sexta-feira, abril 29, 2005

MARIA CHEIA DE GRAÇA (Maria Full of Grace / Maria, Llena Eres de Gracia)

 

A moça mais bonita da festa do Oscar desse ano era Catalino Sandino Moreno, a bela colombiana que despontou para a fama quando foi indicada ao prêmio da academia pelo papel de Maria Alvarez, uma jovem que pressionada pelas dificuldades financeiras aceita engolir várias cápsulas de heroína para passar droga para os Estados Unidos. Por enquanto, MARIA CHEIA DE GRAÇA (2004), dirigido por Joshua Marston, é o único título no currículo da moça. 

Fiquei bastante surpreso com as qualidades do filme. Não imaginei que fosse tão bom, ainda que o tema em si já seja bem interessante. O filme mostra, do começo ao fim, a angustiante experiência de quem faz esse tipo de serviço. Contar detalhes do inferno que ela passa pode estragar as surpresas de quem ainda não viu o filme, mas posso adiantar a tagline que saiu no IMDB: 

"These pellets contain heroin. Each weighs 10 grams. Each is 4.2 cm long and 1.4 cm wide. And they're on their way to New York in the stomach of a 17-year-old girl." 

Quem já pensou em morar um dia nos Estados Unidos também pode se identificar um pouco com a situação. Talvez até mais do no filme PÃO E ROSAS, de Ken Loach, já que os colombianos estão mais próximos de nós. Ainda que o drama de Maria e de suas amigas que também fazem o mesmo serviço seja chocante, o momento que me sensibilizou mais foi a cena da conversa de Maria com a irmã de Lucy, quando essa última conta da dificuldade que teve de se acostumar com um país estrangeiro e da saudade que sentia da família. Eu fico me imaginando nessa situação. Será que eu iria sentir muita falta da minha família e chorar noites e noites se eu estivesse feliz e bem sucedido num outro país? Será que eu me sentiria como um "canceriano sem lar", como na música de Raul Seixas? 

Uma amiga minha (coincidentemente a mesma com quem fui assistir PÃO E ROSAS no cinema) está desde julho nos EUA. Morando em Nova York. Ela conseguiu. E eu ainda estou aqui trabalhando muito e ganhando pouco. E provavelmente ficarei por aqui mesmo. Às vezes eu me acho muito covarde e preguiçoso por não ter me esforçado mais para ir pra lá também. Mas deixa pra lá.

quinta-feira, abril 28, 2005

DUAS CARRIES

 

Continuando com a série de posts apresentando duplas de filmes, seguem minhas impressões sobre CARRIE, A ESTRANHA (1976), de Brian DePalma, e CARRIE 2 - A MALDIÇÃO (1999), uma continuação bem picareta - mas bem melhor do que se espera - dirigida por uma desconhecida diretora de filmes B, Katt Shea. 

CARRIE, A ESTRANHA (Carrie) 

Desde que revi UM TIRO NA NOITE (1981) em DVD que eu percebi que todo filme do DePalma anteriormente visto por mim apenas pela televisão precisa necessariamente de uma revisão em DVD. Isto é, se o DVD vier com a janela correta do filme, claro - FEMME FATALE (2002), por exemplo, teve uma edição asquerosa no Brasil, em tela cheia. CARRIE, eu já tinha visto há muito tempo num desses corujões da Rede Globo e não era bem um dos meus DePalmas preferidos. Com a revisão, o filme cresceu, mas pra mim ainda continua sendo uma obra menor do diretor. Agora eu entendo porque existem detratores de DePalma, que o acusam de mero copiador de Hitchcock. A começar pela trilha sonora. O grande maestro Pino Donaggio, que já compôs várias pérolas para DePalma, não foi muito feliz, limitando-se a copiar os acordes de Bernard Herrmann em PSICOSE. Se bem que a música que toca na abertura dos créditos é lindona. Aliás, essa abertura é bem ousada, hein. O filme já começa com um monte de mulher pelada passeando em câmera lenta pelo banheiro, enquanto rolam os créditos e a bela música de Donaggio. Mas diferente do que se pode imaginar, não há o menor clima de erotismo nessa cena. Um dos problemas do filme hoje em dia é que ele é tão famoso que não há mais a menor surpresa na tal cena do sangue de porco na festa. Inclusive, o próprio trailer do filme já mostra tudo. Tirando esses problemas, é um belo filme, com uma brilhante interpretação de Piper Laurie, que faz a mãe fanático-religiosa de Carrie (Sissy Spacek). Hoje em dia, o filme é curioso também por mostrar John Travolta, Nancy Allen e Amy Irving bem jovens. Visto em DVD Região 1. Imagem linda em widescreen 1.85:1 e opção de legendas em inglês. 

CARRIE 2 - A MALDIÇÃO (The Rage: Carrie 2) 

Amy Irving é a única do elenco original a participar dessa picaretagem. A personagem dela é a única a se salvar do desastre que Carrie provoca no baile no primeiro filme. Uma pena para Amy, já que ela é uma ótima atriz e a personagem dela é a pior coisa do filme. Parece até que o roteirista fez as piores linhas de diálogo exclusivamente para ela. As cenas que não a envolvem até que são legais. Principalmente quando o filme ainda não se parece com uma obra de terror, quando mais parece um drama sobre a difícil adaptação de jovens um pouco diferentes. A menina que faz a "nova Carrie" (na verdade o nome da personagem é Rachael) é bem interessante e bonita, bem diferente de Sissy Spacek. Ela se chama Emily Bergl e depois fez um papel importante na mini-série TAKEN. A cena do suicídio da amiga de Rachael também é muito boa. O problema é que no final o filme reprisa o filme do DePalma, inventando até uma festa para que a personagem seja ridicularizada e solte os bichos com seus poderes paranormais. Gravado da TNT.

terça-feira, abril 26, 2005

DUAS VEZES LULA

 

É até vergonhoso dizer, mas PEÕES e ENTREATOS (ambos de 2004) são os dois primeiros filmes brasileiros que eu vejo no cinema em 2005. Vergonhoso pra mim, como cinéfilo, mas ainda mais para os distribuidores dos filmes nacionais. Fora as comédias românticas com cara de produção da Globo e que não me despertaram o menor interesse, como O CASAMENTO DE ROMEU E JULIETA e MAIS UMA VEZ AMOR, e uma exibição relâmpago de SEPARAÇÕES, de Domingos de Oliveira, dá pra se contar nos dedos de uma só mão a quantidade de filmes brasileiros lançados por aqui este ano. Espero que isso mude. 

Os documentários de Eduardo Coutinho e João Moreira Salles são peças importantíssimas desse atual momento que a cinematografia brasileira está passando. Os dois filmes inspiram discussões acerca da própria natureza do documentário, esse gênero que tem crescido cada vez mais e está ficando cada vez mais popular não só no Brasil, como no mundo inteiro, vide a bilheteria recorde para o gênero de FAHRENHEIT 11 DE SETEMBRO, de Michael Moore. 

Os dois filmes apresentam o nosso atual Presidente da República em momentos distintos de sua vida e carreira política. Gostando-se ou não do Lula ou de política, PEÕES e ENTREATOS são indispensáveis. Chegaram bem atrasados em Fortaleza, em comparação com o lançamento em São Paulo e Rio de Janeiro há cinco meses, mas pelo menos chegaram. 

