segunda-feira, outubro 31, 2016
BLACK MIRROR – TERCEIRA TEMPORADA (Black Mirror – Series 3)
Uma das melhores notícias, no que se refere a séries de televisão, nos últimos tempos foi a de que BLACK MIRROR voltaria com o dobro de episódios em 2016. Enquanto as duas primeiras temporadas tinham apenas três, esta terceira vem com seis episódios, desta vez em parceria com o Netflix, que além de contribuir na produção, ajuda e muito na divulgação e popularização da série, que ainda é considerada obscura por muitos espectadores.
A pergunta é: será que eles conseguiram manter o grau de excelência das temporadas de 2011 e 2013? Digamos que sim, levando em consideração o número de episódios, mas há uns dois que poderiam ser descartados para que a terceira temporada de BLACK MIRROR (2016) mantivesse o alto nível. De todo modo, como não são ruins, mas medianos ou pouco impactantes, acabam sendo bem-vindos também.
"Nosedive" (foto) é o episódio inicial, que é a cara da série e que tem tudo a ver com este momento atual, embora se passe no futuro. Neste episódio dirigido por Joe Wright (olha, como até um diretor de renome eles conseguiram), temos uma personagem que tem obsessão por popularidade em uma sociedade cujos valores são construídos a partir de curtidas. Neste mundo, Bryce Dallas Howard é Lacie, uma mulher disposta a tudo para conseguir uma casa melhor. Mas para isso ela precisará conseguir mais pontos. É um episódio que nos faz refletir sobre o quão conectados estamos a redes sociais e até onde isso pode nos levar.
"Playtest" é um dos episódios menos brilhantes. Até foge um pouco do estilo de BLACK MIRROR, parecendo mais um ALÉM DA IMAGINAÇÃO ou similar. Na trama, rapaz deixa sua casa e parte para um país da Europa. Chegando lá, ele conhece uma garota em um aplicativo de relacionamentos e fica sem conseguir voltar pra casa. A saída acaba sendo servir de cobaia para um experimento de um novo jogo ligado ao cérebro. O episódio é bom, mas fica aquém do que estamos acostumados a ver na série.
"Shut up and Dance" é outro dos melhores, e tão tenso quanto o hoje clássico "The National Anthem", ainda que um pouco mais simplificado. Rapaz é vítima de um vírus que o filma se masturbando vendo pornografia proibida. Os responsáveis pelo vírus o chantageiam para que ele faça o que eles pedem. É um jogo ao mesmo tempo divertido (só para quem assiste, claro), perigoso e perturbador. É o mais tenso desta temporada.
Um dos melhores, senão o melhor, é "San Junipero", uma perturbadora história de amor nos moldes de "The Entire History of You". Na trama, duas moças se conhecem em um lugar que inicialmente se passa na década de 1980. Aos poucos vamos vendo que aquele lugar é mais estranho do que imaginávamos. O ideal é ver a história se descortinando e descobrindo aos poucos as suas surpresas, ao mesmo tempo em que também nos envolvemos com o relacionamento amoroso das duas. Há cenas de deixar o coração apertado.
"Men against Fire" é o menos inspirado da temporada. Possivelmente de toda a série, até agora. Poderia ter sido deixado de fora. Mas não deixa de ser interessante, tanto pela sua semelhança inicial com TROPAS ESTELARES, de Paul Verhoeven, quanto por ser mais uma história sobre universos de mentira, como em MATRIX. Pena que ele seja previsível e até um pouco chato.
Ao menos a série encerra em grande estilo, ainda que com um episódio não tão bom quanto o primeiro, o terceiro ou o quarto. "Hated in the Nation" é fascinante. Conta a história de uma investigação policial envolvendo pessoas que aparecem mortas depois de serem alvos de raiva por usuários do twitter. Em geral por cometerem algum ato deplorável. É o episódio mais longo da temporada (cerca de uma hora e meia) e até poderia passar nos cinemas. Teria uma recepção calorosa de crítica e público.
domingo, outubro 30, 2016
ESTRANHOS NO PARAÍSO (Stranger than Paradise)
Acho interessante poder falar de ESTRANHOS NO PARAÍSO (1984), de Jim Jarmusch, como um desses filmes marcantes da aurora da minha cinefilia. Não que eu tivesse tido oportunidade de vê-lo no cinema (na verdade, nem sei ao certo se ele chegou a ser exibido em nosso circuito local), mas ele costumava ser bastante louvado entre a crítica, principalmente da principal revista de cinema da época, a revista SET, lembrando que na virada da década de 80 para 90 a revista era constituída por um time bastante respeitável de críticos.
Aí fui pegar a edição que eu mais gosto, que é a que tem a eleição da crítica para os melhores filmes dos anos 1980, quando 15 críticos da casa votaram e obtiveram no final a vitória de ASAS DO DESEJO, de Wim Wenders. ESTRANHOS NO PARAÍSO nem ficou entre os dez, mas ficou entre os 20. E eu adorava ver as listas individuais. Lá o filme de Jarmusch ficou em terceiro na lista de Antonio Querino Neto e em segundo na lista de Leon Cakoff. Não lembro se já tinha visto o filme na época ou se foi só a partir dessas listas que eu fiquei curioso para vê-lo.
Por isso as duas maiores lembranças de quando eu o vi pela primeira vez, numa daquelas madrugadas na Band, era do meu entusiasmo em estar vendo um filme tão singular, com uma proposta estética diferente de tudo que eu já tinha visto, e dos fade to blacks mais demorados do que o normal, passando uma sensação de estranheza e charme bem próprios. Eu não lembrava mais da história e por isso foi muito bom perceber, agora que o revi na telona, em cópia remasterizada, que ele é muito gostoso e engraçado de ver. Embora tenha algo de incômodo no modo como se comportam os personagens naquele cenário um tanto desolado.
Lendo a crítica presente no livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer, o texto compara a situação dos três personagens como a de pessoas vivendo em uma espécie de purgatório de onde não conseguem escapar. Mesmo Eva (a ótima Ezter Balint), que é a húngara que chega aos Estados Unidos e se depara com um lugar imerso em tédio, não consegue escapar disso, por mais que ela tente escapar, através de uma atitude mais ativa e mais positiva diante da vida. Ao lado dela, porém, estão dois rapazes imbecis, que mais parecem mortos-vivos, cada um à sua maneira.
O filme pode ser visto como uma crítica ao american way of life, mas acredito que Jarmusch vai além disso. Até em filmes mais recentes o tédio e a falta de sentido na vida aparece em personagens tão distintos quanto o cansado mulherengo vivido por Bill Murray em FLORES PARTIDAS (2005) ou nos vampiros existencialistas de AMANTES ETERNOS (2013). Portanto, o incômodo de estar vivo parece uma tendência no cinema do diretor.
Em ESTRANHOS NO PARAÍSO, porém, há algo que o torna ainda mais único, que é a forma. A forma dá substância ao conteúdo, ao fiapo de trama. O filme é composto de vários planos-sequência filmados em preto e branco granulado, em que a câmera quase nunca sai do lugar. E na maioria das vezes fica confinada em espaços fechados, com os personagens assistindo televisão, principalmente. Mesmo quando eles vão ao cinema, o ar de cansaço ou de frustração com a vida está presente. A não ser pelo olhar bobão do personagem de Richard Edson, melhor amigo do protagonista Willie (John Lurie).
