quarta-feira, novembro 30, 2016
ELIS
Os tempos andam tão sombrios que durante a exibição de ELIS (2016), um prazer e um conforto atravessaram meu espírito de tal forma que eu me senti imensamente grato por estar vendo aquele filme imperfeito, mas que conta a história de uma mulher fascinante e que traz canções que arrepiam. E a gente sabe o quanto grandes canções são beneficiadas dentro de uma sala de cinema. E o filme já começa com "Como nossos pais", escrita pelo nosso Belchior, que tanto reflete em nosso atual momento político, que parece uma versão atenuada, mas não menos ultrajante, do que foi o Brasil das décadas de 1960-70.
Uma das características de ELIS, primeiro longa-metragem dirigido por Hugo Prata, já se mostra logo de cara, quando vemos Andréia Horta cantando (dublando, na verdade) em uma imagem que mostra a silhueta da personagem. Recurso parecido será visto na cena de sexo de Elis Regina com aquele que seria o seu primeiro marido, Ronaldo Bôscoli, vivido por Gustavo Machado. A escolha do ator foi feliz, pelo menos no modo como se queria pintar o compositor e produtor musical. Ou seja, como alguém cheio de charme, mas também um típico cafajeste.
Confesso que algumas cenas são mesmo de dar vergonha, de tão mal resolvidas. E nem dá pra culpar a dificuldade que até mesmo os americanos têm em fazer grandes cinebiografias. Até porque já temos ótimos exemplares no Brasil, como 2 FILHOS DE FRANCISCO, de Breno Silveira; GONZAGA – DE PAI PRA FILHO, também de Breno Silveira; ESTRADA DA VIDA, de Nelson Pereira dos Santos; e TIM MAIA, de Mauro Maia. E até mesmo podemos ver maiores qualidades em filmes como SOMOS TÃO JOVENS, de Antonio Carlos da Fontoura, e CAZUZA – O TEMPO NÃO PARA, de Walter Carvalho e Sandra Werneck.
Mas, voltando a ELIS, um dos prazeres de ver o filme está na familiaridade com o tema, em ver como são retratadas algumas personalidades conhecidas, como Miele (Lúcio Mauro Filho), César Camargo Mariano (Caco Ciocler), Henfil (Bruce Gomlevsky), Jair Rodrigues (Ícaro Silva) e Nelson Motta (Rodrigo Pandolfo). O filme ainda conta com um dos melhores atores da nova geração, Júlio Andrade, que interpreta um grande amigo de Elis, Lennie Dale. O problema é que, além de ser um personagem bem pouco aproveitado, acaba sendo apenas o sujeito que ensina a cantora a levantar os braços e fazer aquela dança que acaba virando piada no próprio filme – "os braços parecem uma hélice", diz em certo momento Ronaldo Bôscoli.
Em uma crítica alguém disse que o filme é mais sobre os homens que passaram pela vida de Elis, de tão fortes que são os seus personagens e de quão frágil, no mau sentido, acaba sendo a protagonista. O furacão que foi a cantora acaba se tornando apenas uma mera chuvinha na interpretação de Andréia Horta, que capricha apenas naquele sorriso parecido com o da cantora, passando a impressão de que é só uma imitação barata. E o triste mesmo é quando o filme vai se aproximando de seu terço final e tenta apressar tudo e não contar direito nada. A morte da cantora, então, é uma das piores cenas do cinema brasileiro dos últimos anos.
Ainda assim, ELIS é um filme cujas falhas são compensadas pelo prazer que se tem de vê-lo. Por isso falar mal de uma obra que me deu tanto prazer é um tanto complicado para mim. Mas é difícil fugir disso. O que importa é que algumas canções fazem com que o filme seja ótimo para ser visto no cinema. Principalmente as posteriores as da fase inicial, quando ela passa a buscar melhores e mais interessantes caminhos e a trabalhar com grandes compositores. Uma pena, porém, que esses compositores não apareçam. Se bem que seriam mais homens na história, não é? E seria mais uma coisa para administrar na montagem e no roteiro já suficientemente problemáticos.
segunda-feira, novembro 28, 2016
A OPINIÃO PÚBLICA
O que mais me incomodou em A OPINIÃO PÚBLICA (1967) foi o fato de o filme não ter um foco. Pelo menos não tão explícito ou muito centrado. Tudo o que ele tem mais de precioso parece ser fruto do acaso. Arnaldo Jabor, ainda bem jovem, mas já com essa mania de ter ideias prontas sobre tudo (no caso, sobre a classe média), aponta sua câmera para pessoas normais conversando sobre os mais variados assuntos: seus amores, suas frustrações, seu trabalho, seus sonhos de vida etc. Isso em um cenário bem interessante para que o olhar seja direcionado: o Brasil de 1966/67.
Naquela época, a ditadura militar já tinha tomado o seu curso, mas ainda não se manifestara em toda a sua rigidez, o que aconteceria em 1968, com o AI-5. E nesse cenário o filme dá voz às mais diferentes pessoas, de rapazes que não sabem ainda o que o futuro lhes reserva, e que precisam economizar o dinheiro do transporte para poder ir ao cinema com a namorada, a moças que pensam sobre o amor, sobre o casamento, sobre a ilusão de amar. É triste ouvir o depoimento de uma delas, que, já casada, diz já estar conformado com sua função de preparar a casa e a comida para o marido e de vez em quando, quando puder, sair para passear.
Há também uma filmagem curiosa de um velho militar que fala sobre a importância de ser uma boa pessoa e valorizar a família e o país. Enquanto isso, uma criança não para de olhar para a câmera e fica brincando com ela, oferecendo mais espontaneidade àquele momento. Há outra cena envolvendo uma criança, que tira do sério a mãe, que começa a lhe dar umas palmadas. Isso também é algo que foge do controle do adulto e que é um interessante espelho da sociedade daquela época.
O que parece bastante destoante é a cena em que vemos Jerry Adriani. E depois também vemos o Chacrinha, ainda que de longe, para flagrar o público do programa. Tudo bem que isso serve para dar uma amostra mais abrangente de uma geração supostamente alienada, mas acaba tirando a voz de um anônimo para mostrar um sujeito famoso, o cantor da Jovem Guarda. Não sei. Devo ter ficado muito acostumado com os anônimos dos filmes de conversa do Eduardo Coutinho.
Irregular pra caramba, A OPINIÃO PÚBLICA tem ainda uma narração um tanto incômoda, mas que serve para dar um ar irônico sobre o objeto retratado, ou seja, a classe média, essa classe que, "por não saber para onde vai, anda correndo, por não saber o que teme, está paralisada de medo". Esses são alguns dos textos descritivos da voz que procura conduzir o espectador, mas que acaba tornando o documentário bem estranho, além de bastante preconceituoso com o seu objeto de pesquisa.
domingo, novembro 27, 2016
JACK REACHER – SEM RETORNO (Jack Reacher – Never Go Back)
Tom Cruise construiu uma carreira baseada na contínua alimentação de seu ego. Seus personagens, talvez todos ou quase, nunca passam por situações humilhantes ou coisa parecida, tendo sempre que estar belo, forte, ágil e também jovem. Em JACK REACHER – SEM RETORNO (2016), por exemplo, seu personagem tem 40 anos de idade, enquanto o astro já tem 54. Tudo bem que sua aparência é a de uma pessoa de 40 ou até menos, mas se a gente se lembrar de Clint Eastwood, e do quanto ele já fazia piada de sua idade quando tinha apenas 50 anos em BRONCO BILLY, por exemplo, vemos o quanto ambos os astros são diferentes em tratar a própria imagem. E citar caras como Mel Gibson e Sylvester Stallone, então, seria até covardia.
Talvez esse narcisismo e essa vontade de estar sempre no poder tenha sido o motivo de ele ter se afastado de diretores do primeiro escalão, com quem ele trabalhou do início de sua carreira até mais ou menos 2007, quando foi coadjuvante de um filme dirigido por Robert Redford (LEÕES E CORDEIROS). Ter que trabalhar com um orçamento um pouco menor e com diretores do segundo escalão lhe confere mais poder como produtor e menos atrito com cineastas com ideias muito particulares, e que certamente terão que lhe dar ordens.
Esse momento atual, se às vezes tem rendido filmes ótimos, como é o caso de NO LIMITE DO AMANHÃ (2014), de Doug Liman, na maioria das vezes resulta em trabalhos esquecíveis, como muito provavelmente é este segundo filme da franquia Jack Reacher, que, aliás, pode acabar neste segundo filme, por ser talvez o thriller de ação mais genérico que ele já realizou. Ainda assim, Cruise tem a sorte de poder contar com duas mulheres que ajudam a conferir algo a que a memória poderá se apegar: a primeira é Cobie Smoulders, parceira de porrada no jogo de gato e rato da trama, e a segunda é uma adolescente, a bem jovem Danika Yarosh, que contribui com a única cena terna do filme. E como é bem-vinda esta cena, hein.