PEÕES 

Contrariando a crítica, que em geral tem preferido o filme de Coutinho ao do João, eu acabei gostando mais de ENTREATOS. Acho que um dos principais problemas de PEÕES é que Coutinho dá mais a cara pra bater, especialmente quando ele se aproveita da emoção dos entrevistados. Inclusive, duas dessas cenas são realmente tocantes. A primeira, que mostra um velho senhor, antigo operário da Volkswagem como os demais entrevistados, relembrando de quando conheceu a sua atual esposa e ficando com a voz embargada de emoção; a outra flagra um outro senhor, viúvo e que chora ao ver a fita dos anos 80 onde sua mulher aparece. Mas no final, com aquele silêncio e a câmera esperando o entrevistado chorar e ele meio que recusando, é que sentimos um certo incômodo. O que difere esse filme de outros dois do Coutinho que vi - SANTO FORTE (1999) e EDIFÍCIO MASTER (2002) - são as inserções de momentos históricos retirados de três documentários importantes: ABC DA GREVE, LINHA DE MONTAGEM e GREVE. Esses filmes mostravam Lula como um ativista político e grande articulador de greves dos metalúrgicos do ABC paulista. 

PEÕES mostra Lula quase como um mito, respeitado e adorado pelos ex-metalúrgicos, que o viam como um pai na época das greves, e em 2002, nas vésperas das eleições presidenciais, vêem-no como uma espécie de salvação para o país, além de legítimo representante da classe operária. Lula aparece com trajes mais casuais, fumando e sorrindo pouco, levando a sério sua missão de fazer valer os direitos da classe trabalhadora e incentivando os trabalhadores a resistirem, mesmo que sejam presos ou apanhem da polícia. 

Outro trecho interessante de PEÕES é o momento do making of, quando Coutinho inicia suas pesquisas, primeiro procurando, através de fotos, as pessoas que fizeram parte daqueles movimentos. Para os cearenses, o filme ainda traz a curiosidade de mostrar a cidade de Várzea Alegre, terra natal de dois dos entrevistados. 

ENTREATOS 

Agora, divertido mesmo é o filme de João Moreira Salles. Acho que esse foi o filme que eu mais ouvi risos da platéia esse ano. E pensar que eu quase desistia do filme e ia pra casa, logo depois do filme do Coutinho. Ainda bem que resisti bravamente às cadeiras desconfortáveis do Espaço Unibanco e o tempo foi muito mais generoso e agradável comigo durante ENTREATOS, que até tem uma duração maior que PEÕES. 

Isso aconteceu não apenas porque o assunto desse filme é mais interessante pra mim, mas porque, do jeito que ficou editado, o filme adquire um ar de quase ficção, de história contada, com início, meio e fim. Algumas cenas são poéticas de tão belas, como aquela que mostra Lula no avião, confessando o medo que ele tinha de ser eleito e ser dominado pelo sistema, de ter que seguir as regras já impostas pela máquina - e parece que infelizmente foi isso que aconteceu. Os silêncios entre as conversas contribuem para a reflexão e apreciação do filme, dando tempo para respirar, pensar e sentir. 

Lindo o momento que mostra Lula, sentado no chão com sua esposa Marisa, esperando a apuração final dos votos no segundo turno. Como também, o momento da comemoração, com todo aquele entusiasmo em clima de "Agora é Lula!". Mas o Lula de ENTREATOS, em comparação com aquele líder jovem das greves de PEÕES, parece mais passivo, aceitando tranqüilamente todas as orientações do marqueteiro Duda Mendonça, homem forte da publicidade que soube fazer uma imagem do Lula aceitável até para as pessoas mais conservadoras. Sem falar das propagandas eleitorais, que eram um espetáculo. Fiquei fascinado com a organização por trás dos debates dos presidenciáveis na Rede Globo. Coisa de cinema. 

Se PEÕES contribui para a discussão do documentário enquanto gênero neutro e isento de posicionamento, ENTREATOS se assemelha a DEZ, de Abbas Kiarostami, no sentido de que o diretor do filme, nem sempre está presente e com a câmera na mão, mas ainda assim o trabalho fica coeso e consistente, autoral até. A cena de Lula recebendo a confirmação de que foi eleito Presidente do Brasil foi filmada por Mariana, filha do Aloísio Mercadante, a pedido de João, que não estava com autorização para filmar naquele dia. Imagina se essa cena não entrasse. O filme iria ficar menos brilhante. 

João Moreira Salles já tinha feito um documentário excelente sobre uma celebridade menos popular um ano antes. Lembro que quando fui ver NELSON FREIRE (2003) fiquei impressionado com a leveza do filme, com os vários cortes e takes curtos divididos em capítulos, além da própria vida do excêntrico pianista. Se com NELSON FREIRE, João conseguiu atrair a atenção e agradar a audiência, imagina com um filme que cobre o momento pré-posse de Lula. Não tem como ficar decepcionado. 

P.S.: Hoje à noite, aqui em Fortaleza, haverá dois debates bem interessantes. Um deles, com a participação de Eduardo Coutinho e João Moreira Salles, acontecerá no Centro Cultural Banco do Nordeste; o outro, com Beto Brant, que terá sua obra completa exibida a partir de hoje no Auditório do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Pena que não vou poder ir, tenho que dar aula, mas pretendo ir ver no sábado os curtas de Brant e na quinta-feira vou fazer o possível para dar uma escapulida aqui do trabalho para ver um certo FILME DEMÊNCIA, do diretor preferido de Beto Brant.

segunda-feira, abril 25, 2005

MICHAEL WINNER EM DOIS FILMES

 

Michael Winner não é um cineasta muito respeitado por suas qualidades de diretor de filmes. Até porque não é mesmo um grande realizador. Ele hoje é mais conhecido por suas parcerias com Charles Bronson, sendo a cine-série DESEJO DE MATAR seu título mais famoso. Por causa dessa série e de outros filmes ele é considerado um cineasta de ultra-direita ou fascista. Mas isso em vez de me afastar dos filmes, ao contrário, me deixa mais curioso para vê-los. É divertido ver nos filmes esse negócio de "bandido bom é bandido morto". Abaixo, comentários rápidos sobre dois filmes do homem, sendo que um deles é um filme de horror. 

JOGO SUJO (The Stone Killer) 

Acho que o principal problema desse filme é a falta de um maior controle no desenvolvimento da trama, que vai ficando complicada e mal amarrada. Winner, parece que não funciona trabalhando com histórias mais complexas. JOGO SUJO (1973) foi feito um ano antes de DESEJO DE MATAR (1974), que é muito superior talvez por ter justamente uma história bem mais simples. Em JOGO SUJO, Charles Bronson é um tira linha-dura (como sempre) que é transferido para Los Angeles e se vê às voltas com uma trama envolvendo a máfia siciliana e ex-combatentes de guerra do Vietnã. Uma das cenas mais interessantes do filme é uma que mostra Bronson no meio de uma celebração hippie, enquanto investiga o caso. O cara, mesmo nos anos 70, já era totalmente retrógrado e reacionário. Winner pinta os hippies como um bando de palhaços. O filme não é bom, mas podem mandar mais Charles Bronson dos anos 70, que eu vejo com prazer. Gravado da Globo. 