Poderia falar da tendência de alguns filmes mostrarem os personagens masculinos como idiotas, na velha tradição das obras de John Cassavetes – e assim como Cassavetes foi o rei do cinema indie americano nos anos 60-70, poderíamos dizer o mesmo de Jarmusch nos 80-90 –, mas será essa a intenção do diretor? Talvez não. Sentimos no ar um carinho por esses personagens e não um ataque. O ataque pode surgir do julgamento do espectador, o que é natural. Mas isso faz parte da quebra de expectativas que o filme traz em torno de uma história de relacionamentos entre pessoas que se gostam, ainda que à sua maneira.
sexta-feira, outubro 28, 2016
DOCE VENENO (Un Moment d'Égarement)
Se dissessem que a história era de um filme brasileiro da época das pornochanchadas ou da era de ouro do cinema erótico italiano todo mundo acreditaria. Mas, na verdade, na França das décadas de 1970 e 80 também se produzia filmes mais apelativos, ainda que seja um país que pareça tratar a sexualidade com um pouco mais de naturalidade e menos malícia do que nós e os italianos. DOCE VENENO (2015), de Jean-François Richet, é remake de um desses filmes para fazer graça, mexer um pouco com a libido e também encher os olhos do espectador com a beleza e o viço da moça que dá em cima do melhor amigo do próprio pai.
Na verdade, a cena que os dois ficam pela primeira vez juntos, uma cena na praia, é uma das melhores do filme. Ela diz para ele que a vida é pra ser vivida agora, ou algo do tipo; já ele está morrendo de preocupação, pois estaria se envolvendo com uma moça menor de idade (17 anos e meio), bem mais nova do que ele e, pior, filha do grande amigo, com quem estava passando uma temporada em uma casa de praia – ainda que a casa fosse um pouco afastada da praia, na bela região de Córsega.
Na trama, dois homens, Laurent (Vincent Cassel) e Antoine (François Cluzet), levam suas jovens filhas para passar uns dias na praia para se divertirem. Laurent é divorciado e Antoine está passando por uma crise no casamento. O filme já começa com os quatro dentro do carro e a caminho da casa que servirá de local de muitas confusões e intrigas. Mas tudo é visto de maneira bem leve, embora às vezes o diretor pese um pouco a mão, enquanto outras vezes Cluzet esteja visivelmente exagerado no registro cômico, especialmente quando ele descobre que um sujeito bem mais velho andou mexendo com sua filha. A cena fica, claramente, parecendo mesmo de um filme de outra década.
Curiosamente, a mesma trama, ou o mesmo ponto de partida, pelo menos, serviu de inspiração para um filme americano bem parecido dos anos 80, FEITIÇO DO RIO, que contou com Michael Caine como protagonista e trouxe Demi Moore de top less nas praias do Rio de Janeiro. DOCE VENENO talvez seja um pouco menos apelativo, embora seja generoso em pelo menos uma cena de nudez da jovem estreante Lola Le Lann. A cena já citada é realmente muito boa, mas quem espera que o filme prossiga com esse tom de provocação sensual pode até ficar um pouco decepcionado, já que há um interesse maior no modo como essa relação que nasceu em noite de lua cheia, e que Laurent quer evitar que prossiga a todo custo, abalará as estruturas das relações entre amigos e pais e filhas dentro daquele ambiente.
Tudo bem que não se trata de um grande filme. Mas é muito agradável de ver. E o anacronismo não incomoda. Ao contrário: acaba funcionando a favor, por mais que vá incomodar parte da plateia ou da crítica, que em sua maioria não tem gostado muito do filme. Muitos dizem se tratar de uma simples bobagem. O fato é que eu torço para que mais bobagens como essa apareçam nas comédias contemporâneas, até para nos lembrarmos de como o cinema de décadas passadas era divertido e libertário.
quarta-feira, outubro 26, 2016
SEIS COMÉDIAS AMERICANAS
No velho esquema "pouco tempo e muitos filmes para escrever a respeito", segue mais uma postagem "drops", desta vez só com comédias americanas recentes. Excetuando FÉRIAS FRUSTRADAS (2015), que eu achei bem divertido na época em que vi, mas lembre muito pouco dele agora, os demais são apenas filmes fracos ou problemáticos. Um deles, inclusive, AMERICAN ULTRA – ARMADOS E ALUCINADOS (2015), chegou a entrar na minha lista de piores do ano passado. Talvez eu tenha exagerado, mas ele segue sendo o pior entre os seis exemplares abaixo.
FÉRIAS FRUSTRADAS (Vacation)
Quem não lembra com carinho de FÉRIAS FRUSTRADAS (1983), o original de Harold Ramis estrelado por Chevy Chase, que tantas vezes teve exibição na Rede Globo? Acho que eu chego a lembrar mais das continuações, até. De todo modo, o remake me pareceu mais uma homenagem do que uma tentativa de lucrar em cima da fama do original. Dirigido por John Francis Daley e Jonathan M. Goldstein, o novo FÉRIAS FRUSTRADAS traz Ed Helms no papel que foi de Chase e Christina Applegate como a esposa. A história é simples: homem de família média americana, na tentativa de esquentar a vida sexual com a esposa e de se reconectar com os filhos, faz uma viagem que considera ideal, a viagem que fizera com o pai quando adolescente. O que ele não esperava é que as aventuras se tornassem desventuras. O filme tem uma personalidade própria, mas também não chega a ser tão memorável assim. Eu mesmo já esqueci de quase tudo.
AMERICAN ULTRA - ARMADOS E ALUCINADOS (American Ultra)
O que acaba sendo o grande atrativo de AMERICAN ULTRA – ARMADOS E ALUCINADOS, de Nima Nourizadeh, é a nova parceria de Jesse Eisenberg e Kristen Stewart, que já haviam feito juntos o ótimo FÉRIAS FRUSTRADAS DE VERÃO e que voltariam a se reunir em CAFÉ SOCIETY, o novo do Woody Allen. Infelizmente AMERICAN ULTRA incomoda bastante por se afastar bastante da comédia, que dá o tom do ponto de partida, para ganhar contornos de blockbuster barulhento e cheio de efeitos especiais. Ao menos os americanos podem se dar a esse luxo, mas acabaram perdendo a chance de fazer uma boa comédia de maconheiros, a exemplo do que faz a turma de Seth Rogen, Judd Apatow e cia. Na trama, um maconheiro que trabalha em uma loja de conveniência descobre ter super-habilidades físicas, ao mesmo tempo que também descobre que está sendo alvo de um grupo ultrassecreto.
COMO SER SOLTEIRA (How to Be Single)
Entre as várias comédias com mulheres que têm surgido recentemente, COMO SER SOLTEIRA (2016, foto) até que tem o seu charme. Principalmente pela presença de Dakota Johnson, que aos poucos tem ganhado mais visibilidade. Muito por causa de CINQUENTA TONS DE CINZA. Nesta comédia, ela se mostra bastante à vontade no papel de uma jovem que leva o fora do namorado e que fica meio perdida tentando refazer sua rotina de vida, desta vez como solteira, e agora com a presença de uma nova amiga, vivida por Rebel Wilson, que até tenta ser engraçada, mas eu infelizmente não consigo gostar. Mas também não dá pra desgostar, já que sua personagem tem mais camadas do que aparenta. Pelo menos dentro da superficialidade do filme. O diretor Christian Ditter é o mesmo da comédia romântica SIMPLESMENTE ACONTECE.
OS CAÇA-NOIVAS (Mike and Dave Need Wedding Dates)
Eis um exemplo de filme que possui várias cenas memoráveis e bem engraçadas, de rachar o bico mesmo, mas que acaba derrapando por uma série de razões, seja pela irregularidade do roteiro e do andamento narrativo, seja pela péssima performance de Adam Devine como um dos irmãos presepeiros que quer arranjar um par para o dia do casamento da irmã. Na trama de OS CAÇA-NOIVAS (2016), de Jake Szymanski, ele e o irmão vivido por Zac Efron recebem um ultimato da família para deixarem de molecagem e arranjarem namoradas para a festa de casamento da irmã. Sendo de família rica, eles atraem a atenção de duas moças bem pilantras, vividas por Anna Kendrick e Aubrey Plaza. E aí é que está a grande beleza do filme: Aubrey Plaza e seu talento incrível em fazer rir e de brilhar em cena, deixando todos os demais bem apagados. Pra mim, que não a conhecia, foi uma descoberta e tanto. A comédia é daquelas de humor grosseiro e tal, mas quem não se incomodar vai se divertir bastante. Destaque para a cena da massagem erótica.
