Segundo filme anti-nazista de Fritz Lang, OS CARRASCOS TAMBÉM MORREM (1943) foi realizado no calor do momento, quando a Segunda Guerra Mundial estava explodindo na Europa e no Pacífico. Ao contrário de seu trabalho anterior, O HOMEM QUE QUIS MATAR HITLER (1941), que tinha uma cara de produção hollywoodiana, OS CARRASCOS...tem uma aproximação maior com o clima dos primeiros filmes falados de Lang na Alemanha, M - O VAMPIRO DE DUSSELDÖRF (1931) e O TESTAMENTO DO DR. MABUSE (1933), inclusive pela utilização de pouca música.
Isso acaba por afastar o filme do melodrama e aproximá-lo de um realismo histórico, de uma vontade de torná-lo o mais urgente possível. A própria ideia do filme nasceu de uma notícia real: a do assassinato do odiado carrasco Reinhard Heydrich, o "Reichsprotektor" da Tchecoslováquia. O sujeito foi um dos arquitetos do holocausto e foi uma vitória e tanto da resistência ter conseguido executá-lo em uma missão muito perigosa. A alegria pela morte dele é bastante sentida na cena do cinema, quando um sujeito entra na sala escura e passa a informação para outro, que passa para outro etc. E depois eles começam a bater palma no meio da sessão.
Lang faz mais uma vez um filme sem se importar com protagonistas. Há vários personagens e a trama parece ser árida, mas o cineasta tem a habilidade de fazer a narrativa tão empolgante, e também de nos deixar indignados com os atos terríveis dos nazistas, que as mais de duas horas passam rapidamente. Os personagens que mais se aproximam de serem os protagonistas são o médico que mata o carrasco, vivido por Brian Donvely; a moça que o abriga e que o livra da Gestapo, vivida por Anna Lee; e o professor que é pai dela (Walter Brennan).
Além deles há vários outros personagens, tanto do lado da Tchecoslováquia, como do lado dos alemães. Há pelo menos três personagens nazistas de destaque. E um traidor da resistência infiltrado no submundo, que passa a ser mais odioso que os próprios nazistas e se transforma no grande vilão, por sua covardia, por mais se comparar a um verme do que a um homem.
Mais uma vez, Lang prefere não mostrar a violência física, mas acredito que aqui ele consegue nos deixar bastante desconfortáveis, principalmente em uma cena em que um oficial nazista maltrata uma senhora (que claramente já foi torturada), mandando-a apanhar um pedaço da cadeira que cai com frequência. Suas costas doem e é possível estar um pouco nos sapatos daquela mulher, que segue bravamente não entregando nomes da resistência.
Sim, trata-se de um filme que enaltece a coragem dos inimigos dos nazistas, não apenas da Tchecoslováquia, mas, como a história se passa toda em Praga, eles são os que recebem os holofotes. A beleza da união é tanta que até mesmo uma mentira se torna um objeto de nobreza. No caso, a mentira é para tornar culpado o traidor da resistência e, consequentemente, tirar da prisão os vários reféns que já estavam sendo executados em um curto período de tempo.
O roteiro é de simples compreensão para uma história de espionagem e com tantos personagens. Mas vejo isso como um mérito de Lang. Tornar didático era necessário em tempos tão urgentes e tão desesperadores, como foram esses anos da Segunda Guerra Mundial. E como havia a liberdade de tratar do assunto em Hollywood, não havia sentido fazer filmes cifrados ou de tramas mais complexas.
OS CARRASCOS TAMBÉM MORREM entrou em cartaz depois de duas quase realizações de Lang na Fox. Nas duas ocasiões, as produções foram assumidas por Archie Mayo. Na primeira, Lang entrou com um atestado de oito dias por causa de uma crise de vesícula. Na outra, houve problemas com o protagonista francês (Jean Gabin), que namorava Marlene Dietrich, que também já teve um caso com Lang.
A ideia do filme surgiu de uma conversa de Lang com o dramaturgo Bertold Brecht, que começou a escrever o roteiro junto com o cineasta e com outro roteirista, que falava tanto inglês quanto alemão, John Wexley, que queria que todos os créditos do roteiro fossem para ele. No fim, por conta de desentendimentos entre os três, Brecht voltou para a Europa e saiu um tanto chateado com o ocorrido. Uma das cenas que Brecht achava de mau gosto era a do líder da resistência estar escondido ferido detrás de uma cortina, enquanto um oficial nazista faz a busca em um apartamento. Ele tinha lá suas razões, mas a cena é eficiente.
+ TRÊS FILMES
ÉDEN
O filme me atraiu mais pelo trio de atores (Júlio Andrade, Leandra Leal, João Miguel). Já fazia um tempo que queria ver e aí apareceu essa versão em HD. Me incomodou um pouco o jeito exageradamente caricato com que pintou os pentecostais. E tirando uma cena que mostra justamente um momento de beleza dentro da igreja, os demais me pareceram muito cínicos. E ainda tem aquele arrastar do filme para que dure mais de uma hora. E no final ainda não emocionar nada. Mas gostei de ter visto. Direção: Bruno Safadi. Ano: 2013.
O QUARTO DOS ESQUECIDOS (The Disappointments Room)
Meu Deus do Céu! Que filme ruim! A gente já sabe que está vendo um lixo logo no começo e torce para que os minutos seguintes passem logo. Não que seja uma tortura, mas é um troço que eu não recomendo pra ninguém. Direção: D.J. Caruso. Ano: 2016.
A COMUNIDADE (Kollektivet)
A condução da narrativa é boa, mas parece sempre estar faltando alguma coisa. O drama dos personagens é falho, exceto talvez pela filha adolescente do casal principal. Gosto da reconstituição de época, da trilha e de alguns momentos pontuais, mas Thomas Vinterberg parece querer recuperar o seu grande momento em FESTA DE FAMÍLIA (1998) e mais uma vez não consegue. Dá pra ver com interesse. Ano: 2016.
sexta-feira, julho 31, 2020
quarta-feira, julho 29, 2020
A PORTUGUESA
De vez em quando assisto algo que sinto tanta dificuldade de explicar em palavras que simplesmente travo. Por mais que tentasse escrever um texto através de recursos mais impressionistas, a dúvida sobre quem é a artista que fez aquilo que eu acabara de ver seguiu presente. Foi o caso de A PORTUGUESA (2018), de Rita Azevedo Gomes, dessas obras tão plasticamente bonitas que logo nos faz lembrar da falta da telona. Foi uma obra feita para ser vista na tela grande do cinema, inclusive pela pouca utilização de close-ups e pelo detalhismo em cada elemento colocado em cena, sejam coisas, pessoas ou animais.
O que andam dizendo por aí, de que o filme é como uma pintura em movimento, faz sim muito sentido. Inclusive, eu diria que A PORTUGUESA está muito mais próximo da pintura do que das irmãs mais próximas do cinema, como o teatro e a literatura. As cores importam, seja o vermelho do cabelo da protagonista, a portuguesa cujo nome nunca é dito, sejam as cores das paredes ou da própria natureza, ora o verde vicejante das folhas, ora o branco da cena em que a portuguesa e uma amiga conversam e começa a nevar.
O clima de sonho está presente na essência do filme, e muito disso talvez se deva ao próprio universo criado pela protagonista quando da ausência do marido, que passa anos guerreando e volta para casa principalmente quando está ferido. Ele mesmo explicita que sua relação com a guerra é muito longa e mais apaixonante do que com a própria esposa, a quem conhece há menos tempo.
O que pode incomodar um pouco na experiência do filme de Rita Azevedo Gomes talvez seja justamente porque a telinha não dá conta de tanta beleza, de tanta densidade, de tanto detalhismo durante mais de duas horas de duração. Além do mais, não temos aqui uma narrativa convencional, não há uma pressa em contar uma história. Por vezes, pouco importa se há uma história. As imagens importam muito mais. A direção de fotografia está a cargo do mestre Acácio de Almeida, que tem um currículo muito extenso desde a década de 1960. Algumas obras mais recentes cuja fotografia ele dirigiu e que se destacam são COLO, de Teresa Villaverde, e RAIVA, de Sérgio Tréfaut, além de colaborações com a própria Rita Azevedo Gomes.
Na trama, Clara Riedenstein (“John From”) vive a portuguesa do título, uma mulher de beleza pré-rafaelita e ar independente para a época, que se casa com Herren von Ketten (Marcello Urgeghe), austríaco que, durante a Era Moderna, luta contra o Episcopado de Trento. Baseada num conto de Robert Musil, publicado em 1924, a história se passa principalmente no Norte da Itália, onde fica o castelo que a portuguesa transforma em lar durante a ausência do marido. Mas não há muita clareza sobre o período histórico, situado entre os séculos 16 e 17, quando a geografia da Europa ainda era muito diferente, o que parece deliberado porque a diretora embaraça a cronologia com referências anacrônicas de música e literatura.
Mas isso não chega a ser tão importante. A principal pergunta que eu faço, na verdade, é: quem é Rita Azevedo Gomes? Venho notado a maior observação do trabalho desta diretora por parte de certo círculo de críticos mais estudiosos. Sérgio Alpendre, por exemplo, a colocou entre as mais importantes cineastas da década. Em sua lista de 20 favoritos dos anos 2010, há uma predominância de filmes portugueses, sendo dois de Azevedo Gomes: A VINGANÇA DE UMA MULHER (2012), em primeira posição, e este A PORTUGUESA, em vigésima.
Quanto às comparações que têm sido feitas da cineasta com Manoel de Oliveira, talvez esteja mais em alguma semelhança com o uso de planos-sequência longos e diálogos mais lentos. Mas isso não é exclusividade de Oliveira. De todo modo, Gomes chegou a trabalhar com o diretor centenário em FRANCISCA (1981), como figurinista. Nota-se, assim, que a aproximação da cineasta com o cuidado com a imagem, seja de roupas ou de qualquer elemento de cena, já remonta de algum tempo. Sobre a pergunta sobre quem é a cineasta, melhor deixar para ir respondendo à medida que for conhecendo melhor sua obra.
+ TRÊS FILMES
TRÊS IRMÃOS
Acho que nunca tinha visto um filme português que representasse tão bem a tristeza profunda do espírito lusitano, tão bem notado na poesia e na música, o fado. Talvez o mais próximo disso tenha sido num dos filmes mais recentes de Teresa Villaverde, COLO (2017), que além de tudo tem um trabalho com as cores maravilhoso. Ver este aqui, numa cópia mais ou menos ruim, em vhsrip, diminui um bocado do impacto das cores, mas as emoções, o fato de os personagens (também uma família pobre e à deriva) serem tão tristes, desesperançados e cheios de desespero até combinam com uma imagem mais escura. Quero ver mais filmes da Teresa Villaverde, mas antes preciso me recuperar deste aqui. Ano: 1994.
A BELA E A FERA (Beauty and the Beast)
Pra quem estava morrendo de preguiça de ver o filme e quis logo ver para "se livrar logo", até que lá pelo meio A BELA E A FERA me conquistou. Principalmente quando começa a parte da relação entre os dois no castelo. No mais, é um dos filmes mais cafonas da Disney, mas também mais ousados em tratar a questão do empoderamento feminino e da homossexualidade. Emma Watson contribui para trazer interesse para o filme. Encantadora. Direção: Bill Condon. Ano: 2017.
ESPERANDO ACORDADA (Les Chaises Musicales)
Trata-se de uma comédia romântica sem muita força, mas Isabelle Carré é uma graça e o filme é simpático e leve. Na trama, a atriz é uma violinista amadora que ganha a vida tocando em festas de aniversário de crianças e em lares para idosos. A caminho de um evento para o qual foi contratada, ela se perde, e, ao pedir ajuda, ela acidentalmente provoca um acidente e foge. No dia seguinte ela descobre que o homem está no hospital, em coma. Direção: Marie Belhomme. Ano: 2015.
O que andam dizendo por aí, de que o filme é como uma pintura em movimento, faz sim muito sentido. Inclusive, eu diria que A PORTUGUESA está muito mais próximo da pintura do que das irmãs mais próximas do cinema, como o teatro e a literatura. As cores importam, seja o vermelho do cabelo da protagonista, a portuguesa cujo nome nunca é dito, sejam as cores das paredes ou da própria natureza, ora o verde vicejante das folhas, ora o branco da cena em que a portuguesa e uma amiga conversam e começa a nevar.
O clima de sonho está presente na essência do filme, e muito disso talvez se deva ao próprio universo criado pela protagonista quando da ausência do marido, que passa anos guerreando e volta para casa principalmente quando está ferido. Ele mesmo explicita que sua relação com a guerra é muito longa e mais apaixonante do que com a própria esposa, a quem conhece há menos tempo.
O que pode incomodar um pouco na experiência do filme de Rita Azevedo Gomes talvez seja justamente porque a telinha não dá conta de tanta beleza, de tanta densidade, de tanto detalhismo durante mais de duas horas de duração. Além do mais, não temos aqui uma narrativa convencional, não há uma pressa em contar uma história. Por vezes, pouco importa se há uma história. As imagens importam muito mais. A direção de fotografia está a cargo do mestre Acácio de Almeida, que tem um currículo muito extenso desde a década de 1960. Algumas obras mais recentes cuja fotografia ele dirigiu e que se destacam são COLO, de Teresa Villaverde, e RAIVA, de Sérgio Tréfaut, além de colaborações com a própria Rita Azevedo Gomes.
Na trama, Clara Riedenstein (“John From”) vive a portuguesa do título, uma mulher de beleza pré-rafaelita e ar independente para a época, que se casa com Herren von Ketten (Marcello Urgeghe), austríaco que, durante a Era Moderna, luta contra o Episcopado de Trento. Baseada num conto de Robert Musil, publicado em 1924, a história se passa principalmente no Norte da Itália, onde fica o castelo que a portuguesa transforma em lar durante a ausência do marido. Mas não há muita clareza sobre o período histórico, situado entre os séculos 16 e 17, quando a geografia da Europa ainda era muito diferente, o que parece deliberado porque a diretora embaraça a cronologia com referências anacrônicas de música e literatura.
Mas isso não chega a ser tão importante. A principal pergunta que eu faço, na verdade, é: quem é Rita Azevedo Gomes? Venho notado a maior observação do trabalho desta diretora por parte de certo círculo de críticos mais estudiosos. Sérgio Alpendre, por exemplo, a colocou entre as mais importantes cineastas da década. Em sua lista de 20 favoritos dos anos 2010, há uma predominância de filmes portugueses, sendo dois de Azevedo Gomes: A VINGANÇA DE UMA MULHER (2012), em primeira posição, e este A PORTUGUESA, em vigésima.
Quanto às comparações que têm sido feitas da cineasta com Manoel de Oliveira, talvez esteja mais em alguma semelhança com o uso de planos-sequência longos e diálogos mais lentos. Mas isso não é exclusividade de Oliveira. De todo modo, Gomes chegou a trabalhar com o diretor centenário em FRANCISCA (1981), como figurinista. Nota-se, assim, que a aproximação da cineasta com o cuidado com a imagem, seja de roupas ou de qualquer elemento de cena, já remonta de algum tempo. Sobre a pergunta sobre quem é a cineasta, melhor deixar para ir respondendo à medida que for conhecendo melhor sua obra.
