sexta-feira, agosto 29, 2008

FEAR ITSELF - IN SICKNESS AND IN HEALTH



Enquanto John Landis não volta aos cinemas de modo triunfal, temos de nos contentar com esses episódios que ele dirige para a televisão. Nas duas temporadas de MASTERS OF HORROR, ele nos brindou com o maravilhoso DEER WOMAN (2005) e com o bom FAMILY (2006). Dessa vez, com IN SICKNESS AND IN HEALTH (2008), o episódio de FEAR ITSELF com roteiro de Victor Salva (OLHOS FAMINTOS), ele faz o que pode para manter o filme interessante. O problema está mesmo é no "roteiro-pegadinha" de Salva, que põe tudo a perder no final, não conseguindo ser coerente com os atos da protagonista e deixando a coisa até bem clichê.

No entanto, não há como não ficar empolgado com o prólogo, que mostra uma noiva (a bela Maggie Lawson, mais conhecida de quem acompanha a série PSYCH) bastante entusiasmada com os preparativos para o seu casamento até receber um bilhete afirmando que a pessoa que ela está prestes a se casar é um serial killer! E entram os créditos de abertura com a música bacana da série, deixando em nossa mente boas expectativas e a dúvida de como seria a condução da trama. Será que Landis faria um filme estilo SUSPEITA, do Hitchcock, levando a história até pelo menos uma lua de mel? Ou a estória se passaria toda durante a festa de casamento? Levando em consideração os curtos 42 minutos do episódio, a segunda alternativa é mais lógica. E é o que realmente ocorre.

O mais interessante de IN SICKNESS AND IN HEALTH, eu diria, é a locação. Boa parte da trama acontece dentro de uma igreja cheia de imagens de santos do Catolicismo, que já são mostrados antecipadamente nos créditos, mas cuja presença é constante ao longo do filme, contribuindo positivamente para uma atmosfera mais sinistra. Uma pena é que isso não é suficiente para tornar o filme não mais do que uma diversão curiosa ou interessante. Desse modo, por mais que a trama no final se mostre boba, o diretor mantém o interesse até o final – ainda que o interesse vá morrendo aos poucos -, num trabalho que curiosamente tem muito mais diálogos do que se esperaria de um filme de horror.

quinta-feira, agosto 28, 2008

RICAS E FAMOSAS (Rich and Famous)



E com RICAS E FAMOSAS (1981) chega ao fim a minha peregrinação pelo cinema de George Cukor. E que bom ver que a sua despedida das telas, o seu "filme-testamento", é tão bom quanto os seus melhores trabalhos, surpreendendo muitos que viam a sua decadência como permanente. E embora os últimos trabalhos do diretor que eu tive a chance de ver não tenham me agradado muito, eles já apontavam para um tema que seria visto nesse seu último filme: o tema da solteirice, ou da solidão de viver só. Lembremos que os personagens de Rex Harrison e Katharine Hepburn em MY FAIR LADY (1964) e O MILHO ESTÁ VERDE (1979), respectivamente, são solteirões ou por vontade própria ou por força das circunstâncias. No caso de RICAS E FAMOSAS, não se trata exatamente de estar solteiro, mas de terminar um relacionamento prolongado (caso da personagem de Candice Bergen) ou de ter tido vários parceiros durante a vida de solteira e não ter tido a chance de casar (como a personagem de Jacqueline Bisset).

Falando em Bisset, vale ressaltar que mesmo em sua fase mais madura, ela continuava linda, e já fazendo um papel de uma mulher de meia-idade que atrai homens mais jovens. Há duas cenas de sexo no filme que me surpreenderam, mas principalmente por se tratar de um filme de Cukor. E Bisset tem uma sensualidade fantástica. Outra surpresa foi ver que o filme tem no elenco a Meg Ryan! Isso mesmo! Ela ainda estava novinha, "verdinha", ainda a alguns anos para alcançar o auge da beleza e da graciosidade no adorável HARRY E SALLY – FEITOS UM PARA O OUTRO. Mas foi muito bom poder flagrar esse momento inicial da carreira daquela que seria considerada por um tempo a "namoradinha da América". Ela interpreta a filha adolescente da personagem de Candice Bergen.

RICAS E FAMOSAS não nega suas origens teatrais e eu acho que aprendi a ver filmes baseados em peças de teatro com prazer, mas desde que eu esteja preparado psicologicamente para ver uma adaptação de uma peça. A vantagem é que o filme é muito rico nos diálogos e consegue ir além de um teatro filmado, além de ser plasticamente belo nas seqüências externas. O filme mostra o relacionamento de duas amigas de longa data que se tornam escritoras de sucesso em três momentos distintos de suas vidas – 1969, 1977 e 1981. Os cortes no tempo mostram os altos e baixos nas carreiras e nas vidas pessoais dessas duas mulheres. Dois momentos especiais ocorrem no ano de 1981 para as duas no terreno dos relacionamentos. O final do filme é sentimental mas sutil, numa delicadeza típica dos melhores trabalhos do diretor.

Para encerrar, meu top 10 George Cukor, dando para notar que eu adorei a fase da parceria do diretor com Judy Holliday:

1. A DAMA DAS CAMÉLIAS (1936)
2. DA MESMA CARNE (1952)
3. À MEIA LUZ (1944)
4. BOÊMIO ENCANTADOR (1938)
5. ADORÁVEL PECADORA (1960)
6. DEMÔNIO DE MULHER (1954)
7. RICAS E FAMOSAS (1981)
8. NÚPCIAS DE ESCÂNDALO (1940)
9. NASCIDA ONTEM (1950)
10. LES GIRLS (1957)

Filmes importantes de Cukor não vistos durante a peregrinação: DAVID COPPERFIELD (1935), VIVENDO EM DÚVIDA (1935), FATALIDADE (1947), JUSTINE (1969).

quarta-feira, agosto 27, 2008

O DESPERTAR DA BESTA / RITUAL DOS SÁDICOS



Chega a ser impressionante como José Mojica Marins, depois de ter feito tanto sucesso, de ter chegado ao auge de popularidade em 1968 e 1969, ainda assim estar com problemas financeiros. Com o sucesso que fez, imaginava-se que ele estaria rico. Mas não. Para a realização do mais maldito de seus trabalhos, RITUAL DOS SÁDICOS (1969) - que depois mudou o título para O DESPERTAR DA BESTA quando de sua primeira exibição pública em 1983, depois de tantos anos censurado -, ele se utilizou de sobras de negativos, de pedaços de filmes cedidos por Roberto Santos, Carlos Reichenbach, Rogério Sganzerla e outros produtores e colaboradores. Inclusive, na seqüência em cores do filme, no momento de delírio de quatro personagens, ao serem submetidos a uma experiência com LSD tendo em mente a figura do Zé do Caixão, Mojica também teve dificuldade de encontrar negativos em cores para essas cenas, tendo completado algumas partes com negativos em preto e branco tingidos de outras cores, principalmente nas cenas protagonizadas por Ozualdo Candeias.

Um dos trabalhos mais complexos de José Mojica Marins e um dos que mais deixam questionamentos e reflexões sobre a natureza do criador e da criatura e o modo como o personagem engoliu o artista, O DESPERTAR DA BESTA também flagra o momento em que o Zé do Caixão havia se tornado um personagem altamente popular e controverso, com direito a programas de televisão e revistas em quadrinhos. Há, inclusive, uma cena de um programa de tevê em que Mojica é submetido a um intenso interrogatório feito por pessoas que deliberadamente queriam irritar o entrevistado. Depois, entraria um advogado para defender o artista. Esse seria o formato do programa e o primeiro de uma série. Inclusive, um dos que participam do interrogatório é o cantor Adoniran Barbosa.

O filme se inicia com um debate sobre a influência das drogas no comportamento da juventude. Estávamos no final dos anos 60, momento em que a contracultura veio com força, trazendo consigo o sexo, as drogas e o rock and roll. O debate conta com participações de Carlos Reichenbach, Maurice Capovilla, João Callegaro, Jairo Ferreira e Walter C. Portela. Ozualdo Candeias e o sempre presente Mário Lima participam também como atores. A primeira metade do filme acontece num estúdio de televisão, onde o próprio Mojica (interpretando ele mesmo) procura se defender de ataques de moralistas. No meio do debate, são apresentadas pequenas cenas de perversão sexual. A melhor delas é a primeira, onde uma moça faz um strip-tease para um bando de homens feios e com cara de tarados, ao som de um bom rock e, no final, a ela é dado um penico. Das várias perversões, a mais memorável é a do sujeito comendo macarrão e querendo abusar sexualmente de uma moça. Há também a da mulher adúltera que, com a ajuda da droga, fica mais sujeita às tentações da carne, de trair o marido, apesar de durante o ato chorar, olhando para a foto 3x4 do esposo. É uma cena que ficou até bastante moralista, mas ao mesmo tempo, devido ao ridículo da situação, é como se Mojica e Luchetti estivessem tirando sarro do moralismo da época e da dificuldade de ser transgressor naqueles tempos de censura.

A segunda parte é o momento em que pessoas são procuradas para participar de um experimento envolvendo LSD. Com o uso da droga, as pessoas, supostamente, entrariam em contato com a figura do Zé do Caixão, pois das três experiências de espetáculo a que elas se submeteram a que mais impressionou foi a da exibição de ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER (1967) - as outras duas foram uma peça do José Celso Martinez e uma festa de rock psicodélica e libertina. As seqüências do mundo de Zé do Caixão estão em colorido belíssimo, lembrando bastante as cores dos trabalhos de Mario Bava, com seus tons de verde e vermelho bem acentuados. Isso tornou o filme ainda mais psicodélico do que ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER e sua famosa seqüência do inferno gelado. O DESPERTAR DA BESTA é, em sua totalidade, psicodélico. Captura o espírito da época, flertando com as transgressões. Não podia dar outra senão a censura proibir o filme. A cena final, com Mojica dizendo "corta", chega a ser ambígua. Estaria ele dando uma indireta para os censores?

Quando de sua exibição no Rio-Cine Festival de 1986, R.F. Luchetti levou o prêmio de melhor roteiro e Mojica curiosamente levou o prêmio de melhor ator, apesar de aparecer pouco. Em O DESPERTAR DA BESTA, muda o dublador de Mojica. Sai Laércio Laurelli dos três primeiros filmes, entra Araken Saldanha, que tem uma voz bem mais parecida com a do cineasta/ator. Mas preferia o primeiro dublador.

Entre os extras do dvd, o grande destaque é FOGO-FÁTUO (1980), de Goffredo Telles Neto, documentário em curta-metragem homenageando Mojica. Interessante ver como as pessoas são sugestionáveis quando participam do workshop do diretor, que leva uma multidão à loucura, fazendo-as imaginar que estão em perigo dentro de um avião. Mojica também contribui para mistificar ainda mais a sua figura, contando de quando viu um fogo-fátuo, atribuindo a isso o fato de ele ter se tornado um cineasta de filmes de horror. Depois, há um depoimento de um crítico de arte e físico a favor do cinema do diretor.

Entre as entrevistas, na do próprio diretor, além de ele contar dos pedaços de negativo que ele teve que se utilizar para a realização do filme, ele dá ênfase no assunto dos aspectos sombrios que todos têm. Cotrim, o "homem do macarrão" do filme, conta das circunstâncias em que conheceu Mojica, durante uma averiguação de rotina (ele era policial do Esquadrão da Morte na época) para verificar se havia drogas no set. No fim das contas, Mojica, bom de papo que era, acabou convidando-o para fazer o papel que seria de Jô Soares, contracenando com a Ítala Nandi. O cineasta Ozualdo Candeias é entrevistado num bar do bairro da Boca do Lixo, com pôsteres do Zé do Caixão na parede, e fala de sua relação de longos anos com Mojica, antes mesmo de ele ter criado o Zé do Caixão, no final da década de 50. Eugenio Puppo, o homem que me entregou o Troféu Quepe do Comodoro na cidade de São Miguel do Gostoso - é assim que eu vou me lembrar dele sempre - fala principalmente sobre o resgate da cópia integral de RITUAL DOS SÁDICOS que a Censura, apesar de ter impedido a exibição do filme, não tocou um dedo ou cortou uma cena sequer. Juan Espeche fala de sua relação com o Mojica, que não foi de natureza cinematográfica. Ele era uma espécie de organizador de uma dessas câmaras de horror de parque de diversões, tendo convidado o Zé do Caixão pra participar. R. F. Luchetti conta de sua admiração pelo modo como Mojica soube aproveitar o pouco espaço que ele tinha para filmar, num pequeno apartamento, e sua capacidade de improvisação. O roteiro de Luchetti para esse filme foi só um guia. Mojica teve toda a liberdade para dar asas à sua imaginação nesse que é, sem dúvida, o seu trabalho mais delirante.

