de alegria para o cinema brasileiro. São ao mesmo tempo simples e sofisticados. O CÉU DE SUELY (2006), segundo longa-metragem dirigido por Karim Aïnouz, é uma pequena pérola que me encheu de orgulho e entusiasmo. Muito desse orgulho está no fato de o filme ter sido filmado no Ceará, mais exatamente na cidade de Iguatu, que não cheguei ainda a conhecer.
A cidade fica no sertão central e deve ser "quente feito a moléstia", como geralmente são as cidades dessa região do estado. Esse calor que incomoda a criança à noite, que chora até dormir, e que faz com que as amigas Hermila (Hermila Guedes) e Georgina (Georgina Castro) precisem se aliviar perto da geladeira é um dado importante do filme. Mas o diferencial de O CÉU DE SUELY em comparação a muitos outros que tentam registrar o Nordeste do Brasil é que esse é mais próximo do real. A linguagem usada por Aïnouz é quase documental.
O filme já me conquistou desde o início, quando vemos uma espécie de clipe de um momento de felicidade de Hermila, de quando ela estava ao lado de seu namorado, com quem teve um filho. A canção que toca ao fundo é uma versão brasileira de "Everything I own", do Bread, intitulada "Tudo que eu tenho". Depois, essa passagem romântica e cheia de filtros é substituída pelo estilo mais despojado e simples, pelo céu azul e pelo cenário humilde de Iguatu. Como se a realidade tivesse chegado para cortar o barato da protagonista. Hermila desce do ônibus segurando uma criança no braço. Ela retorna a sua cidade natal e espera o seu namorado voltar. O problema é que ele não volta. E ela precisa arranjar algum meio de sair daquele lugar. Lugar do qual ela não se sente pertencente.
O CÉU DE SUELY é bem diferente de MADAME SATÃ. É um filme contemplativo, próximo do cinema de Gus Van Sant - mas sem ser tão arrastado e angustiante - e dos irmãos Dardenne - a câmera em primeiro plano é usada com freqüência ao longo do filme. Poderia até incomodar esse recurso, mas a presença de cena de Hermila é tão intensa que eu nem pensei em reclamar. Seu belo sorriso até lembra um pouco o da Carolina Ferraz. Ela se mostra bem extrovertida e exalando sensualidade na maioria das cenas, mas soube se mostrar bastante constrangida na seqüência do "pagamento final". João Miguel, que havia se destacado em CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS, também está muito bem.
O CÉU DE SUELY estréia dia 17 em várias cidades. Preciso dizer que é imperdível?
Agradecimentos especiais à amiga Themis Aragão, que muito gentilmente me convidou para acompanhá-la na pré-estréia do filme, com direito à presença do diretor, da atriz principal e de outros membros do elenco. A sala 2 do Espaço Unibanco Dragão do Mar ficou lotada, com gente sentada no chão e em pé. Depois ainda teve um coquetel lá no MIS. Em seguida, houve uma programação inusitada: um show de rock num cinema pornô do centro da cidade, o Cine Betão. Infelizmente, a essa parte da noite eu não estive presente.
quinta-feira, novembro 09, 2006
SEINFELD - 1ª TEMPORADA (Seinfeld - Season 1)
Depois de acompanhar integralmente as temporadas 4 e 5 de SEINFELD, estou voltando ao começo da série, já que há muitos episódios que ainda não vi. Desses da primeira temporada, por exemplo, eu só tinha assistido ao segundo - "The Stakeout". O restante era inédito pra mim. A primeira temporada foi curtinha - apenas cinco episódios . Os executivos da NBC ainda não acreditavam no potencial da série. Tanto que o piloto foi ao ar no dia 5 de julho de 1989 e o segundo episódio, depois de um longo período de aprovação, só foi ao ar em 31 de maio de 1990. Foi mais ou menos o que Jerrry Seinfeld e Larry David tentaram mostrar na quarta temporada da série. Eles quase morreram na praia.