PERFEITA É A MÃE! (Bad Moms)
Os roteiristas da trilogia SE BEBER NÃO CASE!, Jon Lucas e Scott Moore, não tiveram muita sorte com sua estreia como diretores. Mas nem tudo está perdido, já que dá pra se divertir com PERFEITA É A MÃE!. Basta não esperar muito do filme. Além do mais, é sempre bom ver Mila Kunis e ela está muito bem como a mãe que, depois de ficar estressada com a vida que leva, resolve mudar o comportamento, como uma espécie de revolta contra a sociedade que exige tanto da mulher. Assim, ela se junta a outras duas jovens mães que passam pelos mesmos problemas (Kathryn Hahn e Kristen Bell) e iniciam uma jornada rumo à libertação. Não dá pra se libertar de tudo, afinal, há o amor aos filhos, mas até que o filme oferece voz a muitas mulheres que devem, certamente, se sentir nos sapatos da personagem. Infelizmente a grande maioria não teve tempo de ir ao cinema para ver este filme.
O BEBÊ DE BRIDGET JONES (Bridget Jones's Baby)
O retorno de Renée Zellweger no papel de sua personagem mais famosa, Bridget Jones, não foi assim tão bom. Não que o filme não tenha os seus momentos. Tem sim, até por ser quase uma cópia do primeiro em sua estrutura e de poder contar com o charme de Colin Firth. Mas a falta de Hugh Grant é muito sentida. Ao que parece, o astro britânico não topou fazer mais esta sequência. Ele anda mais recluso e infelizmente anda fazendo bem poucos filmes. Assim assim, seu personagem não é esquecido no filme. O BEBÊ DE BRIDGET JONES (2016), novamente com Sharon Maguire na direção, como no primeiro filme, mostra a protagonista quarentona e tendo que lidar com a ideia de estar grávida e de não saber quem é o pai, já que ela fez sexo com dois homens na mesma semana. Será o sujeito que ela conheceu em uma festa rock ou o ex com quem ela teve um novo encontro? O filme tem os seus momentos, mas talvez ganhasse pontos se fosse mais curto e mais ágil. Ainda assim, não deixa de ser uma diversão mediana. Destaque para a cena em que Bridget é jogada no hospital para ter a criança.
segunda-feira, outubro 24, 2016
A PRÓXIMA VÍTIMA
É muito bom saber que ainda podemos nos surpreender positivamente com o nosso cinema. Saber que há muitos exemplares a serem descobertos de filmes fantásticos que até estão ao nosso alcance, e alguns deles até com uma qualidade de imagem e som bem decentes. Infelizmente é minoria e nem gosto de pensar nisso, mas o que importa é que temos sim uma história de cinema muito rica e saborosa. A PRÓXIMA VÍTIMA (1983), de João Batista de Andrade, é um desses exemplares desse tipo de cinema de dar gosto.
Depois de ter dirigido uma adaptação de sua própria obra, um cordel, o ótimo O HOMEM QUE VIROU SUCO (1980), João Batista de Andrade partiu para o cinema de gênero, o filme policial. Mas contado de uma maneira bem brasileira, sem intenção nenhuma de copiar o padrão americano, embora essa coisa de investigação policial seja algo muito comum e já herdeiro da literatura ocidental, ou mundial. Aqui mesmo no Brasil já tínhamos escritores que faziam literatura policial, como Rubem Fonseca, por exemplo.
Na história de A PRÓXIMA VÍTIMA, temos Antônio Fagundes como David, um repórter investigativo de uma rede televisiva que está encarregado de cobrir o caso do assassinato em série de prostitutas no bairro do Brás, em São Paulo. Para saber mais sobre os crimes, ele acaba se aproximando de uma prostituta menor de idade, Luna, vivida por Mayara Magri, que na época já tinha feito três telenovelas e era um rosto bem conhecido. Fagundes, então, nem se fala, com seu histórico de cinema e televisão que remonta ao fim dos anos 1960. E em A PRÓXIMA VÍTIMA ele está excelente. Um dos melhores trabalhos de sua carreira, sem dúvida.
A história é baseada em um caso real do chamado "Vampiro do Brás", um assassino em série que nunca foi descoberto pela polícia. E assim como fez em O HOMEM QUE VIROU SUCO, Batista de Andrade trata da questão do preconceito com pessoas mais pobres na metrópole. Se no anterior, era o nordestino, em A PRÓXIMA VÍTIMA, temos os negros e as prostitutas como alvos da sociedade hipócrita e preconceituosa. Um dos principais acusados do crime é um negro que é há tempos incomodado pela polícia. E há uma cena dele com Fagundes, quando o repórter entra em seu território para fazer uma entrevista, que é antológica.
De quebra, o filme ainda traça um painel bem quente sobre o Brasil em convulsão daquela época, com o processo de redemocratização. Assim, vemos cenas reais de comícios e pessoas nas ruas comentando sobre os candidatos ao Governo de São Paulo na época: Lula, Jânio e Montoro. Naquele momento, a polícia agia de maneira consciente de que as coisas estavam mudando, como deixa bem claro o delegado vivido por Othon Bastos. No elenco, há também participação do saudoso Goulart de Andrade, como o chefe de redação.
Com o mistério envolvendo as mortes, o envolvimento próximo do amoroso de David e Luna, a dificuldade de trabalhar em um país ainda com um pé na ditadura e um cenário político singular, só isso já seria suficiente para tornar A PRÓXIMA VÍTIMA um filme imperdível. Mas acontece que ele consegue ser muito mais do que isso, com uma condução narrativa excepcional de Batista de Andrade e um roteiro muito bem acertado de Lauro César Muniz. E que bom que agora é possível ver esta belezura em alta resolução e com cores vivas. É ou não é algo a se comemorar?
sábado, outubro 22, 2016
OUIJA – ORIGEM DO MAL (Ouija – Origin of Evil)
2016 está sendo um ano estranho em muitos aspectos. Não poderia ser diferente no campo dos filmes de horror. Quem diria que a continuação de um grande filme como INVOCAÇÃO DO MAL resultaria em um filme tão aquém do que se espera de James Wan, e que a continuação de uma obra tão esquecível e insignificante como OUIJA – O JOGO DOS ESPÍRITOS (2014) fosse resultar em um trabalho tão bonito e interessante?
Aliás, sempre bom dizer que OUIJA – ORIGEM DO MAL (2016) não é exatamente uma continuação, mas um prequel, e que não é necessário ver o original para entender qualquer coisa. Temos uma história independente, que tem um parentesco muito maior com outra obra do diretor, O ESPELHO (2013), um dos mais inventivos filmes de horror desta década.
Mike Flanagan, o diretor, é desses nomes que merecem atenção neste atual cenário de poucos grandes nomes no gênero. Pelo menos em comparação com o que havia nas décadas de 1970-80. Flanagan não apenas traz ideias novas para o título, como faz tudo com uma elegância de tirar o chapéu. Pode até ter derrapado um pouco na conclusão, mas ainda assim é difícil negar as qualidades do novo filme.
A começar pelos créditos iniciais, que trazem o logo da Universal antigo, como nos anos 1960, e depois com o título escrito em letras grandes, como se estivéssemos vendo um filme sessentista. A reconstituição de época é de dar gosto e o trabalho de direção de arte e fotografia é algo que ajuda a narrativa a parecer ainda mais atraente, por mais que o enredo possa parecer, em alguns momentos, requentado ou um tanto previsível.