Em relação aos demais extras, na seção "Sons da Noite" tem um conto fraco que Mojica narrou para a 89 FM, chamado "Vermes", além do lado B do compacto simples que saiu na época, com Mojica interpretando "Castelo de Horrores", uma marchinha de carnaval com um refrão grudento e que deve ter feito algum sucesso. Na seção "Especial", há uma visita ao arquivo nacional, onde estão guardados todos os filmes censurados na época da ditadura e onde podemos ver os rolos originais de RITUAL DOS SÁDICOS. Há também trechos de um workshop que ele realizou no Rio de Janeiro, que é interessante para ver o seu método de trabalho de interpretação, através de sugestões mentais, principalmente.

terça-feira, agosto 26, 2008

DIÁRIO DOS MORTOS (Diary of the Dead)



Noite de domingo. A intenção era reunir uma turma legal para a sessão única de DIÁRIO DOS MORTOS (2007), que aconteceria no domingo à noite, no Shopping Del Paseo. Seria a primeira exibição em Fortaleza organizada através do MovieMobz, um projeto de mobilização de cinéfilos para que filmes que não conseguiram distribuição, ou mesmo filmes clássicos, possam ser vistos na tela do cinema, em exibição digital da Rain. Eu já havia me cadastrado no site e votado no filme do Romero, que pelo andar da carruagem deve ir direto para dvd. Eu mesmo estava um pouco cansado e acho que se não tivesse uma turma ou alguém que fosse comigo, eu acabaria desistindo. Porém, se eu não fosse, talvez me sentisse um pouco culpado, afinal, eu tinha votado no filme. Assim, confirmei com a Bia, que disse que ia para a sessão com o Primati. Eu aproveitaria a oportunidade para me despedir dele. Depois, liguei para o Alex, o organizador da sessão Malditos da Meia-Noite, e ele falou que ia também e que a Carol já estava lá no apartamento dele com uma turma, vendo filmes estranhos e tomando cerveja. E fui logo até lá para levar o dvd-r que tinha prometido gravar pra ele para, de lá, irmos até o Del Paseo. A Carol acabou desistindo. Estava cansada e sem dinheiro e a Bia e o Primati também não apareceram, segundo eles, pelo mesmo motivo. A turma se resumiu então ao Alex, um amigo dele cujo nome não me recordo e eu. Havia pouca gente na sala. No final da sessão, uma jornalista do jornal O Povo estava à procura de alguém que tinha votado no filme pelo site e por incrível que pareça eu era um único que estava ali que tinha de fato votado. Aí ela fez uma entrevistinha rápida comigo enquanto nos dirigíamos ao estacionamento. Pra quem se interessar, a matéria que ela escreveu saiu hoje no jornal O Povo. Mas chega de "diarinho" e falemos de um outro diário: o DIÁRIO DOS MORTOS (2007).

Sempre em sintonia com o que está acontecendo no mundo, George A. Romero volta a fazer um filme de zumbis em DIÁRIO DOS MORTOS, que corre por fora de seu ciclo anterior, formado por A NOITE DOS MORTOS-VIVOS (1968), DESPERTAR DOS MORTOS (1978), DIA DOS MORTOS (1985) e TERRA DOS MORTOS (2005), constituindo hoje uma tetralogia. Uma das principais características desses filmes de zumbis de Romero é que eles apresentam, sob a superfície, críticas e reflexões sociais muito mais densas do que muito documentário. DIÁRIO DOS MORTOS é a visão de Romero sobre a obsessão atual das pessoas pela gravação e exibição da imagem em movimento, facilitada pelas máquinas fotográficas digitais, pelos celulares que tiram fotos e webcams. Hoje em dia, as pessoas até deixam de curtir um show na ânsia de registrar o momento - eu mesmo cheguei a fazer isso.

Assim como [REC], de Jaume Balagueró e Paco Plaza, e CLOVERFIELD, de Matt Reeves, DIÁRIO DOS MORTOS é também um filme de horror com características de documentário, com o uso da câmera na mão e de um personagem que a manuseia para registrar o que está acontecendo. Ainda que não tenha a mesma força dos filmes citados, e de não se levar a sério em momento algum, o trabalho de Romero tem como outro ponto negativo o fato de ser excessivamente didático nas questões levantadas, não alcançando um grau de complexidade política e social como havia atingido no anterior (e bem superior) TERRA DOS MORTOS, que avalia o mundo pós-11 de setembro, dos Estados Unidos da Era Bush.

A trama gira em torno de um grupo de jovens estudantes de cinema que, durante a elaboração de um filme de horror caseiro de múmia, fica sabendo da notícia de que mortos estão voltando à vida como zumbis e que o mundo está virando um verdadeiro caos. Até mesmo no Japão, uma imagem visualizada do Youtube mostra uma jovem pedindo às pessoas para não enterrarem os seus mortos sem antes dar-lhes um tiro na cabeça, sinal de que a coisa já havia atingido proporções globais. De vez em quando ao longo do filme vemos notícias, através da televisão e da internet, mas a sensação de que o grupo está sozinho e tentando sobreviver naquele mundo apocalíptico permanece, já que tudo o que vemos é o que está nas lentes da câmera de um dos rapazes do grupo, que insiste em gravar tudo o que está acontecendo por acreditar que o que está ocorrendo é um momento histórico e que merece ser registrado. Algo muito parecido com o que acontece em CLOVERFIELD.

Talvez pelo fato de o diretor não levar tão a sério seu novo objeto de estudo, DIÁRIO DOS MORTOS tem uma leveza e uma despretensão que, se por um lado, ajuda o espectador a relaxar e a dar umas boas risadas durante a projeção, por outro, faz com que o mesmo espectador crie uma relação pouco respeitosa com esse trabalho, por mais que ele possua as suas qualidades. Entra também o problema da inevitável comparação com [REC], muito mais eficiente na construção de uma atmosfera de medo e tensão, ainda que aparentemente não tenha a mesma pretensão de Romero de usar o cinema como objeto de reflexão.

segunda-feira, agosto 25, 2008

O PROCURADO (Wanted)



Melhor do que o esperado, mas ainda assim faltando um pouco para ser considerado um bom filme de ação e aventura, O PROCURADO (2008), estréia do cineasta russo Timur Bekmambetov nos Estados Unidos, até que pode ser visto como um relativo sucesso. A adição de Bekmambetov em Hollywood talvez tenha sido um bom negócio para os executivos. Pelo menos ele se encaixa bem ao perfil e tem um estilo de direção que pode fazer alguma diferença. Apesar de algumas semelhanças com Michael Bay, o diretor consegue orquestrar cenas de ação melhores que as usadas nas picotagens habituais de Bay. Bekmambetov pelo menos não engana o espectador nas cenas de ação, que são mostradas em sua completude e não com aquela edição de videoclipe. Trata-se de um diretor de filmes que fizeram um enorme sucesso de bilheteria em seu país de origem (a Rússia), mas que costumam ser execrados pela crítica. Seus trabalhos mais conhecidos e lançados no Brasil são GUARDIÕES DA NOITE (2004) e GUARDIÕES DO DIA (2006). Confesso que devido a tantas críticas ruins a esses filmes e ao fato de que seus respectivos trailers não terem me atraído em nada, O PROCURADO é o primeiro filme do russo que vejo. E isso por razões diversas, como a origem da adaptação e a presença de cena de Angelina Jolie.

No que se refere à origem, O PROCURADO é adaptação de uma mini-série em quadrinhos de Mark Millar e J.G. Jones – que têm seus nomes homenageados numa seqüência do filme. Dizem que o filme guarda pouca semelhança com os quadrinhos. O que não chega a ser nenhum demérito se o diretor conseguir fazer um bom trabalho. Na verdade, a primeira coisa que o filme me lembrou foi da série ALIAS, de J.J. Abrams. O personagem de Morgan Freeman, Sloan, guarda semelhanças com o maquiavélico chefe de Sydney, da série, que inclusive também se chama Sloane – uma letra de diferença. Mark Millar é um dos mais importantes roteiristas de histórias em quadrinhos da atualidade. Talvez no quesito ação poucos consigam se igualar a ele hoje.

Na trama, James McAvoy é um sujeito que trabalha num escritório de contabilidade e que sofre de baixa auto-estima e ataques de pânico. Ele se acha um "Zé ninguém" quando, ao pesquisar por seu nome no Google, não encontra nada. Sua vida muda quando, numa farmácia, uma mulher (Jolie) diz ter conhecido seu pai, que ele acabou de morrer e que ele estaria prestes a morrer também, já que o assassino está ali, prestes a executá-lo. Depois de quase morrer do coração numa movimentada seqüência de perseguição nas ruas, o protagonista conhece a fraternidade milenar de assassinos que têm como lema "mate um, salve mil" e que recebem ordens de quem será o próximo alvo através de uma curiosa máquina de tear que gera um código, o chamado "Tear do Destino".

Angelina Jolie está bem sensual no filme. E o fato de ela falar pouco e só o necessário torna-a ainda mais misteriosa e atraente. A seqüência da atriz deslizando elegantemente sobre um trem atravessando um túnel é um exemplo disso. Há outra seqüência, dela saindo de uma banheira capaz de curar as feridas em tempo recorde, que também pode mexer com o coração dos marmanjos. Mas como é comum em filmes de ação, O PROCURADO cai bastante no final, quando vai se tornando mais parecido com os filmes de ação genéricos produzidos em Hollywood. Ainda assim, trata-se de entretenimento razoável e com um final que, ainda que sem a mínima sensibilidade, faz um questionamento direto para o espectador, que pode soar ridículo para alguns, desnecessário para outros, mas que pode surtir algum efeito para boa parte do público.

P.S.: Tive a oportunidade e o prazer de rever, nesse final de semana, FALSA LOURA, de Carlos Reichenbach. Dessa vez, com tranqüilidade, com ar condicionado e sistema de som melhores, lá do Espaço Unibanco, e sem interrupções para atender a celular. E o filme cresceu ainda mais em meu conceito. Agora, é impressão minha ou o corte da versão comercial está ligeiramente diferente da cópia apresentada nos festivais? Curiosamente, o filme também estreou no mesmo fim de semana em Natal e em Porto Alegre.

sexta-feira, agosto 22, 2008

FEAR ITSELF – FAMILY MAN



Depois de um episódio apenas razoável (THE SACRIFICE, de Breck Eisner) e outro horrível de ruim (SPOOKED, de Brad Anderson), eis que FEAR ITSELF renova nossas esperanças com FAMILY MAN (2008), de Ronny Yu. O diretor é mais experiente do que muitos imaginam – começou a carreira em Hong Kong no final dos anos 70 -, mas só ficou mais conhecido internacionalmente a partir de ENTRE O AMOR E A GLÓRIA (1993), um trabalho onde ele mistura aventura, fantasia e romance. Não cheguei a ver, mas quem viu costuma elogiar bastante.

Sua estréia em Hollywood foi com A NOIVA DE CHUCKY (1998). Junto com FREDDY VS. JASON (2003), ele acabou ganhando, no Ocidente, o estigma de diretor de filmes de terror, ainda que esses dois exemplares se utilizem de um registro mais cômico. Seu trabalho em FAMILY MAN é mais sério e poderia muito bem ser confundido com um dos melhores episódios de ALÉM DA IMAGINAÇÃO. Se bem que o próprio título do filme - "Family Man" - guarda uma ambigüidade quase cômica, pois tanto pode se referir ao homem pacato de família comum que vai à Igreja todos os domingos com a família (Colin Ferguson, da série EUREKA), quanto com o psicopata que matou a família inteira.