O episódio piloto é bem estranho. Pra começar, não tem a Elaine. Depois, Kramer aparece bem diferente, inclusive com um nome diferente (Kessler). Michael Richards ainda não sabia como lidar com o personagem, o que fazer, no que transformá-lo. Diferente de Jason Alexander, que fez um George igualzinho ao das temporadas seguintes, bem definido. Já Jerry, como ele interpretava a si mesmo, não tinha como errar. Mas nota-se na interpretação dos três que o caldo ainda não estava no ponto. Ainda assim, a estória é uma delícia e o papo dos dois amigos, Jerry e George, é sempre um prazer de ver/ouvir. Interessante que Julia Louis-Dreyfus, a Elaine, até a época do lançamento do box com a primeira e a segunda temporadas, nunca havia assistido a esse episódio piloto. Inicialmente, o programa era pra ser um documentário de uma hora e meia sobre o stand-up comedian Jerry Seinfeld. Mas Jerry acabou ganhando uma sitcom.
Esse episódio piloto trata de um assunto de bastante interesse para os homens, que é a dificuldade que se tem de entender as mulheres, de captar os sinais, suas sutilezas. Como sempre fui muito burro em captar esses sinais, me diverti a valer com o episódio, e com o que o Jerry fala em seu show de comediante. Nesse episódio, uma amiga está indo visitá-lo e ele não sabe se ela tem a intenção ou não de ficar com ele.
"The Stakeout" também lida com a relação homem-mulher, quando Jerry fica interessado em uma mulher numa festa. O problema é que ele está acompanhado da Elaine, sua ex e atual amiga. Em "The Robbery", o assunto escolhido é mais trivial, que é aluguel de apartamento. Depois de ter vários eletrodomésticos roubados de seu apartamento, Jerry pensa em se mudar. Em "Male Bounding", Jerry tenta se livrar de um amigo de infância chato, de quem ele não gosta. O que fazer quando tem um sujeito chato insistindo pra sair com você? É o único episódio de toda a série que não começa com "the". "The Stock Tip" lida novamente com a dificuldade da relação homem-mulher, especialmente no que se refere à falta de assunto entre os dois. Esse tema seria melhor tratado num episódio da quinta temporada. Daqui a pouco começo a ver a segundona.
quarta-feira, novembro 08, 2006
O MUNDO ODEIA-ME (The Hitch-hiker)
Só conhecia Ida Lupino por sua performance em O ÚLTIMO REFÚGIO (1941), de Raoul Walsh. Não sabia que ela, além de ótima atriz, era também compositora e a mais prolífica das diretoras americanas. Entre produções para cinema e televisão, no IMDB constam 36 títulos dirigidos por ela. Não deixa de ser bastante curioso o fato de uma mulher, em plenos anos 40 e 50, ter dirigido tantos filmes. E muitas vezes com ótimo resultado. Lupino era conhecida por seu caráter obsessivo, seja atuando ou dirigindo. O MUNDO ODEIA-ME (1953) é o mais célebre de seus trabalhos. Martin Scorsese é um entusiasta dos filmes de Lupino, e em especial de O MUNDO ODEIA-ME.
Na trama, dois amigos oferecem carona - sem saber, claro - a um maníaco conhecido como "o caronista", procurado pela polícia dos EUA. O criminoso pedia carona nas estradas, matava o motorista e roubava os seus pertences. Os dois amigos nada têm a fazer senão obedecer as ordens do bandido, que tem um olho mais baixo que o outro, um olho que não fecha. Esse detalhe vai ser bastante importante na cena em que os três precisam parar para dormir na estrada e as vítimas não sabem se o criminoso está dormindo ou se está olhando para eles.