Mas na verdade só parece. Embora haja algumas apropriações de cenas do primeiro filme, como a inevitável brincadeira de olhar pela lente do indicador do tabuleiro ouija e ver alguma coisa que provocará medo na plateia, há muitas surpresas ao longo da metragem. Flanagan sabe lidar muito bem com a expectativa, principalmente nos 2/3 iniciais do filme, que são perfeitos em sua condução narrativa e recursos de câmera que funcionam a favor da trama, como a profundidade de campo, como na cena em que a garotinha vai buscar, a pedido do espírito misterioso, uma bolsa cheia de dinheiro para sua mãe.
O jogo com o medo do espectador é feito com muita eficiência, mesmo quando o filme sai do território das sutilezas para mostrar a entidade maligna ou uma expressão assustadora no rosto da garotinha de forma mais gráfica. Mas é no modo como a garota consegue ser sinistra apenas sorrindo, que vemos o quanto este prequel está longe da vulgaridade dos filmes do gênero. E isso é muito bom de constatar.
Na trama, uma família formada por uma mãe e duas filhas (uma adolescente e uma criança) vive de aplicar golpes em clientes que acreditam que a mulher é capaz mesmo de se comunicar com os mortos. Através de algumas combinações prévias com as filhas, ela consegue enganar até mesmo algumas pessoas mais céticas. Mas, como é de se esperar, o jogo com os espíritos – que começam a perturbar a família através do tabuleiro ouija – se tornará muito perigoso para essa pequena família e para outras pessoas que a cercam.
Talvez um dos problemas do filme seja a explicação da trama, que acaba não sendo tão interessante e até bastante convencional. O que importa mesmo é a habilidade de Flanagan em extrair momentos de medo e suspense ao longo da história. Há também outra coisa que conta pontos a favor para OUIJA – ORIGEM DO MAL: o fato de se investir bastante na construção de seus personagens e fazer com que nos interessemos por eles. Junte-se isso à atmosfera de medo e ao tratamento visual sofisticado e temos um pequeno grande filme, desses de dar gosto de ver.
quinta-feira, outubro 20, 2016
DEMÔNIO DE NEON (The Neon Demon)
Um cineasta que se caracteriza por ser arrogante e bastante pretensioso acaba despertando um pouco a antipatia de algumas pessoas. Principalmente quando o que ele tem para oferecer é uma arte um tanto superficial no conteúdo, ainda que com um apelo forte no estilo, na imagem. DEMÔNIO DE NEON (2016) só acentua ainda mais a impressão que se tinha em DRIVE (2011) ou até mesmo em filmes da fase dinamarquesa de Nicolas Winding Refn, como O GUERREIRO SILENCIOSO (2009).
Assim, o que é valorizado por uns em seu cinema pode muito bem ser visto como algo negativo por outros. No caso de DEMÔNIO DE NEON, o cineasta não deixa de fazer um filme intrigante e com algum mistério, embora boa parte da tensão fique diluída em sua busca pelo estilo, pela beleza plástica. De certa forma, isso não chega a ser ruim para o filme, que fala justamente da beleza exterior, de pessoas e coisas superficiais mesmo.
Uma coisa que pode incomodar é a semelhança, pelo menos no início, com CIDADE DOS SONHOS, a obra-prima máxima de David Lynch, já que ambos os filmes mostram protagonistas em estado de deslumbramento ao chegar a Los Angeles. Mas, enquanto uma obra é cheia de excitação, encantamento, sexo, violência, lágrimas e dor, Refn opta (ou talvez não consiga nunca trazer este turbilhão de emoções mesmo) por um namoro contínuo com a imagem. Uma imagem próxima de um comercial de bebidas, é bom destacar.
A vantagem aqui é que esse deslumbramento que a personagem de Elle Fanning tem ao chegar na cidade para fazer sessões de fotos e se tornar, possivelmente, uma das grandes modelos de fotografia de moda do mundo também se manifesta do lado de cá da tela. Ou seja, também ficamos encantados com sua beleza. Nesse sentido, a jovem atriz foi uma escolha perfeita, já que mesmo em filmes em que ela aparece em ainda mais tenra idade, como UM LUGAR QUALQUER e SUPER 8, ela já antecipa o que seria mais explorado no futuro.
Como filme de horror, DEMÔNIO DE NEON é bem atípico. O diretor não tem interesse em abraçar os clichês do gênero, o que poderia ser visto como algo positivo, já que não apela para sustos fáceis. Por outro lado, as cenas que deveriam ser chocantes acabam não causando nenhuma reação ao espectador. Ou seja, aos poucos também somos contaminados pelo jeito blasé do filme, de seu diretor esteticista e de suas personagens. E uma vez que não nos importamos com a protagonista, importa muito pouco o que acontece com ela no final, a não ser para ajudar a compor um retrato ainda mais fútil daquele mundo. Além, claro, de trazer ainda mais beleza mórbida para a tela. Dependendo das intenções do diretor, o filme tanto pode ser encarado como um êxito ou como um fracasso. Confesso que ainda não me decidi.
domingo, outubro 16, 2016
PROMISCUIDADE – OS PIVETES DE KÁTIA
Há filmes que nos passam a sensação de estarmos vendo algo muito proibido. E há filmes que são proibidos mesmo. Ou que se tornaram proibidos com o passar dos tempos. É o caso de PROMISCUIDADE – OS PIVETES DE KÁTIA (1984), de Fauzi Mansur. Ou quase isso. Como na época de sua realização não havia ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente e o país estava em polvorosa, com a democracia prestes a se formar, com uma liberdade de expressão crescente, era até natural que um filme que contivesse cenas de uma mulher fazendo sexo com vários pré-adolescentes existisse, por mais absurdo que possa parecer nos dias de hoje. Lembrando que àquela altura Walter Hugo Khouri já havia feito o controverso AMOR, ESTRANHO AMOR, que hoje é proibido de ser exibido comercialmente no país.
O diferencial é que a versão original de OS PIVETES DE KÁTIA, a que foi aos cinemas, continha cenas de sexo explícito, embora hoje, com a versão editada sem as tais cenas, que foi liberada e está sendo exibida no Canal Brasil já faz alguns anos, não saibamos direito até que ponto o grafismo envolvendo os meninos estava presente. Mas o fato é que a versão editada é tão cheia de cortes bruscos nas cenas de sexo, seja explícito ou não, que o filme ganha um aspecto de objeto proibido só por causa disso.
É possível inferir o que acontece após cada "elipse", mas percebe-se que o filme perde muito de sua força com essa edição forçada, mesmo nas cenas envolvendo adultos, que se constitui a maioria, vale dizer. Logo, por mais que seja feio dizer isso, não deixa de ser frustrante ver esta edição, quando Mansur poderia ao menos ter optado por um filme softcore tão bom quanto vários realizados na primeira metade dos anos 1980.
OS PIVETES DE KÁTIA conta com uma história bem absurda, envolvendo uma família que deseja matar um homem. O filme já começa com uma tentativa dessa família de dar cabo do marido de Kátia (Kristina Keller), vivido por Enio Gonçalves. O homem, de nome Mauro, porém, sobrevive ao "acidente", mas fica impotente e se entrega ao álcool, por isso. Impaciente com o marido, que virou um bêbado chato, a mulher procura garotinhos para iniciá-los sexualmente e, assim, fugir do tédio. Enquanto isso, a família continua procurando maneiras de matar Mauro a todo custo.