A trama de JACK REACHER – SEM RETORNO, dirigido por Edward Zwick, começa um tanto apressada e confusa, com o protagonista mostrando que sabe das coisas para um grupo de homens da polícia que o cercam. Reacher, agora um ex-militar, retorna à base que ele serviu na Virginia, para levar uma major local (Smoulders) para jantar. Mas aí ele descobre que ela está presa, acusada de ter vazado informações confidenciais do exército. Daí ele resolve investigar por conta própria e também descobre que há uma garota que talvez seja a sua filha na jogada, além dos tradicionais inimigos que contribuirão para alguns bons e outros maus momentos de porradaria do filme.
Uma das melhores cenas de ação acontece nos telhados de Nova Orleans, lembrando, inclusive, UM CORPO QUE CAI, do Hitchcock, dando até um ar interessantemente anacrônico ao filme. Na maioria das vezes, porém, Cruise é salvo por Smoulders, que rouba as cenas sempre que está presente na ação. Assim como nos filmes de espionagem de Hitchcock, também, há que se dar pouca importância a certos detalhes relativos à trama. Mesmo levando isso em consideração, não deixa de ser no mínimo bem pouco convincente a cena em que Reacher desmascara o grande inimigo, vivido por Robert Knepper. Ou seja, quem acompanhou a série PRISON BREAK tem seus motivos para não levar a sério um filme que conta com um líder da vilania vivido por Knepper, que ficou marcado por seu papel como o bandido mais comparável a um rato dentre os fugitivos, o T-Bag.
Mas é a tal coisa: só o tempo dirá o quanto JACK REACHER – SEM RETORNO ficará marcado na memória da audiência: se como um filme de ação charmoso e irregular, mas com sequências bem legais, ou se como aquele filme estrelado por Cruise que mais parece um thriller genericão feito para a tevê, desses que passam no Supercine.
sábado, novembro 26, 2016
ELLE
O anúncio de que Paul Verhoeven voltaria à direção de longas-metragens tendo uma atriz gigante como Isabelle Huppert como protagonista foi recebido com muita festa. E por isso ELLE (2016) já chega bem-vindo e querido, por mais que no final, se formos fazer alguma comparação com outras obras do "holandês maluco", o filme até possa parecer um pouco mais comportado. Inclusive, na comparação com algumas obras da fase hollywoodiana dele.
Sabe-se lá o porquê de Verhoeven ter funcionado na indústria americana, de ter conseguido fazer coisas inacreditáveis e até mesmo inaceitáveis dentro daquele sistema mais restritivo, e levando em consideração o tipo de cinema que ele fazia na Holanda até o começo dos anos 1980. Talvez tenha a ver com o fato de aquele período, nos Estados Unidos, ter sido uma década com uma atração maior pela violência e um interesse mais acentuado por filmes com apelo erótico.
Claro que não dá para diminuir a obra de Verhoeven em apenas sexo e violência. É muito mais complexa e interessante que isso. Por isso é até hoje cultuada e estudada. Mas foram justamente as obsessões do cineasta pelo sexo e pela violência que mais chamaram a atenção em ELLE, filme que além de tudo ainda trata de um tema tão delicado como um estupro, mostrando a pessoa violentada reagindo de maneira completamente estranha ao que se esperaria. Ela não se sente traumatizada depois do ato. Ou talvez até sinta, mas reage de maneira diferente do que se esperaria.
Mesmo com certa frieza e racionalismos que combinam com o jeito francês de tratar a vida, o comportamento de Michèle Leblanc, a personagem de Huppert, é bastante estranho. Aos poucos, quando vamos descobrindo mais sobre seu passado, sobre o fato de ela ter estado presente durante um ato de genocídio perpetrado por seu pai quando ela tinha dez anos de idade, faz com que aceitemos um pouco seu jeito peculiar de ser. Assim sendo, ela até fica parecendo com outra cria de Verhoeven, Catherine Tramell, a femme fatale vivida por Sharon Stone no antológico INSTINTO SELVAGEM (1992).
Assim como o espetacular thriller erótico dos anos 1990, ELLE também tem uma personagem feminina forte, um tanto estranha e que não se importa em como deveria se comportar na sociedade. Assim, ela mantém relações sexuais com o marido da melhor amiga e com a própria melhor amiga também. Assim como tem um desejo forte pelo vizinho, gosta de espioná-lo da janela de sua casa, enquanto se masturba, por exemplo.
E como Huppert sabe emprestar sua beleza, sua sensualidade e sua vontade de abraçar personagens complexas, tudo acaba funcionando muito bem em ELLE, um filme que dribla as nossas expectativas, que brinca com as possibilidades de um filme de suspense, que surpreende e provoca a cada cena. E apresenta tudo isso de maneira muito leve, provocando risadas na plateia com seu humor negro.
Quanto à questão do estupro, vale lembrar que Verhoeven já mostrou cenas muito mais brutais em outros filmes seus, como CONQUISTA SANGRENTA (1985), em que um grupo de bárbaros sádicos violenta uma jovem; ou em O HOMEM SEM SOMBRA (2000), que mostra o estupro causado por um homem invisível. O que provoca estranheza em ELLE é o fato de a protagonista agir de maneira inusitada com relação ao violentador. E como os tempos são outros, há um patrulhamento muito mais acirrado por feministas a cada vez que esse tipo de assunto vem à tona. Ainda assim, Verhoeven tem conseguido se sair muito bem. Seu cinema provocador e muitas vezes incompreendido está acima das controvérsias, por mais que se alimente delas também.
quinta-feira, novembro 24, 2016
DEPOIS DA TEMPESTADE (Umi Yori Mo Mada Fukaku)
O foco na família continua forte no cinema de Hirokazu Koreeda. Ainda que seja bem menos sombrio do que NINGUÉM PODE SABER (2004) e mesmo do que O QUE EU MAIS DESEJO (2011), ainda assim DEPOIS DA TEMPESTADE (2016) é desses filmes que parecem manter uma nuvem negra sobre seu protagonista, um escritor fracassado que agora faz bicos trabalhando como detetive particular e que tem muita dificuldade para pagar a pensão do filho, fruto de um casamento que chegou ao fim. Ele ainda sente muita falta da esposa, demora para virar a página, sem falar que é muito doloroso para ele ter que se ausentar do garoto.
O personagem problemático, que usa de artimanhas para conseguir o que precisa, como até mesmo tentar roubar a própria mãe, entre outras coisas, mas percebemos que se tratam de atos desesperados, pelo menos dentro da cabeça dele. Podemos vê-lo como um sujeito que demorou a crescer e por isso acaba perdendo tudo o que havia conquistado, mas também podemos ser mais solidários com ele, especialmente quando há uma triste identificação com muitos aspectos de sua personalidade e de sua vida.
Uma das curiosidades de DEPOIS DA TEMPESTADE é o modo como Koreeda filma as ruas, quase sempre vazias. Aquilo passa uma sensação de um universo quase morto, como se não houvesse escapatória para o protagonista a não ser tentar se reconciliar com a esposa, que, no entanto, está bastante ciente de que seu casamento acabou e tem um posicionamento bem prático diante da vida. Para ela, não dá para conviver com um homem tão irresponsável.
Ainda assim, se não torcemos por ele, nos sentimos do lado de Ryota, o protagonista, principalmente no terço final do filme, quando a narrativa encaminha os personagens mais importantes para a casa da avó (Kirin Kiki, a velhinha de SABOR DA VIDA). Aliás, impressionante como a atriz, que já havia aparecido em outros filmes do diretor, funciona como a personificação da mãe/avó amorosa. E de como esse aspecto, bem como o ritual de fazer refeições e de comer, é tão próximo dos valores japoneses.
A parte final do filme é a mais rica em significação e em sentimento, com a chegada de Ryota e do filho na casa da avó, enquanto esperam um tufão que deve causar alguns estragos na cidade. O aconchego da casa da avó, seus olhos amorosos e tristes pelo insucesso do filho, a tentativa de aproximação com a nora, tudo isso é explorado com muita delicadeza. Koreeda, em vez de fazer um melodrama carregado, prefere um drama agridoce, sutil, que nos aproxima daquela família e nos deixa tristes, mas até que bastante conformados com a situação final. Que, aliás, não chega a ser uma solução pessimista, mas realista.
terça-feira, novembro 22, 2016
ANIMAIS FANTÁSTICOS E ONDE HABITAM (Fantastic Beasts and Where to Find Them)
A franquia Harry Potter, mais do que os filmes do Universo compartilhado da DC, é a menina dos olhos da Warner. Dá para notar pelo cuidado com que a companhia tem em arriscar um filme desse universo mágico sem conter personagens conhecidos ou mesmo personagens infantis ou jovens. Por outro lado, sabemos que o público que começou a carreira de leitor com Harry Potter já está bem crescido, sem falar que os últimos filmes da saga, dirigidos inclusive por David Yates, tinham um conteúdo político bem acentuado.
Este conteúdo é apenas tangenciado em ANIMAIS FANTÁSTICOS E ONDE HABITAM (2016), que na verdade é menos arriscado do que se imagina. É arriscado apenas em vender um produto do universo de Harry Potter sem trazer Harry Potter, mas não o é ao apostar mais numa aventura envolvendo animais de aparência estranha que fogem de uma maleta e que devem ser recapturados como mote. Não deixa de ser fascinante a ideia de uma maleta que pode conter um universo inteiro, desafiando as leis da física.