O MUNDO ODEIA-ME tem uma economia de cenas bem característica dos filmes noir desse período. Tem a rapidez de filmes como CURVA DO DESTINO, por exemplo. Até mesmo em se tratando da duração - apenas 71 minutos. Em menos de cinco minutos de filme, a situação já está toda armada. Lupino fez um estudo sobre três tipos de masculinidade na relação desses três homens que têm motivos suficientes para estarem muito estressados. (Na verdade, eu li isso em algum lugar, mas não saberia distinguir esses três tipos de masculinidade.) Interessante notar também que o filme não mostra de maneira inferior os mexicanos, como é comum nos filmes americanos. Os mexicanos são os verdadeiros heróis do filme, que tem boa parte das locações em território mexicano. O roteiro foi inspirado num caso real.
Agradecimentos especiais a Carol Vieira, que me emprestou o filme, gravado do canal RetroTV.
P.S.: Está no ar a segunda edição da revista ZINGU! Não deixem de conferir.
terça-feira, novembro 07, 2006
MASTERS OF HORROR: FAMILY
Estou de folga do trabalho, mas sinto falta do ar condicionado e do suco de guaraná que estou acostumado a tomar para agilizar o meu processo cerebral. Passei um tempão tentando imaginar o que escrever sobre O GRANDE TRUQUE e resolvi deixar pra escrever sobre o filme um outro dia. Está um calor dos diabos aqui em casa e eu estou me aliviando com uma soda limonada - isso deve engordar pra caramba. Resolvi escrever sobre FAMILY (2006), o segundo episódio da segunda temporada de MASTERS OF HORROR. Mas antes fui procurar uma foto do filme na internet e nada de encontrar em lugar nenhum. Foi quando eu fui à procura de informações sobre algum programa que pudesse capturar imagens de vídeos. Aí descobri que o programa PowerDVD faz isso. E foi mais fácil do que eu imaginava. Está aí uma fotinha de qualidade decente de FAMILY. Maravilhas do mundo moderno.
Quanto ao filme, se não me deixou tão entusiamado quanto DEER WOMAN (2005), ao menos já fiquei bem mais otimista com essa segunda temporada. John Landis é um mestre do humor negro e faz filmes de terror como se estivesse fazendo uma comédia. Não que FAMILY seja um representante daquele subgênero tão popular na década de 80, o "terrir". Trata-se aqui de algo diferente. Landis tem classe de sobra.
Na trama de FAMILY, Harold (George Wendt) é um solteirão que resolve o seu problema de solidão de uma maneira um pouco diferente: ele pega pessoas na rua, mata essas pessoas e depois joga ácido em seus corpos para que no final só reste os seus ossos, que ele junta com todo o cuidado e veste. Em sua casa ele já tem uma esposa, uma filha e um pai. A rotina de Harold muda quando chegam os novos vizinhos, um jovem casal que vem de Los Angeles. Ele logo se sente atraído pela mulher e fica com a idéia fixa de trazê-la para sua família. A interpretação de George Wendt é destaque no filme, bem como o brilho de Meredith Monroe.
FAMILY é claramente influenciado por PSICOSE. Harold seria uma versão moderna de Norman Bates. E é impressionante como John Landis consegue a proeza de resolver a narrativa do filme no tempo estipulado, de menos de uma hora. Não fica aquela sensação de que o filme está corrido ou faltando partes, como aconteceu em episódios do Carpenter e do Argento na temporada passada.
No blog Palace Hotel, André ZP notou que na cena em que a mulher de Harold está lendo, há uma manchete sobre um garoto-morcego. Sinal de que o projeto BAT BOY pode mesmo estar saindo do papel.