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TRÊS IRMÃOS
Acho que nunca tinha visto um filme português que representasse tão bem a tristeza profunda do espírito lusitano, tão bem notado na poesia e na música, o fado. Talvez o mais próximo disso tenha sido num dos filmes mais recentes de Teresa Villaverde, COLO (2017), que além de tudo tem um trabalho com as cores maravilhoso. Ver este aqui, numa cópia mais ou menos ruim, em vhsrip, diminui um bocado do impacto das cores, mas as emoções, o fato de os personagens (também uma família pobre e à deriva) serem tão tristes, desesperançados e cheios de desespero até combinam com uma imagem mais escura. Quero ver mais filmes da Teresa Villaverde, mas antes preciso me recuperar deste aqui. Ano: 1994.
A BELA E A FERA (Beauty and the Beast)
Pra quem estava morrendo de preguiça de ver o filme e quis logo ver para "se livrar logo", até que lá pelo meio A BELA E A FERA me conquistou. Principalmente quando começa a parte da relação entre os dois no castelo. No mais, é um dos filmes mais cafonas da Disney, mas também mais ousados em tratar a questão do empoderamento feminino e da homossexualidade. Emma Watson contribui para trazer interesse para o filme. Encantadora. Direção: Bill Condon. Ano: 2017.
ESPERANDO ACORDADA (Les Chaises Musicales)
Trata-se de uma comédia romântica sem muita força, mas Isabelle Carré é uma graça e o filme é simpático e leve. Na trama, a atriz é uma violinista amadora que ganha a vida tocando em festas de aniversário de crianças e em lares para idosos. A caminho de um evento para o qual foi contratada, ela se perde, e, ao pedir ajuda, ela acidentalmente provoca um acidente e foge. No dia seguinte ela descobre que o homem está no hospital, em coma. Direção: Marie Belhomme. Ano: 2015.
segunda-feira, julho 27, 2020
A MULHER INFAME (Uwasa no Onna)
Da lista de cineastas homens que melhor conseguiram traduzir o sentimento feminino, ou pelo menos se solidarizaram a ponto de fazer do sentimento da mulher um dos principais aspectos de seu corpo de trabalho, se destaca o mestre japonês Kenji Mizoguchi. Muito de sua filmografia é profundamente interessada na vida e no drama de mulheres que foram vitimizadas pela sociedade e/ou pela pressão de seu tempo.
Há toda uma questão biográfica que justifica isso: o jovem Mizoguchi era terrivelmente contra o modo como seu pai tratava sua mãe e sua irmã. Além do mais, há o fato de que, por causa de problemas financeiros, seu pai vendeu a própria filha, irmã mais velha de Mizoguchi, para se tornar gueixa. Assim, sua obra costuma ser vista como uma espécie de tratado contra a sociedade machista. Claro que isso não é motivo suficiente para validar e tornar a sua obra uma das mais importantes. Há também questões formais de seu cinema as quais não me sinto muito apto para falar aqui, mas que corroboram sua imagem hoje inegável de ser um dos maiores cineastas do Japão de todos os tempos. Se não o maior.
Vi pouco mais do que meia dúzia de filmes de Mizoguchi, o que ainda é muito pouco. Mas digo com certeza que ele foi um dos diretores, junto com Yasujiro Ozu, que fez eu me apaixonar pelo cinema japonês clássico, já que até hoje ainda tenho uma certa resistência a gostar de verdade dos filmes de Akira Kurosawa. Mas isso é um problema que preciso resolver no futuro. Falemos, então, de um dos títulos de Mizoguchi que vi recentemente, A MULHER INFAME (1954), realizado entre duas obras-primas do diretor: O INTENDENTE SANCHO (1954) e OS AMANTES CRUCIFICADOS (1954). Reparem que os três filmes foram lançados no mesmo ano, o que é absolutamente admirável.
Em A MULHER INFAME, acompanhamos o drama da jovem interpretada por Yoshiko Kuga que é filha da dona de um bordel. Ela tenta suicídio depois que seu noivo descobre a profissão de sua mãe, que é algo de que a garota tem muita vergonha, por mais que o estabelecimento seja um dos mais respeitáveis do ramo na cidade. A mãe dela (Kinuyo Tanaka) mantém um caso secreto com o médico do bordel, um homem mais jovem do que ela vivido por Tomoemon Otani. A mãe, inclusive, tem o sonho de se casar com o médico e vender o seu negócio, a fim de começar uma nova vida.
Não sabendo do envolvimento da mãe com o médico, a jovem, a partir do momento em que passa a ser tratada por ele após a tentativa de suicídio, começa a gostar do rapaz. E ele também fica muito mais interessado nela, também por ser mais jovem e mais bonita que a mãe. Os dois passam a fazer planos, irem embora para Tóquio, onde ele montaria um consultório. Uma hora a mãe descobre e sente uma dor imensa na alma.
Mizoguchi, ao invés de fazer um filme sobre a rivalidade entre mãe e filha, percebe o modo bem pouco honesto do rapaz e apresenta gestos lindos das duas mulheres. Esse interesse pela psicologia da mulher, pelo seu sofrimento, pelo seu universo, se mostra muito feliz nesta obra que se passa na contemporaneidade, com uma imagem de uma mulher mais independente, ainda que a própria sociedade japonesa até hoje seja extremamente tradicionalista nesse sentido.
Em A MULHER INFAME, mais uma vez, Mizoguchi usa o melodrama para mostrar auto-sacrifícios românticos das suas personagens femininas. E se não é um de seus grandes filmes, é justamente porque ele foi tão alto em suas obras-primas, que alguns de seus outros títulos acabam ficando um pouco abaixo do cume que ele alcançou. Mas só um pouco.
+ TRÊS FILMES
BRUMAS (Moontide)
Segundo filme da Fox que Fritz Lang inicia as produções mas que algo dá errado e ele é substituído novamente por Archie Mayo. Aqui, ao que parece, o problema teve a ver com Marlene Dietrich, que teve relações tanto com Jean Gabin quanto ele. É um filme um bocado estranho, e é justamente da estranheza que vem sua singularidade. Foi o primeiro papel de Gabin em Hollywood, saído da França por causa da guerra. Grande astro lá, mas totalmente desconhecido nos Estados Unidos, a produtora teve que fazer um jogo de marketing bem engenhoso para vendê-lo como o novo astro a despontar. Mas ele não durou muito lá. Uma das melhores coisas do filme é Ida Lupino, no papel da jovem deprimida e suicida que é salva da morte pelo francês com modo de vida cigano. Os dois, de espírito quebrado, se apaixonam. Mas há uma trama de um assassinato misterioso no meio. Construído em estúdio, o filme tem um ar artificial interessante e umas coisas meio WTF. Como era de se esperar, o filme seguinte de Lang não seria mais com a Fox. Ano: 1942.
BELEZA OCULTA (Collateral Beauty)
Não achei tão feio quanto pintaram. Tem o Will Smith de novo fazendo a mesma cara chorosa, mas o drama não é só dele, há também os de seus colegas. O bom elenco também compensa um pouco as falhas. Gostei muito da Naomie Harris, atriz cujo trabalho ainda conheço muito pouco. Direção: David Frankel. Ano: 2016.
O AMOR DE CATARINA
É um filme melhor do que eu esperava. O diretor se mostra amador também no sentido de mostrar o amor pelo cinema, em pequenas coisas, como em cenas de AURORA, de Buster Keaton, do nome de Gus Van Sant, em cartazes de filmes de terror no quarto da filha da protagonista.. Que é meio uma Macabeia repaginada. Mas muita coisa ficou apenas nas intenções. Ainda assim, não deixa de ser um filme estranho e por isso até que bem-vindo dentro das produções brasileiras exibidas nos cinemas de shopping. Direção: Gil Baroni. Ano: 2016.
Há toda uma questão biográfica que justifica isso: o jovem Mizoguchi era terrivelmente contra o modo como seu pai tratava sua mãe e sua irmã. Além do mais, há o fato de que, por causa de problemas financeiros, seu pai vendeu a própria filha, irmã mais velha de Mizoguchi, para se tornar gueixa. Assim, sua obra costuma ser vista como uma espécie de tratado contra a sociedade machista. Claro que isso não é motivo suficiente para validar e tornar a sua obra uma das mais importantes. Há também questões formais de seu cinema as quais não me sinto muito apto para falar aqui, mas que corroboram sua imagem hoje inegável de ser um dos maiores cineastas do Japão de todos os tempos. Se não o maior.
Vi pouco mais do que meia dúzia de filmes de Mizoguchi, o que ainda é muito pouco. Mas digo com certeza que ele foi um dos diretores, junto com Yasujiro Ozu, que fez eu me apaixonar pelo cinema japonês clássico, já que até hoje ainda tenho uma certa resistência a gostar de verdade dos filmes de Akira Kurosawa. Mas isso é um problema que preciso resolver no futuro. Falemos, então, de um dos títulos de Mizoguchi que vi recentemente, A MULHER INFAME (1954), realizado entre duas obras-primas do diretor: O INTENDENTE SANCHO (1954) e OS AMANTES CRUCIFICADOS (1954). Reparem que os três filmes foram lançados no mesmo ano, o que é absolutamente admirável.
Em A MULHER INFAME, acompanhamos o drama da jovem interpretada por Yoshiko Kuga que é filha da dona de um bordel. Ela tenta suicídio depois que seu noivo descobre a profissão de sua mãe, que é algo de que a garota tem muita vergonha, por mais que o estabelecimento seja um dos mais respeitáveis do ramo na cidade. A mãe dela (Kinuyo Tanaka) mantém um caso secreto com o médico do bordel, um homem mais jovem do que ela vivido por Tomoemon Otani. A mãe, inclusive, tem o sonho de se casar com o médico e vender o seu negócio, a fim de começar uma nova vida.
Não sabendo do envolvimento da mãe com o médico, a jovem, a partir do momento em que passa a ser tratada por ele após a tentativa de suicídio, começa a gostar do rapaz. E ele também fica muito mais interessado nela, também por ser mais jovem e mais bonita que a mãe. Os dois passam a fazer planos, irem embora para Tóquio, onde ele montaria um consultório. Uma hora a mãe descobre e sente uma dor imensa na alma.
Mizoguchi, ao invés de fazer um filme sobre a rivalidade entre mãe e filha, percebe o modo bem pouco honesto do rapaz e apresenta gestos lindos das duas mulheres. Esse interesse pela psicologia da mulher, pelo seu sofrimento, pelo seu universo, se mostra muito feliz nesta obra que se passa na contemporaneidade, com uma imagem de uma mulher mais independente, ainda que a própria sociedade japonesa até hoje seja extremamente tradicionalista nesse sentido.
Em A MULHER INFAME, mais uma vez, Mizoguchi usa o melodrama para mostrar auto-sacrifícios românticos das suas personagens femininas. E se não é um de seus grandes filmes, é justamente porque ele foi tão alto em suas obras-primas, que alguns de seus outros títulos acabam ficando um pouco abaixo do cume que ele alcançou. Mas só um pouco.
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BRUMAS (Moontide)
Segundo filme da Fox que Fritz Lang inicia as produções mas que algo dá errado e ele é substituído novamente por Archie Mayo. Aqui, ao que parece, o problema teve a ver com Marlene Dietrich, que teve relações tanto com Jean Gabin quanto ele. É um filme um bocado estranho, e é justamente da estranheza que vem sua singularidade. Foi o primeiro papel de Gabin em Hollywood, saído da França por causa da guerra. Grande astro lá, mas totalmente desconhecido nos Estados Unidos, a produtora teve que fazer um jogo de marketing bem engenhoso para vendê-lo como o novo astro a despontar. Mas ele não durou muito lá. Uma das melhores coisas do filme é Ida Lupino, no papel da jovem deprimida e suicida que é salva da morte pelo francês com modo de vida cigano. Os dois, de espírito quebrado, se apaixonam. Mas há uma trama de um assassinato misterioso no meio. Construído em estúdio, o filme tem um ar artificial interessante e umas coisas meio WTF. Como era de se esperar, o filme seguinte de Lang não seria mais com a Fox. Ano: 1942.
BELEZA OCULTA (Collateral Beauty)
Não achei tão feio quanto pintaram. Tem o Will Smith de novo fazendo a mesma cara chorosa, mas o drama não é só dele, há também os de seus colegas. O bom elenco também compensa um pouco as falhas. Gostei muito da Naomie Harris, atriz cujo trabalho ainda conheço muito pouco. Direção: David Frankel. Ano: 2016.
O AMOR DE CATARINA
É um filme melhor do que eu esperava. O diretor se mostra amador também no sentido de mostrar o amor pelo cinema, em pequenas coisas, como em cenas de AURORA, de Buster Keaton, do nome de Gus Van Sant, em cartazes de filmes de terror no quarto da filha da protagonista.. Que é meio uma Macabeia repaginada. Mas muita coisa ficou apenas nas intenções. Ainda assim, não deixa de ser um filme estranho e por isso até que bem-vindo dentro das produções brasileiras exibidas nos cinemas de shopping. Direção: Gil Baroni. Ano: 2016.
domingo, julho 26, 2020
VIDA DE MENINA
Quando estive no primeiro ano da faculdade, fiquei encantado com uma das tantas aulas maravilhosas de Literatura Portuguesa da Professora Moema. Em uma dessas aulas, ela comentou sobre D. Sebastião e sobre o quanto o comportamento suicida do rei foi terrível para a História de Portugal, que seria tomado pelos espanhóis. O país desceria do pedestal e entraria numa era sombria que duraria décadas. Nessa época, o chamado Barroco português, apareceria uma obra um tanto estranha, composta apenas de cinco cartas intensamente apaixonadas de uma freira rejeitada por um oficial do exército, as Cartas Portuguesas, de Sóror Mariana Alcoforado. Segundo a professora, trata-se da melhor produção literária portuguesa desse momento sombrio do país.
E eis que, no Brasil, também temos algo incomum na história de nossa literatura: os escritos em um diário de Alice Dayrell Caldeira, quando adolescente, do final do século XIX, que foram publicados sob o pseudônimo Helena Morley, quando a autora já tinha 62 anos de idade, em 1942. A obra depois de lançada fez sucesso e chegou a ser cobrada em vestibular em algumas universidades. Ou seja, é um exemplo de arte feita sem a intenção de ser arte. O diário de Alice/Helena, de nome Minha Vida de Menina, é também um documento fantástico de uma época, ainda que seja muito rico em tratar de questões afetivas da menina com sua família (sua avó, seu pai, sua mãe, sua irmãzinha etc.).
VIDA DE MENINA (2004), por sua vez, é a incrível adaptação feita por uma outra Helena, a cineasta Helena Solberg, que na história do cinema brasileiro hoje costuma ser colocada como uma das representantes do Cinema Novo. Seu curta A ENTREVISTA (1966) ficou em 9º lugar no ranking de melhores curtas-metragens em votação recente pela Abraccine. É inegável a força de seu trabalho, mas é também inegável o quanto sua filmografia acaba sendo, muito provavelmente por causa de um machismo entranhado na sociedade, apagada ou tornada quase invisível para um público maior.