O prólogo do filme é por si só já bastante atraente, com uma cena de batida de carro surpreendente. Aliás, boas cenas-surpresa de batidas de carro costumam me impressionar muito. O choque de um caminhão com o carro do homem que fala com carinho com a esposa no celular, enquanto está dirigindo, leva-o a um estado de coma. Uma das cenas mais angustiantes acontece logo no começo, quando seu espírito tenta se comunicar com sua família no hospital e é logo avisado por outro espírito que ele já está morto. O filme aparentemente promete ser uma espécie de versão aterrorizante de GHOST – DO OUTRO LADO DA VIDA, mas a trama se encaminha por outras veredas, totalmente inesperadas. E a surpresa é um dos grandes méritos de FAMILY MAN, que ganhou o meu respeito logo de cara e cujos 42 minutos passam voando. A trama caberia muito bem num filme de uma hora e meia de duração. Mas ainda assim, com esse limite de tempo, Ronny Yu e o roteirista Daniel Knauf, da série da HBO CARNIVALE (2003-2005), se saem muito bem.

O próximo episódio promete: John Landis na direção.

quinta-feira, agosto 21, 2008

ERA UMA VEZ…



Depois de 2 FILHOS DE FRANCISCO (2005), a expectativa em torno do novo trabalho de Breno Silveira era grande. Afinal, a história de Zezé de Camargo e Luciano e seu obstinado pai foi o maior sucesso de bilheteria do cinema nacional desde a retomada. Sem falar que o filme também foi elogiado por boa parte da crítica, que relevou o preconceito geralmente ligado à música sertaneja. Demorou três anos para que o projeto seguinte, mais pessoal para o diretor, chegasse às telas. E duvido muito que ERA UMA VEZ... (2008) repita o desempenho do trabalho anterior de Silveira, embora o filme tenha atrativos suficientes para conquistar uma grande platéia. Até porque a velha estória de Romeu e Julieta, dessa vez transposta para a realidade do Rio de Janeiro, apesar de um tanto batida, ainda consegue despertar a simpatia e o interesse do espectador.

O destaque de ERA UMA VEZ...está no bom desenvolvimento da ação e no elenco, especialmente os mais jovens: o casal de namorados Dé (Thiago Martins) e Nina (a bela estreante Vitória Frate), além do ótimo desempenho de Rocco Pitanga como o irmão de Dé, que foi parar na cadeia inocente, depois de uma série de eventos que desencadeou na morte do irmão “do meio” dos dois, assassinado por um sujeito exageradamente malvado que se tornaria o líder da boca do seu morro. E falando em morro, uma das prováveis razões para que ERA UMA VEZ...não tenha uma boa recepção seja o excesso de filmes sobre os morros cariocas. O problema é que as pessoas já devem estar cansadas de ver filmes passados no interior do Nordeste ou em favelas cariocas, com direito a cenas de festas-funk.

Entre as falhas, os personagens não têm profundidade, são mostrados sempre de maneira muito boa ou muito má. Inclusive o irmão de Dé, que passa por uma mudança radical ao se deparar com o "lado negro da força". Talvez o maior problema de ERA UMA VEZ...esteja em sua conclusão, que chega a ser tão infeliz quanto o título, que remete a contos de fadas, fábulas, coisas que não associo muito ao filme,.apesar da fonte shakesperiana, que por si mesma já deve ter nascido do inconsciente coletivo, de estórias muito mais antigas que o próprio dramaturgo inglês. Mas se na tragédia de Shakespeare a disputa é entre duas famílias, ERA UMA VEZ.. tem a função social de mostrar o preconceito na sociedade, representados de um lado pelo pai de Nina (Paulo César Grande) e do outro pela mãe de Dé (Cyria Coentro), que não querem ver seus filhos envolvidos com pessoas distantes de seu meio. No fim das contas, a boa narrativa, o simpático elenco, a fotografia caprichada, entre outros aspectos técnicos, ajudam a compensar os diversos problemas.

quarta-feira, agosto 20, 2008

BODAS DE PAPEL



Tem alguns filmes que, apesar de suas falhas, simplesmente nos conquistam. Não posso dizer que gostei de tudo que existe em BODAS DE PAPEL (2008), mas foi um filme que me "pegou", digamos assim. Talvez pela estranheza de se parecer demais com o cinema francês de cineastas da Nouvelle Vague. Assim, vemos o jeito de falar dos personagens e as cores esmaecidas do Rohmer oitentista, um aspecto metafísico de algumas obras de Jacques Rivette e uma narrativa à moda antiga, herdeira de François Truffaut. Nunca vi um filme brasileiro tão parecido com cinema francês. E isso muito me agradou. Mas não apenas isso. Se Helena Ranaldi não estivesse tão encantadora ou a estória de amor não fosse tão comovente, o filme não teria me entusiasmado tanto. Soube, através do blog do Merten, que a esposa de André Sturm, o diretor do filme, morreu em trabalho de parto, junto com o bebê. Se eu já havia ficado comovido com o enredo do filme em si, fiquei ainda mais ao saber que o filme, ao lidar com a perda, deve ser extremamente pessoal e especial para o diretor.

O filme mostra o encontro de duas pessoas que se conhecem durante a "ressurreição" de uma cidade fictícia do interior de São Paulo chamada Candeias. A cidade havia sido evacuada para a construção de uma nova hidrelétrica que inundaria a região, mas, através da notícia de um jornal, tanto a personagem de Helena Ranaldi quanto o do argentino Darío Grandinetti ficam sabendo que o governo desistiu do projeto. Por isso, muitas pessoas retornam à cidade. Nina, a personagem de Ranaldi, resolve voltar para o lugar onde ela foi criada, o lugar onde ela guarda, principalmente, recordações ternas do avô carinhoso interpretado por Sérgio Mamberti, que surge nos flashbacks. Miguel, o arquiteto vivido por Grandinetti, é contratado para executar um serviço na cidade. E encontra-se por acaso com Nina. Aliás, acaso talvez não seja a palavra mais adequada, a não ser que ela seja sinônimo de força do destino, ou o termo em inglês "serendipity", citado diversas vezes durante o filme.

BODAS DE PAPEL se inicia com uma cena do personagem de Walmor Chagas recebendo uma ligação que o deixa surpreso, o que já dá um tom de mistério ao filme, tom esse já esperado por quem já havia visto o trailer, no qual Sturm escolheu, em vez da usual colagem de cenas como nos trailers convencionais, uma cena do casal no jardim, falando de forma enigmática sobre ter que fazer um sacrifício. Depois da ligação recebida pelo personagem de Chagas, entram os créditos com uma bela música, enquanto os nomes dos atores e da equipe técnica aparecem com belos arranjos visuais, dando ao filme, logo de início, um aspecto meio anacrônico, como se estivéssemos vendo um trabalho realizado há pelo menos uns vinte anos. Esse ar de perfume antigo que impregna o filme, junto com as interpretações dos atores e a estória de amor que é entrecortada por várias estorinhas que Nina resgata do que ouviu de seu avô, um sujeito que mais lembra a Dona Benta da primeira versão do SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO, tal a simpatia e o modo pausado como ele conta as suas estorinhas que tanto encantam a jovem Nina. E por mais que essas estorinhas não tenham tido em mim nenhum efeito atrativo ou de particular interesse, a estória de amor entre Nina e Miguel despertou e muito, tendo lembrado, inclusive, o CONTO DE INVERNO, de Rohmer. Mas o melhor mesmo não é ficar lendo sobre o filme. O melhor é curtí-lo e se deliciar com o seu andamento, com as surpresas e sua mágica toda própria.

segunda-feira, agosto 18, 2008

STAR WARS: THE CLONE WARS



Se mesmo com todo aquele rebuliço que causava a cada novo episódio de STAR WARS que chegava às telas George Lucas já demonstrava sua pouca habilidade na direção, fazendo filmes cada vez mais estéreis, com STAR WARS: THE CLONE WARS (2008), a animação criada desleixadamente pelo estúdio de Lucas, é mais uma arma para que os detratores da cine-série tratem logo de diminuir o seu valor de vez. É George Lucas queimando o próprio filme, que já estava esfumaçado. Aliás, pode-se dizer que os próprios fãs em geral receberam os três mais recentes episódios de STAR WARS como um banho de água fria. Tudo bem que Lucas foi melhorando a cada episódio, mas mesmo assim não deixou de ser decepcionante, se comparada à trilogia original.

Com uma trama situada entre o EPISÓDIO II - O ATAQUE DOS CLONES (2002) e o EPISÓDIO III - A VINGANÇA DOS SITH (2005), a animação não tem muito a acrescentar à mitologia da série, apenas preenchendo o espaço com cenas de ação bocejantes, que parecem saídas de videogame barato. Pois o que tem de videogame com visual melhor e mais sofisticado por aí não está no gibi - essa expressão é velha pra caramba, hein. A animação dos personagens é tão dura e os diálogos são tão apagados que nota-se que a única justificativa para passar esse filme nos cinemas foi mesmo a vontade de ganhar mais dinheiro, já que inicialmente foi cogitada a idéia de STAR WARS: THE CLONE WARS ser um piloto de uma série a ser exibida no Cartoon Network e na TNT a partir do próximo ano. Aliás, dizem que a série anterior, STAR WARS: GUERRAS CLÔNICAS (2003), lançada em dvd no Brasil em dois volumes, com um estilo mais tradicional de animação e mais parecida com anime, é muito boa. Mas não sou suficientemente fã da série e não cheguei a conferir. Não sei o quanto as duas séries terão em comum em termos de estória. O que eu posso dizer é que como piloto de série, STAR WARS: THE CLONE WARS não anima suficientemente o espectador para ver os episódios seguintes. Ver no cinema só acentua as suas fraquezas.

Dos atores originais da segunda trilogia, apenas dois aparecem dublando: Christopher Lee, no papel do Conde Douku (esse negócio de traduzir para Dukan é frescura e tira a graça do nome do personagem para os brasileiros), e Samuel L. Jackson fazendo a voz de seu personagem, o jedi Mace Windu. De novidade, o filme tem uma nova personagem de destaque: uma padawan - que é o termo que eles usam para aprendiz de jedi - para Anakin Skywalker. Talvez o filme ainda agrade os fãs mais ardorosos da série, que podem ver de novo nos cinemas o asqueroso Jabba, o sábio Yoda, o planeta onde Anakin nasceu, os dróides, os simpáticos robôs R2-D2 e C-3PO, sempre presentes em todos os episódios da série, a senadora Amidala etc. Enquanto isso, aproveitando a sua falta de criatividade para fazer qualquer outra coisa que não esteja relacionada a STAR WARS, George Lucas vai perdendo crescentemente o seu crédito diante dos fãs. Tem gente que nasce para ser artista; outros nascem para serem empresários ou gerentes, que visam fundamentalmente o lucro acima de tudo.

domingo, agosto 17, 2008

NA IDADE DA INOCÊNCIA (L'Argent de Poche)



Uma das grandes vantagens de se ter um cineasta que é também ao mesmo tempo um crítico, que tem uma maior consciência de seu próprio trabalho, é que ele acaba nos dando de bandeja algumas coisas que, apesar de óbvias, se custaria a captar. No livro "O Cinema segundo François Truffaut", o diretor faz comparações de NA IDADE DA INOCÊNCIA (1976) com seus outros dois filmes que lidam com crianças ou adolescentes. Ao rebater as críticas de que, nesse filme, ele não mostra o aspecto malvado das crianças, diz que quando fez OS INCOMPREENDIDOS (1959) ele tinha quase a mesma idade de Jean-Pierre Léaud, portanto, era um filme de irmão; quando ele fez O GAROTO SELVAGEM (1970), ele fez um filme de pai, sendo que ele mesmo desempenhou o papel de pai adotivo do garoto, utilizando-se de métodos até um pouco dolorosos para fazer com que aquela criança evoluísse. Já em NA IDADE DA INOCÊNCIA, Truffaut diz que havia envelhecido muito rápido, fazendo um filme de avô, isto é, o modo como ele vê as crianças é de pura ternura. Assistir o discurso final do professor sobre os maus tratos que algumas crianças recebem é como se estivéssemos ouvindo do próprio cineasta, de tão próximos que nos tornamos dele a partir da leitura do livro e da apreciação de seus filmes. Até porque nas entrevistas, Truffaut não se importava em se auto-analisar. Assim, é fácil entender como ele vê com olhos não acusadores a criança pobre que tem o hábito de roubar, já que ele mesmo já falou o quanto se identifica com personagens marginais.