O próximo MASTERS OF HORROR, previsto para a próxima sexta-feira nos Estados Unidos, é THE V WORD, de Ernest R. Dickerson.
segunda-feira, novembro 06, 2006
JOGOS MORTAIS 3 (Saw III / Saw 3)
Uma das franquias mais lucrativas dos últimos tempos está de volta. Os produtores não esperaram nem o povo sentir saudades. Enquanto o negócio tiver dando dinheiro, deve-se produzir um novo produto para as massas o mais rápido possível. Eu até já tinha me esquecido de JOGOS MORTAIS 2 (2005) de tão fraco que achei. JOGOS MORTAIS 3 (2006) ao menos consegue superar o segundo filme, embora esteja longe de ser um bom filme. Ainda assim, dou o braço a torcer em confirmar Jigsaw como um dos vilões mais marcantes da atualidade. (Se bem que esse negócio de dar braço a torcer pra Jigsaw é muito perigoso. Reconsidero o que falei.)
Um dos méritos desse novo filme é conseguir dar unidade aos três filmes, coisa que o segundo não fazia muito bem. O segundo parecia uma versão mais tosca do primeiro com irritante tiques nervosos de videoclipe. JOGOS MORTAIS 3 aproveita a moda dos flashbacks popularizados em LOST e fecha as pontas soltas dos dois primeiros filmes, mostrando detalhes da admissão de Amanda à assessoria de Jigsaw. O filme aposta no sadismo do público e pega bem mais pesado dessa vez. Entre as cenas campeãs de rostos virando no cinema estão: a cena da cirurgia na cabeça de Jigsaw, a cena da mulher metendo a mão em tanque de ácido e a do sujeito rasgado por ganchos.
Na sessão em que eu estava, um sujeito virou o rosto inúmeras vezes. Ele deve ter perdido boa parte do filme, já que JOGOS MORTAIS 3 é um festival de carnificina e brincadeiras de mau gosto. Há um fiapo de história, mais ligada à discípula Amanda e à Lynn, uma médica "contratada" para cuidar do moribundo perverso. Colocam um colar com uma bomba na coitada. Se Jigsaw morrer, ela morre também. Ao mesmo tempo, acompanhamos o drama de um homem que perdeu um filho num acidente de carro e tem a sua capacidade de perdoar posta em xeque.
Dia desses li uma matéria que falava sobre o novo cinema de horror. Citavam Alexandre Aja, Rob Zombie, Eli Roth. Aí colocaram Darren Lynn Bousman no meio dessa turma, coisa que eu acho um absurdo. Só se for para destacar a sua falta de talento. Por mais que O ALBERGUE seja um filme absurdamente pesado e um pouco sádico, Eli Roth faz toda a diferença.
domingo, novembro 05, 2006
MASTERS OF HORROR: THE DAMNED THING
E começou a segunda temporada de MASTERS OF HORROR. O filme escolhido para abrir essa nova série de filminhos de uma hora de duração dirigidos por cineastas de renome foi THE DAMNED THING (2006), de Tobe Hooper. A escolha por um filme do Hooper não me agradou muito, pois o seu filme para a temporada passada - DANCE OF THE DEAD (2005) - não me agradou nenhum pouco. Hooper é desses cineastas que vivem do passado. Foi-se o tempo em que ele fazia coisas boas, como O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA (1974) e FORÇA SINISTRA (1985). Se bem que eu ainda tenho uns buracos enormes em sua filmografia, mas algo me diz que não estou perdendo grande coisa.
Felizmente, THE DAMNED THING, se não significa a volta de Hooper à boa forma, ao menos consegue ser bem melhor que o DANCE OF THE DEAD. A trama se passa no interior do Texas e lida com uma espécie de monstro misterioso que aterroriza uma cidade. O prólogo do filme é animador, mostrando a comemoração do aniversário do pai de um garoto. De repente, um oléo preto aparece no teto da casa e pinga na mão do menino. O pai, vendo aquilo, enlouquece, fala umas palavras misteriosas e atira na própria esposa com um rifle; depois, vai atrás do garoto, que corre aterrorizado. Dizer mais que isso estraga a surpresa. Na verdade, a trama principal acontece vários anos no futuro, quando o garotinho já está bem crescido e se torna o xerife da cidade. A experiência traumática do passado continua o assombrando e afetando negativamente a sua vida.