A trama do filme parece ser desprovida de lógica, ou pelo menos de alguma lógica razoável, mas uma vez que esqueçamos desse detalhe, é possível valorizar o que há de melhor, ou seja, o modo como Mansur pinta essa família disfuncional, toda reunida em uma casa próxima a um lago. Todos os irmãos e irmãs de Kátia têm relações sexuais às escondidas com outras pessoas da família. Há até cenas de lesbianismo, que, muito provavelmente, serviram para, na versão integral exibida nos cinemas, alegrar o público heterossexual ávido por erotismo.
O que incomoda é quando a trama se encaminha para um suspense, com o encaminhamento do assassinato de Mauro, que vai descambar em uma sequência tenebrosa em um trem. O que há de grotesco e até de cansativo nessa sequência não está no gibi. Mas ao menos é algo que só confirma o aspecto singular deste trabalho que é um objeto estranho em nossa filmografia. E olha que a história do nosso cinema, principalmente o produzido na Boca do Lixo, é cheia de causos incríveis. Nesse e em outros sentidos, OS PIVETES DE KÁTIA é sim um filme incrível. Principalmente no sentido de ter sido pensado e realizado.
sábado, outubro 15, 2016
A MALDIÇÃO DA FLORESTA (The Hallow)
A safra de filmes de horror contemporâneo lançados no circuito anda tão em baixa que, quando surge algum trabalho que seja ao menos diferente, que fuja do lugar comum, já podemos festejar. Este é o caso de A MALDIÇÃO DA FLORESTA (2015), produção que se passa na Irlanda, mas que também conta com dinheiro inglês e americano. A história mostra um casal com um filho pequeno se mudando para uma região rural da Irlanda que tem uma floresta que é considerada amaldiçoada e cheia de criaturas malignas, como dizem os moradores.
Interessante como florestas ou selvas fechadas continuam servindo de inspiração para muitos filmes muito bons. O melhor filme de horror deste ano, por exemplo, A BRUXA, explora muito bem este ambiente. E temos até casos bem especiais, como o cultuado A ÁRVORE DA MALDIÇÃO, de William Friedkin, e A FLORESTA, de Lucky McKee. Mesmo no Brasil, temos o caso de A FLORESTA DE JONATHAS, de Sergio Andrade. E não devemos nos esquecer, claro, de A BRUXA DE BLAIR – o original, não este novo, que é um fiasco.
Quanto ao filme em questão, um de seus maiores méritos está em saber esconder até certo ponto as criaturas e torná-las, assim, mais assustadoras, mas também em ter a coragem de explicitá-las quando chegar a hora, o que acaba tornando A MALDIÇÃO DA FLORESTA muito parecido com um tipo de cinema de horror que se fazia nas décadas de 1970 e 80, quando se trabalhava pouco ou quase nada com computação gráfica, mas com efeitos especiais bastante criativos.
Não dá para dizer que A MALDIÇÃO DA FLORESTA é um filme perfeito. Mas a estreia na direção de Corin Hardy é muito bem-vinda, cheia de elementos sobrenaturais que fogem do estereótipo de filmes de horror cristãos, que são os que predominam atualmente. E neste tipo de cinema mais pagão, por assim dizer, há um sentimento de maravilhamento que as criaturas da floresta nos provocam, ao mesmo tempo em que nos sentimos apavorados em alguns momentos, especialmente quando os personagens se encontram sozinhos, à noite, naquele ambiente em que eles não são bem-vindos.
Aos poucos, o filme vai se tornando uma espécie de pesadelo filmado. O clima onírico predomina e algumas cenas ficam grudadas na memória, como a tentativa do protagonista de dirigir na estrada, o olho na fechadura, ou a busca desesperada da mãe pelo filho capturado pelas criaturas. São cenas que, ainda que numa obra irregular, trazem ao filme uma aura de grandeza de fazer inveja a certos filmes de orçamento mais polpudo.
Corin Hardy, além de alguns curtas-metragens no currículo, tem experiência em direção de videoclipes. Talvez o mais conhecido deles seja o que ele fez para o Keane, para a canção "Somewhere only we know". É, certamente, um cineasta a se prestar atenção. Por A MALDIÇÃO DA FLORESTA, ele chegou a ganhar alguns prêmios em festivais de cinema independente e/ou fantástico, como o Screamfest e o Toronto After Dark.
sexta-feira, outubro 14, 2016
QUATRO FILMES SOBRE O AMOR NA TERCEIRA IDADE
Mais um exercício de memória com filmes vistos há bastante tempo. Dos quatro, eu tenho um especial carinho por UM FIM DE SEMANA EM PARIS (2013), do mesmo Roger Michell do adorável UM LUGAR CHAMADO NOTTING HILL (1999). Os outros três filmes têm os seus momentos e algum charme, graças, principalmente, ao seu elenco, mas são obras menores perto dessa. Vamos aos filmes, que o tempo anda curto.
UM FIM DE SEMANA EM PARIS (Le Week-End)
Depois de dirigir alguns filmes pouco inspirados, Roger Michell buscou o amor como fonte de inspiração novamente, e dessa vez em uma obra menos comercial, pois não há aqui jovens astros hollywoodianos, mas dois adoráveis velhinhos ingleses passando férias em Paris, Meg (Lindsay Duncan) e Nick (Jim Broadbent). A relação dos dois, apesar de longeva, está um pouco desgastada, e ir a Paris, onde passaram sua lua-de-mel, seria uma forma de reacender a chama. Ao mesmo tempo em que isso passa a se tornar possível, o lugar, as DRs e as circunstâncias acabam por tornar aquele momento em Paris também em um espaço de difícil reconciliação. O roteiro, de autoria de Hanif Kureishi, mesmo autor do texto de filmes como MINHA ADORÁVEL LAVANDERIA (1985) e VENUS (2006), é um primor, e em nenhum momento ficamos cansados. Ao contrário. É daqueles filmes que nos deixam até apaixonados pelos personagens, de tão gostoso que é. No mais, há uma deliciosa homenagem a BAND À PART, de Godard.
O EXÓTICO HOTEL MARIGOLD 2 (The Second Best Exotic Marigold Hotel)
Confesso que já fui ver este filme com um pouco de preconceito e preguiça, pois não gosto muito do primeiro e nem sei por que fui ver este segundo. Mas O EXÓTICO HOTEL MARIGOLD 2 (2015) tem lá o seu charme. Não pela direção aborrecida de John Madden (SHAKESPEARE APAIXONADO, 1998), mas pelo ótimo elenco, formado principalmente por atores e atrizes maduros. Afinal, a história trata justamente de pessoas na terceira idade que passam uma temporada em um lugar, a fim de se divertir o máximo possível nesta etapa final da vida. No caso deste segundo filme, eles já estão decididos a ficar naquele hotel na Índia mesmo. Há atores de destaque como Judi Dench, Maggie Smith, Bill Nighy e David Strathairn, mas há também novamente a presença do administrador do hotel, vivido pelo jovem Dev Patel, que na verdade não é indiano, mas um inglês filho de indianos. Há uma subtrama envolvendo seu noivado também, além de uma ciranda de amores dos personagens mais velho e de uma fotografia bem colorida.
MINHA QUERIDA DAMA (My Old Lady)
Não se trata exatamente sobre um filme de amor romântico envolvendo a personagem de Maggie Smith, esta de MINHA QUERIDA DAMA (2014), de Israel Horovitz, mas de seu relacionamento com um americano (Kevin Kline) que herda seu apartamento em Paris. Há, no entanto, uma cláusula que diz que ele terá que ficar com aquela senhora naquele lugar até que ela morra. Graças à presença e à graça de ambos os atores, bem como de Kristin Scott Thomas, o filme tem momentos de leveza e humor muito bem-vindos. Uma vez que não se espere muito do filme, pode-se sair da sessão até bem satisfeito, tanto pelas situações que o filme traz quanto por algumas surpresinhas da trama. O diretor é também roteirista e autor da peça na qual o filme se baseia. Daí tratar-se de uma obra com tantas falas e com tanta ação em interiores.