O problema é que o filme apresenta personagens pouco atraentes. Ou pelo menos os dois personagens masculinos, o estranho Newt (Eddie Redmayne) e o não-mágico Kowalski (Dan Fogler), dois homens de pouco apelo para o público feminino, mas que talvez justamente por isso tenham sido pensados para protagonizar uma franquia juvenil. Quem sabe também o aspecto loser dos personagens funcione como uma espécie de aproximação com o público adolescente.
Mas não deixa de ser um tanto complicado acompanhar um ator como Eddie Redmayne, que parece fugir o tempo todo do olhar da câmera, meio que trazendo os trejeitos de seu personagem de A TEORIA DE TUDO e talvez até um pouco de A GAROTA DINAMARQUESA também. Isso não deixa de ser curioso. Já Kowalski quase funciona como uma porta de entrada do espectador para aquele universo mágico, já que ele não faz parte daquele mundo. Ainda assim, o espectador ri e parece estar em situação de vantagem com ele, a cada vez que Kowalski se percebe encantado ou admirado com a magia perpetrada por aqueles novos amigos que ele acabara de conhecer.
Já Katherine Waterston, a inglesa que havia encantado muitos espectadores em VÍCIO INERENTE, com roupas curtas e visual da contracultura, está elegante com um casaco longo e um cabelo dos anos 1920. Não deixa de ser uma beleza diferente a dela, mas o suficiente para encantar em diversos momentos, sem que, com isso, tire a atenção do espectador para a história.
Aliás, é um mérito do filme ter uma história tão simples sendo conduzida de modo agradável e interessante. Talvez só perdendo o fôlego lá perto do final, quando o clímax se assemelha ao de muitos filmes de fantasia e ação a que estamos acostumados. Ainda assim, quem não dormir pode aproveitar a beleza dos efeitos especiais caprichados.
E, embora o humor esteja muito mais presente do que o mistério, é a junção dos dois que faz com que ANIMAIS FANTÁSTICOS se torne interessante. Pode ser que se torne ainda mais interessante com o anúncio dos próximos quatro filmes da franquia, todos muito bem pensados por J.K. Rowling. Vamos ver até onde eles vão chegar. Pelo menos uma coisa a gente pode esperar: referências ao universo de Harry Potter cada vez aumentando mais (o que é bom para os fãs dos livros, principalmente), uma direção de arte caprichadíssima (como sempre) e efeitos especiais de ponta (mas isso já é obrigação da produção mesmo).
segunda-feira, novembro 21, 2016
MIKE FLANAGAN EM TRÊS FILMES
Em um cenário com poucos nomes de destaque do cinema de horror, eis que desponta e se destaca cada vez mais o nome de Mike Flanagan. Quem teve o prazer de ver a sua, por enquanto, obra máxima O ESPELHO (2013) sabe o quanto o cineasta se destaca, o quanto suas ideias são boas e seu domínio da linguagem cinematográfica funciona com elegância de dar inveja até mesmo a um James Wan, para citar o nome mais quente do gênero horror atualmente. Depois de ver OUIJA – ORIGEM DO MAL (2016), tive que ver outros trabalhos dele, e ao ver estes três filmes abaixo minha admiração pelo cineasta só aumentou.
HUSH – A MORTE OUVE (Hush)
Neste ano, tivemos simplesmente três filmes muito bons de Mike Flanagan. HUSH – A MORTE OUVE (2016) foi um que não chegou a passar nos cinemas, indo direto para o VOD. Mas vê-lo na telinha não diminui o seu impacto, especialmente se o virmos na calada da noite. Ele foge um pouco à tendência sobrenatural dos demais trabalhos de Flanagan. Trata-se de um thriller de intoxicar o sangue, um jogo de gato e rato muito bem executado entre uma jovem mulher surda-murda (Kate Siegel, ótima) que mora sozinha em uma casa e um psicopata que planeja matá-la, mas antes disso tem a intenção de levá-la à loucura. É desses filmes que te pegam pelo braço e não largam até terminar.
ABSENTIA
Uma amostra de que Flanagan não é um sujeito que dirige filmes de horror convencionais é este ABSENTIA (2011), que se destaca mais pelo drama do que pelas sequências de susto, embora esse aspecto vá crescendo ao longo da trama. Mas o importante é que o cineasta dá importância à história das duas irmãs: uma delas procura por sete anos o marido desaparecido e atualmente está grávida; a outra, mais jovem, acabou de retornar de uma temporada longe de tudo e de todos. A tensão e o amor entre as duas moças é muito bem dosado e o filme ainda cresce quando o mistério em torno do desaparecimento do marido ganha contornos bem bizarros. O brilhante roteiro é também cortesia de Flanagan.
O SONO DA MORTE (Before I Wake)
Mais um caso de história que se destaca mais pelo drama do que pelo horror, o que pra mim acaba contando ainda mais pontos para Flanagan. Mas talvez justamente por isso O SONO DA MORTE (2016, foto) não tenha ido tão bem nos cinemas, já que ele se vende como um filme puramente de horror. Sem falar que andou circulando um trailer dublado horroroso, o que ajudou muita gente a antipatizar o filme e não dar a chance que ele merece. É mais um trabalho que lida com a perda, dessa vez a de um casal (Kate Bosworth e Thomas Jane) que resolve adotar uma criança depois do trauma de ter perdido o filho pequeno. Acontece que o garotinho adotado (Jacob Trembley, de O QUARTO DE JACK) tem um dom: o de trazer para a realidade seus sonhos mas também seus pesadelos mais horríveis. Um dos maiores méritos do filme está em saber lidar tanto com a questão da perda quanto com o abuso infantil, ainda que de forma tangencial. Pode não ser o melhor de Flanagan, mas soma pontos à sua já brilhante carreira.
domingo, novembro 20, 2016
INDIGNAÇÃO (Indignation)
James Schamus é um produtor de bom gosto, que trabalhou diversas vezes com Ang Lee e talvez por isso tenha herdado uma sensibilidade especial, de modo a conseguir dirigir um trabalho tão bom quanto INDIGNAÇÃO (2016), desses filmes que precisam de sequências longas, ainda que com muito uso do campo e contracampo, para que possa dar conta minimamente do texto denso de Philip Roth, autor do romance homônimo lançado em 2008.
A história, porém, se passa durante o período de juventude do escritor, na década de 1950, mais especificamente no ano de 1951, quando explodia a Guerra da Coreia e os Estados Unidos ainda não haviam testemunhado o nascimento oficial do rock'n' roll, que se manifestaria como uma forma de extravasar tanta energia e intensidade daquela juventude. O personagem principal, o jovem Marcus (Logan Lerman, de AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL), é um garoto bom e aparentemente muito centrado e correto. Mas há algo nele que o deixa particularmente irritado com as regras impostas pela sociedade.
E é interessante esse aspecto, pois, por mais que nos coloquemos em seus sapatos, e muitas vezes com muito prazer, especialmente a cada cena positiva com ele e Sarah Gadon (da minissérie 11.22.63), o filme não o torna dono da verdade. É muito possível questionar seu ponto de vista e suas atitudes, por mais que a sabatina com o reitor da universidade (grande momento de Tracy Letts) seja um tanto desnorteadora.
A trama se inicia com os últimos dias de Marcus com sua família em New Jersey, antes de passar a morar na Winesburg College, em Ohio. É lá que percebemos sua dificuldade (ou má vontade) de socialização, por mais que, inicialmente, ele tenha simpatizado com seus dois colegas de quarto. Sua intenção ali é especialmente estudar. Quem acaba fazendo com que ele mude de ideia é uma bela e aparentemente recatada jovem, cujo nome ele cita em voice-over com ar respeitoso, Olivia Hutton, de modo a torná-la, desde o primeiro instante, especial.
E o tímido e inexperiente Marcus resolve convidá-la para sair. O resultado do primeiro encontro é inesquecível. Tanto que o rapaz, com aquela mentalidade tão conservadora do início dos anos 1950, não sabe como lidar com o comportamento mais ousado daquela moça, que, para nós, espectadores, é uma promessa de felicidade, algo a não se deixar escapar. Tudo bem que Olivia Hutton é uma garota complexa – tem um histórico de problemas mentais em uma instituição psiquiátrica –, mas sua doçura, beleza e encantamento compensam tudo isso.