Pena que esse ponto de partida tão bom seja tão mal desenvolvido por Hooper. Por mais que o monstro seja bacana, que haja uma boa cota de sangue e tripas e que as cenas de tempestade sejam bem interessantes, o resultado final deixou a desejar. Ao menos o final brusco me lembrou os bons tempos de O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA. Boa parte do problema se deve ao roteiro cheio de falhas do filme, dos diálogos bobos e dos personagens mal construídos. Se bem que isso não é tão necessário em se tratando de filme de terror, mas ajudaria um pouco a compensar o talento perdido de Hooper.
O próximo episódio de MASTERS OF HORROR é FAMILY, dirigido por John Landis, autor do meu episódio favorito da primeira temporada (DEER WOMAN). Nesse, eu confio. Já estou com ele aqui devidamente baixado, só esperando que a turma providencie as legendas na internet. Depois do Landis, virão: Ernest R. Dickerson, Brad Anderson, John Carpenter, Dario Argento, Tom Holland, Joe Dante, Mick Garris, Peter Medak, Stuart Gordon, Rob Schmidt e Norio Tsuruta. Até o ano que vem, muita coisa boa vem por aí.
sábado, novembro 04, 2006
FANTASMAS A BORDO
Quando a gente tem pouco a falar sobre um filme e uma longa lista de títulos ainda não comentados, há a alternativa de juntar dois ou três títulos pra fazer a fila andar mais rápido. Tanto VISITORS (2003) quanto SUBMERSOS (2002) são filmes que lidam com fantasmas dentro de um transporte marítimo, seja ele um barco ou um submarino. Os dois títulos não chegaram a ter um resultado satisfatório pra mim, mas valem a espiada.
VISITORS - NAS PROFUNDEZAS DO MEDO (Visitors)
Dois motivos me fizeram comprar o DVD de VISITORS: Radha Mitchell, que eu considero a musa do ano, por causa de sua performance maravilhosa em TERROR EM SILENT HILL, e Richard Franklin, diretor de PSICOSE 2 (1983), cineasta que despertou a minha atenção há pouco tempo. Na verdade, teve uma outra razão pra eu ter comprado: o precinho camarada dos DVDs da Europa, que estão em promoção nas Americanas. Sobre Richard Franklin, é interessante notar o quanto esse filme e PSICOSE têm em comum. Ambos os filmes lidam com personagens que não sabem distinguir o que é real do que é imaginário. Em VISITORS, Radha Mitchell é uma iatista que consegue investimento para o seu projeto dos sonhos: dar a volta ao mundo em seu iate, sem a utilização dos motores, apenas do vento e das velas. Talvez por causa da privação do sono e do longo isolamento com as pessoas, ela começa a ver fantasmas. Alguns visitantes estranhos começam a aparecer em seu barco. Além das pessoas com quem ela falava via rádio, sua única companhia era um gato, que no filme funciona como uma espécie de consciência, de grilo falante da protagonista. Ao mesmo tempo, vemos flashbacks de momentos anteriores a sua partida e de um traumático acontecimento de sua infância. VISITORS é um terror psicológico que tem os seus bons momentos, mas se não fosse a presença radiante de Radha, iria passar batido fácil, fácil.
SUBMERSOS (Below)
Pra falar a verdade, já nem me lembro direito desse filme, de tanto tempo faz que eu vi. Faz uns quatro meses, acho. Na época que o filme chegou em DVD, eu perdi o tesão de ver por causa da enorme decepção gerada por A BATALHA DE RIDDICK (2004), continuação do bom ECLIPSE MORTAL (2000), de David Twohy. Até que tive razão em não ter alugado o filme, em ter deixado pra ver quando ele passasse na televisão. SUBMERSOS mistura dois gêneros: o filme de submarino e o filme de casa assombrada. A estória se passa durante a Segunda Guerra Mundial, quando a tripulação de um submarino tem que lidar com estranhos eventos que causam terror a bordo. Na falta do que falar sobre o filme, recomendo aqui dois filmaços de submarino que valem a pena ver: K-19: THE WIDOWMAKER, de Kathryn Bigelow, e U-571 - A BATALHA DO ATLÂNTICO, de Jonathan Mostow. SUBMERSOS foi gravado da Globo.