O caso de VIDA DE MENINA é admirável, já que eu, que me autodenomino cinéfilo, só conheci a obra neste ano. Mais exatamente ontem. Mesmo sendo um filme ganhador de vários Kikitos em Gramado, que eu me lembre, não chegou a estrear em minha cidade. Fiquei encantado com o grau de sensibilidade que o filme possui, o quanto é capaz de nos emocionar. Apesar de ser uma produção modesta, como geralmente são as produções brasileiras, mesmo as "de época", há aqui todo um cuidado artesanal no modo como é feita a reconstituição daquele período. O filme nos leva para as Minas Gerais do final do século XIX, um outro mundo, ainda que com muitas semelhanças com o Brasil de hoje, um Brasil que tenta disfarçar seu racismo, por exemplo.
Como um filme cuja voz é de uma menina/mulher, é importante ter uma cineasta mulher e também uma roteirista mulher (Elena Soarez) para contar essa história. Uma história composta quase que por "esquetes", já que o que vemos são situações marcantes retiradas do diário, que conseguem, no filme, encontrar uma coesão admirável, mesmo quando a menina Helena começa a costurar a sua história também com lembranças de quando era mais nova.
Trata-se de um filme que valoriza o amor pela leitura e pela escrita, que surgiu de um incentivo de um professor. Curiosamente, eu vi o filme no mesmo dia em que li, pela primeira vez, o conto "Felicidade Clandestina", de Clarice Lispector, que é uma ode ao prazer da leitura. VIDA DE MENINA é, entre outras coisas, uma ode à escrita, e isso também muito me encanta.
A atriz Ludmila Dayer, a jovem que interpreta Helena, já tinha cerca de 20 anos quando fez esse papel tão desafiador. Ela vinha basicamente de trabalhos para a televisão. Muitos lembram dela de vários episódios de MALHAÇÃO, a série juvenil da Rede Globo. O trabalho de penteado e figurino, e também sua interpretação, são bons o suficiente para o convencimento do papel. Além do mais, a personagem é fascinante, no quanto é questionadora. Helena faz questionamentos sobre o papel do homem na Terra, a vida após a morte, o porquê de Deus permitir haver tanta desigualdade social, e até o darwinismo.
E o filme ainda tem o mérito de nos levar ao bucolismo dos riachos, às ruas cheias de subidas e descidas de Diamantina, às casinhas humildes, aos animais (cabras, galinhas, bois), às famílias de brancos convivendo com negros recém-saídos da escravidão, pelo menos oficialmente. E principalmente de ter um olhar estritamente feminino. Os homens têm menor tempo na história, ainda que alguns deles (o pai, o tio, o primo, o professor, o padre) desempenhem papéis de importância. Nota-se uma sociedade ainda muito dividida entre os dois sexos no cotidiano.
Acima de tudo, porém, o filme lida com sentimentos. E foi nisso que ele me pegou de jeito. Principalmente com a relação de Helena com a avó, por quem nutre um profundo amor. Ela é a neta preferida da avó também, mesmo sendo uma menina tida como mal-criada. Também emociona o modo como sua família, bem mais pobre e de vida mais difícil do que a de seus primos, abastados, tenta sobreviver às dificuldades. Uma coisa aparentemente simples, como o tecido para a farda da escola, então, se torna motivo de briga em casa. E o filme conseguiu, meio que sem querer, me deixar enredado nessa teia de afetos, a ponto de, em certo momento da trama, eu não conseguir segurar o choro. E é tudo feito com muito cuidado, sem arroubos melodramáticos, sem pesar a mão, nada disso. Por isso merece ser visto, revisto e descoberto como uma das obras mais importantes de nossa cinematografia.
Agradecimentos à amiga Paula, que viu o filme comigo, simultaneamente, em uma outra cidade. Por ser de família mineira, ela sentiu bastante familiaridade com os costumes, com a geografia etc. E também recomendo a leitura da entrevista que o amigo Adilson Marcelino fez com a diretora Helena Solberg para o seu incrível site Mulheres do Cinema Brasileiro.
+ TRÊS FILMES
LUA EM SAGITÁRIO
O filme até começa bem, quando mostra a relação entre o casal e o dono de um estabelecimento fã devotado do rock. O rock banha o filme com a sua força enquanto pode, mas aí quando tentam criar um road movie, a coisa desanda. Direção: Marcia Paraíso. Ano: 2016.
JONAS
Nem imaginei que veria este filme no cinema, mas o amigo Luiz comentou que ia passar em uma pequena mostra lá no São Luiz. Como não devia estrear em circuito comercial, era a chance de ver mesmo. É um bom filme, com alguns problemas, mas que me agradou, principalmente pelo casal Jesuíta Barbosa e Laura Neiva. Jesuíta estava lá e discursou brevemente sobre o apoio às ocupações nas escolas e sobre o momento delicado que o país está vivendo. Direção: Lô Politi. Ano: 2015.
EXILADOS DO VULCÃO
A gente até se esforça pra gostar do filme e entrar na viagem sensorial, principalmente quando desistimos de tentar ligar os pontos de uma história, mas na maioria das vezes é tudo muito aborrecido e arrastado. Mas há, sem dúvida, momentos bem bonitos, plasticamente. Direção: Paula Gaitán. Ano: 2013.
E eis que, no Brasil, também temos algo incomum na história de nossa literatura: os escritos em um diário de Alice Dayrell Caldeira, quando adolescente, do final do século XIX, que foram publicados sob o pseudônimo Helena Morley, quando a autora já tinha 62 anos de idade, em 1942. A obra depois de lançada fez sucesso e chegou a ser cobrada em vestibular em algumas universidades. Ou seja, é um exemplo de arte feita sem a intenção de ser arte. O diário de Alice/Helena, de nome Minha Vida de Menina, é também um documento fantástico de uma época, ainda que seja muito rico em tratar de questões afetivas da menina com sua família (sua avó, seu pai, sua mãe, sua irmãzinha etc.).
VIDA DE MENINA (2004), por sua vez, é a incrível adaptação feita por uma outra Helena, a cineasta Helena Solberg, que na história do cinema brasileiro hoje costuma ser colocada como uma das representantes do Cinema Novo. Seu curta A ENTREVISTA (1966) ficou em 9º lugar no ranking de melhores curtas-metragens em votação recente pela Abraccine. É inegável a força de seu trabalho, mas é também inegável o quanto sua filmografia acaba sendo, muito provavelmente por causa de um machismo entranhado na sociedade, apagada ou tornada quase invisível para um público maior.
O caso de VIDA DE MENINA é admirável, já que eu, que me autodenomino cinéfilo, só conheci a obra neste ano. Mais exatamente ontem. Mesmo sendo um filme ganhador de vários Kikitos em Gramado, que eu me lembre, não chegou a estrear em minha cidade. Fiquei encantado com o grau de sensibilidade que o filme possui, o quanto é capaz de nos emocionar. Apesar de ser uma produção modesta, como geralmente são as produções brasileiras, mesmo as "de época", há aqui todo um cuidado artesanal no modo como é feita a reconstituição daquele período. O filme nos leva para as Minas Gerais do final do século XIX, um outro mundo, ainda que com muitas semelhanças com o Brasil de hoje, um Brasil que tenta disfarçar seu racismo, por exemplo.
Como um filme cuja voz é de uma menina/mulher, é importante ter uma cineasta mulher e também uma roteirista mulher (Elena Soarez) para contar essa história. Uma história composta quase que por "esquetes", já que o que vemos são situações marcantes retiradas do diário, que conseguem, no filme, encontrar uma coesão admirável, mesmo quando a menina Helena começa a costurar a sua história também com lembranças de quando era mais nova.
Trata-se de um filme que valoriza o amor pela leitura e pela escrita, que surgiu de um incentivo de um professor. Curiosamente, eu vi o filme no mesmo dia em que li, pela primeira vez, o conto "Felicidade Clandestina", de Clarice Lispector, que é uma ode ao prazer da leitura. VIDA DE MENINA é, entre outras coisas, uma ode à escrita, e isso também muito me encanta.
A atriz Ludmila Dayer, a jovem que interpreta Helena, já tinha cerca de 20 anos quando fez esse papel tão desafiador. Ela vinha basicamente de trabalhos para a televisão. Muitos lembram dela de vários episódios de MALHAÇÃO, a série juvenil da Rede Globo. O trabalho de penteado e figurino, e também sua interpretação, são bons o suficiente para o convencimento do papel. Além do mais, a personagem é fascinante, no quanto é questionadora. Helena faz questionamentos sobre o papel do homem na Terra, a vida após a morte, o porquê de Deus permitir haver tanta desigualdade social, e até o darwinismo.
E o filme ainda tem o mérito de nos levar ao bucolismo dos riachos, às ruas cheias de subidas e descidas de Diamantina, às casinhas humildes, aos animais (cabras, galinhas, bois), às famílias de brancos convivendo com negros recém-saídos da escravidão, pelo menos oficialmente. E principalmente de ter um olhar estritamente feminino. Os homens têm menor tempo na história, ainda que alguns deles (o pai, o tio, o primo, o professor, o padre) desempenhem papéis de importância. Nota-se uma sociedade ainda muito dividida entre os dois sexos no cotidiano.
Acima de tudo, porém, o filme lida com sentimentos. E foi nisso que ele me pegou de jeito. Principalmente com a relação de Helena com a avó, por quem nutre um profundo amor. Ela é a neta preferida da avó também, mesmo sendo uma menina tida como mal-criada. Também emociona o modo como sua família, bem mais pobre e de vida mais difícil do que a de seus primos, abastados, tenta sobreviver às dificuldades. Uma coisa aparentemente simples, como o tecido para a farda da escola, então, se torna motivo de briga em casa. E o filme conseguiu, meio que sem querer, me deixar enredado nessa teia de afetos, a ponto de, em certo momento da trama, eu não conseguir segurar o choro. E é tudo feito com muito cuidado, sem arroubos melodramáticos, sem pesar a mão, nada disso. Por isso merece ser visto, revisto e descoberto como uma das obras mais importantes de nossa cinematografia.
Agradecimentos à amiga Paula, que viu o filme comigo, simultaneamente, em uma outra cidade. Por ser de família mineira, ela sentiu bastante familiaridade com os costumes, com a geografia etc. E também recomendo a leitura da entrevista que o amigo Adilson Marcelino fez com a diretora Helena Solberg para o seu incrível site Mulheres do Cinema Brasileiro.
+ TRÊS FILMES
LUA EM SAGITÁRIO
O filme até começa bem, quando mostra a relação entre o casal e o dono de um estabelecimento fã devotado do rock. O rock banha o filme com a sua força enquanto pode, mas aí quando tentam criar um road movie, a coisa desanda. Direção: Marcia Paraíso. Ano: 2016.
JONAS
Nem imaginei que veria este filme no cinema, mas o amigo Luiz comentou que ia passar em uma pequena mostra lá no São Luiz. Como não devia estrear em circuito comercial, era a chance de ver mesmo. É um bom filme, com alguns problemas, mas que me agradou, principalmente pelo casal Jesuíta Barbosa e Laura Neiva. Jesuíta estava lá e discursou brevemente sobre o apoio às ocupações nas escolas e sobre o momento delicado que o país está vivendo. Direção: Lô Politi. Ano: 2015.
EXILADOS DO VULCÃO
A gente até se esforça pra gostar do filme e entrar na viagem sensorial, principalmente quando desistimos de tentar ligar os pontos de uma história, mas na maioria das vezes é tudo muito aborrecido e arrastado. Mas há, sem dúvida, momentos bem bonitos, plasticamente. Direção: Paula Gaitán. Ano: 2013.
sábado, julho 25, 2020
UM LUGAR AO SOL (A Place in the Sun)
Embora eu seja fã da Nova Hollywood, surgida junto com a contracultura na segunda metade dos anos 1960, ainda acredito que o auge do cinema americano aconteceu na década anterior. UM LUGAR AO SOL (1951), de George Stevens, é um exemplar desse cinema espetacular, que alia tanto as intenções de lidar com a questão da luta de classes quanto a tragédia aplicada a uma dramática história de amor de alta intensidade.
Vi este filme pela primeira vez em um Corujão da Rede Globo na aurora da minha cinefilia e fiquei especialmente impressionado, na época. Na semana passada, marquei de revê-lo, simultaneamente, com uma amiga, a Paula, que nunca tinha visto. Foi uma experiência bem interessante, uma maneira de fazer uma espécie de sessão de cinema em tempos de pandemia. De vez em quando comentávamos algumas cenas pelo messenger. E o filme segue sendo impactante.
Montgomery Clift, famoso por ter vários problemas de saúde, de alcoolismo e por sofrer ao ter que esconder sua homossexualidade, é o ator perfeito para interpretar George Eastman, esse homem pobre e fraco, covarde até, que se apaixona por uma moça da alta sociedade, a exuberante Angela Vickers, interpretada por uma Elizabeth Taylor em estado de graça. George deixa a cidadezinha onde morava para tentar a sorte na empresa de seu tio rico. No começo, sua presença é vista pelos familiares como um incômodo, e ele é colocado para trabalhar em uma seção bem pouco nobre da empresa. E embora seja proibido ter relacionamentos com colegas de trabalho, ele logo passa a namorar uma moça de sua seção, Alice, vivida por Shelley Winters.
O filme acompanha George em sua busca por encontrar alegria naquele novo mundo. Em determinado momento, enquanto caminha com Alice, ele vê um grupo de evangélicos pregando nas ruas. Mais tarde, veremos que havia ali uma identificação com o seu passado, com sua família, em especial, sua mãe. Agora ele vive uma outra vida. E tenta aproveitá-la ao máximo. Após uma saída com Alice, ele dorme com ela e a engravida. A notícia da gravidez surge justamente depois que ele conhece Angela na casa do tio. Angela não apenas se interessa por ele, como também se apaixona pelo rapaz. George, porém, não tem coragem de contar a verdade para nenhuma das duas mulheres e fica se afundando cada vez mais nas mentiras.
Não cheguei a julgar o comportamento de George, e talvez tenha me faltado empatia para perceber o drama da pobre Alice, que de repente se tornou um empecilho. Tanto que surge, na mente de George, o absurdo de simular um acidente com a namorada, a fim de se livrar dela e ser feliz com Angela. É algo horrível de se pensar e ele sabe disso. Por isso fica tão perturbado, tão dividido, tão dilacerado.
Quanto à felicidade, acredito que ele nunca tenha experimentado de fato, principalmente depois que soube da gravidez de Alice. Talvez o único momento realmente feliz de George tenha sido na festa na casa do tio, quando, como num sonho, Angela o aborda, puxa conversa com ele, demonstra interesse. Ela se sente atraída pelo ar de mistério daquele rapaz que joga sinuca sozinho. Mas o sorriso de George é sempre triste, mesmo quando tem a certeza do amor de Angela e está com ela em uma casa no lago. Sua vontade é de fuga da vida real, de abraçar a doce ilusão.