O trabalho de direção de atores, o cuidado com a montagem das cenas, especialmente as mais longas e tensas (ou intensas), e os belos enquadramentos em scope, fazem de INDIGNAÇÃO um dos mais belos filmes sobre a juventude dos últimos anos. Schamus sabe muito bem quando colocar as poucas intervenções narrativas retiradas do livro de Roth, e sabe quando utilizar apenas imagens para compor este filme que nos leva para junto do personagem, provavelmente por identificação com esse momento tão conturbado e ao mesmo tempo tão mágico, que é a juventude e seus encantos e dissabores.
sábado, novembro 19, 2016
A CHEGADA (Arrival)
Muito bom poder acompanhar o processo de maturidade criativa de um cineasta que tem conquistado seu espaço por seus próprios méritos e sem fazer concessões, como é o caso do canadense Denis Villeneuve, que tem mostrado sua autoralidade através de filmes bem distintos entre si. Com relativamente poucos mas marcantes títulos no currículo, ele já pode se dar ao luxo de fazer autorreferências, como se pode notar em A CHEGADA (2016), seu novo e aguardadíssimo filme. Quem viu O HOMEM DUPLICADO (2013) e SICARIO – TERRA DE NINGUÉM (2015), para lembrar de obras mais recentes, pode perceber intercessões claras com o novo trabalho.
Será comum encontrar em algumas críticas referências a outros filmes de contatos entre seres de outro planeta e a Terra, como O DIA EM QUE A TERRA PAROU, de William Wyler; CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU e GUERRA DOS MUNDOS, ambos de Steven Spielberg; ou CONTATO, de Robert Zemeckis; mas Villeneuve prefere seguir outro caminho, mais arriscado. O trailer, embora entregue alguma coisa, ainda não é suficiente para dar a dimensão das surpresas e do grau de encantamento que A CHEGADA proporciona.
Assim como em SICARIO – TERRA DE NINGUÉM, temos uma protagonista feminina em uma situação perigosa, em um ambiente perigoso. Em A CHEGADA, somos apresentados a uma conceituada linguista, a Dra. Louise Banks (Amy Adams, como sempre, adorável), que é recrutada pelos militares americanos para decifrar a língua dos enigmáticos alienígenas que acabaram de aparecer em 12 diferentes lugares do planeta. Desde o início, ficamos sabendo, em pouquíssimos mas eficientes quadros, de um passado doloroso da personagem, envolvendo uma filha, que ela perdeu para uma doença rara. Em pouco tempo, já temos um breve painel da solidão e da dor dessa personagem.
E esse passado, que será revivido em breves flashbacks, será explorado ao longo do filme, durante o processo de comunicação com os extraterrestres, mostrados de forma um tanto assustadora. Aliás, podemos dizer que Villeneuve é um dos cineastas em atividade que melhor sabe explorar o medo através de maneiras distintas, seja em situações mais realistas, seja em uma narrativa do gênero fantástico. Não é diferente quando somos apresentados ao interior daquilo que pode ser chamado de nave, um objeto gigante parecido com uma lente de contato, que paira sobre o solo. Por isso, comparações com o monolito negro de 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, de Stanley Kubrick, também podem surgir. Até porque ambos os filmes optam pela utilização do gênero para transcendê-lo e falar de algo maior, sem que, com isso, o entretenimento seja prejudicado.
Ainda sobre o elenco, vale destacar a importância do personagem de Jeremy Renner para a trama. Ele faz o matemático que auxilia a protagonista a decifrar a linguagem complexa daqueles alienígenas. A pergunta que não quer calar é: Por que eles estão aqui? O roteiro do filme, baseado em um conto de Ted Chiang chamado "Story of Your Life", é bastante detalhista, e isso ajuda bastante a gerar um grau de interesse para o espectador, que até torce para que a conclusão faça jus à introdução e ao desenvolvimento brilhantes.
Felizmente, ao preferir se distanciar do óbvio e dar um nó na cabeça do espectador, Villeneuve aumenta ainda mais o grau de encantamento inicial, através de uma trama em que futuro e passado não devem ser vistos como algo linear, mas talvez como em um daqueles círculos complexos fornecidos pelos extra-terrestres durante as tentativas de comunicação. Assim, não só a noção de tempo passa a ser questionada, mas também a noção do que poderíamos considerar como sendo mais importante, seja do ponto de vista pessoal ou global. Além do mais, é sempre bom sair de uma sessão arrebatado, sabendo, ou pelo menos achando, que você acabou de ver um dos melhores filmes dos últimos anos.
quinta-feira, novembro 17, 2016
15 CURTAS VISTOS NO 10º FOR RAINBOW
Tive a oportunidade este ano de fazer parte do júri da crítica do 10º For Rainbow. Foi uma edição que não primou tanto pela diversidade, no sentido de que havia poucos filmes com histórias baseadas em relacionamentos entre duas mulheres ou histórias de transexuais. A maioria dos curtas é sobre homossexuais masculinos. Ainda assim há muita coisa interessante que pôde ser apreciada. Nesta primeira leva, falarei rapidamente sobre os curtas brasileiros. Posteriormente, procurarei falar dos curtas estrangeiros. Dois curtas foram revistos e cresceram na revisão. Por isso, resolvi inclui-los novamente aqui: JANAINA OVERDRIVE e ANTES DA ENCANTERIA.
A VEZ DE MATAR, A VEZ DE MORRER
Um pouco prejudicado pela duração excessiva e por uma edição ruim, A VEZ DE MATAR, A VEZ DE MORRER (2016), de Giovani Barros, também tem um aspecto sobrenatural que não tem bom êxito, mas acaba funcionando em cenas de tensão entre homens e é curioso o mix de gêneros (western, romance, horror). Cena de destaque: a cantoria à luz da fogueira.
DIVA
Fluindo muito bem, mérito de direção, edição e roteiro, principalmente, DIVA (2016), de Clara Bastos, conquista o espectador desde o primeiro momento, ao som de "Vá com Deus", aquela mesma, de Roberta Miranda, sendo dublada por um trio de transexuais. A personagem principal é uma jovem que passa a morar na pensão com esses primeiros personagens. A questão da inadequação (ou nova identificação) do corpo surge justamente com a personagem feminina. Uma influência almodovariana fica evidente.
QUITÉRIA
As primeiras imagens de QUITÉRIA (2016, foto), de Márcio Câmara, já chamam a atenção, flagrando um grupo de mulheres lavadoras de roupa (depois saberemos que a locação foi na Serra de Guaramiranga). Uma delas canta algo sobre o amor solitário e o filme aborda essa questão da solidão daquelas mulheres e do desejo contido e prestes a explodir. Há uma atmosfera de cinema fantástico que valoriza o todo, ao lado com o cuidado com os aspectos técnicos. Exibido fora da mostra competitiva.
PRELIMINARES
Interessante paralelismo em que duas histórias aparentemente independentes mostram dois casais do mesmo sexo vivendo suas primeiras experiências juntos. As cenas com as as moças se sobressaem, em comparação com as dos rapazes. PRELIMINARES (2015), de Douglas S. Kothe, peca por não ir a lugar nenhum e passa a impressão de querer dizer que as mulheres são mais tolerantes e curiosas em ter uma relação homossexual do que os homens. O que talvez até possa ser verdade, mas como mensagem não deixa de ser pobre, se for essa mesma a intenção.
ARTUR
Bem-resolvido e redondinho, ARTUR (2016), de Daniel Filipe Santos, só não chega a acrescentar nada na temática de amores juvenis com garotos do mesmo sexo. Também falta maior criatividade formal. Mas ao menos há um cuidado com o trabalho dos dois jovens atores e com a utilização dos extras (os familiares e amigos ao redor da piscina para comemoração do aniversário de um patriarca). O bem jovem diretor pode ter futuro, se perseguir o caminho do cinema.
VAGABUNDA DE MEIA TIGELA
Para um curta de 25 minutos, VAGABUNDA DE MEIA TIGELA (2015), de Otávio Chamorro, passa voando. Tem uma fluidez narrativa admirável e a história, um tanto boba, ganha com a força da simpatia de seus personagens e seu timing cômico. A história gira em torno de um triângulo amoroso entre um rapaz, sua namorada e um pretendente gay que quer conseguir tomar o rapaz pra si através de um livro de feitiços. Tudo dentro de um ambiente escolar.
AQUELA ESTRADA
Uma grande bagunça que tenta conquistar a plateia pelo choque de algumas cenas de nudez gráfica e que se beneficia unicamente de apenas uma cena, a da vendedora de frutas, que certamente foi filmada por pura sorte, com um ar documental. AQUELA ESTRADA (2016), de Paulo Cesar Toledo e Abigail Spindel, ainda tem uma brincadeira besta com uma câmera tremendo/dançando que estraga ainda mais o produto final.
JANAINA OVERDRIVE
Interessante filme que passa referências explícitas a clássicos do cinema de sci-fi distópicos, como MAD MAX e LA JETÉE, JANAÍNA OVERDRIVE (2016), de Mozart Freire, tem uma direção de arte fantástica para uma produção de baixo orçamento. Ele faz milagre mesmo. Além do mais, há uma estranheza naquele universo que envolve uma transexual em busca de sobrevivência e também um incômodo saudável que fazem o filme valer a espiada.
CINEMÃO
Outro filme de Mozart Freire no festival, CINEMÃO (2015) é aparentemente mais modesto, mas me agradou mais. Sua natureza ao mesmo tempo investigativa e aproximadora sobre o desejo e a sedução da imagem (seja do outro, seja através da tela de uma televisão), e pela reflexão acerca da decadência do próprio cinema, sem a utilização de diálogos, apenas imagens e ruídos ao mesmo tempo intrigantes e incômodos, é um trabalho admirável. Foi escolhido pela crítica como o melhor curta da mostra competitiva.