sexta-feira, novembro 03, 2006
O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS
O segundo longa-metragem de Cao Hamburguer confirma o talento do cineasta e a sua vocação para trabalhar com crianças. Excetuando FRANKENSTEIN PUNK (1986), que é um curta de animação com massinha, e o episódio de FILHOS DO CARNAVAL (2004), toda a filmografia de Hamburguer é ligada ao universo infantil. O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS (2006) estaria a frente de todos, até por ser o trabalho mais pessoal, próximo do autobiográfico, do diretor.
Interessante notar que geralmente os filmes que mostram o ponto de vista das crianças têm uma leveza toda particular, independente do pano de fundo. Os filmes que mostram crianças sobrevivendo na guerra, como IMPÉRIO DO SOL, de Steven Spielberg, ou ESPERANÇA E GLÓRIA, de John Boorman, são mais leves que filmes com adultos na guerra. Talvez porque as crianças ainda não têm consciência do que está acontecendo ao redor. O filme que mais se aproxima de O DIA EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS é o argentino KAMCHATKA, de Marcelo Piñeyro, que também narra as memórias de um garoto durante o exílio de seus pais na época da ditadura militar. Como tenho uma atração maior pelo sentimentalismo, confesso ter gostado mais do argentino. Mas o filme brasileiro tem, é claro, o seu valor.
Na trama, o menino Mauro (Michel Joelsas) é deixado pelos pais na casa do avô no bairro Bom Retiro, em São Paulo. Os pais, acusados de "subversivos", estão sendo procurados pelos militares, e por isso saem às pressas em seu fusca, sem ao menos entregar o menino pessoalmente ao avô (Paulo Autran, em participação breve). Chegando no apartamento do avô é que o garoto descobre que ele acabou de falecer. Deu até tempo de o garoto ir ao funeral do velho. Assim, o menino fica sob os cuidados de um senhor judeu, entrando em contato com os costumes judaicos. (Interessante que no mesmo dia que eu fui ver esse filme, eu fiz sessão dupla com A PEQUENA JERUSALÉM, de Karim Albou, que também nos apresenta detalhes da cultura judaica. Foi uma agradável coincidência.)
Como o filme se passa durante a Copa do Mundo de 1970, podemos notar o quanto o clima de euforia pela excelente campanha da seleção brasileira contrasta com o clima de repressão causado pela ditadura. Da mesma forma, o garoto ora está angustiado pela estranha ausência dos pais, ora se diverte e faz amizade com os meninos do bairro, principalmente sua vizinha, a malandrinha Hanna. A cena dos garotos espiando as mulheres tirando a roupa no buraco que dá acesso aos provadores de uma loja de roupas é inspirada em ERA UMA VEZ NA AMÉRICA, de Sergio Leone.
Já as cenas que mostram a vibração no país com as vitórias do Brasil são vistas com um misto de alegria e vazio, tristeza. Aliás, eu sempre sinto esse vazio quando o Brasil ganha nos jogos da Copa. Como se aquela alegria não significasse muito para nossa vida. Hamburguer soube trabalhar muito bem esse sentimento, até porque em 1970 o país estava vivendo um de seus momentos mais tristes. Por isso, por mais que o menino gostasse de futebol e colecionasse as figurinhas dos jogadores, havia algo mais importante na vida.