A SENTINELA DOS MALDITOS (The Sentinel) 

Outro filme com trama mais complexa que Winner complica. Mas, por se tratar de um filme de terror, não é necessário uma história bem explicada ou amarrada. Tive vontade de ver A SENTINELA DOS MALDITOS (1977), desde que vi o filme como destaque nos lançamentos de vídeo da saudosa revista Cine Monstro. Se eu não em engano, o texto sobre o filme era de autoria do nosso amigo Leandro Caraça e me deixou bastante curioso pra conferí-lo. Tanto que acabei comprando o DVD da Works, numa promoção, junto com o DVD de SUSPIRIA, de Dario Argento. O ponto de partida do filme é bem interessante: uma jovem modelo (Chris Raines) se muda para um apartamento num prédio onde mora apenas um padre cego que fica sempre na janela "olhando" para o tempo. Ela depois começa a ter desmaios e problemas para dormir, além de recordar de alguns traumas do seu passado, como da vez em que tentara o suicídio. A coisa começa a ficar assustadora quando ela conhece seus estranhos vizinhos e vai reclamar do barulho que eles fazem à noite para a corretora do imóvel (Ava Gardner, que outrora foi chamada de "o animal mais belo do mundo"), que lhe diz que não existe vizinho nenhuma além do padre. A cena mais assustadora acontece quando o espírito do pai dela aparece de noite, andando pela casa. Mas depois o filme despenca quando o namorado da moça (Chris Sarandon) passa a investigar os incidentes. Ainda assim, há que se destacar o final, um verdadeiro festival de bizarrices. A SENTINELA DOS MALDITOS ficou famoso na época por ter um elenco de astros bem conhecidos, como John Carradine, José Ferrer, Burgess Meredith, Eli Wallach, além de pontas de futuros astros como Christopher Walken, Beverly D'Angelo, Tom Berenger e Jeff Goldblum, além dos protagonistas já citados. O DVD nacional traz o filme em tela cheia, mas a imagem está ok.

sábado, abril 23, 2005

A INTÉRPRETE (The Interpreter)

 

Existem duas coisas que justificam a ida ao cinema para ver A INTÉRPRETE (2005), de Sydney Pollack: a primeira delas, e mais importante, é Nicole Kidman; a segunda, o fato de o filme ter sido filmado na ONU, coisa inédita até hoje. Nem Hitchcock tinha conseguido, quando tentava filmar lá na época de INTRIGA INTERNACIONAL. Mas a locação na sede das Nações Unidas não passa de uma curiosidade e não conta tantos pontos assim para o filme. 

Já Nicole Kidman, ela é uma das melhores atrizes em atividade em Hollywood. Ela esteve espetacular em REENCARNAÇÃO, de Jonathan Glazer. E faz o que pode pra manter o nível nesse A INTÉRPRETE, que tem entre seus melhores momentos os closes no belo rosto da protagonista. Quanto a Sean Penn, tem-se a impressão que ele está no filme apenas para pagar as contas. Ele teve uma química bem melhor com Naomi Watts em 21 GRAMAS, mas isso deve ter algo a ver com o tipo de papel também. 

O diretor Sydney Pollack já está famoso por fazer filmes mornos e tediosos. Pelo menos dos anos 80 pra cá. Talvez por isso ele tenha preferido atuar mais como produtor que como diretor. Pra falar a verdade, o único filme que eu realmente gostei dele foi MAIS FORTE QUE A VINGANÇA (1972), um climático western estrelado por Robert Redford. 

Nesse novo filme, Nicole Kidman trabalha como intérprete na ONU e é testemunha de uma trama de assassinatos políticos envolvendo líderes de um país africano. Sean Penn é o agente do FBI contratado para protegê-la e investigar o caso. O problema é que ele começa a suspeitar que ela tem ligações com o caso. Um dos destaques do filme é justamente essa suspeita, quase hitchcockiana. Nós como espectadores, inicialmente acreditamos na neutralidade da personagem, mas à medida que vamos obtendo mais informações sobre a ligação dela com o país, passamos a suspeitar também, mas sem nunca perder a simpatia por ela. 

No fim das contas, mesmo com algumas boas cenas de suspense, como a cena do ônibus, que lembra SABOTAGEM, de Hitchcock, o filme é só mais um thriller sem muito valor e que deve ser visto sem maiores expectativas. E por que diabos todo filme americano com algo a ver com a África tem que ter aquelas músicas africanas na trilha sonora? Isso já está ficando manjado.

sexta-feira, abril 22, 2005

TAKEN

 

E ontem foi exibido na FOX o último capítulo da mini-série TAKEN (2002), produção de Steven Spielberg para o canal a cabo SciFi. Somando-se todos os dez capítulos, a mini-série tem 877 minutos de duração. TAKEN já tinha passado na HBO, mas como eu não tenho o canal, só agora pude ter contato. 

TAKEN não chega a ser muito empolgante, mas é um bom programa. Mas é melhor no começo e nos episódios finais. A impressão que se tem é que o objetivo da série é chegar logo na personagem Ally, brilhantemente interpretada pela menina-prodígio Dakota Fanning, e que o miolo da série é pura enrolação. 

TAKEN acompanha a história de três famílias que, de alguma maneira, têm ligações com a chegada dos extra-terrestres em Roswell, Novo México. No primeiro ato da série temos: a mulher que tem relações sexuais com um E.T. e gera um filho híbrido; um inescrupuloso capitão que encontra a nave dos alienígenas; e um piloto da força aérea que é abduzido pelos extra-terrestres. Esses três personagens e suas respectivas famílias serão a base para o desenvolvimento da trama, que se passa durante três gerações, começando nos anos 40 e terminado nos 90, quando nasce Ally, a garotinha fruto de experiência alienígena. 

Tirando a performance extraordinariamente adulta de Dakota, acho que o grande destaque de TAKEN é Heather Donahue, que faz a personagem Mary Crawford, a malvada neta do militar que encontra a nave em Roswell. A maldade e obstinação da família Crawford vai passando de geração em geração e atinge o seu ápice com a crueldade de Mary. Assim como o avô, ela não pensa duas vezes se tiver que matar alguém para atingir os seus objetivos. Nem que seja alguém da própria família. O legal da interpretação de Heather é que ela não é uma vilã estereotipada, mas que também sente remorso e tem uns tiques nervosos. Heather Donahue ficou conhecida no mundo todo quando fez A BRUXA DE BLAIR - ela é aquela moça que fica apavorada na floresta naquela famosa cena da lanterna. 

O final da série dá a entender que a personagem de Ally é quase um messias, o que me fez lembrar de um livro bem interessante que li há algum tempo chamado "A Bíblia e os Discos Voadores", e que dizia que Jesus era filho de um extra-terrestre com uma mulher terrena. Pode parecer loucura, mas você lendo o livro, acompanhando os trechos da Bíblia que ele cita, e seguindo o seu raciocínio, fica até fácil de acreditar na coisa, principalmente com as várias aparições de E.T's apontadas nos livros Gênesis e Êxodus e no já famoso Capítulo I de Ezequiel, que contém a descrição detalhada de um disco voador!

quinta-feira, abril 21, 2005

ETERNO AMOR (Un Long Dimanche de Fiançailles)

 

A preguiça impera. Ainda mais porque os filmes que eu tenho pra comentar não são lá muito animadores. A começar por esse novo filme de Jean-Pierre Jeunet, que se apóia no visual para conquistar (ou enganar?) o público e os críticos pop

ETERNO AMOR (2004) é tão irritante quanto O FABULOSO DESTINO DE AMELIE POULIN (2001), o filme anterior do diretor, talvez por também contar com a mesma atriz chata (Audrey Tatou), e com os mesmos roteirista e diretor de fotografia. 