ROSINHA
Pela beleza com que constrói a relação envolvente entre três personagens idosas e cria, com esmero técnico de direção, roteiro e atuações, ROSINHA (2016), de Gui Campos, possui uma narrativa enigmática acerca do relacionamento e do futuro possível dessas três pessoas, a partir do uso de pequenas pistas deixadas ao longo da narrativa, sejam elas feitas para trazer mais luz para a trama (e para a mensagem), seja para provocar surpresa.
CALMARIA
Um filme mal resolvido, mas que tem alguns bons momentos, em especial nos espaços externos (o quintal, principalmente), com as duas personagens femininas. Elas dividem a mesma casa com um bebê e vivem uma vida feliz e pacata, até a chegada do pai da criança. CALMARIA (2015), de William de Oliveira, tem algumas imagens bonitas, mas tem pouco a oferecer, especialmente por não ter uma conclusão satisfatória.
XAVIER
Um filme de mensagem bastante bonita e que agrada pela condução narrativa e pela simpatia de seus personagens, ainda que vistos com certo distanciamento, XAVIER (2016), de Ricky Mastro, aborda a questão do amor paterno e da aceitação da sexualidade do filho, ainda criança. É um filme carregado de ternura, sem dúvida, mas que justamente por isso pode desagradar quem não curte muito certas sentimentalidades.
ANTES DA ENCANTERIA
Foi muito bom ter podido rever ANTES DA ENCANTERIA (2016), de Jorge Polo, Lívia Bezerra, Elena Meirelles, Gabriela Pessoa e Paulo Victor Soares, e ter apreciado mais o trabalho. Gostei muito de praticamente tudo que revi, quase todos os segmentos, com seu cuidado plástico, e que não têm a intenção de buscar uma homogeneidade. É brilhante na construção de cada cena. Gosto principalmente dos dois primeiros segmentos, mas a junção da turma, toda fantasiada, também tem uma força admirável.
AINDA NÃO LHE FIZ UMA CANÇÃO
Filme que falha em causar empatia na história do relacionamento entre dois rapazes, AINDA NÃO LHE FIZ UMA CANÇÃO (2016), de Henrique Arruda, ainda tem um problema em não saber lidar com a questão do tempo e do rompimento da relação. A separação por capítulos mais atrapalha do que ajuda no processo de construção da narrativa.
SAILOR
Tentativa de segurar o curta com um suposto carisma do ator principal, SAILOR (2014), de Victor Ciriaco, não passa um sentimento de solidariedade para o espectador quando o outro da relação desaparece e deixa o protagonista na mão. Aliás, nem dá tempo de sentir a falta dele, muito menos de simpatizar com esse personagem. A conclusão também é bem problemática.
segunda-feira, novembro 14, 2016
SNOWDEN – HERÓI OU TRAIDOR (Snowden)
Curiosamente, apesar de estar um pouco apagado da grande mídia, em comparação com as décadas de 1980-90, Oliver Stone segue ativo e perseguindo ainda mais um tipo de cinema militante de esquerda, uma carreira bastante ousada, já que são poucos que manifestam tamanha simpatia por medalhões da esquerda. Os documentários COMANDANTE (2003), AO SUL DA FRONTEIRA (2009), CASTRO IN WINTER (2012) e MI AMIGO HUGO (2014), são exemplo disso, assim como a biografia ficcional W. (2008), feita com o objetivo de fazer chacota do paspalho Presidente George W. Bush. Mas pouca gente viu esses filmes.
Por isso SNOWDEN – HERÓI OU TRAIDOR (2016) promete ser a volta de Stone a esse cinema de embate ao sistema, dessa vez mais próximo do grande público, graças a uma distribuição melhor e a um elenco muito bom. No novo filme, Stone denuncia a capacidade e o poder que o Governo americano tem de não só vigiar cidadãos de seu próprio país, mas como também de provocar até mesmo apagões em vários outros países com apenas um clique.
Stone encontrou em Edward Snowden, vivido por Joseph Gordon-Levitt, um prato cheio para trazer uma nova controvérsia, e dessa vez sem poupar o Presidente Barack Obama, que não é apenas cúmplice das armações maquiavélicas do Estado, embora percebamos que ele é parte de algo maior e já instituído.
Snowden, ex-empregado da NSA, e detentor de segredos de estado chocantes, é mostrado inicialmente em 2013, quando decide contar tudo o que sabe para um grupo de jornalistas. A divulgação cairia como uma bomba, mas o rapaz, então com menos de 30 anos, tinha consciência dos riscos que ele e sua esposa (Shailene Woodley) sofreriam. A estrutura narrativa é convencional, através de flashbacks que remontam ao tempo em que Snowden era um simples soldado que acabou se afastado depois de quebrar as duas pernas em um acidente simples. Acabou sendo recrutado para trabalhar em uma agência de espionagem, depois disso. E é aí que sua história realmente começa.
Stone não nega em nenhum instante o quanto o protagonista é elevado à categoria de herói. Mas isso não chega a ser um problema. O problema é quando ele usa artifícios um tanto ruins para pintar o seu herói, como a utilização de uma trilha sonora épica e cafona. A personagem da esposa de Snowden também acaba ficando relegada a segundo plano, embora Shailene mostre ser, da turma de garotas que protagonizaram filmes para adolescentes recentemente, a que menos tem problema em fazer cenas de sexo ousadas (quem viu PÁSSARO BRANCO NA NEVASCA, de Gregg Araki, sabe do que estou falando).
No mais, é um filme que se beneficia bastante de seu elenco de apoio. Um luxo poder contar com Melissa Leo, Zachary Quinto, Tom Wilkinson, Joely Richardson e até Nicolas Cage, em papel bem pequeno. E embora não seja tão memorável quanto gostaria de ser, SNOWDEN é um filme que tem um papel triplo satisfatório: de entreter, informar e provocar. Sem falar que para nós, brasileiros, não deixa de ser interessante ver o nome do país sendo citado em um par de vezes, inclusive, sobre o caso da Petrobrás.
quarta-feira, novembro 09, 2016
17 CURTAS BRASILEIROS
Desde já peço desculpas aos realizadores dos curtas abaixo por falar tão rápida e rasteiramente de seus trabalhos. Culpem a minha falta de organização, o tempo complicado, a tendência a postergar as coisas, e principalmente a memória ruim, que é prejudicada ainda mais com o passar dos dias, dos meses, dos anos. Mas todos esses títulos, em sua maioria, vistos em festivais, merecem o nosso respeito. Vamos ver o que sai nesta postagem.
A OUTRA MARGEM
Nathália Tereza faz uma apropriação muito bonita do universo brega (música sertaneja e música romântica em geral) em A OUTRA MARGEM (2015), ao contar a história de um homem que passeia à noite em seu carro pelas ruas de Campo Grande. Ele escuta mensagens românticas no rádio e uma dessas mensagens se destaca. É a sua namorada falando. E ela se sente só. Um belo trabalho sensorial, sentimental, singular.
DÁ LICENÇA DE CONTAR
Um dos curtas mais interessantes e empolgantes do ano passado, DÁ LICENÇA DE CONTAR (2015), de Pedro Serrano, tem a ousadia de contar a história da saudosa maloca, aquela mesma da canção de Adoniran Barbosa, e colocando o artista dentro da obra. Adoniran é vivido por Paulo Miklos e o filme ainda conta com nomes como Gero Camilo e Gustavo Machado. O clima de samba paulista fica no ar e a inventividade do realizador chega a emocionar, principalmente pela utilização da narrativa da clássica canção.
O CORPO
Outro grande curta do ano passado, O CORPO (2015), de Lucas Cassales, é mais um exemplar de namoro com o gênero horror e suspense de nossa cinematografia contemporânea. A história se passa numa pequena fazenda no sul do país, onde é ensinado a um garotinho a matar uma galinha para o jantar. Mas adiante, o garoto encontra um corpo nu deixado numa trilha. É um filme que se acompanha quase como que num transe, e que possui simbolismos ricos ligados (ou desligados) da religiosidade.
QUANDO PAREI DE ME PREOCUPAR COM CANALHAS
Mais um curta estrelado por Paulo Miklos, desta vez também com a presença de Matheus Nachtergaele. QUANDO PAREI DE ME PREOCUPAR COM CANALHAS (2015), de Tiago Vieira, começa com uma discussão de bar sobre política, sobre questões ligadas ao ódio, ao amor e ao vira-casaca de se apoiar o Lula e o PT e tem até mesmo um taxista que diz que no tempo da ditadura é que era bom. Mas o curta é muito mais do que isso. Tem música boa, tem sensualidade, tem discussões éticas, discussão de relação. É até muita coisa boa junta para dar conta, mas isso não diminui a força do trabalho.