Assim, em NA IDADE DA INOCÊNCIA, Truffaut está representado em três personagens: o professor, que eu já mencionei; o garoto pobre e maltratado, que eu também já mencionei; e o garotinho loiro, o que cuida do pai paralítico e que teve a dura tarefa de amadurecer mais rápido, tendo que lidar com responsabilidades que normalmente seriam delegadas a pessoas mais velhas. Truffaut também conta que não tinha a intenção de destacar nenhum personagem em especial nesse filme sem protagonistas. Mas aos poucos os personagens Patrick (o loirinho) e Julien (o garotinho pobre) vão se destacando dos demais, justamente por serem mais a cara do cineasta. O diretor jura que isso não foi deliberado e que aconteceu naturalmente.

O filme é bem o oposto de A HISTÓRIA DE ADÈLE H. (1975), o filme anterior, que era excessivamente triste e opressivo. NA IDADE DA INOCÊNCIA, por mais que também trate de assuntos delicados e que tenha momentos um pouco mais fortes, é um trabalho muito mais arejado. O fato de ter muitos personagens e não apenas um único protagonista e de não se ter uma obrigação de seguir especificamente um enredo, mas pequenas estórias dentro do filme, faz com que se perceba essa maior leveza de tom. Mesmo assim, a cena em que o pequeno Gregory está sozinho no apartamento e, brincando com um gatinho, está prestes a cair da janela chega a ser hitchcockiana. Os adultos, ao contrário do que muitos críticos da época os acusaram, não são mostrados como os vilões da história. Alguns deles sim, mas poucos. Os dois professores da escola, por exemplo, são tratados com carinho pelo diretor e pela co-roteirista Suzanne Schiffman. Especialmente a professora, no momento em que ela chora ao perceber o quanto foi insensível de não ter percebido o quanto sofria um dos garotos da classe. Ver o filme me deu uma saudade dos tempos em que os garotos, apesar de sapecas, ainda tinham o mínimo de respeito pela figura autoritária do professor.

NA IDADE DA INOCÊNCIA seria o filme que fecharia a minha lenta peregrinação pelo cinema de François Truffaut, mas senti necessidade de rever também O ÚLTIMO METRÔ (1980) e DE REPENTE NUM DOMINGO (1983). E como os dois filmes estão disponíveis em dvd, acho que daqui a algumas semanas ou meses os verei, já que tive a oportunidade de vê-los no cinema, mas não os apreciei, provavelmente por não ter entendido suas motivações. Além do mais, minhas lembranças desses filmes são bem nebulosas, mais até do que A MULHER DO LADO (1981), que vi há muito mais tempo, também no cinema, mas cujas lembranças parecem estar mais vivas. Vai entender.

sexta-feira, agosto 15, 2008

FEAR ITSELF - SPOOKED



A julgar pelos dois primeiros episódios, FEAR ITSELF não está se saindo nem mesmo como sombra do que foi MASTERS OF HORROR. Se eu já tinha achado fraco o primeiro episódio, THE SACRIFICE, de Breck Eisner, SPOOKED (2008), dirigido por Brad Anderson, conseguiu levar à série ao fundo do poço já no comecinho. Se bem que o poço pode ser ainda mais fundo, nunca se sabe. Mas não vou desistir da série não, até pela presença e respeito que eu tenho por cineastas queridos como John Landis e Stuart Gordon. Mas enquanto não chega a vez dos episódios deles, falemos um pouco sobre esse medonho SPOOKED, que até ganha um pouco de interesse nas cenas das memórias de infância do protagonista, mas a trama principal em si é um horror. No pior sentido do termo. Pelo menos dá para se estabelecer um elo de ligação com SOUNDS LIKE (2006), que Anderson dirigiu na segunda temporada de MASTERS..., que é a questão do medo provocado pelo ouvir.

Para refrescar a memória, SOUNDS LIKE trata de um homem que adquire uma super-audição, que vai se tornando insuportável até o limite de ele não agüentar mais. Pois bem, a questão do medo do som está novamente na trama de SPOOKED, que mostra um ex-policial e agora detetive particular decadente e alcóolatra (Eric Roberts) cuja especialidade é encontrar provas de traição para esposas que têm certeza que seus maridos estão as traindo. É nessa condição que uma atraente loira fatal - que por alguns minutos dá ao episódio um ar de film noir - que pede ao detetive que vigie a casa onde mora o marido, pois ela quer provas para incriminá-lo na justiça. Em vez de uma van estacionada em frente à casa, ela prefere que ele fique numa casa abandonada que fica justamente em frente à casa onde o marido dela dorme. A loira é interpretada por Cynthia Watros, mais conhecida de quem acompanhou a segunda temporada de LOST, onde ela fez o papel da psicóloga Libby.

SPOOKED é uma sucessão de clichês baratos de sustos, onde o detetive é apavorado por um homem que ele matou no passado e pelos próprios "esqueletos no armário", que remontam desde a infância. Aliás, o filme seria muito melhor se focalizasse apenas no trauma de infância do que em pregar sustos bestas, manjados e que aborrecem em vez de divertir, graças àquela montagem videoclípica que virou um cacoete do horror anos 90. E parece que a gente ainda vai demorar um pouco a se livrar desse tipo de edição. Não sei se Brad Anderson é apenas uma promessa que não deu certo ou se SPOOKED é uma prova da comentada falta de liberdade artística que a NBC tem submetido os diretores. Se ele surgia como uma promessa com o bom thriller O OPERÁRIO (2004), nada mais que eu vi dele me impressionou. Mas pode ser que ele ainda dê a sua virada, já que ele está com todo gás. Já tem um filme finalizado e em cartaz nos cinemas americanos chamado TRANSSIBERIAN (2008), que fracassou nas bilheterias americanas, mas provavelmente por ter estreado no mesmo dia de BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS. Mesmo com o fracasso, seus projetos futuros incluem um horror apocalíptico estrelado por Christian Bale (VANISHING) e um filme de serial killer (ALL LOST SOULS).

P.S.: Tem edição nova da Revista Zingu! no ar! O grande destaque dessa edição é o Dossiê Canarinho, o humorista que hoje é mais lembrado pelo seu papel do encrenqueiro no telefone público do programa A PRAÇA É NOSSA. Matheus Trunk fez uma entrevista com Canarinho. No mais tem INTERLÚDIO DE AMOR, de Clint Eastwood, resenhado pelo Aguilar, as já tradicionais seções da revista e uma surpresa pra mim: na seção Musas do Diniz, a escolhida do mês foi a querida Fernanda Takai. E falando em musas, Gabriel Carneiro fala sobre a fantástica Ingrid Bergman.

quinta-feira, agosto 14, 2008

O MILHO ESTÁ VERDE (The Corn Is Green)



É triste ver a decadência de um autor. George Cukor, que já havia demonstrado sinais de que deveria ter se aposentado no oscarizado MY FAIR LADY (1964), mesmo com toda a pompa e luxo, no modesto telefilme O MILHO ESTÁ VERDE (1979) até mesmo a sua antiga parceira Katharine Hepburn surge apagada, apesar de se notar o esforço da atriz, que procurava sempre transparecer vitalidade, apesar da doença e da velhice. E de certo modo essa fragilidade da atriz chega a contribuir positivamente para o filme. A cena de sua mão tremendo enquanto está colocando chá na xícara é um exemplo disso. Interessante notar como há um forte elo de ligação entre as temáticas de ambos os filmes. Apesar da distância de mais de dez anos entre as duas produções, Cukor parece ter feito em O MILHO ESTÁ VERDE quase uma refilmagem de MY FAIR LADY, tratando da educação como um caminho para a evolução física, moral, intelectual e espiritual do homem.

Desse modo, os personagens de Rex Harrison em MY FAIR LADY e Katharine Hepburn em O MILHO ESTÁ VERDE surgem como professores rígidos e transformadores do destino de indivíduos marginalizados ou que não tiveram a chance de ter uma boa educação para poderem crescer. No filme, Katharine Hepburn é uma senhora solteirona que chega a uma cidadezinha do interior do País de Gales e que logo toma de conta de uma casa que lhe foi herdada. Ela fica entusiasmada com as belezas naturais do lugar e como nota que o povo daquela região é, em geral, iletrado, pretende construir uma escola e lecionar tanto para crianças quanto para os trabalhadores das minas, que a princípio fazem pouco dos modos e das intenções da professora. Apenas um deles, numa atividade de produção textual, chama a atenção dela, um rapaz que ela vê com potencial para aprender muito e chegar até mesmo a uma boa universidade.

Trata-se de uma estorinha banal e que até pode ter algum valor moral, mas tem pouco valor como cinema. O fato de ser um telefilme transparece até mesmo nos fade-outs, que são as deixas para a entrada dos comerciais. O filme também tem problemas com a noção de tempo, que parece meio estranha. Principalmente no final, quando o rapaz volta da viagem de Oxford e diz que o resultado de sua classificação só sairia em dois dias e no meio da cena chega o telegrama com o resultado. Não se sabe quanto tempo durou a viagem e a moça que engravida dele logo aparece com a criança num cesto, como se uma gravidez só durasse um mês. Posso ter perdido algum detalhe, o que não é nenhuma surpresa, pois o filme é tão chato que vez ou outra eu me via distraído, pensando em outra coisa. Quando eu percebia isso, desligava a tv e deixava para continuar o filme no dia seguinte. Pelo menos a duração é de apenas uma hora e meia. Agora, só falta mais um filme para eu terminar a peregrinação pela obra de Cukor, justamente o seu filme-testamento. Espero não me desapontar novamente.

quarta-feira, agosto 13, 2008

A ÚLTIMA AMANTE (Une Vieille Mâitresse)



Acredito que desde ROMANCE X (1999) que um filme de Catherine Breillat não é distribuído nos cinemas brasileiros. O filme aproveitava a polêmica em torno da inclusão no elenco de um ícone pornô, o italiano Rocco Siffredi. O resultado foi apenas mediano, mas valeu a intenção. Por mim, haveria com mais freqüência uma maior interação entre atores do mainstream e performers da indústria pornográfica, que continua existindo à margem, mesmo na Europa, um continente cujas cinematografias são em geral mais liberais que as de Hollywood.

No intervalo entre o filme que deu fama à Breillat, a diretora foi se tornando aos poucos mais respeitada pela crítica. Tanto que eu fiquei realmente admirado com a qualidade e a sensibilidade presentes nesse novo trabalho, entitulado no Brasil A ÚLTIMA AMANTE (2007), e estrelado por Asia Argento, que cada vez mais tem escolhido projetos interessantes e desafiadores, vide os recentes TRAIÇÃO EM HONG KONG, de Olivier Assayas, e TRANSYLVANIA, de Tony Gatlif. Sem falar que ela está também em RETORNO DA MALDIÇÃO – A MALDIÇÃO DAS LÁGRIMAS, do papai Argento. Mesmo nos Estados Unidos, pode-se ver que ela tem selecionado trabalhos mais alternativos, como ÚLTIMOS DIAS, de Gus Van Sant, MARIA ANTONIETA, de Sofia Coppola, GO GO TALES, de Abel Ferrara, e TERRA DOS MORTOS, de George Romero. Quer dizer: a menina costuma andar muito bem acompanhada, além de ter demonstrado ser também uma ótima diretora, com o chocante e sensível MALDITO CORAÇÃO.