No começo, a bela fotografia até chama a atenção, mas depois da narração em off insistente e do excesso de personagens e de informações na tela, fica difícil agüentar as mais de duas horas de duração do filme sem ficar cansado. Sobre a quantidade de informações, acredito que o livro em que o filme se baseia seja bem mais fácil de absorver. Do jeito que ficou, tem-se a impressão que Jeunet queria a todo custo chamar a atenção do público. 

O início do filme também tem a seu favor a lembrança de uma certa obra-prima de Stanley Kubrick. GLÓRIA FEITA DE SANGUE também mostrava soldados franceses lutando contra os alemães nas trincheiras enlameadas durante a 1ª Guerra Mundial. A lembrança desse filme é imediata. Mas, enquanto Kubrick passava todo o desespero de estar naquela missão suicida, Jeunet não passa simplesmente nenhuma emoção - irritação não vale. 

A obsessão da personagem de Audrey Tatou e o amor que ela sente pelo noivo desaparecido também são despidos de qualquer emoção. Pode-se dizer o mesmo das cenas de flashback onde vemos um pouco da intimidade dos dois. Nem mesmo fazer rir Jeunet consegue, como na cena em que Tatou está descendo do elevador com uma cadeira de rodas. 

Mas nem tudo está perdido no filme. Duas personagens fazem valer o ingresso. Uma delas é a matadora Tina Lombardi (interpretada por Marion Cotillard). Essa personagem parece até saída dos quadrinhos, por causa de sua técnica e elegância na arte do assassinato - destaque para a cena do espelho. A outra é a aparição surpresa de Jodie Foster como a esposa de um dos soldados que se apaixona pelo homem que o marido havia mandado para engravidá-la, já que ele não era capaz de ter filhos. Seu tempo na tela é pouco, mas ela rouba a cena quando aparece. Pena que essas duas moças não foram suficientes para salvar esse filme do completo vazio.

terça-feira, abril 19, 2005

BE COOL - O OUTRO NOME DO JOGO (Be Cool)

 

Uma das cenas mais interessantes de BE COOL (2005) é aquela do discurso de Cedric the Entertainer sobre a importância da cultura negra na sociedade americana, enquanto ele ameaça seus inimigos no escritório do personagem de Harvey Keitel. Esse é talvez o único momento sério do filme de F. Gary Gray. Claro que é inegável a contribuição do negro na cultura do mundo todo, mas não deixa de ser uma ironia essa valorização do estilo negro de ser justamente nesses tempos de moda hip hop nos EUA. 

Lembro que quando assisti ALI, de Michael Mann, com aquela primeira parte ao som da música maravilhosa de Sam Cook, que vi o quanto a música negra caiu de qualidade com esse negócio de hip hop. Claro que isso é tudo questão de gosto e isso não se discute, mas como estou aqui pra expor minhas insatisfações, então tá valendo. Nesse caso, posso dizer que não vejo graça nessa onda gangsta rap, a não ser para se fazer personagens para filmes, mas o que eu não acho legal é a molecada de hoje, inclusive os brancos, ficar se apoiando nesse estereótipo pra ficar fazendo cara de mau e usar aquelas calças baixas e mostrando a cueca. 

Há quem diga que isso pode não ser o foco principal do filme, mas acredito ser um dos pontos fundamentais. Principalmente se você sabe que F. Gary Gray é negro e começou em Hollywood fazendo filmes sobre negros, como SEXTA-FEIRA EM APUROS (1995) e ATÉ AS ÚLTIMAS CONSEQÜÊNCIAS (1996). Depois é que entrou para o primeiro time de Hollywood com os ótimos O NEGOCIADOR (1998) e UMA SAÍDA DE MESTRE (2003), onde se revelou um mestre da ação. Ainda não vi O VINGADOR (2003) que ele fez com o Vin Diesel, mas imagino que seja bem legal. 

Mas não foi pela mudança de direção que BE COOL causou expectativa. Foi por causa do retorno de John Travolta a um de seus personagens mais carismáticos, o Chili Palmer, e pela participação de Uma Thurman, repetindo uma cena de dança que ela havia protagonizado com Travolta no clássico PULP FICTION. Bom, quem esperou pela tal cena de dança deve ter tido uma baita duma decepção. Em vez do ritmo gostoso de Chuck Barry, temos agora uma música sem graça do The Black Eyed Peas e uma dança esfrega-esfrega com zero de sensualidade. 

As cenas musicais são uma xaropada só, o que só comprova o quanto anda decadente a música mainstream americana. Achei ruins especialmente as cenas que envolvem Christina Milian, a cantora clone de Beyoncé, que no filme é a protegida de Travolta e Uma Thurman. Vince Vaugn, continuo não achando muita graça nele. Ele faz parte de uma turma de comediantes bem interessante, e que tem feito vários filmes juntos atualmente. Mas ele não chega a ser engraçado em nenhum momento. E Uma Thurman, poucas vezes esteve tão sem brilho. 

Apesar de ter muitos pontos contra, o filme até que tem momentos bem interessantes, além do já citado discurso de Cedric. A história não tem a menor importância e desde o começo, com John Travolta dizendo que odeia continuações, que sabemos que o tom do filme é de completo deboche e despretensão. 

Entre os destaques do filme estão:
a) The Rock - ele faz um guarda-costas gay super-engraçado;
b) Andre 3000 - o vocalista do Outkast faz Dabu, um dos capangas do mafioso interpretado por Cedric the Entertainer - engraçado quando Travolta o cumprimenta;
c) a moça do The Black Eyed Peas, que é linda, independente de sua música ser fraca ou não;
d) a cena em que o Aerosmith canta "Cryin'" - tudo bem que Aerosmith hoje em dia se tornou quase insuportável, mas essa canção é emocionante e me faz lembrar a Alicia Silverstone;
e) fora isso o filme se dá ao luxo de ter Danny DeVito e James Woods em participações bem pequenas, além de pontas de Sergio Mendes, Wyclef Jean, Fred Durst, Gene Simmons, RZA, etc. 

No balanço geral, dá pra sair na dúvida se a experiência de ver o filme valeu a pena ou não. Acho que valeu sim. Principalmente pela surpresa de ver The Rock mandando ver como comediante.

domingo, abril 17, 2005

PARA SEMPRE NA MINHA VIDA (Come Te Nessuno Mai)

 

PARA SEMPRE NA MINHA VIDA (1999) é mais um belo exemplar do novo cinema italiano. Já tinha visto o filme posterior do diretor Gabriele Muccino, o encantador O ÚLTIMO BEIJO (2001), que fez muito sucesso no circuito alternativo quando lançado nos cinemas há um par de anos. Se em O ÚLTIMO BEIJO, Muccino abordava a vida de quem tem trinta e poucos anos e está prestes a se casar, em PARA SEMPRE NA MINHA VIDA, ele lança luz na adolescência e na descoberta da sexualidade. 

Neste filme, Silvio (Silvio Muccino, irmão mais novo do diretor Gabriele Muccino e que também está em O ÚLTIMO BEIJO e em IL CARTAIO, de Dario Argento), é um jovem de 16 anos que sonha em perder a virgindade e começar logo a namorar. Ele tem um amigo da mesma idade que compartilha com ele do mesmo desejo. Da turma, o mais invejado é Martino, o único que tem namorada e que conta para os amigos detalhes de sua intimidade com Valentina. 