O TETO SOBRE NÓS
Neste curta gaúcho que passou na última edição do Cine Ceará, Bruno Carboni nos apresenta a um grupo de pessoas que mora em um prédio abandonado e que é forçado a deixar o lugar à força. O TETO SOBRE NÓS (2015) tem um jeitão meio lúgubre, fotografia escura, andamento lento e pesado, quase um horror realista e psicológico. Na trama, Anna tenta lidar com a notícia de ter que abandonar o lugar, enquanto se depara com um misterioso homem deitado em sua cama.
CIDADE NOVA
Produção cearense dirigida pelo gaúcho Diego Hoefel, aluno do curso de audiovisual do Porto Iracema das Artes, CIDADE NOVA (2015), foi exibido e premiado no Festival de Brasília. Conta a história de um rapaz que retorna para sua cidade, só para saber que ela não existe mais. Para mim, foi uma experiência pouco palpável, mas há algo de intrigante neste filme que traz sensações de não-pertencimento, algo que de vez em quando (ou sempre) é sentida por nós.
O HOMEM QUE VIROU ARMÁRIO
Outro belo exemplar do cinema produzido no Ceará, O HOMEM QUE VIROU ARMÁRIO (2015), de Marcelo Ikeda, tem algo de kafkiano em sua ambientação e trama, envolvendo um funcionário obcecado pelas rotinas do trabalho em um escritório situado no Centro da cidade. Com o tempo, de tão misturado que fica com a geografia do espaço, acaba se transformando em um armário. A única pessoa que sente sua falta é uma colega de trabalho, que sempre foi apaixonada por ele. Ela tenta bolar uma maneira de trazê-lo de volta. Acho fantástico o trabalho da atriz (Andréia Pires).
AO VENTO
Exibido em uma edição da excelente mostra Cinema em Transe, este pequeno curta de Yuri Yamamoto acaba deixando a gente um pouco sem entender ou captar a história. Como ele é curtinho, seria o caso de rever. Confesso que não lembro de quase nada de AO VENTO (2015) e não consigo encontrar sinopses por aí. Na minha borrada memória, visualizo bonecos de vento em um estabelecimento.
QUANDO É LÁ FORA
Fazer ficção científica no Brasil, ainda mais dispondo de poucos recursos, é sempre uma tarefa arriscada, mas André Pádua e Leonardo Branco resolveram encarar e realizar este QUANDO É LÁ FORA (2016), que se passa em um futuro distópico em que todos se vestem, caminham e pensam de maneira igual. Mas, como é de se esperar, algo acontece para que esse padrão seja corrompido. Bem interessante.
USP 7%
USP 7% (2015), de Daniel Mello e Bruno Bacchini, vale mais por seu papel político do que por suas qualidades estéticas. O filme mostra a mobilização em favor de cotas raciais em uma das maiores universidades do país. É um filme que apresenta quatro relatos diferentes de pessoas que sofreram e que conseguiram chegar à universidade, apesar dos obstáculos. Em paralelo também se constata o quanto o preconceito ainda está presente em nossa sociedade. Por isso filmes como esse ainda são muito necessários. Foi bastante aplaudido durante a sessão do Cine Ceará.
MONSTRO
Este trabalho de Breno Baptista lembra um bocado VIRGINDADE, de Chico Lacerda, por conta da utilização de fotos e da abordagem homoafetiva. Mas MONSTRO (2015) prefere um registro mais confessional, sentimental. Se tivesse metade da duração seria melhor. Gosto da narração triste e apaixonada, mas chega uma hora que cansa. Há também um problema de depender das legendas em espanhol pra poder entender o áudio da narração. Muito disso também por causa da acústica ruim do Cine São Luiz.
JANAINA OVERDRIVE
Eu não entendi muito bem o fato de muita gente ter elogiado este filme. Acabou tendo um bom destaque na edição deste ano do Cine Ceará. JANAINA OVERDRIVE (2016), de Mozart Freire, é uma ficção cyberpunk dentro de um universo queer. Pode até ser cisma minha, mas sempre que alguém me diz que um filme brasileiro é uma ficção científica eu fico logo com um pé atrás. É até interessante em sua proposta visual, mas confesso que mais me aborreceu do que me deixou intrigado ou algo do tipo.
ANTES DA ENCANTERIA
Bem mais interessante é este ANTES DA ENCANTERIA (2016), produção coletiva dirigida por cinco pessoas: Elena Meirelles, Gabriela Pessoa, Jorge Polo, Lívia de Paiva e Paulo Victor Soares. Foi parar na Mostra Olhar do Ceará e faturou o prêmio da crítica. Está mais para uma coletânea de curtas do que para um curta homogêneo. Gosto dos dois primeiros, especialmente dos irmãos do chá das cinco. Os outros pegam carona e servem mais para cansar uma experiência que poderia ser mais interessante. Quem quiser ver, o filme vai ser novamente exibido, desta vez na próxima edição do For Rainbow.
AQUELE CÉU DE AZUL PETRÓLEO
Exibido na mesma sessão do filme anterior, AQUELE CÉU DE AZUL PETRÓLEO (2016), de Fernanda Brasileiro, me agradou muito mais. Envolvente, o filme possui um belo trabalho de câmera e que chama a atenção também para a intensidade das interpretações das meninas. É o caso de se prestar atenção nos próximos trabalhos da diretora e de rever este filme aqui, que peca também por querer se exceder na duração. Mas nada de grave. Suas qualidades superam os problemas.
OS OLHOS DE ARTHUR
Desde o primeiro filme, DOCE DE COCO (2010), que a gente percebe o olhar delicado e sutil de Allan Deberton. E aqui a gente tem a oportunidade de ver mais um trabalho seu, até mais arriscado, por lidar com um personagem autista. As cenas debaixo d'água são bem bonitas, mas o legal mesmo é como o sentimento do protagonista é tratado, primeiro meio que como um desespero, depois com sentimento misto de saudade antecipada, de conforto ou de qualquer outra coisa que a gente não sabe bem dizer o que é, que varia muito de acordo com a apreciação do espectador. Ainda gosto mais do curta de estreia de Deberton, mas não dá para dizer que OS OLHOS DE ARTHUR (2016) não tem um brilho todo próprio.
TARÂNTULA
Uma beleza de conto sinistro de horror que mexe com criança, maldade e mutilação. Aly Muritiba codirigiu este curta no mesmo ano de PARA MINHA AMADA MORTA (2015). Em TARÂNTULA (2015), feito a quatro mãos por Muritiba e Marja Calafange, acompanhamos uma mãe e duas filhas isoladas em uma casa velha. A rotina das três muda com a visita constante de um homem, que chega com a intenção de namorar a mãe. As duas filhas, então, armam uma maneira bem macabra de expulsar o intruso. Um dos melhores exemplares do cinema de horror recente produzido no Brasil.
AQUELA RUA TÃO TRIUMPHO
Eu já havia gostado bastante de BATCHAN (2013), homenagem sensível que Gabriel Carneiro faz ao cinema de Yasujiro Ozu. Novamente em tom de homenagem carinhosa, Carneiro se supera com AQUELA RUA TÃO TRIUMPHO (2016), que nos leva para o universo da Boca do Lixo, com participação de atores e diretores célebres interpretando eles mesmos, além do protagonismo de Walter Portella no papel de um diretor de cinema que sente saudade dos velhos tempos. Difícil não se arrepiar ou não ficar com os olhos marejados, especialmente quem tem uma queda especial pelo cinema paulista dos anos 70 e 80. O filme conta também com a participação de Júlio Calasso, Alfredo Sternheim, Clery Cunha, Nicole Puzzi, Virgílio Roveda, Vanessa Alves e do próprio Gabriel, no papel de um jornalista.
terça-feira, novembro 08, 2016
CRISIS IN SIX SCENES
É natural encarar CRISIS IN SIX SCENES (2016) como uma série fraca. Até para os padrões de Woody Allen ela parece aquém de seus trabalhos menos inspirados para cinema. Boatos rolaram que Allen havia ficado arrependido de ter topado participar desta série de televisão em streaming da Amazon, que ainda o ajudaria financeiramente na produção de seu mais recente longa CAFÉ SOCIETY (2016).
Dá pra notar facilmente que CRISIS IN SIX SCENES mais parece um filme dividido em seis episódios de 24 minutos do que uma série. Não há aqui uma separação tão explícita de blocos temáticos, nem ganchos. Nem mesmo título ele resolveu colocar nos episódios. Mas isso não chega a ser um problema. Ao contrário: para quem é fã do cineasta, é como se tivéssemos ganhado um bônus neste ano de 2016. E com a vantagem de ver Allen atuando novamente, coisa que ele tem evitado fazer há algum tempo.
No começo, temos a impressão de que Allen está um pouco enferrujado nos trejeitos que ele próprio criou e que serviriam de base para a criação de tantos outros alter-egos, em diversos outros filmes não protagonizados por ele. Em CRISIS.. ele é um escritor relativamente fracassado que tem uma vida pacata com a esposa, vivida pela amiga Elaine May, afastada do cinema desde a comédia TRAPACEIROS, que o próprio Allen dirigiu em 2000. A esposa é uma psicanalista especializada em terapias de casais.