E Asia domina o filme de Breillat, ainda que o ponto de vista não seja dela, mas do amante, o andrógino estreante de nome esquisito Fu'ad Ait Aattou, que a diretora descobriu num café parisiense. Ele é um rapaz com boca de mulher, mas que tem a fama de ser um dos maiores conquistadores da aristocracia parisiense – o filme se passa no século XIX, no momento em que o livro "As Relações Perigosas", de Choderlos de Laclos, estava fazendo muito sucesso no país.

Na trama, dessa vez sem sexo explícito, A ÚLTIMA AMANTE mostra um jovem de coração balançando entre sua noiva, Hermangarde, uma linda mas pudica jovem da aristocracia, interpretada pela bela Roxane Mesquida, que aparece na cena de maior beleza plástica do filme: o momento em que ela se mostra nua na cama, com Ryno de Marigny (o personagem de Fu'ad Ait Aattou). Aliás, Roxane também aparece no anterior SEX IS COMEDY (2002), da mesma diretora, cuja cópia em divx, já tenho uma comigo aqui (oba!). A beleza do corpo nu de Roxane me deixou encantado.

Curiosamente, por mais que Asia Argento tenha explorado bastante a nudez e a sensualidade desde o início de sua carreira, ela é mostrada no filme como uma mulher feia– é assim que Ryno a vê quando a encontra pela primeira vez -, além de execrada pela sociedade por seus modos (aquele charuto que ela fuma lembra uma mãe de santo). De ascendência espanhola e com um ar de cigana, Vellini, a personagem de Asia, aos poucos vai se mostrando cada vez mais enigmática e atraente, de modo que o próprio Ryno vai se tornando crescentemente obcecado por ela, chegando ao ponto de duelar com armas de fogo com seu marido. Isso o espectador vai acompanhando a partir das declarações que Ryno dá à avó da jovem, a marquesa de Flers, como prova de confiança de que ele está de fato disposto a se desligar de sua antiga amante para se dedicar a um casamento comportado com uma dama da alta sociedade. O filme tem um aspecto que às vezes remete aos mais tradicionais e acadêmicos filmes de época mas às vezes também lembra, principalmente nos momentos de conversa entre Ryno e a velha senhora – que se delicia com os detalhes mais íntimos da história da relação entre Ryno e Vellini -, os melhores trabalhos de Eric Rohmer. No entanto, por mais que transpareça esse academicismo, o filme vai se revelando bem mais especial e com soluções narrativas que fogem do lugar comum.

P.S.: Soube através do Filipe que entre ROMANCE X e A ÚLTIMA AMANTE dois filmes de Breillat foram distribuídos no Brasil: PARA MINHA IRMÃ (2001) e seu primeiro trabalho, UMA ADOLESCENTE DE VERDADE (1976). De qualquer maneira, esses filmes não entraram em cartaz em Fortaleza.

segunda-feira, agosto 11, 2008

CINCO CURTAS



O final de semana teve algo de especial. Afinal, pude conhecer pessoalmente Carlos Primati, um jornalista cujo trabalho admiro desde os tempos do Guia do Vídeo Erótico. E o homem ainda foi responsável pela criação da saudosa Cine Monstro e é, muito provavelmente, o maior especialista em cinema de horror do Brasil. Ele está atualmente em Fortaleza ministrando dois cursos: um sobre cinema de horror e outro sobre Hitchcock. Pude comprovar que ele é gente fina. Curiosamente, o elo de ligação dessa vez foi a minha amiga Bia, daqui de Fortaleza mesmo. Quer dizer, graças à internet, a gente vai conhecendo pessoas que muito dificilmente teria a chance de conhecer quinze anos atrás, por exemplo.

No sábado, eu me incumbi de pegar o Primati, a Bia e o sobrinho dela em sua casa e de lá fomos para a sessão "Filmes Malditos da Meia-Noite", organizada pelo Alex, um cara corajoso que em pouco tempo em Fortaleza já movimentou a cidade com esse evento. Conheci-o de vista inicialmente no Cine Ceará desse ano, antes da sessão do doc do Waldick, quando ele veio falar com o Carlão, e depois pude conhecê-lo melhor durante o curso ministrado pelo Ruy Gardnier em julho. A Carol, outra amiga da gente e que também dá uma mãozinha na obtenção e exibição dos filmes para a noitada, aceitou dar uma escapulida com a gente para comermos uma pizza e batermos papo. Principalmente sobre cinema, naturalmente. Antes da pizza, passamos por uma situação um pouco incômoda numa blitz, com uma mulher do Detran abusando da autoridade, mas no final deu tudo certo.

Os filmes agendados para a noite foram os curtas BOO (1932), de Albert DeMond; THE SEPARATION (2003), de Robert Morgan; ADORATION (1996), de Olivier Smoulders, que infelizmente travou no meio, justo quando eu estava ansioso para ver o final; o longa UMA LAGARTIXA EM PELE DE MULHER (1971), de Lucio Fulci; o segmento "O Pasteleiro", do filme em episódios AQUI, TARADOS (1980), de David Cardoso e John Doo; o longa O DIA DA BESTA (1995), de Álex de la Iglesia; e, para encerrar a madrugada, o perturbador - pelo menos é o que todos dizem - AFTERMATH (1994), de Nacho Cerdà. Aproveitando que vi dois desses curtas, vi mais três em casa para compor mais um post dedicado ao cinema em curta-metragem. A foto acima é de WE FUCK ALONE, de Gaspar Noé.

BOO

Já tinha visto BOO nos extras do dvd de FRANKENSTEIN (1931), mas é sempre bom rever. Trata-se de uma brincadeira de colagem em cima do cinema de horror da época, em especial NOSFERATU, THE CAT CREEPS e FRANKENSTEIN. Foi um acerto a Universal não usar cenas de DRÁCULA, de Tod Browning. Com o bicho mais feio do filme do Murnau no lugar do Drácula metido a classudo de Bela Lugosi, a montagem ficou muito mais engraçada. E a narração torna tudo hilariante. Interessante como o tempo não envelheceu no aspecto da graça esse belo trabalho, que ainda serve como documento de uma época.

THE SEPARATION

Brilhante trabalho de animação em computação gráfica de Robert Morgan, THE SEPARATION, é ao mesmo tempo, grotesco e terno. O lado grotesco está na própria figura dos personagens, bem como nas cenas mais violentas e no sangue esguichando. Os personagens são dois bonecos gêmeos siameses que foram separados, mas que ainda sentem a falta do corpo do outro, mesmo trabalhando tão próximo. O aspecto de ternura, do amor que os dois personagens nutrem um pelo outro, misturado a um senso de humor negro e fora do comum, torna esse pequeno filme uma experiência única.

ATO FALHO

Foi parar em minhas mãos uma cópia do curta ATO FALHO (2007), trabalho de estréia na direção de Bruno Andrade e que conta com roteiro de Bruno e Daniel Caetano. O filme é uma diversão a mais para quem conhece alguns nomes da blogosfera e/ou das listas de discussão, participando seja dentro seja fora das câmeras (nome nos créditos), como Francisco Guarnieri, Guilherme Martins, José Roberto Rocha, Sérgio Alpendre e Vébis Jr. ATO FALHO pode ser visto como uma história de amor entre um cliente e uma linda atendente, interpretada por Fernanda Marcondes. É também uma história de amor pelos filmes em geral, mesmo os mais vagabundos, como K-9, aquele filme do cão policial, com o James Belushi, ou os do Charles Bronson dirigidos por J. Lee Thompson. O filme passa um certo saudosismo com o vhs, apesar de a fachada da locadora apresentar fimes recentes. ATO FALHO abre, inclusive, com o áudio de uma propaganda de apresentação da extinta distribuidora Poletel. Além do mais, o cliente sempre dá preferência às velhas fitas. Nunca se vê ele alugando um dvd. As cenas dele ao lado da moça vendo filmes "do catálogo" da locadora parecem fazer parte de seu sonho. Provavelmente ele vai ali principalmente para vê-la sempre. Com a crescente decadência das videolocadoras, ameaçadas pela facilidade de se baixar filmes na internet, o filme pode adquirir com o tempo um ar ainda mais saudosista e anacrônico.

WE FUCK ALONE

Depois de perturbar a cabeça de todo mundo com IRREVERSÍVEL (2002), o trabalho seguinte de Gaspar Noé foi um segmento para o coletivo DESCRICTED (2006), no qual também participou Larry Clark e nomes que desconheço como Marina Abramovic, Matthew Barney, Richard Prince e Sam Taylor Wood. Ao que parece, pelo que se conhece dos cineastas mais famosos, a pretensão do projeto era mesmo fazer filmes no mínimo apimentados. "We Fuck Alone" já começa com um aviso: não é recomendado para pessoas com problemas de epilepsia. Confesso que fiquei com medo de ver o filme, mas como se tratava de um curta, resolvi encarar. O que mais incomoda é que durante as cenas, a imagem fica o tempo todo piscando. E parece que Noé veio ao mundo com o objetivo de mostrar o sexo como uma coisa suja, incômoda, doentia. É filme pra se ver clicando no botão pause e com um tempinho para respirar. As cenas de sexo, dos homens e das meninas se masturbando ou os caras brincando com bonecas eróticas não incomodam. O que enche o saco é o pisca-pisca infernal e a trilha sonora com o som de algo parecido com batimentos cardíacos que faz toda a experiência insuportável. Há novamente o recurso da câmera rodopiante, que aparece no começo de IRREVERSÍVEL, e isso é outro elemento que contribui para a sensação de náusea que o filme produz. São 23 minutos que parecem uma eternidade.

WOODSHOCK

Richard Linklater tinha 25 anos quando dirigiu, junto com o amigo Lee Daniel, WOODSHOCK (1985), seu primeiro trabalho, ainda em curta-metragem. Trata-se de um pequeno documentário de 7 minutos sobre um festival de rock que acontece em Austin, Texas, e que Linklater filmou de modo que ficasse com um visual parecido com o do histórico documentário WOODSTOCK (1970). O filme também antecipa o interesse do cineasta pelo universo de farra dos jovens, que seria abordado nos filmes seguintes, principalmente em JOVENS, LOUCOS E REBELDES (1993), que foi o filme que o projetou para o mundo. WOODSHOCK não me disse muito, mas para quem conhece e curte o trabalho de Daniel Johnston (não é o meu caso), há uma cena curiosa do músico entregando uma fita sua para o câmera (provavelmente Linklater).

sábado, agosto 09, 2008

O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO



Na época de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO (1968), José Mojica Marins estava no auge, graças, principalmente, à popularidade do programa que ele apresentava na Rede Bandeirantes chamado ALÉM, MUITO ALÉM DO ALÉM (1967-1968), onde Mojica dirigiu 34 episódios de uma hora de duração. A Bandeirantes fez a sacanagem de não guardar as fitas desses programas e elas foram reaproveitadas, não restando sequer um registro. A mesma coisa ocorreu com o programa seguinte que Mojica fez, dessa vez na Rede Tupi, O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO (1968), que durou treze episódios de uma hora de duração. E novamente, com UM SHOW DO OUTRO MUNDO (1981), 12 episódios de uma hora e meia de duração que Mojica realizou na Rede Record. ALÉM, MUITO ALÉM DO ALÉM serviu de oficina para a realização de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO e para o episódio de TRILOGIA DO TERROR (1968), "Pesadelo Macabro".

Naquela época, com o sucesso dos dois primeiros filmes e no auge da popularidade (só lendo o livro Maldito pra ver o quanto ele era popular), Mojica ainda fez uma frutífera parceria com o roteirista Rubens Francisco Luchetti, que trabalhou no roteiro de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO, filme em episódios composto pelos segmentos "O Fabricante de Bonecas", sobre um homem que faz bonecas com olhos humanos e possui quatro filhas bonitas; "Tara", sobre uma linda mulher que é apreciada e amada à distância por um pobre vendedor de balões; e "Ideologia", onde o próprio Mojica aparece como o professor Oãxiac Odéz (Zé do caixão, ao contrário). Na época, por questões de diretos autorais, o direito do nome Zé do Caixão dentro do filme estava nas mãos do produtor do filme anterior e o nome do personagem não podia ser citado, embora ele apareça como host do filme. Além do mais, no episódio "Ideologia", um dos personagens olha para o excêntrico professor sádico e diz que ele lhe lembra uma pessoa que ele conhece.