O bicho começa a pegar mesmo quando Silvio, durante uma ocupação dos estudantes rebeldes à escola, beija Valentina e conta depois para um de seus colegas, que espalha pra outro, e em questão de minutos todo mundo fica sabendo. A vantagem de toda essa confusão é que só assim Claudia, uma garota apaixonada por Silvio, resolve se declarar para o rapaz. 

A menina que interpreta a personagem Claudia chama-se Giulia Steigerwalt. Por causa dela que o filme ganha maiores dimensões. Ela empresta à personagem uma beleza de estar amando que só vendo - ajuda o fato de ela ser bonita também. A cena dela com Silvio na varanda do prédio, ao som da música emocional de Paolo Buonvino, que ganhou prêmio de melhor trilha sonora no Festival de Veneza, é o ápice do filme. 

Um assunto bem interessante que o filme aborda é a falta de maiores motivações políticas dessa geração de fim dos anos 90, que na falta de algo no que acreditar tenta imitar a geração dos anos 60/70 com as mesmas figuras de Che Guevara e com aquele linguajar comunista anacrônico, que pode até ser comparável à linguagem repetida de algumas religiões.

Falando em diferença de gerações, um dos pontos altos do filme é quando a mãe de Silvio, que tem também mais dois outros filhos, se vê sozinha em casa, já que os filhos não contam pra ela o que se passa em suas vidas. Por mais que os pais tentem usar de psicologia, essa barreira entre gerações parece inevitável, já que os jovens geralmente só se sentem à vontade para conversar sobre coisas mais íntimas com pessoas de sua idade. 

O filme também mostra o início da "dominação" do jovem dentro da família. O telefone quando toca, por exemplo, é para Silvio, e não para um de seus pais. Vê-se que à medida que a pessoa vai envelhecendo vai ficando cada vez mais solitária e que o mundo cada vez mais se volta para os mais jovens. Não que o filme aprofunde esse tema. Mas é possível perceber um pouco disso. 

Outro aspecto interessante é que as meninas no filme são mais inteligentes e maduras do que os meninos, que são uns trapalhões, não sabem fazer nada direito. Que elas amadurecem mais cedo em se tratando de namoro, comportamento e relacionamentos todo mundo já sabe, mas nesse filme, elas são mais inteligentes até filosoficamente falando. Como se pode ver na conversa que Claudia tem com Silvio no museu. Ela fala sobre a morte e sobre a morte da memória, coisas que jamais passaram pela cabeça do superficial garoto. 

PARA SEMPRE NA MINHA VIDA pode não ser tão bom quanto O ÚLTIMO BEIJO, mas é um filme que confirma o talento do diretor Gabriele Muccino como autor e como alguém capaz de mexer com as emoções do público e de tocar em memórias e sentimentos adormecidos. 

Sobre o diretor, um de seus mais recentes filmes, RICORDATI DI ME (2003), chegou a ser exibido numa edição do Festival do Rio, mas continua inédito no circuito comercial. O filme aborda a relação de pessoas de meia-idade e traz no elenco a musa Monica Bellucci, o que por si só já justifica uma espiadela.

quinta-feira, abril 14, 2005

A MORTE NUM BEIJO (Kiss Me Deadly

 

"The streets looks very frightening, the rain begins and then comes lightning. It seems love's gone to pot, I'd rather have the blues than what I've got."
("Rather Have the Blues", de Nat King Cole) 

Sempre tive vontade de ver A MORTE NUM BEIJO (1955), de Robert Aldrich, mas nunca encontrei o DVD do filme nas locadoras onde tenho ficha. Por isso, foi com alegria que soube que o Cine Benfica iria passar o filme numa mostra de cinema noir, que está acontecendo até o final desse mês. Não gosto muito de ver filmes em DVD no cinema - prefiro película -, mas uma oportunidade dessas eu não podia deixar passar. 

A MORTE NUM BEIJO superou todas as minhas expectativas, que já eram bem altas. Sem querer, acabei descobrindo um filme fundamental para a criação de outras grandes obras que surgiriam depois, como CHINATOWN, de Roman Polanski; PULP FICTION, de Quentin Tarantino; CIDADE DOS SONHOS e TWIN PEAKS, de David Lynch; OS CAÇADORES DA ARCA PERDIDA, de Steven Spielberg; REPO MAN - A ONDA PUNK, de Alex Cox. O filme é considerado por muita gente como o melhor exemplar do cinema noir já produzido. 

Mas foi mesmo o final do filme, surpreendente, que me deixou com um misto de alegria, horror e excitação. Um final daqueles parece estar muito à frente do seu tempo. Por isso, prefiro não dar muitas pistas sobre como o filme se desenvolve. Mas ele começa mais ou menos assim: 

Uma mulher correndo desesperada e vestida apenas com o casaco bloqueia o caminho do detetive Mike Hammer, que estava dirigindo numa estrada escura. Ele não vê outra alternativa a não ser dar carona a ela. Depois de um breve e estranho papo (a mulher tem medo de dizer do que ela está fugindo) e de uma parada num posto de gasolina, os dois são barrados por homens armados. A mulher é torturada até a morte e Hammer acorda num hospital, depois de ter sobrevivido milagrosamente à queda do carro, que havia sido jogado num despenhadeiro. Curioso que antes disso, os assassinos, cujos rostos não apareciam, falavam coisas estranhas sobre voltar dos mortos. Claro que o detetive não vai descansar até descobrir o que está por trás disso tudo. Ah, e os créditos de abertura são exibidos ao contrário, de baixo pra cima, para acentuar o clima de estranheza do filme. 

É excitante saber que nem mesmo o detetive sabe exatamente o que está procurando em suas investigações. Isso, auxiliado pelo jogo de luz e sombras, influência do expressionismo alemão, acaba deixando o filme com uma aparência de pesadelo. Um dos momentos mais representativos desse clima de pesadelo está numa cena em que Hammer está andando numa rua escura e um homem o está perseguindo. O clima é de hostilidade, não apenas pela figura do perseguidor, que já sabemos que não vai ser páreo para Hammer, mas por causa das trevas da noite, que parecem invadir todo o ambiente. 

Uma curiosidade que me chamou a atenção diz respeito ao nome de um dos personagens: Nicholas Raymondo. Seria alguma brincadeira com o nome de Nicholas Ray? Aldrich era amigo de Ray? Ainda não li a entrevista dele do livro Afinal, Quem Faz os Filmes, mas em breve eu pego pra ler e alugo mais alguns filmes do diretor para fazer uma mini-retrospectiva. Me falta é tempo. Vontade, eu tenho muita. Quanto ao cinema noir, há chances de haver, em breve, um novo revival do gênero por causa de SIN CITY, de Robert Rodriguez.

quarta-feira, abril 13, 2005

ASSALTO À 13ª D.P. (Assault on Precinct 13)



Ver filmes nos cinemas UCI é sempre bom por causa da qualidade da imagem e do som, mas às vezes chega a ser uma tortura se você vai num fim de semana à tarde, quando as filas estão bem grandes e o filme que você pretendia ver acaba indo pras cucuias. No sábado, por exemplo, tentei ver VIOLAÇÃO DE PRIVACIDADE ou ASSALTO À 13ª D.P., mas por causa da enorme fila, só consegui ingresso para O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS, que só teria sessão uma hora depois. Mas acabou sendo melhor, já que o filme do Yimou é ótimo. Voltei lá no domingo pra tentar ver novamente um dos dois filmes. Consegui sessão para ASSALTO À 13ª D.P., mas ainda cheguei alguns minutos atrasado e perdi o plano inicial, que dizem ser bem interessante. Quer dizer, se quisermos que cinema seja um programa relaxante, de lazer, temos que chegar pelo menos uma hora mais cedo no local para podermos garantir o filme. Caso contrário, acabamos ficando tão estressados quanto num dia normal de trabalho.