O filme se encaminha para a tragédia na cena do barco com Alice, que faz lembrar cenas similares de outras duas obras-primas, AURORA, de F.W. Murnau, e AMAR FOI MINHA RUÍNA, de John M. Stahl, ainda que distante do romantismo do primeiro e da perversidade do segundo. No último ato, com fotografia em tom de film noir, quando George vai ao tribunal acusado de assassinar Alice, nem ele mesmo sabe o quanto de culpa tem. O veredito, por mais cruel que seja, funciona como uma espécie de purgação de seus pecados, um meio extremamente duro de finalmente livrá-lo do tormento da vida dividida pela mentira. E a visita de Angela ao final... Que cena!
UM LUGAR AO SOL foi vencedor de seis Oscar: direção, roteiro, fotografia em preto e branco, figurino em preto e branco (da Edith Head) e trilha sonora. Tornou-se famoso pela afirmação de Charles Chaplin, de que seria o melhor filme que vira na vida. Representa o triunfo do cinema clássico americano. O filme foi a segunda adaptação do romance Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser. A primeira versão, que levou o mesmo nome do romance, foi dirigida em 1931, por Josef von Sternberg.
+ TRÊS FILMES
HERÓIS OU VILÕES (Wisdom)
Meu interesse por este filme estava principalmente em Demi Moore. De vez em quando vejo ou revejo algum filme com ela só para apreciar sua beleza e sua voz rouca. Quis o destino que eu visse este primeiro trabalho na direção de Emilio Estevez. A trama e os personagens me parecem um tanto ingênuos, assim como a polícia parece um tanto burra. Mas é um exemplar de um modo de pensar americano, seja pela tradição em glorificar foras-da-lei, seja porque havia mesmo, naqueles Estados Unidos da era Reagan, um sentimento de inconformismo e insatisfação com os rumos da economia e da sociedade. E aí temos um personagem que sai queimando arquivos de hipoteca nos bancos, em vez de roubar dinheiro. Parece um tanto idiota, mas depois o filme vai ganhando o prazer da liberdade, ainda que se saiba que a liberdade do casal seja fadada a um fim nada legal. Ano: 1986.
REVELAÇÃO (Disclosure)
Como formato de documentário, é bem quadrado e convencional, mas não é isso que importa. É interessante que o formato de depoimentos + imagens de arquivos, sendo muitas dessas imagens cenas de filmes, seja usado como um meio de nos aproximar dessas personagens reais e que às vezes nos parecem distantes. E é importante que algo venha trazer com muita clareza o que está errado na sociedade quando ela não tem a menor noção de empatia com esses seres humanos. O exemplo mais clássico é o de TRAÍDOS PELO DESEJO, quando o sujeito vomita depois de descobrir que a mulher tem um pênis. E isso acaba sendo replicado em outros filmes, inclusive comédias. E isso sem pensar em como essas pessoas se sentiam com isso. Alguns dos nomes mais importantes presentes no documentário: Jen Richards (HER STORY), Laverne Cox (ORANGE IS THE NEW BLACK), Zachary Drucler (TRANSPARENT), a lindíssima Trace Lysette (também de TRANSPARENT) e Lilly Wachowsky, que dispensa apresentações. É um filme que deveria ser mostrado em escolas. Direção: Sam Feder. Ano: 2020.
MAIS FORTE QUE BOMBAS (Louder than Bombs)
Que beleza de filme e de construção de climas e personagens. Foi muito melhor do que eu imaginava. E se o tal OSLO, 31 DE AGOSTO (2011) é melhor mesmo do que este, como dizem, então deve ser uma pequena obra-prima. O elenco é estupendo. Destaque para Isabelle Huppert, claro. Direção: Joachim Trier. Ano: 2016.
Vi este filme pela primeira vez em um Corujão da Rede Globo na aurora da minha cinefilia e fiquei especialmente impressionado, na época. Na semana passada, marquei de revê-lo, simultaneamente, com uma amiga, a Paula, que nunca tinha visto. Foi uma experiência bem interessante, uma maneira de fazer uma espécie de sessão de cinema em tempos de pandemia. De vez em quando comentávamos algumas cenas pelo messenger. E o filme segue sendo impactante.
Montgomery Clift, famoso por ter vários problemas de saúde, de alcoolismo e por sofrer ao ter que esconder sua homossexualidade, é o ator perfeito para interpretar George Eastman, esse homem pobre e fraco, covarde até, que se apaixona por uma moça da alta sociedade, a exuberante Angela Vickers, interpretada por uma Elizabeth Taylor em estado de graça. George deixa a cidadezinha onde morava para tentar a sorte na empresa de seu tio rico. No começo, sua presença é vista pelos familiares como um incômodo, e ele é colocado para trabalhar em uma seção bem pouco nobre da empresa. E embora seja proibido ter relacionamentos com colegas de trabalho, ele logo passa a namorar uma moça de sua seção, Alice, vivida por Shelley Winters.
O filme acompanha George em sua busca por encontrar alegria naquele novo mundo. Em determinado momento, enquanto caminha com Alice, ele vê um grupo de evangélicos pregando nas ruas. Mais tarde, veremos que havia ali uma identificação com o seu passado, com sua família, em especial, sua mãe. Agora ele vive uma outra vida. E tenta aproveitá-la ao máximo. Após uma saída com Alice, ele dorme com ela e a engravida. A notícia da gravidez surge justamente depois que ele conhece Angela na casa do tio. Angela não apenas se interessa por ele, como também se apaixona pelo rapaz. George, porém, não tem coragem de contar a verdade para nenhuma das duas mulheres e fica se afundando cada vez mais nas mentiras.
Não cheguei a julgar o comportamento de George, e talvez tenha me faltado empatia para perceber o drama da pobre Alice, que de repente se tornou um empecilho. Tanto que surge, na mente de George, o absurdo de simular um acidente com a namorada, a fim de se livrar dela e ser feliz com Angela. É algo horrível de se pensar e ele sabe disso. Por isso fica tão perturbado, tão dividido, tão dilacerado.
Quanto à felicidade, acredito que ele nunca tenha experimentado de fato, principalmente depois que soube da gravidez de Alice. Talvez o único momento realmente feliz de George tenha sido na festa na casa do tio, quando, como num sonho, Angela o aborda, puxa conversa com ele, demonstra interesse. Ela se sente atraída pelo ar de mistério daquele rapaz que joga sinuca sozinho. Mas o sorriso de George é sempre triste, mesmo quando tem a certeza do amor de Angela e está com ela em uma casa no lago. Sua vontade é de fuga da vida real, de abraçar a doce ilusão.
O filme se encaminha para a tragédia na cena do barco com Alice, que faz lembrar cenas similares de outras duas obras-primas, AURORA, de F.W. Murnau, e AMAR FOI MINHA RUÍNA, de John M. Stahl, ainda que distante do romantismo do primeiro e da perversidade do segundo. No último ato, com fotografia em tom de film noir, quando George vai ao tribunal acusado de assassinar Alice, nem ele mesmo sabe o quanto de culpa tem. O veredito, por mais cruel que seja, funciona como uma espécie de purgação de seus pecados, um meio extremamente duro de finalmente livrá-lo do tormento da vida dividida pela mentira. E a visita de Angela ao final... Que cena!
UM LUGAR AO SOL foi vencedor de seis Oscar: direção, roteiro, fotografia em preto e branco, figurino em preto e branco (da Edith Head) e trilha sonora. Tornou-se famoso pela afirmação de Charles Chaplin, de que seria o melhor filme que vira na vida. Representa o triunfo do cinema clássico americano. O filme foi a segunda adaptação do romance Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser. A primeira versão, que levou o mesmo nome do romance, foi dirigida em 1931, por Josef von Sternberg.
+ TRÊS FILMES
HERÓIS OU VILÕES (Wisdom)
Meu interesse por este filme estava principalmente em Demi Moore. De vez em quando vejo ou revejo algum filme com ela só para apreciar sua beleza e sua voz rouca. Quis o destino que eu visse este primeiro trabalho na direção de Emilio Estevez. A trama e os personagens me parecem um tanto ingênuos, assim como a polícia parece um tanto burra. Mas é um exemplar de um modo de pensar americano, seja pela tradição em glorificar foras-da-lei, seja porque havia mesmo, naqueles Estados Unidos da era Reagan, um sentimento de inconformismo e insatisfação com os rumos da economia e da sociedade. E aí temos um personagem que sai queimando arquivos de hipoteca nos bancos, em vez de roubar dinheiro. Parece um tanto idiota, mas depois o filme vai ganhando o prazer da liberdade, ainda que se saiba que a liberdade do casal seja fadada a um fim nada legal. Ano: 1986.
REVELAÇÃO (Disclosure)
Como formato de documentário, é bem quadrado e convencional, mas não é isso que importa. É interessante que o formato de depoimentos + imagens de arquivos, sendo muitas dessas imagens cenas de filmes, seja usado como um meio de nos aproximar dessas personagens reais e que às vezes nos parecem distantes. E é importante que algo venha trazer com muita clareza o que está errado na sociedade quando ela não tem a menor noção de empatia com esses seres humanos. O exemplo mais clássico é o de TRAÍDOS PELO DESEJO, quando o sujeito vomita depois de descobrir que a mulher tem um pênis. E isso acaba sendo replicado em outros filmes, inclusive comédias. E isso sem pensar em como essas pessoas se sentiam com isso. Alguns dos nomes mais importantes presentes no documentário: Jen Richards (HER STORY), Laverne Cox (ORANGE IS THE NEW BLACK), Zachary Drucler (TRANSPARENT), a lindíssima Trace Lysette (também de TRANSPARENT) e Lilly Wachowsky, que dispensa apresentações. É um filme que deveria ser mostrado em escolas. Direção: Sam Feder. Ano: 2020.
MAIS FORTE QUE BOMBAS (Louder than Bombs)
Que beleza de filme e de construção de climas e personagens. Foi muito melhor do que eu imaginava. E se o tal OSLO, 31 DE AGOSTO (2011) é melhor mesmo do que este, como dizem, então deve ser uma pequena obra-prima. O elenco é estupendo. Destaque para Isabelle Huppert, claro. Direção: Joachim Trier. Ano: 2016.
sexta-feira, julho 24, 2020
OS MORTOS NÃO MORREM (The Dead Don't Die)
Que Jim Jarmusch é um cineasta querido em Hollywood desde seu surgimento na década de 1980, disso não resta dúvida. E é interessante que, mesmo trabalhando com orçamentos modestos, ele consegue trazer um time de astros brilhante. No caso de OS MORTOS NÃO MORREM (2019), o cartaz do filme até destaca como chamariz principal essa riqueza no elenco, especialmente para um filme de zumbis. Além de Bill Murray, Adam Driver e Chloë Sevigny, que são os protagonistas, o novo longa ainda conta com Tilda Swinton, Steve Buscemi, Danny Glover, Rosie Perez, Iggy Pop, Sara Driver, RZA, Selena Gomez, Tom Waits, entre outros.
Depois de brincar com o gênero "filme de vampiros" no muito mais sério AMANTES ETERNOS (2013), eis que agora ele usa o registro da comédia para fazer o seu filme de zumbis. Trata-se de uma opção feliz, já que é um subgênero que está um tanto desgastado por ser tão utilizado no cinema, na televisão, na literatura, nos quadrinhos, nos games e em outras fontes. Ou seja, a opção por tratar a situação dos zumbis com ironia e usar até um divertido jogo metalinguístico (só o personagem de Adam Driver percebe que está dentro de um filme; ele sabe até a canção-tema) contribui para tornar OS MORTOS NÃO MORREM uma diversão também para quem percebe as referências.
A primeira metade é melhor resolvida do que a segunda, que é a que traz de maneira mais explícita a invasão dos zumbis. Na primeira parte, há um clima de estranheza que é encantador. Os personagens percebem que já são oito da noite e o sol ainda não se pôs; os noticiários falam de uma mudança no eixo da Terra. Até os animais desaparecem. E os mortos surgem, como zumbis. Mas até aparecerem, o filme brinca muito com a lentidão e a tranquilidade de seus personagens principais, típicos exemplares de caipiras americanos, cada um à sua maneira. Exceto a personagem de Tilda Swinton, que anda com uma espada samurai e é naturalmente muito mais estranha do que todos daquela cidade.
O modo como Jarmusch apresenta seus personagens é outro ponto muito positivo. Assim, vamos conhecendo o ermitão (Tom Waits), o racista (Steve Buscemi), o homem negro tranquilo (Danny Glover), a policial que vomita quando vê sangue (Chloë Sevigny), a turista bonita que chega com uma turma de amigos (Selena Gomez) etc. Então, com a apresentação desses tipos, o jogo está pronto para ser jogado com a invasão dos mortos-vivos, inicialmente de maneira muito discreta.
Uma pena que, uma vez que os zumbis surgem, o diretor não sabe muito bem o que fazer, e toda a linda estranheza poética da primeira parte acaba sendo prejudicada por um filme à deriva. Ainda assim, como se trata de uma comédia, não é preciso levar a sério os dramas dos personagens. Mas, por mais que Jarmusch seja um cineasta que goste de brincar com o humor em sua obra, alguns de seus trabalhos que lidaram com a poesia e com a melancolia, como FLORES PARTIDAS (2005) e PATERSON (2016), fora muito mais bem-sucedidos. Nesse sentido, é preferível, como comédia de zumbis, ZUMBILÂNDIA - ATIRE DUAS VEZES, de Ruben Fleischer, que também conta com Murray e é muito mais divertido. Mas, claro: são propostas distintas.
+ TRÊS FILMES
RELIC
Um estudo da decadência do corpo e da mente humanas, da solidão e dos laços familiares. Isso tudo em um registro de terror. A estreante em longas-metragens Natalie Erika James consegue fugir da vulgaridade dos clichês do gênero, na maior parte do tempo, embora não consiga se livrar totalmente das influências do horror recente. O resultado, se não é excelente, traz sensações estranhas bem-vindas, como o momento em que a personagem de Robyn Nevin se perde literalmente dentro da casa. E tem a casa antiga, como um elemento acumulado das mais diversas energias. Principalmente de natureza mais pesada. Questões como a da maternidade também vêm à tona fortemente e é bom ver esse tipo de filme, com um elenco principal todo composto por mulheres. Só senti falta de momentos realmente apavorantes. Quanto a isso, achei o filme um tanto frio. Direção: Natalie Erika James. Ano: 2020.
VIDA (Life)
Embora não seja ruim, este VIDA acaba não passando de uma versão frouxa e sem graça de ALIEN, O 8º PASSAGEIRO (1979). Nem há a intenção de esconder a inspiração, mas nem é esse o problema. Quando o bichinho começa a atacar, o filme cresce, mas o diretor parece que não consegue manter o interesse depois de um tempo. Ao menos é um filme que parece saber rir de si mesmo. Ou não. Direção: Daniel Espinosa. Ano: 2017.