Dos três episódios, os que mais se destacam são o segundo e o terceiro, mas o primeiro tem a curiosa participação do cineasta Luis Sérgio Person (cujo nome Mojica pronuncia "Persão"), no papel de um dos quatro estupradores. Como Person era apreciador do cinema de Mojica, ele esqueceu que era cineasta e apenas obedeceu profissionalmente o diretor do filme em questão. E ele se saiu muito bem como ator. O segundo episódio, "Tara", se destaca dos demais por ser feito inteiramente sem diálogos, o que comprova a excepcional habilidade de Mojica como narrador de estórias. O episódio também se destaca pela ambigüidade, por ser belo e poético, mesmo mexendo com algo pesado como a necrofilia. O personagem do vendedor de balões é protagonizado pelo produtor do filme, o egípcio George Michel Serkeis, que, segundo o livro "Maldito", chegou a destruir a casa do tio para poder vendê-la e financiar O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO. Ele acreditava que, com os lucros do filme, conseguiria comprar uma casa nova novamente. Deve ter conseguido, não sei dizer. Já o terceiro episódio, o protagonizado pelo Mojica no papel de um cientista que acredita que o instinto sempre vence a razão e o amor, foi o que mais complicou o cineasta diante da censura. Não apenas por possuir cenas de canibalismo e tortura, mas pelo fato de o vilão da história não ser punido. Segundo a censura, todo filme que mostra alguém cometendo algum crime ou ato condenável deve mostrar esse indivíduo sendo punido. Assim, depois de uma longa "novela", a censura cedeu, caso Mojica acrescentasse no final, o vilão morrendo. E aí o filme acabou tendo dois finais: a cena que a censura impôs foi enxertada de um filme obscuro com Omar Shariff, conseguido pelo produtor. E ainda colocaram um versículo bíblico e a música "Ave Maria" para dar aquele tom religioso. Novamente, a censura sempre estragando o final dos trabalhos do Mojica.

O som desse filme está particularmente pior que dos dois outros anteriores, tanto que precisei de me utilizar das legendas. Vez ou outra a imagem também parecia estar deteriorada. Espero que os próximos estejam em melhores condições. Felizmente, o áudio de "Pesadelo Macabro" está bem mais compreensível e o filme inteiro, não apenas esse segmento, mereceria uma edição caprichada em dvd também. Também nota-se que não houve o mesmo capricho, como nos anteriores, no que se refere à dublagem. Mas pra quem está acostumado a ver "filme de gênero" italiano, isso é só um detalhe. :)

Quanto às entrevistas, que é por onde eu sempre começo quando pego um desses dvds da série Zé do Caixão, achei muito bacana o depoimento de Rubens Ewald Filho, que começa falando do bloqueio que ele tem das memórias de sua infância. Ele praticamente só se lembra dos filmes que viu e nada mais. Quanto a Mojica, REF se refere a ele como um gentleman, que nada tem a ver com a figura macabra do Zé do Caixão. Curiosamente, apesar de parecer gostar mais de cinema americano mainstream, Rubens Ewald Filho sempre foi apreciador dos filmes de Mojica, em especial, dos primeiros, mais artesanais. Sobre ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER (1967), ele disse se tratar de seu filme mais redondo. Também gostei do depoimento de Marina Person, que foi convidada principalmente porque seu pai, o cineasta Luis Sergio Person, participou do filme. Ela também conta do famoso incidente envolvendo um livro sobre cinema que Mojica havia ganhado e que Person fez questão de rasgar cada página do livro, já que ele não queria que o Mojica se contaminasse, perdesse o seu talento natural com teorias sofisticadas sobre cinema. Contou também do dia em que o seu pai levou Mojica para apresentar aos seus alunos intelectuais da escola de cinema. Os alunos ficaram tirando sarro do modo de falar do Mojica, zombando dele, e que Person ficou puto e fez uma defesa sincera e forte daquele homem a quem ele considerava um gênio. O único dos alunos que entendia e gostava de Mojica era Carlos Reichenbach, que, curiosamente, foi o único da turma a se tornar cineasta de verdade. Quanto aos diretores do projeto, Paulo Duarte, como sendo produtor executivo fala mais como um empresário mesmo, agradecendo à empresa responsável pelo belo tratamento dado aos dvds. Já Carlos Primati preferiu elogiar o cineasta Mojica, fazendo comparações com diretores estrangeiros de terror e de como Mojica é comparado pela crítica a certos diretores (de Orson Welles a Ed Wood). O depoimento de George Michel Serkeis não chega a ser memorável, mas obviamente ele teve papel fundamental no filme e não poderia faltar. R.F. Luchetti fala um pouco de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO e acaba entregando spoilers dos segmentos em sua apresentação do filme - como eu vi as entrevistas primeiro, pra mim foram spoilers. :). Dennison Ramalho, um dos grandes responsáveis pela volta do Mojica nos anos 2000, e já encarado pelo próprio mestre como o seu sucessor, fala de seu primeiro contato com o Zé do Caixão, que foi através do programa UM SHOW DO OUTRO MUNDO, dos anos 80. Já o depoimento do próprio Mojica, foi o que menos me agradou dessa vez. Ele parecia não falar de forma clara suas idéias.

O extra mais especial do dvd é, sem dúvida, "Pesadelo Macabro", episódio de TRILOGIA DO TERROR - filme em segmentos no qual Ozualdo Candeias dirigiu "O Acordo" e Luís Sérgio Person dirigiu "A Procissão dos Mortos". Claro que eu preferiria ver o filme completo e não apenas o episódio do Mojica, mas infelizmente não consegui cópia. "Pesadelo Macabro" trata do eterno medo que as pessoas têm de serem enterradas vivas e é estrelada pelo companheiro de Mojica, Mário Lima, que participa no dvd também numa trilha de comentários em áudio do episódio. Mas quem acaba falando mesmo é o diretor, pois Mário, além de não acrescentar muitos comentários interessantes, acabou ficando tímido com a tarefa. Então, trata-se de mais um filme comentado por Mojica. Um dos grandes destaques é a cena do terreiro de macumba, quando mostram pessoas que já haviam participado de testes loucos do Mojica. Assim, tem um cara que come minhoca, outro que come vidro, outro que tira a roupa das mulheres com um chicote, que até hoje não deixa de ser impressionante. Isso foi antecipador do SHOW DE CALOUROS, o programa do Silvio Santos que nos anos 70/80 também mostrava gente fazendo algumas barbaridades.

Sobre os demais extras. Entre os trailers, talvez a única novidade seja o trailer "em slides" de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO, com a música de apresentação ao fundo; novamente, Cid Vale faz mais uma bela e sintética explanação do filme na opção Carcasse.com.; há duas trilhas de comentário, uma com Mojica, Primati e Paulo Duarte e outra com R.F. Luchetti (a do Luchetti, eu não cheguei a ouvir); cenas de Mojica trabalhando na 89 FM; e um making of da animação em stop motion que abre todos os dvds. O restante é o de praxe na coleção: áudio com trechos de Mojica contando estórias de horror para a 89, trailers originais, a enquete de rua "Quem tem medo do Zé?", histórias em quadrinhos e roteiros difíceis de visualizar pela televisão e um artigo de Carlos Primati sobre o filme. É extra que não acaba mais. Enquanto isso, eu vou aguardando o ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO (2008) aportar por aqui. Felizmente, o filme ganhou destaque até na revista SET, que deu capa e uma matéria generosa e uma interessante lista dos 15 melhores filmes de terror brasileiros de todos os tempos, além de uma pequena e hilária matéria escrita por André Barcinski. Vale conferir.

sexta-feira, agosto 08, 2008

FEAR ITSELF – THE SACRIFICE



MASTERS OF HORROR foi uma série/antologia que marcou bastante, apesar de ter tido uma segunda temporada relativamente fraca, tanto que o canal Showtime nem aprovou uma nova temporada. Mas pode-se dizer que ela está de volta, pelo menos o conceito dela, na nova FEAR ITSELF, série que está sendo exibida dessa vez por um canal aberto americano, a NBC, e com praticamente um time semelhante ao da série de terror anterior. Só que como se trata de um canal aberto, é um terror mais light. Stuart Gordon, que também comparece nessa série, até comentou que teve que se esforçar para se conter, não exagerar no gore e na violência em seu episódio, já que não há, agora, a mesma liberdade que havia no outro canal, que liberava sexo, nudez, violência e sangue aos borbotões. O diretor só não podia exagerar muito, como foi o caso de Takashi Miike, que teve o seu episódio censurado pelo canal, o que gerou muita discussão entre os fãs do gênero. Estar numa TV aberta também significa uma menor duração em cada episódio. Em vez de uma hora de duração da série anterior, temos 42 minutos de uma série de TV aberta normal, por causa dos comerciais.

Quem continua liderando a turma é Mick Garris, criador da série, e que assina também o roteiro do primeiro episódio da antologia, THE SACRIFICE (2008). Só estranhei o diretor convidado para abrir a série, o pouco conhecido Breck Eisner, que tem no currículo a aventura SAHARA (2005) como obra mais conhecida. Eu não vi, mas imagino que deve ser ruim. Depois de SAHARA, Eisner dirigiu o piloto de uma série de ficção científica de nome BEYOND (2006), mas parece que não deu certo e ficou só no piloto mesmo. No entanto, como ele é o cara que está cotado para dirigir a refilmagem de O EXÉRCITO DO EXTERMÍNIO, de George Romero, não custa ficar de olho no trabalho do cara. Aliás, tem mais outras duas refilmagens/versões atribuídas a ele para os próximos dois anos: a de A CRIATURA DA LAGOA NEGRA e a de FLASH GORDON.

THE SACRIFE começa com um grupo de quatro amigos correndo num carro numa região gélida do Leste Europeu. Um dos quatro está bastante ferido e o carro em que eles estão fica pelo caminho. Eles o arrastam até a casa mais próxima, onde são recebidos por três irmãs loiras, que a princípio parecem ser bastante hospitaleiras, dentro daquele ambiente totalmente afastado da civilização. As mulheres são bonitas e sensuais e logo os caras ficam animados para aproveitar um pouco a viagem, apesar da gravidade da situação. O que eles não sabem é o que o destino os reserva naquele lugar. Curiosamente, o filme acaba lembrando um pouco O HOMEM DE PALHA e sua refilmagem O SACRIFICIO. Se não chega a ser exatamente bom, é um episódio que prende a atenção e garante alguns momentos memoráveis. Nota-se logo que a câmera se afasta nos momentos de violência, como seqüências de decapitação usando um machado, mas não é algo que necessariamente precise ter se o filme possui uma força sugestiva que compense ou até mesmo potencialize o clima de terror. O resultado do trabalho de Breck Eisner é apenas mediano, mas esperemos os próximos. Já baixei os cinco primeiros.

Os diretores cotados para os próximos episódios são: Brad Anderson, Ronny Yu, John Landis, Stuart Gordon, Darren Lynn Bousman, Mary Harron, Larry Fessenden, Ernest Dickerson, John Dahl, Rupert Wainwright, Rob Bowman e Eduardo Rodriguez. Não chega a ser um time tão rico quanto o da primeira temporada de MASTERS..., mas também não é uma turma de se jogar fora.