Não sei se ASSALTO À 13ª D.P. (2005) vale esse estresse todo. Já esperava que o filme fosse inferior ao original de John Carpenter, mas ainda assim acabei me decepcionando. O filme faz parte dessa onda de refilmagens que Hollywood anda promovendo à torto e à direito. O início do filme (pelo menos de onde eu pude pegar), com o personagem de Ethan Hawke sendo desmascarado por bandidos como um policial disfarçado, é bem interessante se visto como uma cena isolada, mas dentro do filme como um todo ela parece desnecessária. Funciona mais como uma maneira de se criar um passado traumático para o personagem.

A situação mostrada no filme, a de pessoas cercadas e em perigo, já foi tão explorada - e de maneira muito melhor - em outros derivados de ONDE COMEÇA O INFERNO (1959), de Howard Hawks, que a sensação de deja vu é inevitável. A NOITE DOS MORTOS-VIVOS (1968), de George Romero, e seu remake de 1990 dirigido por Tom Savini; SOB O DOMÍNIO DO MEDO (1971), de Sam Peckinpah; o primeiro ASSALTO À 13ª D.P. (1976) e FANTASMAS DE MARTE (2001), de John Carpenter. Todos eles prestavam tributo ao western de Hawks. Como a maioria das pessoas que vão ao cinema hoje não viram esses filmes, elas podem até ver o novo ASSALTO como algo novo.

Ethan Hawke é um ator por quem eu simpatizo desde os tempos de SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS (e ele está em pelo menos mais dois filmes de grande importância pra mim), mas tenho impressão que o ator não combina muito com o gênero policial. Ele parece muito frágil para papéis desse tipo. Acho que DIA DE TREINAMENTO funcionou porque o papel dele era mesmo de um tira iniciante e meio ingênuo. Laurence Fishburne com aqueles óculos escuros não tem diferença nenhuma do Morpheus de MATRIX.

O novo ASSALTO À 13ª D.P. até pode ser uma experiência boa durante a projeção, mas é bem fácil de se esquecer. Pelo menos o filme tem momentos fortes e violentos, com cenas sangrentas de tiro na cabeça e machadadas, razão de o filme ter sido classificado como proibido para menores de 18 anos.

P.S.: Tem um texto meu intitulado "O Cinema e o Sonho", publicado no site do Cinema com Rapadura.

segunda-feira, abril 11, 2005

O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS (Shi Mian Mai Fu)

 

Depois de eu ter esfriado um pouco com a revisão de HERÓI (2002) no cinema, fui com um pé atrás ver O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS (2004) e me surpreendi com sua qualidade espetacular. Tudo o que faltava em HERÓI - emoção, suor, sangue, lutas empolgantes, história boa, diversão - está agora nesse novo filme de Zhang Yimou. E pra mim foi melhor ainda ver o filme na telona gigante de uma sala da UCI. Eu me senti como se estivesse em plena ação.

A trama é um pouco complicada e cheia de reviravoltas, mas isso é parte da graça do filme. A impressão que se tem é que Yimou queria mesmo divertir. Por isso, o filme foge daquela seriedade chata de HERÓI. No começo da trama, que se passa na China medieval, dois guardas do exército chinês têm a missão de investigar o envolvimento de uma cortesã cega que acaba de chegar à cidade. Ela seria membro do Clã das Adagas Voadoras, uma organização rebelde que quer depor o tirânico imperador.

Os dois rapazes são: o taiwanês Takeshi Kaneshiro, de ANJOS CAÍDOS, de Wong Kar-Wai; e o chinês natural de Hong Kong Andy Lau, de INFERNAL AFFAIRS, o thriller policial que vai ser refilmado por Martin Scorsese. A moça é a bela chinesa Zhang Ziyi, que dispensa apresentações. O filme deve muito de sua beleza a esta menina, hoje considerada a maior estrela do cinema asiático. Em O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS, além de interpretar muito bem, ela ainda dança e luta como o diabo.

Muitos críticos destacam a seqüência da "dança do eco" como um dos grandes momentos do filme, mas pra mim o filme fica realmente empolgante a partir do momento em que o personagem de Takeshi Kaneshiro foge com Zhang Ziyi, atravessando a floresta, e sendo depois perseguidos pelos soldados do exército.

Foi numa dessas emocionantes seqüências de luta que Quentin Tarantino, assistindo ao filme numa première em Cannes, se levantou no meio da sessão e aplaudiu gritando "Bravo". Há quem diga que isso é falta de educação, que atrapalha o filme e tal, mas tendo em vista a excelência da cena, isso é totalmente desculpável. Tem certas coisas que a gente não consegue evitar.

Outra seqüência de cair o queixo é a da luta no bambuzal. Quem já viu O TIGRE E O DRAGÃO pode até achar que é repeteco. Que nada. Yimou faz algo completamente diferente, usando com muita classe dos artifícios do CGI. Pelo que li por aí, tanto essa cena quanto a do filme de Ang Lee foram inspiradas no clássico A TOUCH OF ZEN (1969), de King Hu.

Por alguns momentos, enquanto via o filme, imaginei que estaríamos vivendo um revival dos filmes de artes marciais, como nos bons tempos de King Hu e Chang Che, só que agora com orçamentos bem mais gordos. Pena que Yimou vai voltar para o drama em seu próximo filme. Imagina se ele continuasse nessa trajetória ascendente nos filmes de artes marciais. Onde é que ele ia chegar?

P.S.: No final de semana, fui a uma festa bem bizarra. A festa Vinte e Poucos Anos (que na verdade deveria se chamar 30 e poucos anos) trouxe para a cidade Evandro Mesquita, Kid Vinil e Affonso do Dominó. Esse último, sem vergonha de ser picareta ao misturar canções dos outros com "clássicos" do grupo, como "Manequim" e "Com todos menos comigo", fez a platéia vibrar. Só vendo pra crer. E descontando coisas ainda piores que tocavam por lá, até que eu me diverti bastante. Pena que o melhor artista da noite, o Kid Vinil, só cantou cinco músicas.

sexta-feira, abril 08, 2005

SOB O DOMÍNIO DO MEDO (Straw Dogs)

 

A primeira vez que vi SOB O DOMÍNIO DO MEDO (1971) foi há uns dezesseis anos, quando passou num festival de filmes que a Globo exibiu. Lembro que foi na mesma época que passou, pela primeira vez na televisão, SE..., de Lindsay Anderson; DUNA, de David Lynch; e TOURO INDOMÁVEL, de Martin Scorsese. Até parece que tinha alguém que sacava muito de cinema na Globo pra fazer um festival com filmes desse porte. De SOB O DOMÍNIO DO MEDO, o que mais ficou em minha lembrança foram a seqüência final, com Dustin Hoffman defendendo sua casa com unhas e dentes e, é claro, os seios de Susan George. Nos anos 70, a moda era as mulheres não usarem sutiãs e usarem mini-saia. Engraçado como isso até hoje ainda mexe com a libido dos homens. 