SETE MINUTOS DEPOIS DA MEIA-NOITE (A Monster Calls)
Este me deu sono. Eu já sou chato com filmes de fantasia, então, o grau de melodrama que ele traz não foi o suficiente para me emocionar. Ao contrário, fiquei bastante incomodado. Sem falar que as lições de moral do monstro são muito mastigadas. O menino não aprende por si mesmo. Achei interessante a primeira história do monstro. Mas só como narrativa e como desconstrutor de modelos de contos de fadas. Depois o filme fica bem frágil. Direção: J.A. Bayona. Ano: 2016.
Depois de brincar com o gênero "filme de vampiros" no muito mais sério AMANTES ETERNOS (2013), eis que agora ele usa o registro da comédia para fazer o seu filme de zumbis. Trata-se de uma opção feliz, já que é um subgênero que está um tanto desgastado por ser tão utilizado no cinema, na televisão, na literatura, nos quadrinhos, nos games e em outras fontes. Ou seja, a opção por tratar a situação dos zumbis com ironia e usar até um divertido jogo metalinguístico (só o personagem de Adam Driver percebe que está dentro de um filme; ele sabe até a canção-tema) contribui para tornar OS MORTOS NÃO MORREM uma diversão também para quem percebe as referências.
A primeira metade é melhor resolvida do que a segunda, que é a que traz de maneira mais explícita a invasão dos zumbis. Na primeira parte, há um clima de estranheza que é encantador. Os personagens percebem que já são oito da noite e o sol ainda não se pôs; os noticiários falam de uma mudança no eixo da Terra. Até os animais desaparecem. E os mortos surgem, como zumbis. Mas até aparecerem, o filme brinca muito com a lentidão e a tranquilidade de seus personagens principais, típicos exemplares de caipiras americanos, cada um à sua maneira. Exceto a personagem de Tilda Swinton, que anda com uma espada samurai e é naturalmente muito mais estranha do que todos daquela cidade.
O modo como Jarmusch apresenta seus personagens é outro ponto muito positivo. Assim, vamos conhecendo o ermitão (Tom Waits), o racista (Steve Buscemi), o homem negro tranquilo (Danny Glover), a policial que vomita quando vê sangue (Chloë Sevigny), a turista bonita que chega com uma turma de amigos (Selena Gomez) etc. Então, com a apresentação desses tipos, o jogo está pronto para ser jogado com a invasão dos mortos-vivos, inicialmente de maneira muito discreta.
Uma pena que, uma vez que os zumbis surgem, o diretor não sabe muito bem o que fazer, e toda a linda estranheza poética da primeira parte acaba sendo prejudicada por um filme à deriva. Ainda assim, como se trata de uma comédia, não é preciso levar a sério os dramas dos personagens. Mas, por mais que Jarmusch seja um cineasta que goste de brincar com o humor em sua obra, alguns de seus trabalhos que lidaram com a poesia e com a melancolia, como FLORES PARTIDAS (2005) e PATERSON (2016), fora muito mais bem-sucedidos. Nesse sentido, é preferível, como comédia de zumbis, ZUMBILÂNDIA - ATIRE DUAS VEZES, de Ruben Fleischer, que também conta com Murray e é muito mais divertido. Mas, claro: são propostas distintas.
+ TRÊS FILMES
RELIC
Um estudo da decadência do corpo e da mente humanas, da solidão e dos laços familiares. Isso tudo em um registro de terror. A estreante em longas-metragens Natalie Erika James consegue fugir da vulgaridade dos clichês do gênero, na maior parte do tempo, embora não consiga se livrar totalmente das influências do horror recente. O resultado, se não é excelente, traz sensações estranhas bem-vindas, como o momento em que a personagem de Robyn Nevin se perde literalmente dentro da casa. E tem a casa antiga, como um elemento acumulado das mais diversas energias. Principalmente de natureza mais pesada. Questões como a da maternidade também vêm à tona fortemente e é bom ver esse tipo de filme, com um elenco principal todo composto por mulheres. Só senti falta de momentos realmente apavorantes. Quanto a isso, achei o filme um tanto frio. Direção: Natalie Erika James. Ano: 2020.
VIDA (Life)
Embora não seja ruim, este VIDA acaba não passando de uma versão frouxa e sem graça de ALIEN, O 8º PASSAGEIRO (1979). Nem há a intenção de esconder a inspiração, mas nem é esse o problema. Quando o bichinho começa a atacar, o filme cresce, mas o diretor parece que não consegue manter o interesse depois de um tempo. Ao menos é um filme que parece saber rir de si mesmo. Ou não. Direção: Daniel Espinosa. Ano: 2017.
SETE MINUTOS DEPOIS DA MEIA-NOITE (A Monster Calls)
Este me deu sono. Eu já sou chato com filmes de fantasia, então, o grau de melodrama que ele traz não foi o suficiente para me emocionar. Ao contrário, fiquei bastante incomodado. Sem falar que as lições de moral do monstro são muito mastigadas. O menino não aprende por si mesmo. Achei interessante a primeira história do monstro. Mas só como narrativa e como desconstrutor de modelos de contos de fadas. Depois o filme fica bem frágil. Direção: J.A. Bayona. Ano: 2016.
quinta-feira, julho 23, 2020
CORAÇÕES EM LUTA (Vier um die Frau)
Assim como aconteceu quando parei para assistir a DEPOIS DA TEMPESTADE (1920), o outro dos filmes de Fritz Lang perdido e encontrado na Cinemateca Brasileira em 1986, a tarefa de ver CORAÇÕES EM LUTA (1921) não foi das mais fáceis. Voltei o filme depois dos quinze minutos iniciais por duas vezes para procurar entender a trama. O fato de esta cópia, em particular, não ter sequer uma música de acompanhamento torna a experiência um pouco mais desafiadora. Há a curiosidade de ser a cópia brasileira, com intertítulos em português. Aliás, é curioso como se havia o trabalho até mesmo de fotografar bilhetes e cartões de apresentações escritos em português para anexar no filme original.
É um filme que passa a impressão de ser mais direcionado a públicos mais ricos, tanto pela identificação com personagens com jeitos aristocráticos, quanto pela trama, que precisa ser apreciada com muita atenção para uma melhor compreensão. O filme anterior de Lang já era um tanto confuso, mas se culpava a falta de rolos perdidos no processo. Esse talvez não tenha tanta metragem perdida, mas ainda assim tem uma trama intricada envolvendo uma mulher e quatro pretendentes.
Logo no começo, somos apresentados a Yquem (Ludwig Hartau), o homem rico tido como um crítico (de teatro, provavelmente) que é também famoso por ser casado com uma das mais belas mulheres da cidade. Ele na verdade é um falsário, uma espécie de antecipador do Dr. Mabuse, inclusive na utilização de disfarces. Yquem desconfia que a esposa Florence (Carole Trõlle) o está traindo. Ele conhece a história de uma paixão que ela nutria por um homem, Werner Raff (Anton Edthofer), antes do casamento.
Aliás, abrindo um parênteses para falar de Carole Trõlle, vale destacar que a cópia brasileira faz uma espécie de separação do filme em capítulos, sempre apresentando no intertítulo o título do filme e o nome da estrela principal como chamariz. Não tenho conhecimento de sua carreira no cinema, mas ao que parece, nas primeiras décadas do século XX, ela era uma estrela.
O desenrolar da trama, em vez de facilitar, complica, com a inclusão de mais personagens, situações envolvendo irmãos gêmeos (como havia também em DEPOIS DA TEMPESTADE), mais tramas envolvendo roubos de joias e outros crimes. E a pobre da cópia, saltitante, ainda termina de maneira brusca. Talvez seja o final mesmo, mas no mínimo alguns fotogramas foram perdidos no meio do caminho e que acabou por deixar o filme sem epílogo.
É curioso como se trata de um filme pequeno, ainda que já traga elementos marcantes da autoria de Lang. E pensar que está apenas a um outro filme de uma obra-prima como DR. MABUSE, O JOGADOR (1922)...
+ TRÊS FILMES
CORRESPONDENTE ESPECIAL (Confirm or Deny)
Trata-se de um filme mais interessante do que exatamente bom. Fritz Lang chegou a fazer parte da produção, mas foi substituído depois de seis dias. É interessante também ver que se trata de um filme feito no calor do momento, enquanto a Inglaterra estava sofrendo bombardeios alemães. E é também interessante por ser um filme que adota o estilo das screwball comedies para lidar com os diálogos e os momentos românticos de Don Ameche e Joan Bennett. Nem sempre funciona e, mais para o final, o filme vai ganhando toques mais dramáticos. Gosto muito da cena em que os dois se conhecem, durante um blecaute. Passa uma sensação de que até durante a guerra era possível se divertir. Só é uma pena que o resultado não tenha sido tão positivo. Destaque para o menino Roddy McDoweall, que havia participado do filme anterior de Lang, O HOMEM QUE QUIS MATAR HITLER (1941). Quanto a Joan Bennett, ela estaria presente em três futuros títulos de Lang. Direção: Achie Mayo. Ano: 1941.
PAZ PARA NÓS EM NOSSOS SONHOS (Ramybė Mūsų Sapnuose)
Não consegui entrar no clima deste trabalho de Sharunas Bartas, que dizem que é justamente o seu filme mais fraco. Meu amigo Michel Simões conhece os seus filmes anteriores para dizer isso. Justo o primeiro que resolvem lançar por aqui. Ao menos a distribuidora segue com sua postura de apostar em obras arriscadas. Mas gosto de uma cena envolvendo uma amante (?) do protagonista. A cena eleva o filme, muito pela força da atriz em cena. É melhor do que tudo o mais, incluindo seus personagens pouco atraentes. Ano: 2015.
O TESOURO (Comoara)
Havia esquecido de escrever algumas linhas sobre este belo filme, que passa uma impressão de desespero pela crise financeira, aventura e até um certo ar de conto de fadas. É filme a se sair do cinema pensando a respeito. E dá pra rir bastante também. Esses romenos sabem fazer um cinema muito interessante. Direção: Corneliu Porumboiu. Ano: 2015.
É um filme que passa a impressão de ser mais direcionado a públicos mais ricos, tanto pela identificação com personagens com jeitos aristocráticos, quanto pela trama, que precisa ser apreciada com muita atenção para uma melhor compreensão. O filme anterior de Lang já era um tanto confuso, mas se culpava a falta de rolos perdidos no processo. Esse talvez não tenha tanta metragem perdida, mas ainda assim tem uma trama intricada envolvendo uma mulher e quatro pretendentes.
Logo no começo, somos apresentados a Yquem (Ludwig Hartau), o homem rico tido como um crítico (de teatro, provavelmente) que é também famoso por ser casado com uma das mais belas mulheres da cidade. Ele na verdade é um falsário, uma espécie de antecipador do Dr. Mabuse, inclusive na utilização de disfarces. Yquem desconfia que a esposa Florence (Carole Trõlle) o está traindo. Ele conhece a história de uma paixão que ela nutria por um homem, Werner Raff (Anton Edthofer), antes do casamento.
Aliás, abrindo um parênteses para falar de Carole Trõlle, vale destacar que a cópia brasileira faz uma espécie de separação do filme em capítulos, sempre apresentando no intertítulo o título do filme e o nome da estrela principal como chamariz. Não tenho conhecimento de sua carreira no cinema, mas ao que parece, nas primeiras décadas do século XX, ela era uma estrela.
O desenrolar da trama, em vez de facilitar, complica, com a inclusão de mais personagens, situações envolvendo irmãos gêmeos (como havia também em DEPOIS DA TEMPESTADE), mais tramas envolvendo roubos de joias e outros crimes. E a pobre da cópia, saltitante, ainda termina de maneira brusca. Talvez seja o final mesmo, mas no mínimo alguns fotogramas foram perdidos no meio do caminho e que acabou por deixar o filme sem epílogo.
É curioso como se trata de um filme pequeno, ainda que já traga elementos marcantes da autoria de Lang. E pensar que está apenas a um outro filme de uma obra-prima como DR. MABUSE, O JOGADOR (1922)...
+ TRÊS FILMES
CORRESPONDENTE ESPECIAL (Confirm or Deny)
Trata-se de um filme mais interessante do que exatamente bom. Fritz Lang chegou a fazer parte da produção, mas foi substituído depois de seis dias. É interessante também ver que se trata de um filme feito no calor do momento, enquanto a Inglaterra estava sofrendo bombardeios alemães. E é também interessante por ser um filme que adota o estilo das screwball comedies para lidar com os diálogos e os momentos românticos de Don Ameche e Joan Bennett. Nem sempre funciona e, mais para o final, o filme vai ganhando toques mais dramáticos. Gosto muito da cena em que os dois se conhecem, durante um blecaute. Passa uma sensação de que até durante a guerra era possível se divertir. Só é uma pena que o resultado não tenha sido tão positivo. Destaque para o menino Roddy McDoweall, que havia participado do filme anterior de Lang, O HOMEM QUE QUIS MATAR HITLER (1941). Quanto a Joan Bennett, ela estaria presente em três futuros títulos de Lang. Direção: Achie Mayo. Ano: 1941.
PAZ PARA NÓS EM NOSSOS SONHOS (Ramybė Mūsų Sapnuose)
Não consegui entrar no clima deste trabalho de Sharunas Bartas, que dizem que é justamente o seu filme mais fraco. Meu amigo Michel Simões conhece os seus filmes anteriores para dizer isso. Justo o primeiro que resolvem lançar por aqui. Ao menos a distribuidora segue com sua postura de apostar em obras arriscadas. Mas gosto de uma cena envolvendo uma amante (?) do protagonista. A cena eleva o filme, muito pela força da atriz em cena. É melhor do que tudo o mais, incluindo seus personagens pouco atraentes. Ano: 2015.
O TESOURO (Comoara)
Havia esquecido de escrever algumas linhas sobre este belo filme, que passa uma impressão de desespero pela crise financeira, aventura e até um certo ar de conto de fadas. É filme a se sair do cinema pensando a respeito. E dá pra rir bastante também. Esses romenos sabem fazer um cinema muito interessante. Direção: Corneliu Porumboiu. Ano: 2015.
terça-feira, julho 21, 2020
MULHER TENTAÇÃO
É possível imaginar, enquanto vemos MULHER TENTAÇÃO (1982), o público, composto de plateias sem frescura e obviamente adultas, gargalhando em muitas das cenas do filme, uma vez que esse mesmo público terá aceitado o divertido jogo de alternância entre sofisticação e vulgaridade proposto por Ody Fraga. Afinal, os créditos iniciais parecem antecipar um daqueles clássicos de muito bom gosto, com uma flauta tocando "She", de Charles Aznavour, enquanto vemos imagens de pinturas célebres (Vermeer, Rembrandt e Cézanne).
Porém, logo em seguida, as imagens que introduzem as cenas são de closes das genitálias de dois amantes sendo acariciados. Ou seja, é também interessante tentar imaginar o que o público daquele momento teria sentido com essas sequências iniciais. Por mais que o sexo explícito já tivesse chegado na Boca naquele momento, este é um filme de sexo simulado, como os de outrora. O que acontece é que o grafismo nos exemplares eróticos daqueles primeiros anos da década de 1980 estavam cada vez mais ousados, com o afrouxamento maior da censura, seguida de uma maior vontade por parte do público de ver uma oferta maior de pele e sexo no cinema popular.