O ÚLTIMO ATO (The Humbling)
Não dá pra dizer que Al Pacino está acomodado. Um ano antes de atuar neste O ÚLTIMO ATO (2014), ele também contracenou em um filme dirigido por ele mesmo, o pouco visto SALOMÉ, baseado em texto de Oscar Wilde. Já O ÚLTIMO ATO é baseado em um romance de Phillip Roth e trata de um famoso ator de teatro que começa a perder a cabeça e desiste da profissão. Sua vida começa a ganhar algum sentido quando ele passa a receber a visita de uma jovem mulher, vivida por Greta Gerwig. A presença dessa mulher é um tanto quanto fantasmagórica e nisso o diretor Barry Levinson foi bem-sucedido em fazer um filme que nos levasse para a mente nublada do protagonista, ao mesmo tempo em que também vamos nos apaixonando por aquela mulher que também não sabe muito bem o que quer da vida. Greta tem encantado audiências desde, pelo menos, FRANCES HA, e pelo visto continuará fazendo isso por algum tempo.
quinta-feira, outubro 13, 2016
O SHAOLIN DO SERTÃO
O sucesso popular e o caráter de novidade de CINE HOLLIÚDY (2012) fizeram com que o nome de Halder Gomes se tornasse um nome quente. Não que o filme tenha sido a estreia dele na direção. Mas é como se fosse: era o seu projeto mais autoral, reunindo duas coisas que muito lhe agradavam: as artes marciais e o humor tipicamente cearense, com intenção, inclusive, de apresentar para os quatro ventos o "cearês", o linguajar tipicamente cearense.
O SHAOLIN DO SERTÃO (2016) dá seguimento a esse projeto de comédia regional com ambição de ganhar o Brasil, e talvez até mesmo de ser vista com curiosidade por algum espectador estrangeiro. Mas talvez um dos erros de Halder tenha sido entregar o trabalho de roteirização para outra pessoa, em vez de ele mesmo cuidar disso, como fez com CINE HOLLIÚDY.
Ou talvez o filme tenha partido de apenas uma ideia, um esqueleto, e não tenha conseguido desenvolver tão bem o seu miolo, com as piadas, essas sim de fundamental importância para que o filme fosse bem aceito pela plateia. Isso não quer dizer que O SHAOLIN DO SERTÃO não arranque algumas boa gargalhadas e que funcione melhor do que muitas outras comédias brasileiras, mas é um filme cujo humor vai ficando cansativo pela repetição e talvez também por problema de timing e montagem.
Uma das coisas que chama logo a atenção na parte técnica do filme são os créditos de abertura, que emulam uma transmissão de televisão dos anos 80 de um filme chinês de kung fu, como aqueles que passavam com imagem espichada no Faixa Preta, programa dedicado a filmes do gênero que teve grande sucesso nessa década. A brincadeira com o fato de os atores aparecerem magos e altos se dava ao fato de a janela original em scope ser esticada para caber na telinha quadrada dos antigos televisores. Daí o personagem de Aluísio Li (Edmilson Filho) acreditar que os chineses eram um povo alto e magro, enquanto que os cearenses eram baixinhos e de cabeça chata. Essa é uma das boas sacadas do filme, aliás.
A dicção ruim dos atores mirins em CINE HOLLIÚDY, e que acabou por exigir que os filmes fossem apresentados em cópias legendadas, deixou de ser um problema em O SHAOLIN DO SERTÃO. Até porque o garotinho Piolho, interpretado por Igor Jansen, está muito bem, no papel do melhor amigo de Aluísio. Ele é o único que entende a vontade do protagonista de se tornar uma pessoa parecida com aqueles que ele tanto admira nos filmes de artes marciais, muito embora ele costume apanhar e ser alvo de chacota de todos os moradores de Quixadá, cidade onde vive.
A sua motivação vem na forma de uma disputa que acontecerá em sua cidade, sendo que ele se voluntaria para lutar contra o terrível Tony Tora Pleura (Fabio Goulart), lutador que vem ganhando e mandando para o hospital seus adversários em cada cidade do interior por onde tem passado. E daí entra em cena o personagem do Chinês, vivido por Falcão, que será, por assim dizer, o treinador de Aluísio. Os momentos de treinamento lembram tanto KARATÊ KID quanto KILL BILL VOL. 1, mas com sotaque e piadas cearenses (algumas propositalmente datadas). Pena que boa parte delas não funcione, e algumas parecem apenas grosseiras.
Esse traço irregular do humor acaba por fazer de O SHAOLIN DO SERTÃO um filme um tanto cansativo, justamente pela intenção em fazer rir a quase todo instante. Ninguém tem a obrigação de rir de piadas que não funcionam, mas percebe-se o esforço do realizador e daí vem o incômodo. Fazer comédia não é fácil. Pensando nos aspectos positivos, o filme conta com alguns ótimos momentos, e o jeitão meio Chaplin e meio Didi Mocó de Edmilson Filho faz com que o filme ganhe a nossa simpatia. Mas não dá pra negar que se esperava muito mais.
segunda-feira, outubro 10, 2016
QUATRO SUPERPRODUÇÕES
Já faz algum tempo que não tenho conseguido dar conta de escrever sobre a quantidade de filmes que vejo. Acho que mesmo se eu atualizasse o blog todos os dias, ainda assim não conseguiria escrever sobre a imensa lista de filmes que a memória começa a apagar, seja por desgaste dos neurônios, seja para liberar espaço para informações que supostamente serão mais úteis. É bom lembrar que estes quatro filmes abaixo me agradaram. E todos eles são grandes produções.
KINGSMAN - SERVIÇO SECRETO (Kingsman – The Secret Service)
Puxando pela memória, a lembrança que tenho de KINGSMAN – SERVIÇO SECRETO (2014) é muito boa. A cena da luta com muita violência dentro de uma igreja se destaca na memória, claro, mas há muita coisa interessante nessa desconstrução dos filmes de espião. Taron Egerton é o rapaz que é convidado a ingressar em um serviço secreto pelo experiente agente vivido por Colin Firth. O diretor Matthew Vaughn, que já havia feito alguns filmes bem interessantes, entre eles o melhor da franquia X-Men, X-MEN – PRIMEIRA CLASSE (2011), adapta pela segunda vez uma obra de Mark Millar para as telas. Como o roteirista escocês é meio maluco e adora uma violência e um humor negro, muito disso está presente no filme. O ponto de vista do garoto também é um belo chamariz para que o filme seja um sucesso entre o público jovem. Uma continuação está agendada para o próximo ano, com um elenco estelar.
MISSÃO: IMPOSSÍVEL - NAÇÃO SECRETA (Mission: Impossible – Ghost Nation)
Já faz algum tempo que Tom Cruise deixou de trabalhar com cineastas do primeiro escalão para preferir, por algum motivo, diretores de segunda linha, ainda que bons artesãos. Como ele é um produtor de mão de ferro, raramente seus filmes acabam saindo ruins. Mas MISSÃO: IMPOSSÍVEL – NAÇÃO SECRETA (2015, foto), com direção de Christopher McQuarrie, acaba ficando um bocadinho menos memorável que os quatro outros filmes da franquia. Tanto que aconteceu até mesmo de eu ter esquecido de anotar o filme no meu bloco de notas para escrever a respeito. E eu nem lembro de isso ter acontecido antes com outro título. Vai ver o problema é que o filme me deu sono, ou eu não estava num dia bom. Teria que rever, mas no momento não estou com disposição. A primeira cena, a do avião, é engraçada e interessante, meio como um James Bond cômico, até pela presença mais forte de Simon Pegg. Um dos destaques do filme é também a bela e intrigante Ilsa Faust, vivida por Rebecca Ferguson, que impressiona nas cenas de ação. Ao que parece, a parceria de Cruise com McQuarrie ainda vai render. Ele será o primeiro diretor a dirigir dois filmes da franquia MISSÃO: IMPOSSÍVEL. O que acaba tirando a graça da brincadeira de ter uma série com diferentes diretores sempre.