Naquele tempo, não sabia quem era Sam Peckinpah, mas quando vi o filme deu pra notar que se tratava de algo muito especial. Hoje, apesar de conhecer vários filmes do "mestre da violência", ainda falta eu ver seis dos quatorze filmes de sua filmografia. Dois deles - JURAMENTO DE VINGANÇA (1965) e TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA (1974) - foram lançados recentemente nos EUA em edições especiais. É esperar que isso chegue por aqui. Talvez seja melhor esperar pelo lançamento dos DVDs, em vez de ir atrás das cópias em VHS. 

Até pouco tempo achava que SOB O DOMÍNIO DO MEDO (1971) seria o filme ideal para quem quisesse ser introduzido na obra de Peckinpah, mas recentemente, numa lista de discussão que participo, houve até uma discussão bem acalorada sobre certos filmes do diretor e vi que há quem não goste de seus filmes. Logo, não dá pra prever o que as pessoas vão gostar. 

Na trama, Dustin Hoffman é um matemático americano que vai passar uma temporada com a esposa (Susan George) numa casa situada num vilarejo da Inglaterra, terra natal de sua mulher. Ele sofre com o comportamento hostil dos habitantes do lugar, que o vêem como um sujeito esquisito. Por ser muito tímido e por ter dificuldade de lidar mais agressivamente com as pessoas, ele acaba sendo ridicularizado. Pra completar, sua esposa ainda fica flertando com os habitantes. 

Um dos grandes méritos do filme é saber mostrar como um homem pacato - e até certo ponto covarde - põe pra fora sua agressividade quando está numa situação limite. Sam Peckinpah elabora esse caminho catártico de modo que nós também acabamos liberando um pouco dessa violência, ao torcer e vibrar com a volta por cima do personagem de Hoffman. É o tipo de filme que mexe com a adrenalina, que entoxica o corpo. 

Uma das cenas mais polêmicas do filme é a do estupro da mulher de Hoffman. Isso, porque em alguns momentos ela parece estar gostando de ser estuprada. Por causa disso, o filme é considerado até hoje um dos maiores exemplares da misoginia no cinema. E a seqüência final, do cerco da casa, lembra bastante A NOITE DOS MORTOS VIVOS, de George Romero. Será que isso foi uma influência assumida? 

O DVD nacional está sendo vendido nas bancas e está com a imagem muito boa, em widescreen 1.85:1. Altamente recomendado. Principalmente se a locadora de sua cidade não disponibiliza o filme pra locação.

quinta-feira, abril 07, 2005

O LENHADOR (The Woodsman)



Todo mundo sabe que O LENHADOR (2004), longa-metragem de estréia de Nicole Kassell, é um filme sobre a pedofilia. Mas o que pouca gente cita é a tristeza que é se sentir apenas mais uma peça na engrenagem, o vazio de ser um mero operário. Isso já é até comum ver em filmes americanos e até brasileiros - GAROTAS DO ABC, um dos mais recentes filmes do Carlão, por exemplo, fala sobre a valorização do tempo livre em detrimento das horas que passamos fazendo algo que não tem importância para nós a não ser pela necessidade do dinheiro. Eu, por exemplo, que tenho trabalhado dia e noite, valorizo mais e mais o tempo livre, o tempo que nos sobra para fazer o que estamos com vontade. E olha que os meus trabalhos até que me dão alguma autonomia e liberdade. Liberdade, por exemplo, de estar escrevendo para um blog agora. 

Em O LENHADOR, quando o psicólogo pergunta para o personagem de Kevin Bacon como está indo o trabalho e a adaptação, ele apenas diz que está o.k. Não há entusiasmo. Apenas uma certa indiferença. Ainda que ele já tenha estado alguns anos na cadeia por abuso infantil, isto é, numa situação muito pior, ele parece não ter motivos para comemorar. Nem mesmo tem amigos para sair para tomar uma cerveja e esquecer um pouco a vida difícil que leva. Aquilo que ele mais gosta de fazer é proibido, é errado, é pecado, é crime. Ainda por cima, ele sofre preconceito até da própria família, que não deixa que ele se aproxime da sobrinha. 

E o que fazer para controlar esse desejo sexual por garotinhas? Lembrei de um livro do Osho em que ele dizia que no futuro, não haverá mais problemas desse tipo, já que as pessoas com esse tipo de doença, poderão simplesmente fazer uma cirurgia no cérebro e pararão de sentir esse tipo de desejo. Osho acreditava que pedófilos e estupradores não tem poder para controlar os seus atos, não são responsáveis por eles, não são criminosos normais, mas pessoas com problemas mentais que precisam de tratamento médico. 

Quando vi O LENHADOR, lembrei de uma cena de M - O VAMPIRO DE DÜSSELDORF, de Fritz Lang, em que Peter Lorre, o assassino de crianças, pede clemência à multidão que o quer morto. Naquele instante, senti uma grande compaixão por ele. Senti o mesmo na cena mais forte de O LENHADOR, que é a cena em que Kevin Bacon está sentado num banco de um parque com uma garotinha e ele pede pra que ela sente no seu colo. Aquela é a cena chave do filme. Até por explorar muito bem o simbolismo da história de Chapeuzinho Vermelho, com a garotinha vestida de vermelho, com gorro e tudo. Naquele momento, parecia que a platéia do cinema parava até de respirar. Desde já um dos grandes momentos do cinema nesse ano.

terça-feira, abril 05, 2005

THE BROWN BUNNY

 

Desde que THE BROWN BUNNY (2003) causou rebuliço no Festival de Cannes por causa de uma cena de felação envolvendo Chloë Sevigny e o ator e diretor Vincent Gallo que fiquei curioso pra ver o filme. De lá pra cá, pude conferir a estréia na direção de Gallo, com o ótimo BUFFALO 66 (1998), e fiquei ainda mais ansioso pra ver o tal filme melancólico e depressivo que ainda trazia de bônus um blowjob com uma atriz conhecida. Veja bem. Não se trata aqui de uma atriz pornô contratada para atuar dentro de um filme mainstream. Mas uma atriz de verdade fazendo o que só atrizes pornôs faziam. Chloë teve a coragem de fazer o filme sem medo de que isso viesse a prejudicar sua carreira ou sua reputação. A desvantagem (ou vantagem, sei lá) é que agora toda vez que eu ver a moça num filme, vou me lembrar dela com a boca na botija. E em breve, ela aparecerá em MELINDA E MELINDA, o imperdível novo do Woody Allen. Gosto dela. Sexy, corajosa, com uma beleza incomum, como Christina Ricci, outra atriz que trabalhou com Gallo, em BUFFALO 66. 

Bom, mas e THE BROWN BUNNY? Pois é. Me decepcionei um pouco com o filme. E nem acho que seja pelo fato de não acontecer nada de concreto na trama. Simplesmente o filme não me comoveu. Talvez tenha ficado muito ansioso pra ver a cena final, mas também não considero isso como uma das principais razões de eu não ter gostado tanto quanto esperava, já que durante as poucas cenas em que acontece alguma coisa eu fiquei bem interessado. 

Uma de minhas cenas preferidas é uma que emula Kiarostami. Gallo está passeando de carro, com aquela cara de quem tá chupando limão, e pára próximo a umas meninas que trabalham de prostitutas na rua. Ele simpatizou com uma delas, realmente muito bonita, e levou a moça no carro sem interesse sexual. A seqüência da conversa dos dois dentro e fora do carro me lembrou bastante O GOSTO DE CEREJA e DEZ. 