P.S.: Hoje é dia da estréia de ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO, de Mojica, mas infelizmente o filme não entrou em cartaz aqui em Fortaleza.

quarta-feira, agosto 06, 2008

MY FAIR LADY – MINHA BELA DAMA (My Fair Lady)



MY FAIR LADY (1964) representa a velha Hollywood agonizando e sendo aplaudida pelo luxo e pelo glamour por uma Academia careta, que o contemplou com 8 Oscars, inclusive os de melhor filme e direção. É quase sempre uma unanimidade entre a crítica e os fãs do diretor dizer que George Cukor ganhou o Oscar pelo filme errado. E concordo com isso, já que a impressão que fica ao ver MY FAIR LADY é que Cukor deveria ter parado de dirigir com ADORÁVEL PECADORA (1960). Arrisco dizer isso sem mesmo ter visto os filmes seguintes do diretor. Espero que esteja errado, já que ainda tenho dois dele para assistir. Uma pena, aliás, uma tragédia Marilyn Monroe ter morrido durante as filmagens de SOMETHING’S GOT TO GIVE (1962), um dos mais famosos filmes inacabados da História do Cinema e que deve ter mexido bastante com Cukor. Poderia quem sabe ser um de seus melhores trabalhos, já que o ano de 1962 acabou se tornando um ano chave para o fim da Era de Ouro de Hollywood – vide HATARI!, de Hawks, e O HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA, de Ford, para citar dois exemplos famosos.

Os prêmios para MY FAIR LADY talvez se devam principalmente à luxuosa produção, à direção de arte caprichada, à própria ambição do filme, que se arrasta por quase três horas, ao fato de ter sido filmado em belíssimo technicolor e em 70 mm e, provavelmente, ao gosto antiquado dos membros da Academia. Comparando a premiação de MY FAIR LADY com a última cerimônia do Oscar, que deu os prêmios principais da noite para uma obra ousada e tão diferente quanto ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, dos irmãos Coen, não deixa de ser uma grande conquista para uma renovação na Academia, por mais atrasada que ela tenha chegado.

Quanto a Cukor, na entrevista a Peter Bogdanovich, contida no livro "Afinal, Quem Faz os Filmes", ele concordou que o seu Oscar de direção poderia ter vindo por um filme muito melhor. É o típico caso de prêmio merecido mais pela carreira do diretor do que pelo filme em si. Quando Bogdanovich mencionou isso na entrevista, Cukor falou com sabedoria: "Bem, você não acha que as recompensas da vida funcionam assim? Não é simples causa e efeito."

A trama de MY FAIR LADY é boba, baseada na peça PIGMALIÃO, de George Bernard Shaw, e tornada ainda mais chata com as intermináveis cantorias e uma Audrey Hepburn sem o menor encanto, por mais que o filme tente mostrar a sua evolução no modo de falar e na beleza física, ao longo da narrativa. Se ao menos as canções fossem boas, como as de A NOVIÇA REBELDE, o filme até poderia ter me agradado. E dá pra notar quando Audrey passa a ser dublada nas canções. Além do mais, não gostei de Rex Harrison. E aquela canção lá no final, do seu personagem reclamando do porquê de as mulheres não serem como os homens soou meio estranho. A relação dele com a jovem florista, pobre e de vocabulário e comportamento vulgar, que ele apostou em transformar numa espécie de duquesa, parece meio dúbia, mais de pai para filha do que de atração física ou amor romântico, tendo em vista a sua solteirice convicta e a sua amizade com o Coronel, que fica parecendo uma espécie de relação homossexual velada - não que haja nada de errado com isso.

Nos anos 60, os musicais começavam a rarear, mas foi nessa década que outros dois outros musicais famosíssimos fizeram bastante sucesso. Refiro-me a AMOR, SUBLIME AMOR (1961) e A NOVIÇA REBELDE (1965). Quer dizer, provavelmente ainda havia público - pelo menos até a primeira metade da década - para esse tipo de filme, mesmo com a contracultura "bombando" e os cinema europeu deixando os americanos comendo poeira.

Ficam fantando agora apenas dois filmes para eu terminar a minha peregrinação pela obra de Cukor. Infelizmente, não consegui cópia de JUSTINE (1969), que parece ser um filme importante de sua filmografia, e vou dar um salto lá para o final dos anos 70.

segunda-feira, agosto 04, 2008

EN LA CIUDAD DE SYLVIA (Dans la Ville de Sylvie)



A coincidência de eu ter recebido um dvd-r do Renato contendo EM LA CIUDAD DE SYLVIA (2007) com o fato de o filme estar entre os 21 títulos hitchcockianos que o Filipe selecionou para a seção "tops" da Revista Paisà contribuiu e muito para eu dar uma apressada na apreciação desse magnífico filme. E como sou fã do velho Hitch, fiquei bem curioso para conferir essa obra do cineasta espanhol que tem uma carreira curta, mas que já ganhou a fama de ter uma característica intinerante. Nesse trabalho, bastante celebrado nos festivais, José Luis Guerín viaja para Estrasburgo, na França, e foca a sua atenção na história de um homem que retorna à cidade na tentativa de reencontrar uma mulher que conheceu há seis anos. O filme não dá muitos detalhes sobre o rapaz, sobre sua vida pregressa, sobre sua natureza. Nem mesmo nome ele tem. Só quem tem um nome é a mulher que ele procura: Sylvia ou Sylvie.

Sabemos que ele (Xavier Lafitte) está hospedado num hotel da cidade e freqüenta um café, desses bem agradáveis, cheio de gente bonita. Sabemos com o tempo o nome da moça que ele procura. E sabemos que ele é muito observador, principalmente de belas mulheres. Pelo que a intrigante câmera mostra, uma série de dúvidas surge na mente do espectador. As cenas seguem sem pressa, apesar de o filme ter menos de uma hora e meia de duração. Inclusive, uma das cenas cruciais, a da "perseguição", leva cerca de meia hora. No café, ele olha os rostos e os gestos de belas mulheres, talvez enxergando em cada uma delas a sua Sylvie. Antes, eu até achava que ele estava apenas à procura da primeira moça bonita que lhe desse mole e não de alguém em especial. E como havia moças bonitas naquele café, hein! Ele desenha esboços dos rostos de variadas mulheres, esboços incompletos. Em seu bloco de anotações, há também escritos dele, do qual não temos idéia do que se trata. A busca parece ter fim quando ele sai do café às pressas e segue uma bela jovem (Pilar López de Ayala), que logo percebe que um estranho está em seu encalço e tenta disfarçadamente despistá-lo. As ruas são estreitas, as esquinas, freqüentemente, circulares, às vezes com becos onde não se passam carros.

De Hitchcock, o filme que mais guarda semelhança é sem dúvida o obsessivo UM CORPO QUE CAI, mas EN LA CIUDAD DE SYLVIA tem algo bem peculiar, que o diferencia dos demais filmes mais explicitamente hitchcockianos. O silêncio e a percepção do que está em volta, por exemplo, me lembrou um pouco trabalhos de Visconti (MORTE EM VENEZA) e até de Coppola (A CONVERSAÇÃO). Falando em silêncio, o filme começa mudo, como que para afinar o ouvido do espectador. Até achei que meu player não estava rodando por causa da falta de algum codec e por via das dúvidas adiantei cinco minutos para me certificar. O uso do som é um dos pontos fortes e mais importantes do filme, seja nas poucas seqüências noturnas, seja durante o dia, que é onde a maior parte da ação transcorre. Interessante que, apesar de esses eventos ocorrerem principalmente durante o dia, o diretor optou por dividir o filme em noites: primeira noite, segunda noite etc. E é à noite que vemos uma interessante cena em que ele se senta ao lado de uma moça, um pouco "alta" por causa da bebida, e toca no bar "Heart of Glass", do Blondie, e "Voyage, Voyage", sucesso oitentista muito conhecido de uma banda pouco conhecida chamada Desireless.

Como se trata de um filme enigmático, ao final, restam mais perguntas do que respostas, o que eu acho ótimo, pois promove uma reflexão e abre um leque de opções para o espectador. Seria a memória que engana o rapaz ou estaria ele delirando? Será que se trata de um filme sobre a memória ou do quanto o amor por uma pessoa pode transcender o aspecto físico? Mas se o amor era tão grande assim, por que ele demorou tanto para voltar para a mesma cidade? Assim como na seqüência da perseguição, vamos nos perdendo nesse labirinto da memória e do amor, dois temas muito caros a mim. O fato de as pessoas do filme não ganharem nomes só mostra o quanto EN LA CIUDAD DE SYLVIA vai além do mundo material. Afinal, quem sabe o nome da própria alma?

Ah, e por falar na lista do Filipe para a Paisà, ela acabou aumentando ainda mais a minha vontade em ver dois filmes que já tenho comigo há um tempão e ainda não vi: TRÁGICA OBSESSÃO, de Brian De Palma, e CHARADA, de Stanley Doney. Além disso, pretendo rever o filme do Truffaut citado por ele, que na época não gostei ou não assimilei direito.

Agradecimentos ao amigão Renato pela cópia preciosa!

domingo, agosto 03, 2008

SENTA NO MEU QUE EU ENTRO NA TUA



A vontade e a curiosidade que eu tinha de ver SENTA NO MEU QUE EU ENTRO NA TUA (1985) remonta desde o início de minha cinefilia, quando vi a capa da fita estampada numa contracapa de uma revista - não me lembro se da SET ou do Guia do Vídeo Erótico. O fato é que por alguma razão esse filme veio parar em minhas mãos, numa cópia tão boa que eu fiquei até admirado. Recebi pelo correio através de um leitor do blog, que ficou sabendo do meu interesse pelo filme e fez a gentileza de copiar do raríssimo vhs que ele tinha para um dvd-r. Maravilha.

E como já havia verificado com OH! REBUCETEIO, de Cláudio Cunha, o cinema pornô que se fazia na época da Boca do Lixo era muito mais criativo que os filmes de hoje, que contam com estrelas da televisão em queda ou modelos de sucesso de revistas masculinas que têm aceitado participar de produções pornôs pela grana que dá, como Regininha Poltergeist, Julia Paes, Tammy Gretchen, Vivi Fernandez e Marcia Imperator. O exemplo mais recente foi o de Leila Lopes, que já foi atriz da Globo e aceitou participar de um pornô desses. Mas a mulher é tão metida a besta que a entrevista que ela deu para o blog Boteco Sujo foi uma das mais engraçadas que eu já li há muito tempo. Enquanto isso, os tarados de plantão (eu, inclusive) ficam torcendo para que Nana Gouveia e Viviane Araújo aceitem participar de uma produção dessas também. Quer dizer, se por um lado, o pornô brasileiro tem a ganhar com uma melhor seleção de mulheres bonitas, por outro, falta nesses novos exemplares o senso de humor, a criatividade e até mesmo o tesão dos filmes da Boca. Acho que o único filme pornô da Boca que eu cheguei a ver no cinema foi um com a Márcia Ferro: EU, MÁRCIA F., 23 ANOS, LOUCA E DESVAIRADA, de Juan Bajon. Quer dizer, eu cheguei a pegar o finalzinho dos cinemas pornôs de rua, embora na época não soubesse separar o joio do trigo, destacando o que prestava do que não prestava. Aí era na sorte mesmo.

Ody Fraga, o diretor de SENTA NO MEU QUE EU ENTRO NA TUA, era um dos diretores mais atuantes da Boca e começou fazendo filmes softcore no final da década de 60, e, nos anos 80, com a popularização do pornô nacional, que apelava até para sexo com animais, ele entrou de cabeça no gênero, embora as cenas de sexo explícito desse filme em especial não contem com a costumeira ejaculação masculina no final. A única que o filme tem parece falsa. O filme é dividido em dois episódios que contam com idéias bem divertidas. O primeiro, "Alô, Buça", é sobre uma mulher cuja genitália começa a falar e a ter vontade própria. Os closes da vagina da mulher se mexendo, como se estivesse mesmo falando, são bem divertidos e estranhos. Nesse primeiro episódio, nota-se que a mulher vive numa casa bem liberal. Ela chega em casa e o marido está fazendo sexo com a empregada e ela fala com ele com a maior naturalidade, como se não houvesse problema algum. E ainda conta do cara com quem ela tinha feito sexo durante a tarde e de como ela ficou admirada quando a sua boceta começou a falar. O marido não acreditou até ver com os próprios olhos. A vagina passa, então, a exigir parceiros melhores, urinando naqueles que ela não aprova. Esse episódio é protagonizado pela bela Silvia Dumont mas também conta com Debora Muniz, estrela do curta-metragem recente de Dennison Ramalho, AMOR SÓ DE MÃE. Há também uma participação especial do lendário anão Chumbinho, que mais parece uma criança.