13 HORAS - OS SOLDADOS SECRETOS DE BENGHAZI (13 Hours)
Para quem só lembra do Michael Bay da franquia Transformers, é sempre bom lembrar que ele, quando quer, pode fazer algo bem legal, como foi o caso recente de SEM DOR, SEM GANHO (2013). E também é o caso de 13 HORAS – OS SOLDADOS SECRETOS DE BENGHAZI (2016), que mostra a história de um grupo de soldados lutando para sobreviver a um ataque de inimigos estranhos em uma base americana na Líbia. Saber que é baseado em uma história real ajuda a tornar a experiência mais intensa. E a edição picotada já característica do cineasta nem chega a incomodar tanto, até se fazendo justa para mostrar o nervosismo da situação. No elenco, o protagonista é vivido por John Krasinski, mais lembrado pela sitcom THE OFFICE, mas que agora anda enveredando por filmes de ação como esse.
STAR TREK - SEM FRONTEIRAS (Star Trek Beyond)
J.J. Abrams deixou a tarefa de direção de STAR TREK – SEM FRONTEIRAS (2016) para Justin Lin, depois de dois bons filmes que ressuscitaram a franquia de Kirk, Spoc & cia. E Justin Lin, mais conhecido por seu trabalho importante em vários filmes da série VELOZES E FURIOSOS, acabou assumindo esta terceira aventura, a que mostra a destruição da Enterprise e que apresenta os heróis de maneira um pouco mais aprofundada, ao mesmo tempo que também é mais ágil no quesito ação que os anteriores. No fim das contas, STAR TREK acabou ganhando com isso, mesmo que se trate de uma diversão um pouco mais descompromissada do que já era. O aspecto da amizade de certos membros da tripulação é um dos destaques deste terceiro filme, assim como uma maior ênfase nos papéis femininos, com a introdução de uma nova personagem. Ainda assim, queria mais Zoe Saldana em cena.
domingo, outubro 09, 2016
SETE HOMENS E UM DESTINO (The Magnificent Seven)
Nada se cria, tudo se copia. Essa máxima parece cair como uma luva em se tratando de SETE HOMENS E UM DESTINO (2016), seja a nova versão dirigida por Antoine Fuqua, ou até mesmo a original, pelo comando de John Sturges, em 1960. Já naquela época se sabia que a produção era uma versão da história de OS SETE SAMURAIS, de Akira Kurosawa, que por sua vez era uma homenagem aos bons e velhos westerns de Hollywood.
Se a versão de Sturges já não tinha mais como um dos intuitos oferecer um painel de como era a vida no oeste americano em fins do século XIX, mas de principalmente captar os aspectos heróico e selvagem e explorar a mitologia e os estereótipos do gênero, o que dizer de uma versão feita no século XXI, que já viu a morte e o renascimento do gênero algumas vezes, sem falar na explosão que foi o surgimento do western spaghetti na década de 1960?
Tudo isso é levado em consideração, assim como uma série de situações que aparecem no filme que tem tudo a ver com os novos tempos, como mostrar um homem negro como líder do bando (Denzel Washington), dar a Chris Pratt um dos papéis mais importantes do filme (se a gente pensar bem, GUARDIÕES DA GALÁXIA é meio como um western no espaço sideral, não?), além de mostrar um dos homens com síndrome de pânico (Ethan Hawke) e uma mulher disposta a entrar nas trincheiras (Haley Bennett).
Não dá, portanto, para reclamar da escolha do elenco. Sem falar que a parceria entre Denzel Washing e Antoine Fuqua já havia se mostrado bem positiva, em filmes como DIA DE TREINAMENTO (2001) e O PROTETOR (2014). Além do mais, só o fato de sair de casa para ver um western no cinema já é motivo de comemoração, por mais que o resultado final fique aquém do que gostaríamos que fosse, principalmente por causa da mão pesada de Fuqua e da má condução e edição das cenas de tiroteio envolvendo muitos personagens, perto do final do filme. Em alguns momentos, não temos a mínima ideia do que está acontecendo.
Mas, de todo modo, é bom pensar nos aspectos positivos do trabalho, como o modo como apresentam o grande vilão, Bogue, interpretado por Peter Sarsgaard, que confere bastante maldade na cena da invasão à igreja. É um belo prólogo, assim como a apresentação do grande herói Chilson (Washington) e sua primeira conversa com a viúva de uma das vítimas de Bogue. No mais, é aquilo que todo mundo já sabe: a busca por Chilson de parceiros para enfrentar o bando de Bogue, que havia se instalado e tocado o terror em uma pequena cidade.
A intenção de tornar o grupo o mais eclético possível já se mostrava na versão de Sturges e aqui não é diferente. Além de Washington, Pratt e Hawke, há Vincent D’Onofrio, como um homem meio maluco; Byung-hun Lee, como o asiático especialista em facas; Manuel Garcia-Rulfo, como o representante mexicano; e Martin Sensmeier, como o índio.
Em vários momentos o filme é bem-sucedido em brincar com a xenofobia de alguns membros do grupo em relação ao outro, e nisso vai ficando mais leve e descompromissado. Por outro lado, isso diminui o impacto do drama que é tomar de volta a cidade das mãos do grande vilão. Porém, se encararmos o filme como uma leve aventura de tom meramente escapista e que pretende fazer homenagens e referências a tantos outros filmes, inclusive utilizando a música Elmer Berstein citada pelos dois compositores originais do filme, dá pra se divertir bastante. O filme tendo uma boa recepção do público seria um bom motivo para que os executivos de Hollywood revitalizassem o gênero mais uma vez.
quarta-feira, outubro 05, 2016
FEAR THE WALKING DEAD – 2ª TEMPORADA COMPLETA (Fear the Walking Dead – The Complete Second Season)
O spin-off de THE WALKING DEAD se mostrou ainda melhor nesta segunda temporada, que talvez só tenha pecado em não conseguir oferecer uma melhor conclusão em seus episódios finais. Mas até lá tudo transcorre muito bem. Os executivos da série decidiram que a segunda temporada de FEAR THE WALKING DEAD (2016) seria separada por um hiato de cerca de três meses, para que sua season finale ficasse mais próximo da season premiere da série que a derivou.
Este hiato acabou por dividir claramente a série entre episódios que trazem um formato diferente de estrutura narrativa. Se a primeira metade da temporada apresenta episódios quase independentes, mostrando aventuras fechadas dos sobreviventes que se encontram em um iate em busca de um lugar seguro seguindo mais para o Sul da Califórnia ou para o México, a segunda metade adota uma estrutura mais convencional de aventura, depois que os personagens são separados e a série adota uma narrativa similar à série-mãe.
A primeira parte acaba se destacando por trazer episódios que mais parecem saídos de antologia de filmes de horror, como o episódio em que a família deixa o navio para descobrir algo nos destroços de um avião que caiu por causa da praga que transformou muita gente em zumbis. O episódio, "Ouroboros", faz um link com a microssérie que saiu pela internet e que apresentava o drama desses passageiros. Mas não é preciso ver a série da internet para entender, até porque esses personagens do avião terão pouca importância para o futuro de FTWD.