Quanto ao humor, que é o que dá o tom e que pode ganhar ou perder o espectador, ele se manifesta de maneira mais bem-sucedida nas cenas protagonizadas por Luiz Carlos Braga, que faz o pai de família que tem problemas de ereção em uma relação corpo a corpo, mas que fica bastante feliz e satisfeito em ver, em satisfazer a sua tara pessoal, através do voyeurismo ao vivo. Não à toa, ele já está acostumado a pagar o capataz da casa para que ele transe com uma ou duas das empregadas de sua residência.
Na primeira cena de diálogo do filme, esse personagem do pai está na sala, ao lado da jovem e bela filha (Sandra Graffi) esperando a mãe (Renée Casemart). Ela está impaciente; ele, tranquilo. Ela o acusa de "manso"; ele parece pouco se importar se a esposa está transando com outro ou não. Veremos em instantes que aquele sexo da patroa com o capataz no quarto é algo de que todos na casa têm conhecimento.
O registro cômico de Ody é acertado e foca no sexo, que, ao mesmo tempo que é, em alguns momentos motivo de preocupação principalmente para a filha, ao final, se percebe um elemento de celebração da vida. Até o final, marcado principalmente pela alegria do pai em visualizar o sexo dos empregados, da esposa e até da filha em quartos distintos, algumas cenas ainda mostraram um pouco do drama (se é que podemos usar essa palavra aqui) de seus personagens. Como é o caso da filha, que se vê como vítima da mãe, uma mulher que tem por hábito roubar os seus namorados, transar com eles. Isso é o motivo de ela não conseguir fazer sexo com um homem em um motel: tem medo de que a mãe o tome dela.
Fraga, um dos maiores nomes do sexo no cinema brasileiro, seja como diretor, seja como roteirista, se não faz aqui um de seus melhores trabalhos - eu destacaria como os melhores que vi A FÊMEA DO MAR (1981) e PALÁCIO DE VÊNUS (1980), além de seu segmento no ótimo A NOITE DAS TARAS (1980) - ,consegue o feito de criar um filme leve (embora esse conceito varie de acordo com o público), divertido e compacto, ainda que esteja longe de ser tão bem-sucedido na voltagem erótica, o que prova que grafismo mais explícito e closes de genitálias não são garantia de satisfação nesse aspecto.
+ TRÊS FILMES
JOÃO, O MAESTRO
O filme tem o problema de tentar dar conta da vida do personagem e acaba saltando as cenas com diálogos, especialmente os diálogos com as mulheres da história, que acabam ficando muito ruins. Mas há um momento que funciona melhor, especialmente quando é o Rodrigo Pandolfo que está encarnando o protagonista. Direção: Mauro Lima. Ano: 2017.
EU TE LEVO
O filme é melhor do que eu esperava, embora seja bem simples. Ao menos não tem a intenção de ser grandioso e morrer na praia. Acaba funcionando muito bem como um filme sobre a opressão familiar em uma pessoa que quer se sentir livre. De certa forma, lembrou um pouco AMANTES, do James Gray, mas só nesse aspecto. É outra coisa bem diferente. Interessante terem filmado em preto e branco e mostrado a cidade de Jundiaí como um lugar meio morto. Nem sei se é o caso. Direção: Marcelo Müller. Ano: 2016.
ERA O HOTEL CAMBRIDGE
Que beleza de projeto arriscado e original. Um trabalho de ficção que parece um documentário e feito de mãos dadas com os vários movimentos de sem teto e assemelhados. Bom quando os artistas abraçam as causas humanas diante de momentos em que o ódio parece dominar. Direção: Eliane Caffé. Ano: 2016.
Porém, logo em seguida, as imagens que introduzem as cenas são de closes das genitálias de dois amantes sendo acariciados. Ou seja, é também interessante tentar imaginar o que o público daquele momento teria sentido com essas sequências iniciais. Por mais que o sexo explícito já tivesse chegado na Boca naquele momento, este é um filme de sexo simulado, como os de outrora. O que acontece é que o grafismo nos exemplares eróticos daqueles primeiros anos da década de 1980 estavam cada vez mais ousados, com o afrouxamento maior da censura, seguida de uma maior vontade por parte do público de ver uma oferta maior de pele e sexo no cinema popular.
Quanto ao humor, que é o que dá o tom e que pode ganhar ou perder o espectador, ele se manifesta de maneira mais bem-sucedida nas cenas protagonizadas por Luiz Carlos Braga, que faz o pai de família que tem problemas de ereção em uma relação corpo a corpo, mas que fica bastante feliz e satisfeito em ver, em satisfazer a sua tara pessoal, através do voyeurismo ao vivo. Não à toa, ele já está acostumado a pagar o capataz da casa para que ele transe com uma ou duas das empregadas de sua residência.
Na primeira cena de diálogo do filme, esse personagem do pai está na sala, ao lado da jovem e bela filha (Sandra Graffi) esperando a mãe (Renée Casemart). Ela está impaciente; ele, tranquilo. Ela o acusa de "manso"; ele parece pouco se importar se a esposa está transando com outro ou não. Veremos em instantes que aquele sexo da patroa com o capataz no quarto é algo de que todos na casa têm conhecimento.
O registro cômico de Ody é acertado e foca no sexo, que, ao mesmo tempo que é, em alguns momentos motivo de preocupação principalmente para a filha, ao final, se percebe um elemento de celebração da vida. Até o final, marcado principalmente pela alegria do pai em visualizar o sexo dos empregados, da esposa e até da filha em quartos distintos, algumas cenas ainda mostraram um pouco do drama (se é que podemos usar essa palavra aqui) de seus personagens. Como é o caso da filha, que se vê como vítima da mãe, uma mulher que tem por hábito roubar os seus namorados, transar com eles. Isso é o motivo de ela não conseguir fazer sexo com um homem em um motel: tem medo de que a mãe o tome dela.
Fraga, um dos maiores nomes do sexo no cinema brasileiro, seja como diretor, seja como roteirista, se não faz aqui um de seus melhores trabalhos - eu destacaria como os melhores que vi A FÊMEA DO MAR (1981) e PALÁCIO DE VÊNUS (1980), além de seu segmento no ótimo A NOITE DAS TARAS (1980) - ,consegue o feito de criar um filme leve (embora esse conceito varie de acordo com o público), divertido e compacto, ainda que esteja longe de ser tão bem-sucedido na voltagem erótica, o que prova que grafismo mais explícito e closes de genitálias não são garantia de satisfação nesse aspecto.
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JOÃO, O MAESTRO
O filme tem o problema de tentar dar conta da vida do personagem e acaba saltando as cenas com diálogos, especialmente os diálogos com as mulheres da história, que acabam ficando muito ruins. Mas há um momento que funciona melhor, especialmente quando é o Rodrigo Pandolfo que está encarnando o protagonista. Direção: Mauro Lima. Ano: 2017.
EU TE LEVO
O filme é melhor do que eu esperava, embora seja bem simples. Ao menos não tem a intenção de ser grandioso e morrer na praia. Acaba funcionando muito bem como um filme sobre a opressão familiar em uma pessoa que quer se sentir livre. De certa forma, lembrou um pouco AMANTES, do James Gray, mas só nesse aspecto. É outra coisa bem diferente. Interessante terem filmado em preto e branco e mostrado a cidade de Jundiaí como um lugar meio morto. Nem sei se é o caso. Direção: Marcelo Müller. Ano: 2016.
ERA O HOTEL CAMBRIDGE
Que beleza de projeto arriscado e original. Um trabalho de ficção que parece um documentário e feito de mãos dadas com os vários movimentos de sem teto e assemelhados. Bom quando os artistas abraçam as causas humanas diante de momentos em que o ódio parece dominar. Direção: Eliane Caffé. Ano: 2016.
domingo, julho 19, 2020
DRAGGED ACROSS CONCRETE
Enquanto novos filmes dirigidos por Mel Gibson não surgem (estão previstos uma continuação de seu épico sobre Jesus e um remake de um western clássico de Sam Peckinpah), é interessante ver as escolhas que o ator/autor tem feito ultimamente. Não conhecia o trabalho do cineasta S. Craig Zahler, mas, ao que parece, o culto que ele recebe de vários cinéfilos tem razão de ser, a julgar pelo seu ótimo trabalho em DRAGGED ACROSS CONCRETE (2018), um filme que eu já vi há algumas semanas e que gostaria de tê-lo novamente fresco na memória neste momento para poder escrever um texto mais condizente com o que eu senti.
Uma coisa que pode afastar possíveis espectadores é a duração de quase três horas. No entanto, uma vez que o filme nos pega pra valer, que é mais ou menos no momento em que o personagem de Mel Gibson convida o colega e amigo mais próximo vivido por Vince Vaughn a fazer um trabalho perigoso, percebemos que a duração é necessária. E que acaba passando muito rápido.
Inclusive, é bom dizer que a obra não chegou aos cinemas americanos e de outros países em um número bem maior de salas por causa de sua duração. A Lionsgate pediu que o diretor fizesse um corte mais "amigável" de apenas 130 minutos de duração e Zahler não aceitou. O seu corte de 2h38min seria o definitivo e pronto. Segundo cláusula do contrato, ele teria direto ao corte final. O resultado é que o filme acabou sendo exibido em poucos cinemas e acabou por ser mais conhecida pela telinha mesmo, através de plataformas de VOD. É uma pena, pois é um trabalho que se beneficiaria muito bem da telona, com seu riquíssimo uso dos silêncios, seu timing bem cuidado e de um senso de humor próprio que serve tanto para atenuar quanto para intensificar o tom de tragédia.
O clima de amargura parece que persegue Mel Gibson. E vice-versa. Aliás, talvez tenha sido isso o motivo de ele ter aceitado o papel tão imediatamente, quando o amigo Vaughn o convidou para o projeto, durante as filmagens de ATÉ O ÚLTIMO HOMEM (2016), o mais recente filme dirigido por Gibson até o momento. Há um interesse por parte do ator em interpretar personagens muito carregados de arrependimento, tristeza ou algo do tipo.
No caso de DRAGGED ACROSS CONCRETE, Gibson é um policial prestes a se aposentar, mas que não conseguiu galgar posições melhores na carreira e agora vive em uma situação difícil, com a esposa sofrendo de esclerose múltipla, uma filha adolescente que vive sofrendo bullying dos vizinhos e morando em um bairro empobrecido. Já o parceiro vivido por Vaughn ainda é jovem o bastante para conseguir subir na carreira, mas também não está tão confortável assim.
Na trama, os dois policiais são suspensos sem pagamento por uma semana depois de atos de brutalidade no ofício. Atos filmados e tornados notícias em jornal. Devido a problemas financeiros, Brett, o personagem de Gibson, decide ingressar no crime, e convida o amigo para o serviço. A expectativa de que tudo dê errado é iminente e isso só torna cada momento da ação entre os amigos, no mínimo, bastante incômoda.
O filme não começa com seus protagonistas. No início, nos apresenta a um jovem negro que acaba de sair da prisão, mas que logo volta para o mundo do crime, desejoso de ajudar sua mãe e seu irmão cadeirante. Há uma visão bem pessimista/realista de uma sociedade imperfeita. Zahler também lida com questões fortes em que seus personagens se veem na posição de racistas e preconceituosos. Não que o filme seja racista: o cineasta apenas nos apresenta a diálogos que estamos acostumados a ouvir no cotidiano.
Há sequências bem tensas, como a do assalto ao banco, mas este seria apenas o início de um trabalho de tensão e suspense que se estenderia até o final, com todo o cuidado no equilíbrio do ritmo cadenciado da direção. No meio da ação, destaque para a personagem de Jennifer Carpenter, que ganha uma subtrama como uma mulher que está voltando ao trabalho pela primeira vez depois de uma licença maternidade, que está com medo de voltar ao trabalho, e que depois veremos que seu medo tem um caráter premonitório.
Essas costuras de personagens coadjuvantes dentro da trama dos dois policiais é feita com muito carinho e atenção pelo realizador e também roteirista. De fato o filme perderia muito se sofresse um corte de meia hora. E a conclusão, com seu clímax estendido, então, é tão bonita quanto amarga. Por isso é o caso de prestar muita atenção na obra de Zahler. Por enquanto ele só tem três filmes como diretor. Os anteriores são RASTRO DE MALDADE (2015) e CONFRONTO NO PAVILHÃO 99 (2017). Preciso vê-los.
+ TRÊS FILMES
VIDA DE ADULTO (Adult World)
Este acabei pegando no MKO meio que por simpatia, por ter a Emma Roberts, que é uma gracinha também. Mas saiu muito melhor do que a encomenda. Filmes sobre iniciação de jovens na vida adulta muito me interessam. E este fez com que eu me sentisse um pouco nos sapatos dela, o que é um mérito e tanto. Direção: Scott Coffey. Ano: 2013.
O MESTRE DOS GÊNIOS (Genius)
Bom pra conhecer um pouco sobre Thomas Wolfe e sua intensidade, além do editor interpretado por Colin Firth. Mas a intensidade cansa e o filme quer emocionar e não consegue. Uma pena. Direção: Michael Grandange. Ano: 2016.
IRMÃ (Little Sister)
Um filme que por pouco não consegue ser grande. Mas talvez não queira mesmo. Tem aquela cara típica das comédias dramáticas indies americanas, com seus tipos estranhos, mas que está acima da média das demais. Adorei a jovem atriz-revelação, que faz a freira, Addison Timlin. Direção: Zach Clark. Ano: 2016.
Uma coisa que pode afastar possíveis espectadores é a duração de quase três horas. No entanto, uma vez que o filme nos pega pra valer, que é mais ou menos no momento em que o personagem de Mel Gibson convida o colega e amigo mais próximo vivido por Vince Vaughn a fazer um trabalho perigoso, percebemos que a duração é necessária. E que acaba passando muito rápido.
Inclusive, é bom dizer que a obra não chegou aos cinemas americanos e de outros países em um número bem maior de salas por causa de sua duração. A Lionsgate pediu que o diretor fizesse um corte mais "amigável" de apenas 130 minutos de duração e Zahler não aceitou. O seu corte de 2h38min seria o definitivo e pronto. Segundo cláusula do contrato, ele teria direto ao corte final. O resultado é que o filme acabou sendo exibido em poucos cinemas e acabou por ser mais conhecida pela telinha mesmo, através de plataformas de VOD. É uma pena, pois é um trabalho que se beneficiaria muito bem da telona, com seu riquíssimo uso dos silêncios, seu timing bem cuidado e de um senso de humor próprio que serve tanto para atenuar quanto para intensificar o tom de tragédia.
O clima de amargura parece que persegue Mel Gibson. E vice-versa. Aliás, talvez tenha sido isso o motivo de ele ter aceitado o papel tão imediatamente, quando o amigo Vaughn o convidou para o projeto, durante as filmagens de ATÉ O ÚLTIMO HOMEM (2016), o mais recente filme dirigido por Gibson até o momento. Há um interesse por parte do ator em interpretar personagens muito carregados de arrependimento, tristeza ou algo do tipo.