quarta-feira, novembro 01, 2006
OS SUPREMOS - O FILME (Ultimate Avengers)
Quando eu era criança/adolescente, eu gostava tanto dos quadrinhos da Marvel que sonhava com desenhos animados de qualidade que fizessem jus ao belo trabalho que eu lia nos gibis. Eu fazia questão de que os desenhos fossem, acima de tudo, fiéis aos quadrinhos. Um dos únicos que se aproximavam dessa fidelidade era uma série animada do Homem-Aranha que durou de 1967 a 1970 e aquelas séries "inanimadas" do Capitão América e do Poderoso Thor. A série live action do Aranha era horrível (alguém lembra disso?) e aquela série do Hulk eu também não gostava, por mais que aquele clima melancólico fosse até interessante. Sem falar naquele desenho triste do Coisa e aquele outro do Quarteto, que substituía o Tocha Humana por um robozinho - esse foi o Leandro que lembrou, eu já tinha me esquecido.
OS SUPREMOS - O FILME (2006), se não é um ótimo desenho, ao menos se aproxima dos quadrinhos originais reinventados por Mark Millar. Ainda ficou faltando mais coragem dos produtores, já que Millar faz um trabalho subversivo nos personagens e, nesse desenho, tirando o Hulk, todo mundo é bonzinho. O outro problema é o traço do desenho, meio tosco, feito às pressas. Mas descontando esses detalhes, o desenho pode ser um passatempo bem divertido. Principalmente para quem é fã dos heróis Marvel.
Um dos melhores momentos do filme é o prólogo, que mostra o Capitão América lutando na Segunda Guerra Mundial até o momento em que ele cai no mar e é dado como morto. Sessenta anos depois, Nick Fury (que na versão Ultimate é negro), o cabeça da SHIELD, organiza uma missão de busca ao corpo do Capitão, que estava congelado durante todo esse tempo. Para a surpresa de muitos, Steve Rogers estava vivo debaixo do gelo. Ele acorda em outra época, quando praticamente todos os seus amigos já morreram. Fury tem a idéia de juntar um grupo de super-heróis. Assim, entram na equipe o Homem de Ferro, o Thor (a versão Ultimate do Thor é mais esquisito que o original), o Golias e a Vespa. Bruce Banner, o cientista amaldiçoado pelo monstro Hulk integra a equipe da SHIELD também. E a Viúva Negra também é braço-direito do Fury. Lá pelo final, tem o segundo momento bom do desenho, que é a luta dos Vingadores contra o Hulk.
Pelo visto, Avi Arad continua com o seu processo de dominação mundial no que se refere à popularização dos personagens da Marvel. A companhia está em parceria com a Lions Gate para a produção de outros longas em animação com os heróis, todos a serem lançados em DVD. Depois de dois filmes com os Vingadores - OS SUPREMOS 2 deve sair em breve -, em janeiro chegarão nas locadoras americanas o desenho do Homem de Ferro. E em julho do ano que vem será a vez do Dr. Estranho. Interessante como esse personagem tem recebido maior atenção dos roteiristas ultimamente. J. Michael Straczynski, um dos mais talentosos roteiristas da atualidade, é um fã confesso do personagem, tendo escrito, inclusive, uma mini-série, já publicada na Marvel Max. Sem falar nas várias aparições do personagem na revista do Aranha.
No DVD, tem um extra bem interessante: um pequeno documentário falando sobre a história dos Vingadores, com uma participação entusiasmada do lendário desenhista George Pérez.
Agradecimentos ao Zezão, que me emprestou o DVD do filme.
P.S.: Está no ar no CCR minha nova coluna. Falo sobre uma repentina onda de otimismo que me abateu em relação ao cinema brasileiro.
P.P.S: Chegou ontem a Paisà # 5. Ainda não tive tempo de ler, mas a princípio me chamou a atenção a matéria de capa sobre o Almodóvar, os tops noir e o ensaio sobre o cinema americano dos anos 70, escrito pelo Inácio Araújo. Os lançamentos em DVD de filmes do Alain Resnais, de Jean Rouch e de Luís Sérgio Person me deixaram bem feliz.
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