A maior parte do filme mostra Gallo dirigindo a sua van, a chuva caindo, os sinais na estrada passando, uma música triste ao fundo. Como em BUFFALO 66, Gallo faz novamente um personagem com dificuldade de se relacionar com as mulheres. Até mesmo a expressão "don't touch me", repetida diversas vezes em seu primeiro filme, é novamente ouvida em THE BROWN BUNNY. Fico me perguntando até que ponto esses personagens têm alguma relação com a vida real do diretor. 

Lendo uma entrevista de Gallo que peguei na internet, deu pra notar o quanto ele odiava responder sobre porque colocar uma cena de sexo oral explícita no filme. Ele soltou os cachorros em cima da entrevistadora, começou a falar palavrões feito doido. Ficou bem indignado e botou todas as suas frustrações com a imprensa pra fora. Vale a pena conferir a entrevista. 

Acredito que o filme, se visto com um estado de espírito mais tranqüilo, pode ser uma "viagem" bem melhor. Mas para os de espíritos inquietos, talvez não agrade não. E o que é aquele final surpresa, hein? Não é à toa que começaram a acusar o filme de "pathetic joke". 

Filme visto em divx. 

P.S. Quem tiver uma entrevista de Chlöe falando sobre esse filme, mande pra mim.

segunda-feira, abril 04, 2005

HERÓI (Ying Xiong)

 

Engraçado como essa revisão de HERÓI (2002), dessa vez em tela grande, diminuiu o filme pra mim. Tinha visto o filme em 2003 e por mais que ele fosse um pouco cansativo de se ver, eu achava que isso se devia principalmente ao fato de estar vendo no computador. Mas me enganei: no cinema, o filme é mesmo um pouco arrastado. O que continuou intacto entre as qualidades do filme foi o espetacular visual.

Também pudera. A equipe responsável pelo filme é especial. Os figurinos são de Emi Wada, de RAN; o responsável pela trilha sonora é Tan Dun, de O TIGRE E O DRAGÃO; e a fotografia é de Chris Doyle, de AMOR À FLOR DA PELE. E ainda tem o elenco estelar formado por Jet Li, Tony Leung, Maggie Cheung e Zhang Ziyi. E na direção, um mestre do drama: Zhang Yimou, estreando no gênero wuxia pian, a exemplo de seus colegas Ang Lee, Wong Kar-Wai e Tsui Hark. Com tudo isso, não tinha como dar errado.

Ainda assim, tem algo no filme que incomoda. Ou, ao contrário, que me deixa indiferente, o que é pior. Não falo nem do tão polêmico louvor ao imperador de Qin, o sujeito que unificou a China à custa de muito sangue. (Ultimamente tem sido até comum falar com respeito de assassinos ou organizadores de massacres, vide ALEXANDRE, de Oliver Stone.) Os chineses gostaram, o governo da China aprovou. HERÓI é a segunda maior bilheteria do país, só perdendo para TITANIC. Mas Yimou já esteve em situação bem diferente no passado, quando seus primeiros filmes - SORGO VERMELHO (1987), AMOR E SEDUÇÃO (1990) e LANTERNAS VERMELHAS (1991) - foram proibidos em seu país.

Uma das coisas que mais me incomodaram no filme foi a falta de violência, de suor, de sangue, de respiração. Os corpos parecem estar num outro plano de existência, quase espiritual. Mas isso pode ser explicado pelo fato de nenhuma das cenas de luta estarem acontecendo realmente. Elas seriam imaginadas por quem estava ouvindo as histórias, no caso o imperador de Qing, ou o próprio Sem Nome, personagem de Jet Li, quando o imperador interrompe sua narrativa para contar a sua teoria sobre o que realmente aconteceu.

Voltando a ALEXANDRE, interessante como Oliver Stone copiou descaradamente (ou seria uma homenagem?) uma cena de HERÓI que mostrava as folhas amarelas se tornando vermelhas. A diferença é que em ALEXANDRE toda a tela fica vermelha. Sobre as tais folhas, soube que elas eram limpadas uma a uma no início de cada tomada. Isso deve ter dado um trabalho dos diabos.

A minha seqüência favorita de HERÓI é a cena em que predomina o vermelho. A estória de paixão e vingança de Tony Leung e Maggie Cheung. Adoro aquele travelling seguindo os personagens dentro da casa. Mas não fiquei empolgado com as lutas (ou balés).

Mas por mais que tentemos entender a história e a complexidade da construção narrativa, esta parece estar em segundo plano. HERÓI é filme mais de forma do que de conteúdo. Parece que Yimou gastou muita energia no aspecto visual do filme. Isso era mais importante pra ele.

Espero que O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS (2004), que estréia nesse próximo fim de semana, seja mais físico e menos espiritual. Suspeito que vou gostar mais. Por enquanto, o grande filme de Zhang Yimou continua sendo pra mim o emocionante TEMPOS DE VIVER (1994).

domingo, abril 03, 2005

EU NÃO TENHO MEDO (Io Non Ho Paura)

 

Já faz algum tempo que o cinema italiano perdeu o seu brilho. Os anos 90 não fizeram bem para a cinematografia do país da bota. A maior parte dos grandes cineastas italianos já partiram e a nova geração está longe de ter o mesmo brilho, mas isso não significa que o país não mais produza filmes bons. Gabriele Salvatores está nesse grupo de bons cineastas. Seu título mais famoso é MEDITERRÂNEO (1991), ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro. EU NÃO TENHO MEDO (2003) é uma evolução em sua carreira. O filme é mais bonito plasticamente que o seu trabalho mais famoso (não tenho como comparar com os outros filmes, já que não os vi). 

Na trama de EU NÃO TENHO MEDO, um menino de dez anos de idade (o estreante Giuseppe Cristiano) descobre por acaso um outro menino preso dentro de um buraco escondido. Depois do medo inicial, estabelece-se uma amizade entre os dois garotos. E ficamos sabendo o motivo daquele garoto estar ali. Dizer mais que isso é estragar as surpresas do filme, que nem são tantas assim, mas acredito serem importantes para que o espectador se sinta tão surpreso quanto seu protagonista. 

Assim como em RESPIRO, de Emanuele Crialese, e o próprio MEDITERRÂNEO, de Salvatores, a natureza é parte integrante do filme, contribuindo para a sua força. A paisagem, formada basicamente de campos de trigo, está presente desde o início do filme e é fundamental para a trama, que se passa numa região do sul da Itália, no ano de 1978. 

Filmes encabeçados por crianças geralmente têm a vantagem de não aborrecer o espectador. Afinal, todo mundo já foi criança um dia e geralmente é um período muito divertido e de muitas descobertas. Eu me lembro que quando eu era pequeno eu achava que a minha mãe era uma santa, ou no mínimo a pessoa mais sábia, bondosa e infalível do mundo. Com a adolescência é que passamos a perceber os defeitos de nossos pais. E um dos temas mais interessantes do filme é justamente o desencanto da criança ao descobrir que os seus pais também fazem coisas erradas. 

O diretor de fotografia, Italo Petriccione, é o mesmo de MEDITERRÂNEO e já trabalhou em vários filmes de Salvatores. Por falar nos filmes do diretor, tem um filme dele que eu sou especialmente curioso pra conhecer. Chama-se DENTI (2000) e é um filme surrealista sobre um homem obcecado por seus dentes dianteiros, que eram enormes. Pelo que dizem, o filme é bem sangrento e desagradável. Acredito que esse filme é inédito no Brasil.