No caso de DRAGGED ACROSS CONCRETE, Gibson é um policial prestes a se aposentar, mas que não conseguiu galgar posições melhores na carreira e agora vive em uma situação difícil, com a esposa sofrendo de esclerose múltipla, uma filha adolescente que vive sofrendo bullying dos vizinhos e morando em um bairro empobrecido. Já o parceiro vivido por Vaughn ainda é jovem o bastante para conseguir subir na carreira, mas também não está tão confortável assim.
Na trama, os dois policiais são suspensos sem pagamento por uma semana depois de atos de brutalidade no ofício. Atos filmados e tornados notícias em jornal. Devido a problemas financeiros, Brett, o personagem de Gibson, decide ingressar no crime, e convida o amigo para o serviço. A expectativa de que tudo dê errado é iminente e isso só torna cada momento da ação entre os amigos, no mínimo, bastante incômoda.
O filme não começa com seus protagonistas. No início, nos apresenta a um jovem negro que acaba de sair da prisão, mas que logo volta para o mundo do crime, desejoso de ajudar sua mãe e seu irmão cadeirante. Há uma visão bem pessimista/realista de uma sociedade imperfeita. Zahler também lida com questões fortes em que seus personagens se veem na posição de racistas e preconceituosos. Não que o filme seja racista: o cineasta apenas nos apresenta a diálogos que estamos acostumados a ouvir no cotidiano.
Há sequências bem tensas, como a do assalto ao banco, mas este seria apenas o início de um trabalho de tensão e suspense que se estenderia até o final, com todo o cuidado no equilíbrio do ritmo cadenciado da direção. No meio da ação, destaque para a personagem de Jennifer Carpenter, que ganha uma subtrama como uma mulher que está voltando ao trabalho pela primeira vez depois de uma licença maternidade, que está com medo de voltar ao trabalho, e que depois veremos que seu medo tem um caráter premonitório.
Essas costuras de personagens coadjuvantes dentro da trama dos dois policiais é feita com muito carinho e atenção pelo realizador e também roteirista. De fato o filme perderia muito se sofresse um corte de meia hora. E a conclusão, com seu clímax estendido, então, é tão bonita quanto amarga. Por isso é o caso de prestar muita atenção na obra de Zahler. Por enquanto ele só tem três filmes como diretor. Os anteriores são RASTRO DE MALDADE (2015) e CONFRONTO NO PAVILHÃO 99 (2017). Preciso vê-los.
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VIDA DE ADULTO (Adult World)
Este acabei pegando no MKO meio que por simpatia, por ter a Emma Roberts, que é uma gracinha também. Mas saiu muito melhor do que a encomenda. Filmes sobre iniciação de jovens na vida adulta muito me interessam. E este fez com que eu me sentisse um pouco nos sapatos dela, o que é um mérito e tanto. Direção: Scott Coffey. Ano: 2013.
O MESTRE DOS GÊNIOS (Genius)
Bom pra conhecer um pouco sobre Thomas Wolfe e sua intensidade, além do editor interpretado por Colin Firth. Mas a intensidade cansa e o filme quer emocionar e não consegue. Uma pena. Direção: Michael Grandange. Ano: 2016.
IRMÃ (Little Sister)
Um filme que por pouco não consegue ser grande. Mas talvez não queira mesmo. Tem aquela cara típica das comédias dramáticas indies americanas, com seus tipos estranhos, mas que está acima da média das demais. Adorei a jovem atriz-revelação, que faz a freira, Addison Timlin. Direção: Zach Clark. Ano: 2016.
sexta-feira, julho 17, 2020
ADMIRADORA SECRETA (Secret Admirer)
Uma triste coincidência a vontade que bateu recentemente de rever A PRIMEIRA TRANSA DE JONATHAN, clássico oitentista de aventuras sentimentais (e sexuais) da juventude. A intenção maior, como eu até devo ter dito no texto a respeito do filme, era rever a cena de sexo do protagonista com a lindíssima Kelly Preston. A visão dos seios de Kelly neste filme foi e ainda é uma espécie de visão do paraíso na Terra, de algo que faz a vida valer a pena. Não creio que esteja usando de hipérbole. O sentimento é real.
Infelizmente, na última segunda-feira ficamos sabendo da morte da atriz, uma das mais belas a ter passado por Hollywood, embora não tenha construído uma carreira tão bem-sucedida. Sua partida se deu depois de dois anos lutando contra um câncer de mama, o que não deixa de ser uma terrível ironia. Daí, em sua homenagem, quis rever outro filme do mesmo ano que ela fez, ADMIRADORA SECRETA (1985), dirigido por David Greenwalt, que mais tarde se "especializaria" na direção de episódios para séries de TV. O filme acabou sendo o título de destaque em sua filmografia, embora seja bem inferior ao A PRIMEIRA TRANSA DE JONATHAN em praticamente todos os aspectos.
Ainda assim, é bastante divertido, abrindo espaço também para a subtrama dos personagens adultos, que, ao encontrar a tal carta da admiradora secreta se veem em situações de confusão e puladas de cerca em seus casamentos. Acaba sendo um atrativo do filme para espectadores mais maduros também, justamente por isso. E é o segundo filme que explora a nudez dos seios de Kelly, assim como a escalam para mais uma personagem um tanto superficial.
Porém, eu diria que exageram bastante desta vez, principalmente a partir do segundo encontro do personagem de C. Thomas Howell com ela, após um primeiro encontro avassalador, ainda que muito mais voltado para a atração física do que para o amor romântico. É a partir daí que ele notaria que aquilo que ele sentiu falta na loira mais bela da escola ele tinha o tempo todo com a melhor amiga, vivida pela bela Lori Loughlin.
Lori interpreta Toni, a autora da bela carta anônima endereçada a Michael (Howell), que por sua vez está a fim de Deborah (Preston), que não tem olhos para ele, mas que fica encantado com a carta que vai parar em suas mãos. Uma carta que deveria ter sido escrita como uma resposta por Michael, mas, a amiga Toni foi tão legal com ele que, até escrever ela mesma uma carta muito melhor para a rival, ela fez.
A história tem um quê de Cyrano de Bergerac, com a diferença principal de que Toni não tem nada de feia. Apenas não é notada pelo amigo, talvez por se vestir de uma maneira mais despojada. O jogo de vai e vem com as cartas passando pelas mãos de pessoas erradas é que o torna quase singular. Os aspectos cômicos funcionam bem, embora lá pelo final haja um pesar na mão. Acredito que o filme passa a cair um pouco em meu conceito a partir do segundo encontro de Michael com Deborah.
A conclusão também pode incomodar um pouco quem já está acostumado com aqueles finais românticos em que as pessoas que se descobrem apaixonadas correm para encontrar a outra, que se encontra geralmente em um aeroporto. Aqui, em um barco. Foi bom poder rever o filme, ver que envelheceu bem e que continua melhor do que a grande maioria das comédias produzidas atualmente. Talvez seja efeito do espírito da época, de uma década que valorizou mais a juventude. Ou talvez seja só saudosismo ou uma atração tardia pelos anos 1980. Mas será que isso importa?
+ TRÊS FILMES
CINE HOLLIÚDY 2 - A CHIBATA SIDERAL
Melhor do que O SHAOLIN DO SERTÃO (2016), esta sequência de CINE HOLLIÚDY (2012) tem o mérito de ser ainda mais exótico (até para olhos cearenses) do que o primeiro filme, já que brinca com a feiura e com o grotesco sem medo de ser feliz. O humor às vezes funciona, outras vezes não, mas no geral é um filme simpático. A ideia das legendas mais uma vez é um acerto. Não pelo problema de dicção das crianças, mas para traduzir o cearês mesmo. Direção: Halder Gomes. Ano: 2018.
A ÚLTIMA RESSACA DO ANO (Office Christmas Party)
Impressionante como os americanos gostam de arriscar. Este filme deve ter custado um bocado de dinheiro, ao trazer gente do primeiro escalão da comédia e ainda gastar com muita destruição etc. Mas o melhor faz falta: um bom timing cômico. Deviam estar apostando no carisma dos atores, pois história não tem. Pelo menos rende alguns bons momentos. Direção: Josh Gordon e Will Speck. Ano: 2016.
A INCRÍVEL JORNADA DE JACQUELINE (La Vache)
O que parecia só um filminho feel good, acaba emocionando no final, com sua simplicidade e sua simpatia. Tenho cada vez mais admirado a sensibilidade dos franceses com relação às comédias, mesmo as mais comerciais como esta. Direção: Mohamed Hamidi. Ano: 2016.
Infelizmente, na última segunda-feira ficamos sabendo da morte da atriz, uma das mais belas a ter passado por Hollywood, embora não tenha construído uma carreira tão bem-sucedida. Sua partida se deu depois de dois anos lutando contra um câncer de mama, o que não deixa de ser uma terrível ironia. Daí, em sua homenagem, quis rever outro filme do mesmo ano que ela fez, ADMIRADORA SECRETA (1985), dirigido por David Greenwalt, que mais tarde se "especializaria" na direção de episódios para séries de TV. O filme acabou sendo o título de destaque em sua filmografia, embora seja bem inferior ao A PRIMEIRA TRANSA DE JONATHAN em praticamente todos os aspectos.
Ainda assim, é bastante divertido, abrindo espaço também para a subtrama dos personagens adultos, que, ao encontrar a tal carta da admiradora secreta se veem em situações de confusão e puladas de cerca em seus casamentos. Acaba sendo um atrativo do filme para espectadores mais maduros também, justamente por isso. E é o segundo filme que explora a nudez dos seios de Kelly, assim como a escalam para mais uma personagem um tanto superficial.
Porém, eu diria que exageram bastante desta vez, principalmente a partir do segundo encontro do personagem de C. Thomas Howell com ela, após um primeiro encontro avassalador, ainda que muito mais voltado para a atração física do que para o amor romântico. É a partir daí que ele notaria que aquilo que ele sentiu falta na loira mais bela da escola ele tinha o tempo todo com a melhor amiga, vivida pela bela Lori Loughlin.
Lori interpreta Toni, a autora da bela carta anônima endereçada a Michael (Howell), que por sua vez está a fim de Deborah (Preston), que não tem olhos para ele, mas que fica encantado com a carta que vai parar em suas mãos. Uma carta que deveria ter sido escrita como uma resposta por Michael, mas, a amiga Toni foi tão legal com ele que, até escrever ela mesma uma carta muito melhor para a rival, ela fez.
A história tem um quê de Cyrano de Bergerac, com a diferença principal de que Toni não tem nada de feia. Apenas não é notada pelo amigo, talvez por se vestir de uma maneira mais despojada. O jogo de vai e vem com as cartas passando pelas mãos de pessoas erradas é que o torna quase singular. Os aspectos cômicos funcionam bem, embora lá pelo final haja um pesar na mão. Acredito que o filme passa a cair um pouco em meu conceito a partir do segundo encontro de Michael com Deborah.
A conclusão também pode incomodar um pouco quem já está acostumado com aqueles finais românticos em que as pessoas que se descobrem apaixonadas correm para encontrar a outra, que se encontra geralmente em um aeroporto. Aqui, em um barco. Foi bom poder rever o filme, ver que envelheceu bem e que continua melhor do que a grande maioria das comédias produzidas atualmente. Talvez seja efeito do espírito da época, de uma década que valorizou mais a juventude. Ou talvez seja só saudosismo ou uma atração tardia pelos anos 1980. Mas será que isso importa?
+ TRÊS FILMES
CINE HOLLIÚDY 2 - A CHIBATA SIDERAL
Melhor do que O SHAOLIN DO SERTÃO (2016), esta sequência de CINE HOLLIÚDY (2012) tem o mérito de ser ainda mais exótico (até para olhos cearenses) do que o primeiro filme, já que brinca com a feiura e com o grotesco sem medo de ser feliz. O humor às vezes funciona, outras vezes não, mas no geral é um filme simpático. A ideia das legendas mais uma vez é um acerto. Não pelo problema de dicção das crianças, mas para traduzir o cearês mesmo. Direção: Halder Gomes. Ano: 2018.
A ÚLTIMA RESSACA DO ANO (Office Christmas Party)
Impressionante como os americanos gostam de arriscar. Este filme deve ter custado um bocado de dinheiro, ao trazer gente do primeiro escalão da comédia e ainda gastar com muita destruição etc. Mas o melhor faz falta: um bom timing cômico. Deviam estar apostando no carisma dos atores, pois história não tem. Pelo menos rende alguns bons momentos. Direção: Josh Gordon e Will Speck. Ano: 2016.
A INCRÍVEL JORNADA DE JACQUELINE (La Vache)
O que parecia só um filminho feel good, acaba emocionando no final, com sua simplicidade e sua simpatia. Tenho cada vez mais admirado a sensibilidade dos franceses com relação às comédias, mesmo as mais comerciais como esta. Direção: Mohamed Hamidi. Ano: 2016.
quinta-feira, julho 16, 2020
O HOMEM QUE QUIS MATAR HITLER (Man Hunt)
Depois do sucesso popular e de crítica dos dois trabalhos anteriores com a Fox, Fritz Lang foi chamado para dirigir O HOMEM QUE QUIS MATAR HITLER (1941). O diretor alemão não foi, porém, a primeira opção da produtora. John Ford foi chamado antes, mas não gostou do tema. Melhor assim. Lang, por ser alemão, e por ter fugido do regime nazista, tinha muito mais intimidade com o tema e seu sentimento anti-nazista era notório.
Na época que o filme foi lançado nos cinemas, a Segunda Guerra Mundial já estava a todo vapor, mas os Estados Unidos ainda não haviam entrado. Isso ocorreria apenas em dezembro de 1941, após o ataque à base naval de Pearl Harbor. O filme estreou em junho no país. E conta uma história que se passa momentos antes da guerra iniciar, ainda em 1939.
Baseado no romance Rogue Male, de Geoffrey Household, o filme já se inicia com um homem, um oficial britânico de nome Alan Thorndike (Walter Pidgeon), mirando seu rifle para Adolf Hitler, que já era então um dos homens mais perigosos e odiados do mundo. Ele primeiro experimenta atirar sem munição. Acha divertido. Então, quando coloca munição na arma, é imediatamente impedido por um oficial nazista, que o prende e o leva até seus líderes.
Há uma conversa bastante tensa e ao mesmo tempo divertida entre o inglês e um oficial alemão, que quer que ele assine uma declaração de que estava ali a serviço do Reino Unido. O oficial inglês se recusa a assinar, é torturado e levado para sofrer um acidente e morrer. Mas sobrevive e se torna caça dos homens novamente, num jogo de gato e rato eletrizante e que torna o ato de ver o filme uma experiência deliciosa.
Ponto para Lang, para seu roteirista e também para seu montador, principalmente. Sem falar na direção de fotografia, de Arthur Miller, que no mesmo ano foi o fotógrafo de dois clássicos de John Ford, CAMINHO ÁSPERO e COMO ERA VERDE O MEU VALE. As imagens são um ponto alto do filme, sendo que boa parte da ação se passa à noite. Até mesmo as brumas de Londres são bem aproveitadas nas cenas em que o protagonista volta para seu país, acreditando estar finalmente livre dos ataques dos nazistas.