A vida dos dois é virada do avesso quando surge, na calada da noite, uma foragida da polícia, Lennie Dale, vivida por Miley Cyrus. Lennie adentra a casa do casal às escondidas e acaba sendo bem recebida pela psicanalista, que a conhece dos noticiários e entende o fato de ela estar sendo caçada por causa de seus ideais revolucionários. A jovem vive em um país que está fervilhando de movimentos políticos – a história se passa na década de 1960 – e encontra abrigo naquela casa, ainda que sem o apoio do velho escritor, que sempre reclama que a garota está comendo toda sua comida da geladeira.
Os primeiros episódios são um tanto tediosos, com um ritmo que chega a desanimar até mesmo a quem é fã de Allen, mas, a partir da metade, CRISIS IN SIX SCENES fica muito divertida, ganha mais ritmo, até chegar a uma conclusão que redime os problemas iniciais e dá dignidade à série. Lembra um pouco filmes que Allen fez flertando com o gênero policial, como UM MISTERIOSO ASSASSINATO EM MANHATTAN (1993), inclusive com um episódio final com direito a aventuras perigosas do casal de velhinhos.
No começo, estranhamos um bocado a presença de Miley Cyrus. Sua caracterização destoa do restante do elenco. Mas, como ela interpreta uma espécie de fora-da-lei, até que isso é aceitável. Assim como também é compreensível o personagem do jovem protegido de Allen (John Magaro) se apaixonar por ela e querer seguir carreira de guerrilheiro em Cuba, mesmo estando noivo de uma belíssima e gentil garota (Rachel Brosnahan).
Muito da graça da série está nesse contraste entre o medo do personagem de Allen de ser pego pela polícia e de não gostar nada de estar ajudando uma comunista e o discurso da personagem de Cyrus, que acaba contaminando todos os demais ao redor, da esposa ao jovem apaixonado e, por tabela, um clube do livro frequentado por velhinhas. Entre mortos e feridos (na verdade, só há um ferido na história; ninguém morre), a série acaba se salvando por causa de uma conclusão satisfatória. Mas duvido muito que Allen queira repetir a experiência.
domingo, novembro 06, 2016
CINEMA NOVO
A opção de Eryk Rocha em fazer um documentário em formato de ensaio-poesia ao invés de um mais convencional e informativo é compreensível, inclusive dentro da curta duração – cerca de uma hora e meia. Para se contar a história do Cinema Novo em um projeto audiovisual o ideal seria através de uma minissérie para a televisão com mais tempo disponível. Apesar de entendermos a proposta, sentimos muita falta de saber qual é tal filme em tal cena mostrada em CINEMA NOVO (2016).
Como um projeto em que prevalece a edição e a força das imagens de grandes obras – algumas até bem pouco conhecidas do grande público – CINEMA NOVO também se beneficia bastante de depoimentos de arquivo da época (anos 60 e 70) do pessoal do Cinema Novo, que, nota-se, mais parece um clube bem fechado, ainda que bastante diversificado. Esses cineastas (Nelson Pereira dos Santos, Carlos Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Glauber Rocha, Leon Hirszman, Ruy Guerra e vários outros) contribuem direto do túnel do tempo. Não há depoimentos novos, o que torna o trabalho de Eryk mais interessante.
Um dos problemas do filme está no fato de que, se ele for exibido para uma plateia que desconhece totalmente esse cinema pode até despertar uma sensação de desinteresse. Já para quem viu pelo menos alguns dos filmes que são mostrados não deixa de ser muito bom poder rever sequências lindas, como as de A FALECIDA, VIDAS SECAS, RIO, ZONA NORTE, TERRA EM TRANSE, MACUNAÍMA, além de filmes que não são necessariamente do Cinema Novo, mas do passado, como LIMITE, de Mário Peixoto, e filmes de Humberto Mauro.
Ainda assim, acaba parecendo estranho quando, no final, aparecem os créditos de diversos cineastas envolvidos com o Cinema Novo e lá está o nome de Walter Hugo Khouri, que não era muito bem-visto pelo movimento, e que aparece rapidamente junto com a turma em um evento. Não sei o quanto isso é interessante ou respeitador, levando em consideração a forma como Khouri passou a ser visto - basicamente como um cineasta alienado, distante dos interesses sociais e de natureza revolucionária de Glauber, Diegues e cia.
De todo modo, há tanta gente boa envolvida nesse que é o maior movimento cinematográfico da América Latina e que merece o nosso respeito, que a vontade de ver e rever os filmes apresentados é grande. A admiração que já temos por cineastas como Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade, por exemplo, só aumentam, ao vermos seus depoimentos e trechos de filmes. Há também algo que faz com que CINEMA NOVO seja um filme que dialoga muito bem com o momento atual em que estamos vivendo, tanto do ponto de vista político, como no que se refere à baixa audiência de público para o cinema brasileiro (que importa).
Há uma cena em CINEMA NOVO que mostra Diegues e Jabor debatendo sobre essa dificuldade que eles têm de dialogar com o grande público, que continuava resistente ao tipo de filmes que eles faziam. Mas, ao ver, por exemplo, uma cena de TERRA EM TRANSE, com dois personagens recitando suas falas de forma poética e teatral, percebe-se o porquê de esses filmes terem ganhado pouca audiência. O cinema brasileiro só reganharia o público na década de 1970, com o advento das pornochanchadas. Mas isso já é outra história, que seria até bem mais divertida de ser vista em um filme-ensaio desse tipo.
O que importa é que Eryk é feliz em nos deixar intrigados com certas cenas de filmes que desconhecemos, deixa claro a grandeza de nosso cinema, pontua tudo de forma mais ou menos organizada em blocos temáticos, e procura emular o clima de tensão que surge a partir dos eventos políticos ocorridos no Brasil durante o Golpe militar, através de um som e de uma montagem inteligentes.
sábado, novembro 05, 2016
PEQUENO SEGREDO
Às vezes certas polêmicas acabam prejudicando um pouco a apreciação de certos filmes, trazendo até um pouco de preconceito por parte de alguns. Por causa de sua escolha para ser o candidato brasileiro ao Oscar, PEQUENO SEGREDO (2016), de David Schurmann, tem sofrido um bocado com isso. Trata-se de uma história em registro de melodrama baseada em um momento da vida da família Schurmann, a primeira família de brasileiros a dar a volta ao mundo de veleiro. O filme em questão foca na adoção e convivência de uma garotinha pela família.
O ideal é ver o filme sem saber nada sobre a história, a fim de ser beneficiado pelas surpresas, não apenas da trama, como do modo como os paralelismos se unem até o enredo chegar a um determinado momento e seguir numa ordem cronológica mais linear. No começo, tudo até parece fruto de uma edição mal feita. Depois, se percebe que foi inteligente o modo como é construída a narrativa. Mas mesmo quando o filme não entrega tudo de bandeja ao espectador, Schurmann em nenhum momento faz um trabalho chato ou maçante. É tudo bem agradável de ver.
O que não dá pra esperar é uma obra de ponta do cinema brasileiro, com toda uma sofisticação visual e uma inventividade que conta pontos quando falamos de grandes filmes. Este ano temos os casos de O SILÊNCIO DO CÉU, de AQUARIUS e de BOI NEON, como exemplares desse cinema mais elaborado. No entanto, uma vez que não precisemos fazer comparações, o ideal é aceitar PEQUENO SEGREDO como ele é. Ou seja, um melodrama convencional, mas bastante eficiente, e com alguns momentos especialmente emocionantes.
Muito disso se deve ao elenco. Nem tudo funciona como deveria, principalmente porque os dois astros internacionais são especialmente ruins, ou, no mínimo dissonantes com o restante do elenco brasileiro. Assim, tanto o neozelandês Errol Shand, quanto a irlandesa Fionnula Flanagan, não estão bem nos papéis de marido de Robert e Barbara, filho e mãe, sendo que ele é o namorado e posteriormente marido de Jeanne (Maria Flor), a brasileira que mora na Amazônia, lugar que aquele gringo escolheu para fugir de sua família, de sua vida. Nessa fuga, ele acaba se apaixonando por essa moça bonita, e Maria Flor está muito bem com a pele levemente escurecida pela maquiagem. E o filme resolve contar a história desse casal também, os pais da garotinha Kat, que é o denominador comum das duas histórias que se cruzam.
Em paralelo, vamos acompanhando a rotina de vida da pequena Kat (Mariana Goulart) na escola, onde ela é alvo de bullying por mancar ou por ser menor do que as outras de sua idade, mas também acompanhamos o amor que ela recebe da família, em especial de seus pais, vividos por Júlia Lemmertz e Marcello Antony. E o filme capta de maneira muito delicada essa relação da pequena Kat com os pais. As cenas internas, de conversa dela com a mãe, são especialmente belas.
E se os realizadores do filme se enxergam em um Oscar, certamente, a cena da mãe da garota dando um discurso sobre o amor para a avó preconceituosa, estaria naquele "momento Oscar". Não há como negar o quanto PEQUENO SEGREDO é devedor da estética tradicional hollywoodiana. Para o bem e para o mal. Perde pontos no modo como trata a avó de maneira exageradamente cheia de preconceitos, quase uma vilã da história, mas ao menos isso é feito em favor da construção do enredo e desse momento especial citado nesse parágrafo.