O segundo episódio, "O Unicórnio", começa com um sujeito reclamando de uma baita dor de cabeça. Em seguida, vemos uma cena de sua mulher transando com outro. A primeira coisa que vem à cabeça nessa hora é que a dor de cabeça do cara só pode ser chifre. Só que começa a crescer mesmo algo estranho na cabeça do sujeito, que no começo do filme estava tentando transar com a secretária, mas não conseguia ter uma ereção. Com o tempo, vai nascendo um cacete gigante na cabeça do homem e sua libido passa a reaparecer e a subir exponencialmente. Sem falar que as mulheres ficam loucas pelo cacete na cabeça dele. Para disfarçar e poder andar na rua, ele passa a usar uma boina. Ele vai a um médico para solucionar o seu problema, quando percebe que é uma médica. E uma médica bem safada. Aliás, quem não é safado nesse filme? Pena que o filme não tenha uma carga erótica tão forte quanto suas idéias e seu senso de humor. Talvez por tentar parecer mais uma comédia mesmo.

Ody Fraga é considerado por muitos apreciadores do cinema produzido na Boca do Lixo como um "gênio do sexo". Seu primeiro filme, VIDAS NUAS (1967), foi sucesso de bilheteria, graças às cenas de strip-tease enxertadas pelo produtor Antonio Polo Galante. A famosa sátira de Branca de Neve e os Sete Anões, HISTÓRIAS QUE NOSSAS BABÁS NÃO CONTAVAM (1979), bastante conhecida de quem tem mais de trinta anos por sua exibição na televisão, foi escrita por ele. Infelizmente, depois de vários sucessos no território exploitation, Fraga chegou ao fundo do poço quando aderiu ao pornô com animais, em seu último trabalho como diretor, MULHERES TARADAS POR ANIMAIS (1986), que era um subgênero que estava fazendo sucesso a ponto de ser exportado para o exterior. Se os alemães "arregaçavam" com o fist fucking, os brasileiros traziam mulheres transando com cachorros ou bodes ou "brincando" com cavalos. Hoje em dia esses tempos parecem tão remotos que muita gente mais jovem não faz idéia do quanto era comum ir a uma videolocadora na época (final dos anos 80, início dos 90) e dar de cara com esse tipo de fita.

Agradecimentos a Ricardo Fontes, que gentilmente me cedeu a cópia.

sábado, agosto 02, 2008

O SIGNO DA CIDADE



Como é bom sair do cinema satisfeito com um filme, por mais que esse filme não seja exatamente um exemplar de excelência em cinema. O importante é que eu me senti conectado com aquele universo de personagens tristes de O SIGNO DA CIDADE (2008) e senti que o trabalho foi feito com carinho a quatro mãos por Bruna Lombardi (que escreveu o roteiro e é a protagonista) e o diretor (seu marido e agora também cineasta Carlos Alberto Riccelli). Embora Riccelli tenha reservado alguns poucos momentos muito bons em que se percebe um trabalho de direção mais apurado - como na cena em que Bruna está num banco de parque ao lado de Malvino Salvador e a câmera passeia por trás dos dois, oferecendo ao espectador uma visão ao mesmo tempo esplendorosa e triste da cinzenta São Paulo -, em geral, a direção do filme é bem discreta. E como eu me identifico com a melancolia de São Paulo e tenho atração por astrologia e toda essa discussão sobre destino e livre arbítrio, o filme acabou me conquistando durante toda a sua metragem. Até achei que Bruna e Riccelli não iam encontrar um final bom, com tantos personagens e enredos - já que se trata de um "filme-painel" -, mas o final encontrado foi mais do que acertado.

Claro que O SIGNO DA CIDADE não é perfeito, mas não estou aqui pra falar dos problemas do filme. Isso deve ser bem fácil de encontrar em várias críticas frias ou negativas ao fime, que estreou em São Paulo em janeiro e só agora chegou aqui. Mas fiquei feliz por pelo menos ter chegado e eu ter conseguido assistir na telona. Na trama, Bruna Lombardi é uma astróloga que também tem um programa de rádio em que recebe ligações de pessoas aflitas ou confusas com o destino que elas devem tomar ou mesmo para saber se elas têm algum motivo para continuar a viver, se há chances de a vida melhorar. Quando ela fica traumatizada e com sentimento de culpa por não ter ajudado um rapaz que freqüentava quase que diariamente seu consultório, onde ela também lia as cartas, depois disso, ela sente o peso da responsabilidade que carrega. Do quanto se torna responsável pelas decisões de cada pessoa a quem ela atende. E acredito que astrólogo é como médico ou professor: às vezes, ele precisa improvisar, adivinhar, fazer de conta que sabe, quando na verdade há com freqüência uma insegurança e às vezes até falta de conhecimento mesmo sobre o assunto. Principalmente quando se trata de algo tão complexo quanto vidas humanas associadas a simbolismos, planetas, constelações.

A pergunta que muita gente faz é: o nosso destino está traçado ou nós é que fazemos o nosso próprio caminho? Acho que se a pergunta fosse feita para mim, eu ficaria no meio termo, já que o livre arbítrio não me parece tão livre assim. Não fazemos o que temos vontade sempre que queremos. Claro que existe aquele provérbio: when there's a will, there's a way, mas pra isso é preciso estar plenamente focado naquilo que você deseja. E isso é tão difícil quando temos que pensar em contas pra pagar, botar comida em casa, cumprir horário no trabalho, dar assistência sempre que possível a um familiar ou a um amigo. Quer dizer, no fim das contas é mais a vida que nos leva do que nós que a levamos. Admiro aqueles que confiam em si mesmos, só acreditam no visívil e comprovável cientificamente e acham que são donos de seu próprio destino, mas não é assim que eu vejo as coisas. Por isso que eu vejo a astrologia como uma espécie de relógio de Deus. Um relógio que nem sempre pode ser generalizado, mas que quando é bem interpretado, a partir de um mapa natal específico, pode atingir em cheio. Não lembro onde foi que eu li sobre um antigo astrólogo que sabia até o dia da sua morte, através da astrologia. Mas isso é algo que definitivamente eu não quero saber.

Quanto ao filme (sobrou pouco espaço pra falar do filme agora), pelo fato de conter vários personagens - como CRASH ou SHORT CUTS -, acaba não dando a eles a profundidade mínima necessária. Mas Bruna e Riccelli fazem o que podem e se não se saem melhor que Altman (seria querer demais), acredito que fizeram um trabalho bem mais digno que o de Paul Haggis. Ao tratar de destino, é interessante ver alguns personagens que aparentemente nada tem a ver com a vida do outro de repente entrando na vida daquela pessoa. Numa das cenas que melhor trabalham o humor - que existe no filme, para que ele não fique tão pesado - há uma cena em que um ladrão vai assaltar um homem e uma mulher que estão juntos por acaso, eles não se conhecem. A mulher acaba levando o ladrão na conversa, numa cena bem simpática. Aliás, a mulher, interpretada por Graziella Moretto, é a personagem mais alto astral de um filme que dá preferência aos aflitos pelas doenças da alma. Por ironia do destino ou capricho dos deuses, uma tragédia envolvendo a morte de um rapaz que sofre com depressão e se suicida acaba levando a felicidade a um casal. O filme também lida com pesos do passado, como a revelação final da personagem de Eva Wilma, e com últimos desejos de um homem à beira da morte (Juca de Oliveira). Enfim, belo filme. Fluído, equilibra com elegância o humor e o drama da vida e ainda mostra São Paulo como mais uma personagem do filme.

sexta-feira, agosto 01, 2008

EM PARIS (Dans Paris)



No mês de julho acredito que bati um recorde no blog, com um total de 26 posts durante o mês. Não chequei nos outros meses, mas duvido que tenha postado tanto antes. Acredito que isso pode mudar um pouco de figura nesse mês de agosto que se inicia. O mês começou não muito agradável, com o retorno a um trabalho que já não me dá prazer e com um cerco se fechando com a proibição de uso de internet. Confesso que fiquei revoltado com as medidas, o que só fez crescer em mim um espírito rebelde e briguento que parece não combinar comigo, mas que parece querer aflorar. Mas sei que ainda é cedo para tomar medidas drásticas, que preciso esfriar a cabeça, e vou aproveitar o tempo que tiver livre durante as quase intermináveis oito horas que passo no trabalho tentando fazer algo útil pra mim. Sou um inimigo da ociosidade e tenho meus princípios, que podem ou não ferir as leis em vigor.

Mas voltando ao número de posts do mês de julho, acredito que isso se deveu obviamente à maior disponibilidade de tempo que tive para ver filmes em tempos de férias sem viagens, embora o tempo que tive à minha disposição nem sempre tenha sido produtivo, até mesmo pela preguiça que geralmente batia e o sono que não me deixava acordar cedo de manhã para as tão valorizadas caminhadas. Se me dediquei tanto ao blog foi um pouco por estar (por vontade própria, ou por força das circunstâncias ou por culpa dos astros, não sei) pouco inserido na vida social e de estar satisfeito com os meus livros e meus filmes e também empolgado com a reforma do quarto, que no final contribuiu para um maior conforto e melhor qualidade de vida pra mim, creio eu. Não que eu não tenha dado minhas escapulidas, mas acho que foi pouco. Para o mês de agosto - que já tem fama de ser um mês de filmes ruins -, com uma maior falta de tempo para ver e escrever sobre fimes, a regularidade das postagens deve diminuir, mas pretendo manter esse espaço vivo, pois é uma das poucas coisas que têm me dado prazer ultimamente.

E falando em (falta de) prazer, façamos logo um link com o filme em questão: EM PARIS (2006), de Christophe Honoré, que emula o clima da Nouvelle Vague (a foto acima não é a cara do cartaz de DOMICÍLIO CONJUGAL?) e até reinventa, para os novos tempos, o Antoine Doinel de Truffaut, na figura de Jonathan (Louis Garrell), personagem que tem uma alegria de viver que é o extremo oposto de seu irmão, o depressivo Paul (Roman Duris). A depressão de Paul parece ter resultado da separação com a esposa (Joanna Preiss). E assim, o filme se divide em dois: de um lado, há a letargia que a depressão e a profunda apatia de Paul com a vida, que chega a contaminar o espectador; e de outro, vemos, talvez até com mais distanciamento, a agitada vida amorosa de Jonathan, capaz de ficar com três garotas num mesmo dia.

E é justamente esse caráter quase esquizofrênico que fez com que o filme não despertasse em mim mais do que uma apreciação à distância. Ainda assim, não há dúvida de que trata-se de um belo filme, que trabalha de maneira diferente e delicada o relacionamento entre os irmãos e o pai, o único que tenta se esforçar para tornar aquela família de três homens em algo minimamente harmonioso. E talvez tenha sido justamente ele, um personagem coadjuvante, que me causou mais comoção. Há uma cena em que ele pede a Jonathan que o ajude a sair para comprar uma árvore para enfeitar na noite de Natal e ele faz pouco da idéia, deixando que o velho cuide de tudo sozinho. (Talvez a minha simpatia pelo velho se deva ao fato de eu também ter um débito com meu pai que não posso mais pagar, pelo menos nessa vida.) A cena do tapa que o velho dá num dos rapazes também é bem bonita, bem como o pular da ponte. Assim, mais do que um filme sobre os extremos - a depressão e a extrema alegria - ou um filme sobre a perda de um relacionamento ou o desapego às relações amorosas, EM PARIS talvez seja um filme sobre a distância existente entre as pessoas que deveriam ser as mais próximas, no caso, a família.

O mais novo filme de Honoré, o musical CHANSONS D'AMOUR (2007), conta novamente com Louis Garrel, além da sexy Ludivine Sagnier e dizem que é melhor ainda. É esperar pra conferir. Se é que vai ser lançado no Brasil, mas isso é só um detalhe nos dias de hoje. Dá pra ver o trailer no youtube.