Como toda série, FTWD tinha que apresentar um personagem que os espectadores odiassem. Assim é Chris, o adolescente pentelho e com maldade na alma, filho de Travis. Ele chega, em certo momento, a fazer com que a nova família de seu pai se separe. Mas isso é pouco perto do que ele iria fazer na segunda metade da temporada.
Por outro lado, difícil não gostar de Madison, uma personagem feminina durona, mas também bastante maternal. Ela é o eixo da série, embora possamos dar crédito também a seu filho Nick, o viciado em drogas que tem mais inteligência e astúcia que os demais. E sabe sobreviver muito bem a situações perigosas. Destaque também para sua irmã Alicia, que contagia com sua doçura, que certamente aos poucos se contaminará com a violência necessária para sobreviver àquele novo mundo.
A segunda metade da segunda temporada tem como episódio de maior destaque um totalmente dedicado a Nick, em sua busca, sozinho, por um lugar, seja lá onde for. Nisso, ele se disfarça de zumbi, é atacado por um cachorro, sofre fome e sede, mas acaba por encontrar um novo território, em uma comunidade mexicana. Enquanto isso, Madison e seu grupo encontram um hotel de luxo abarrotado de zumbis, e Travis e Chris se conhecerão melhor como pai e filho.
O que acaba prejudicando um pouco a série, e diminuindo seu impacto é a tentativa dos roteiristas de fazer uma história de ação com tiroteio e tudo mais, lá perto do final. Acaba fugindo um pouco do tom mais calmo e com sequências de suspense que FTWD havia adotado. De todo modo, é possível que a terceira temporada ajude a tornar esse universo novamente interessante. Enquanto isso, a série vai continuar servindo de passatempo aos fãs de THE WALKING DEAD, que conta com personagens mais sólidos e já bastante conectados com o grande público.
terça-feira, outubro 04, 2016
TÔ RYCA
Há filmes que funcionam mais como um estudo antropológico do que para serem apreciados por suas qualidades. É mais ou menos o caso de TÔ RYCA (2016), de Pedro Antonio, filme que se assume popularesco mais do que popular, que pretende dar voz a uma parcela pobre da sociedade que vai ao cinema e vai gostar de se ver na tela, nem que seja nos pequenos dramas de não ter crédito para colocar no celular ou de só poder ligar pra alguém da mesma operadora. Dá para ficar pensando como esse tipo de situação será visto daqui a dez anos.
Herdeiro das comédias que tratam de pessoas pobres que fazem contraste com pessoas ricas ou mais sofisticadas, TÔ RYCA é um tipo de filme que já se faz pelo menos desde os anos 1950 no Brasil. Mas ultimamente essa obsessão pelo dinheiro presente em filmes como ATÉ QUE A SORTE NOS SEPARE e suas continuações, UM SUBURBANO SORTUDO e VAI QUE COLA diz muito de nossa sociedade. Entrar nessa questão, seria mais tarefa para alguém da sociologia, mas fica, desde já, a impressão de que as pessoas parecem mais interessadas em futilidades que o dinheiro pode comprar ultimamente.
Quanto à graça que o filme pode provocar, há momentos em que o riso é espontâneo. Mas TÔ RYCA quase consegue atingir um certo grau de decência graças à presença de Marcelo Adnet, que interpreta um político da linha conservadora, o tal "homem de bem". Como Adnet é muito inteligente na criação dos mais variados tipos, ele se mostra muito à vontade no papel. É pequena a sua participação, mas é marcante, especialmente no terço final. É possível dar boas gargalhadas na cena do debate para prefeito do Rio de Janeiro entre ele e Selminha (Samantha Schmütz), a tal moça que tem a possibilidade de ficar milionária.
Na trama, extremamente simples, mas que funciona mais como um jogo, Selminha é uma moça humilde que trabalha como frentista que vive reclamando da pobreza e das ironias da vida com sua melhor amiga Luane (Katiuscia Canoro). Até o dia em que ela recebe uma proposta de herança de um velho familiar. Ela teria que gastar 30 milhões de reais em um intervalo de um mês sem dizer a ninguém sobre isso e sem adquirir nenhum bem. A tarefa se mostra mais difícil do que ela imagina.
TÔ RYCA não é tão feio quanto aparenta, com seu elenco do programa ZORRA TOTAL, nem é uma tortura como muitos, eu inclusive, acreditavam ser. É um filme que tem agradado ao grande público, que sai da sessão feliz. Além do mais, é uma das últimas vezes em que se poderá ver Marília Pêra no cinema. Ainda que por pouquíssimos minutos. É mais do que muito filme milionário americano costuma oferecer, se a gente pensar bem.
domingo, outubro 02, 2016
GÊNIOS DO CRIME (Masterminds)
Um dos gêneros mais subestimados e ao mesmo tempo mais queridos é a comédia. É algo muito difícil de fazer e o senso de humor varia de pessoa pra pessoa, o que pode fazer com que certas coisas que são extremamente hilárias para algumas pessoas possam ser consideradas de mau gosto ou até vergonhosas para outras. Isso explica a rejeição de boa parte da crítica a GÊNIOS DO CRIME (2016), um dos filmes sobre assalto em registro de comédia mais engraçados dos últimos anos.
Filmes de assalto a banco são por si só já bastante atraentes. Quantas vezes já nos tornamos solidários a ladrões em tantos filmes de crime? Ainda mais quando esses ladrões são pessoas que agem por amor, como é o caso de David Ghantt, vivido de maneira sensacional por Zach Galifianakis, esse cara de nome grego complicado que ficou famoso em papéis de bobão desde SE BEBER NÃO CASE!, de Todd Philips.
A história do segurança de um banco que efetua um dos maiores assaltos da história dos Estados Unidos por causa de uma mulher até lembra um pouco o poder de sedução feminino frente a um homem no excelente MORTALMENTE PERIGOSA, de Joseph H. Lewis. Ou tantos outros exemplares do film noir. Não que GÊNIOS DO CRIME acentue tanto assim essa visão da mulher como femme fatale, mas não deixa de tornar esse elemento marcante, graças à graça e ao carisma de Kristen Wiig, uma as melhores comediantes de sua geração. Aliás, vale lembrar que duas de suas colegas de CAÇA-FANTASMAS também estão no filme em papéis menores: Leslie Jones e Kate Mckinnon.
Completam o time de talentos da nova comédia americana (ou nem tão nova assim, na verdade) Owen Wilson, como o mentor intelectual do assalto, e Jason Sudeikis, como um assassino de aluguel. A orquestra é regida por Jared Hess, que até então costumava ser mais lembrado por uma comédia independente que conquistou a graça da crítica na época de seu lançamento chamada NAPOLEON DYNAMITE (2004).
Com uma piada impagável atrás da outra, fica até difícil não amar o filme. O que dizer das cenas de fuga de David Ghantt travestido? E quando ele tenta pagar algo com dinheiro escondido na calça? Ou as cenas dele com o assassino de aluguel que remetem à escola de bromance da comédia americana contemporânea? Há momentos em que mal nos recuperamos de uma piada e já chega outra tão boa quanto. Isso é tão raro de se ver em comédias recentes, que chega a ser um alento. Mas a verdade é que o filme deve demais a Galifianakis. Quando ele não está em cena, muito da graça se perde. Mas nem tanto assim, já que o roteiro é bem amarrado e tem uma dinâmica que funcionaria bem se o registro fosse dramático até. Afinal, trata-se da adaptação de uma história incrivelmente real.
No fim das contas, GÊNIOS DO CRIME vale tanto como diversão despretensiosa quanto como valorização do gênero feita por um monte de pessoas talentosas reunidas. Juntando o coeficiente de risos com o número de pessoas boas envolvidas, GÊNIOS DO CRIME talvez seja a melhor comédia americana desde FAMÍLIA DO BAGULHO, de Rawson Marshall Thurber. E isto não é pouco.
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