O filme tem chances de agradar a um grande público, justamente por ser acadêmico, fácil de ser compreendido, e de contar uma história que pode levar muitos espectadores às lágrimas. Vamos aguardar, então, o resultado em breve dessa recepção, quando o filme estrear em grande circuito no próximo dia 10.
quinta-feira, novembro 03, 2016
DOUTOR ESTRANHO (Doctor Strange)
Quem era leitor de quadrinhos de super-heróis até a década de 1990 sonhava em ver seus heróis favoritos materializados em grandes produções cinematográficas que fizessem jus àquele universo, seja o da Marvel, seja o da DC, para citar as grandes. Infelizmente as tentativas de adaptarem para o cinema esses heróis resultaram em fracassos ocasionais. Tanto por falta de uma história inventiva, quanto por não terem ainda uma série de recursos de produção que hoje fazem toda a diferença. Depois dos avanços no uso da computação gráfica, tudo agora é possível. Basta saber fazer. As ferramentas estão à mão. E dinheiro não falta, já que o retorno tem sido muito positivo e são os filmes de super-heróis que estão alavancando os blockbusters atualmente. Para o bem e para o mal. Prefiro acreditar que é mais para o bem.
Pois bem. Depois do sucesso de X-MEN em 2000 e da iniciativa de um Universo Compartilhado Marvel a partir de HOMEM DE FERRO em 2008, tudo mudou. E agora esse pessoal está cada vez mais corajoso, fazendo filmes sobre heróis bem pouco conhecidos do grande público, como os Guardiões da Galáxia e o Homem-Formiga. E agora chega a vez do Mago Supremo do Universo. Para DOUTOR ESTRANHO (2016), a Marvel convida para a direção o especialista em filmes de horror Scott Derrickson. Que nem é dos melhores do gênero, mas que tem sim alguns bons títulos no currículo.
Para DOUTOR ESTRANHO, há um número de acertos bem significativos, que tornam a produção acima da média, além de fugir do que se está acostumado a ver em títulos do gênero. Desde os primeiros trailers divulgados já se sabia que a abordagem seria diferente, com um tratamento visual que os demais filmes não têm, inclusive com um uso muito mais caprichado da tecnologia 3D e agora também do IMAX. A intenção é capturar o clima psicodélico das primeiras histórias do personagem, desenhadas pelo lendário Steve Ditko. E pode-se dizer que eles conseguem.
Outra coisa muito boa é a escolha do elenco. Um luxo ter Benedict Cumberbatch como Stephen Strange; Rachel McAdams como a apaixonante médica e interesse amoroso de Strange, a Dra. Christine Palmer; Tilda Swinton como a Anciã, a mulher que apresentará a Strange um novo mundo; Chiwetel Ejiofor como o mago Mordor; Benedict Wong como o Wong; e Mads Mikkelsen, como o principal vilão do filme, embora seja também o seu maior problema. Os embates com o personagem de Mikkelsen ainda que possam ser apreciados pelos efeitos visuais de desconstrução da realidade, acabam tornando o filme um pouco aborrecido em alguns momentos.
Mas, levando em consideração os acertos, até dá para relevar este problema. Quem não queria mais um pouco de plantão médico com a Rachel McAdams, de tão adorável que é sua personagem? Não é fantástica a Anciã de Tilda Swinton e suas palavras de sabedoria tão bem construídas e tão pouco usuais em filmes desse tipo? O que dizer da cena dela com Strange no alto de um prédio enquanto o corpo dela estava sendo operado? Um grande momento do filme, sem dúvida.
Assim como é também um grande momento o encontro pessoal do herói com um dos supervilões mais tenebrosos do Universo Marvel, Dormammu, um ser místico que vive nas profundezas de uma dimensão sombria. A cena do embate de Estranho com Dormammu é outro ponto alto do filme. Aliás, é interessante notar que DOUTOR ESTRANHO consegue ser ao mesmo tempo compacto e dinâmico, sem parecer apressado em sua condução narrativa, algo que se percebe nos filmes dos Vingadores, por exemplo. Isso se deve, em parte, por ser a história solo de um herói, mas também se deve dar o devido crédito ao realizador, aos roteiristas, ao montador.
Como é natural nos filmes da Marvel, o humor está presente, muitas vezes até descaracterizando o personagem dos quadrinhos, que costuma ser bem mais sério, até para conservar sua aura de mistério. No cinema, na falta de outro personagem que fosse um alívio cômico, Strange foi o escolhido. Mas isso não tira o mérito do filme, até porque algumas cenas de humor funcionam muito bem, em especial as que envolvem Wong, que aqui ainda aparece como o guardião da biblioteca de livros místicos. E nem é preciso dizer que a construção gráfica do herói, com direito a manto de levitação e o Olho de Agamotto, foi feita no capricho.
Assim, podemos dizer que, sim, a Marvel acertou mais uma vez no cinema, inserido agora um personagem que lida com magia para que se torne presente em uma grande saga em um dos próximos filmes dos Vingadores. Mas antes disso, o Doutor Estranho aparecerá em THOR 3 – RAGNAROK, previsto para novembro do próximo ano. Pelo visto, os super-heróis da Marvel continuarão em nossos cinemas por um bom tempo.
terça-feira, novembro 01, 2016
O INTENDENTE SANCHO (Sanshô Dayû)
Minha relação com o cinema japonês é um tanto tortuosa. Vendo tantos elogios, por exemplo, ao mais famoso dos cineastas nipônicos, Akira Kurosawa, eu raramente conseguia gostar de algum filme dele. Fui começar a ter um sentimento mais próximo pela cultura japonês através dos animes, sejam as séries, sejam os filmes de Hayao Miyazaki. Mas, eis que de uns anos pra cá, eu finalmente me permiti conhecer o trabalho de Yasujiro Ozu e de Kenji Mizoguchi. E fiquei encantado com ambos, cineastas de estilos distintos e mais longe da ocidentalização a que se costuma atribuir os filmes de Kurosawa. Mas falemos de Mizoguchi, e mais especificamente de O INTENDENTE SANCHO (1954), considerado por muitos como sua obra-prima máxima.
E talvez por isso, por essa expectativa gigante, já criada depois de ver obras tão impactantes quanto CONTOS DA LUA VAGA (1953) e SENHORITA OYU (1951), que eu fui com muita sede ao pote para ver O INTENDENTE SANCHO. Isso é muito perigoso, embora às vezes possa acontecer de certos filmes superarem nossas maiores expectativas. Mas isso é raro. O fato é que, por um motivo ou outro, O INTENDENTE SANCHO ficou uns degraus abaixo em minha lista de preferências dos filmes de Mizoguchi.
Mas isso não importa. O que é importa é que é um grande filme, de grande força visual, e que trabalha novamente com o registro do melodrama, transformado em pesadelo muitas vezes nos trabalhos do cineasta. No território do "quanto mais desgraça melhor", Mizoguchi é mestre. Na trama de O INTENDENTE SANCHO, temos uma família que é separada violentamente por regras da sociedade ou pela maldade humana. Ou mesmo pela bondade, já que o patriarca da família é afastado do cargo e de sua própria família por ser generoso demais.
Anos mais tarde, sua esposa e seus dois filhos pequenos estão em uma floresta, com o intuito de encontrar o pai, que já se tornou uma espécie de lenda. No meio do caminho, porém, uma senhora lhes oferece abrigo. Mal sabem eles que esse abrigo é uma cilada mortal: a mãe será vendida como prostituta; os filhos se tornarão escravos do intendente Sancho do título, um homem tão malvado que costuma marcar com ferro as pessoas que têm a audácia de fugir de seu território. Assim, durante a maior parte da metragem, O INTENDENTE SANCHO segue o destino desses dois irmãos, que crescem e vão ficando mais resistentes à maldade e ao trabalho escravo. A ideia é tentarem fugir para encontrar a mãe apenas quando estiverem maiores e mais preparados.
Enquanto isso, ainda que de maneira um pouco rápida, somos convidados a dar uma olhada no que está acontecendo com a mãe dos meninos. E é de cortar o coração o que acontece com ela. Mas dói mais ainda é quando a personagem com quem mais nos apegamos na história acaba saindo de cena de forma muito triste, a jovem Anju. Com isso, o filme perde um pouco de seu grau de interesse, nos deixando um pouco sem chão, e passa a ser centrado no irmão Zuchiô, que passará por situações bem intensas também.
O INTENDENTE SANCHO é mais um daqueles filmes que o cineasta tão bem sabe fazer sobre situações em que o destino é extremamente cruel. É como se a vida fosse impiedosa para os bons e pouco interessada em culpar os maus. Não deixa de passar um sentimento de desamparo, injustiça e pessimismo. Cada cena é mais um momento de opressão que nos abate. Ao mesmo tempo, poder ver uma história contada com tanto esmero e em um momento já de amadurecimento de um mestre do cinema não tem preço.
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