Apesar do conteúdo e temática do filme, é interessante notar, até pelo título original, Man Hunt, que se trata de uma variação na filmografia do cineasta. Mostrar uma pessoa acuada e perseguida já era algo que se via desde, por exemplo, DEPOIS DA TEMPESTADE (1920), lá no começo de sua carreira na Alemanha. Nos Estados Unidos, vimos heróis perseguidos ou em situação semelhante tanto em FÚRIA (1936) e nos filmes seguintes de temática social, quanto em seus westerns.
Como em tantos outros heróis languianos, Thorndike aprenderá, nesse processo, muito sobre si e também sobre a sociedade que o cerca. Em seu caso, em particular, ele percebe que se vê em uma rede de intrigas em que não pode nem mesmo confiar nas autoridades de seu próprio país, transformando-se em alguém perseguido pela lei, chegando ao ponto de se refugiar em uma caverna.
Quanto à questão do relacionamento afetivo do filme, é tratado por Lang com bem pouca sentimentalidade. Jerry, a garota inglesa que ajuda Thorndike a escondê-lo de se seus inimigos, vivida por Joan Bennett, se sente imediatamente atraída por aquele cavalheiro que está precisando de algum dinheiro para ir à casa de seu irmão, um membro da aristocracia britânica. Ela, como uma moça pobre, acha curioso aquele universo novo, especialmente quando vai com ele até a casa desse irmão. Depois disso, ela não quer mais largar de Thorndike, fica contrariada quando ele diz que vai dormir no sofá e não na cama com ela. Enfim, é uma personagem que equilibra algo de muito frágil e doce e também de muito forte e heroica. Há a famosa cena da ponte, em que vemos o abismo social dos dois, com o guarda a confundindo com uma prostituta. Uma cena bastante dolorosa e uma das mais memoráveis de um filme cheio de cenas memoráveis.
O HOMEM QUE QUIS MATAR HITLER foi o primeiro dos quatro filmes anti-nazistas que Lang realizou em Hollywood. Os próximos seriam OS CARRASCOS TAMBÉM MORREM (1943), QUANDO DESCERAM AS TREVAS (1944) e O GRANDE SEGREDO (1946). Em breve comentarei sobre cada um deles neste espaço.
+ TRÊS FILMES
NORMAN - CONFIE EM MIM (Norman - The Moderate Rise and Tragic Fall of a New York Fixer)
Um estranho no ninho nos cinemas de shopping no ano de 2017, este filme sobre um homem de negócios pegou muita gente de surpresa. Sem falar que é confuso pra caramba. Ainda assim, é muito interessante e tem talvez o melhor papel da carreira de Richard Gere. Direção: Joseph Cedar. Ano: 2016.
MUNDOS OPOSTOS (Enas Allos Kosmos / Worlds Apart)
Das três histórias do filme, gosto muito da segunda. A primeira é ok e a terceira, que é a que tem o J.K. Simmons e amarra as outras, acaba pondo tudo a perder. Mas fiquei com boas lembranças da história do romance entre o grego e a sueca. O filme tem sua importância para mostrar a situação crítica do povo grego pós-crise. Direção: Christoforos Papakaliatis. Ano: 2015.
A LUZ ENTRE OCEANOS (The Light between Oceans)
Talvez o menos inspirado dos filmes de Derek Cianfrance, ainda assim trata-se de uma obra que mexe pra caramba com a gente, principalmente no início, quando mostra o começo da relação dos protagonistas, e mais perto do final, quando mete o pé na jaca de vez no melodrama. No meio de tudo isso, alguma coisa se perde. Mas é um filme irresistivelmente bonito, mesmo assim. Alicia Vikander está mais uma vez apaixonante. Ano: 2016.
Na época que o filme foi lançado nos cinemas, a Segunda Guerra Mundial já estava a todo vapor, mas os Estados Unidos ainda não haviam entrado. Isso ocorreria apenas em dezembro de 1941, após o ataque à base naval de Pearl Harbor. O filme estreou em junho no país. E conta uma história que se passa momentos antes da guerra iniciar, ainda em 1939.
Baseado no romance Rogue Male, de Geoffrey Household, o filme já se inicia com um homem, um oficial britânico de nome Alan Thorndike (Walter Pidgeon), mirando seu rifle para Adolf Hitler, que já era então um dos homens mais perigosos e odiados do mundo. Ele primeiro experimenta atirar sem munição. Acha divertido. Então, quando coloca munição na arma, é imediatamente impedido por um oficial nazista, que o prende e o leva até seus líderes.
Há uma conversa bastante tensa e ao mesmo tempo divertida entre o inglês e um oficial alemão, que quer que ele assine uma declaração de que estava ali a serviço do Reino Unido. O oficial inglês se recusa a assinar, é torturado e levado para sofrer um acidente e morrer. Mas sobrevive e se torna caça dos homens novamente, num jogo de gato e rato eletrizante e que torna o ato de ver o filme uma experiência deliciosa.
Ponto para Lang, para seu roteirista e também para seu montador, principalmente. Sem falar na direção de fotografia, de Arthur Miller, que no mesmo ano foi o fotógrafo de dois clássicos de John Ford, CAMINHO ÁSPERO e COMO ERA VERDE O MEU VALE. As imagens são um ponto alto do filme, sendo que boa parte da ação se passa à noite. Até mesmo as brumas de Londres são bem aproveitadas nas cenas em que o protagonista volta para seu país, acreditando estar finalmente livre dos ataques dos nazistas.
Apesar do conteúdo e temática do filme, é interessante notar, até pelo título original, Man Hunt, que se trata de uma variação na filmografia do cineasta. Mostrar uma pessoa acuada e perseguida já era algo que se via desde, por exemplo, DEPOIS DA TEMPESTADE (1920), lá no começo de sua carreira na Alemanha. Nos Estados Unidos, vimos heróis perseguidos ou em situação semelhante tanto em FÚRIA (1936) e nos filmes seguintes de temática social, quanto em seus westerns.
Como em tantos outros heróis languianos, Thorndike aprenderá, nesse processo, muito sobre si e também sobre a sociedade que o cerca. Em seu caso, em particular, ele percebe que se vê em uma rede de intrigas em que não pode nem mesmo confiar nas autoridades de seu próprio país, transformando-se em alguém perseguido pela lei, chegando ao ponto de se refugiar em uma caverna.
Quanto à questão do relacionamento afetivo do filme, é tratado por Lang com bem pouca sentimentalidade. Jerry, a garota inglesa que ajuda Thorndike a escondê-lo de se seus inimigos, vivida por Joan Bennett, se sente imediatamente atraída por aquele cavalheiro que está precisando de algum dinheiro para ir à casa de seu irmão, um membro da aristocracia britânica. Ela, como uma moça pobre, acha curioso aquele universo novo, especialmente quando vai com ele até a casa desse irmão. Depois disso, ela não quer mais largar de Thorndike, fica contrariada quando ele diz que vai dormir no sofá e não na cama com ela. Enfim, é uma personagem que equilibra algo de muito frágil e doce e também de muito forte e heroica. Há a famosa cena da ponte, em que vemos o abismo social dos dois, com o guarda a confundindo com uma prostituta. Uma cena bastante dolorosa e uma das mais memoráveis de um filme cheio de cenas memoráveis.
O HOMEM QUE QUIS MATAR HITLER foi o primeiro dos quatro filmes anti-nazistas que Lang realizou em Hollywood. Os próximos seriam OS CARRASCOS TAMBÉM MORREM (1943), QUANDO DESCERAM AS TREVAS (1944) e O GRANDE SEGREDO (1946). Em breve comentarei sobre cada um deles neste espaço.
+ TRÊS FILMES
NORMAN - CONFIE EM MIM (Norman - The Moderate Rise and Tragic Fall of a New York Fixer)
Um estranho no ninho nos cinemas de shopping no ano de 2017, este filme sobre um homem de negócios pegou muita gente de surpresa. Sem falar que é confuso pra caramba. Ainda assim, é muito interessante e tem talvez o melhor papel da carreira de Richard Gere. Direção: Joseph Cedar. Ano: 2016.
MUNDOS OPOSTOS (Enas Allos Kosmos / Worlds Apart)
Das três histórias do filme, gosto muito da segunda. A primeira é ok e a terceira, que é a que tem o J.K. Simmons e amarra as outras, acaba pondo tudo a perder. Mas fiquei com boas lembranças da história do romance entre o grego e a sueca. O filme tem sua importância para mostrar a situação crítica do povo grego pós-crise. Direção: Christoforos Papakaliatis. Ano: 2015.
A LUZ ENTRE OCEANOS (The Light between Oceans)
Talvez o menos inspirado dos filmes de Derek Cianfrance, ainda assim trata-se de uma obra que mexe pra caramba com a gente, principalmente no início, quando mostra o começo da relação dos protagonistas, e mais perto do final, quando mete o pé na jaca de vez no melodrama. No meio de tudo isso, alguma coisa se perde. Mas é um filme irresistivelmente bonito, mesmo assim. Alicia Vikander está mais uma vez apaixonante. Ano: 2016.
quarta-feira, julho 15, 2020
THE OLD GUARD
Tem surtido um efeito positivo a maior abertura de produções de Hollywood para diretoras mulheres. No caso de Gina Prince-Bythewood, trata-se de uma mulher negra que contava no currículo com alguns poucos dramas e comédias românticas com uma repercussão relativamente pequena: ALÉM DOS LIMITES (2000), A VIDA SECRETA DAS ABELHAS (2008) e NOS BASTIDORES DA FAMA (2014). Todos são filmes que lidam com questões étnicas e que põem a diretora na crescente lista das cineastas ativistas.
No caso de THE OLD GUARD (2020), há o ativismo negro e do poder da mulher, mas há também um interesse muito forte em abraçar a luta contra a homofobia. Dos personagens imortais da trama, há histórias de personagens homossexuais vistos de maneira muito bonita e respeitosa, como é o caso do casal Joe e Nicky, vividos, respectivamente, por Marwan Kenzari e Luca Marinelli, o excelente ator de MARTIN EDEN.
Quanto ao fato de termos uma mulher dirigindo um filme de ação de super-heróis, Prince-Bythewood se junta a Patty Jenkins (MULHER-MARAVILHA), Cathy Yan (AVES DE RAPINA - ARLEQUINA E SUA EMANCIPAÇÃO FANTABULOSA) e Cate Shortland (VIÚVA-NEGRA, ainda inédito). Ou seja, há uma movimentação muito interessante acontecendo para que mulheres possam dar voz a protagonistas femininas com suas sensibilidades próprias, afastando aos poucos a sombra do machismo dominante na indústria.
E se THE OLD GUARD ainda não é um grande exemplo de filme de ação, é interessante aceitar a obra como ela é, e não como ela poderia ter sido. As principais reclamações sobre o filme são com relação à falta de um maior cuidado com as coreografias nas cenas de luta; ou à falta de uma continuidade na adrenalina nas cenas de ação, já que o drama se instala imediatamente após essas cenas. Mas eu diria que está justamente aí a beleza do filme: em conseguir trazer dramaticidade e seriedade para aquilo que parecia até um tanto ridículo no início: aquele grupo de mercenários imortais cheios de pose prontos para uma missão em um país distante.
Aos poucos essa pose se desconstrói e vemos também personagens frágeis. Tendo tantos anos de existência na Terra, há também muitas experiências trágicas acumuladas, em especial nas memórias da protagonista, Andy, vivida com sensibilidade e carisma por Charlize Theron. Andy tem especialmente duas lembranças muito dolorosas de parceiros imortais do passado, que serão contadas à nova imortal, a jovem soldado negra Nile, vivida por Kiki Lane.
É pelos olhos dessa jovem imortal que vamos descobrindo um pouco mais sobre as vidas secretas desse pequeno exército de imortais, que têm suas próprios sensos de honra e de justiça. E quanto à fragilidade deles, há um momento em especial que torna Andy tão frágil quanto incrivelmente forte, lá pelo terceiro ato, quando eles enfrentam a indústria farmacêutica que deseja lucrar com seus corpos. Aliás, o vilão caricato (Harry Melling) é um dos pontos fracos do filme, é verdade, mas não chega a comprometer tanto assim, se pesarmos os prós e os contras na balança.
Poderia haver um cuidado maior com as imagens, um certo rigor formal cairia bem, até como forma de compensar a falta de coreógrafos de luta e diretores de cenas de ação mais íntimos no assunto. Acaba ficando um filme de cenas um tanto genéricas. Porém, como disse, há algo na dramaticidade que faz com que THE OLD GUARD se torne digno de nossa atenção e carinho.
Derivado de uma HQ do ótimo Greg Rucka, que também é o roteirista desta adaptação cinematográfica, o filme até tem grandes chances de ter uma continuação. E será ótima se tiver, tanto como uma maneira de revisitarmos os personagens, quanto como uma forma de a diretora, ou quem pegar o projeto, ter a chance de torná-lo ainda melhor, aproveitando-se das tantas potencialidades. Afinal, o tema da imortalidade ainda é visto por muitos como algo extremamente fascinante.
+ TRÊS FILMES
ATÔMICA (Atomic Blonde)
Acho que minhas expectativas para o filme eram maiores e também era de um filme menos de espionagem, até pela roupagem tão apelativa para o pop. Então, essa cara pop, se é muito agradável e é uma das melhores coisas do filme, acaba prejudicando o interesse pela trama, que é mais complicada do que eu imaginava. Mas sei lá se isso importa. O que importa são algumas cenas pontuais muito boas, especialmente de ação, que lembram JOHN WICK, pela liberdade e leveza. Direção: David Leitch. Ano: 2017.
O REI LEÃO (The Lion King)
O único motivo de existir um filme como este acaba sendo puramente faturar. Claro que o próprio Jon Favreau podia estar acreditando que faria algo tão bom quanto MOGLI - O MENINO LOBO (2016), mas alguma coisa saiu muito errado no meio do caminho. O próprio desenho original já carecia de boas canções. Daí o uso delas aqui só serve para deixar o produto final extremamente cafona. Mas não cafona-legal, como em ALADDIN, que emulou Bollywood, mas cafona-ruim mesmo. E a trama, mesmo que não fosse conhecida, não empolga, nem emociona. Enfim, corre o risco de ser o pior equívoco dessas refilmagens da Disney. Ano: 2019.
O HOMEM QUE VIU O INFINITO (The Man Who Knew Infinity)
Muito complicado fazer filme sobre matemáticos, mesmo utilizando um registro de drama tradicional como o deste trabalho, que até consegue se erguer lá perto do final, mas é muito pouco para o que gostaria de ser e de emocionar a audiência. Direção: Matthew Brown. Ano: 2015.
No caso de THE OLD GUARD (2020), há o ativismo negro e do poder da mulher, mas há também um interesse muito forte em abraçar a luta contra a homofobia. Dos personagens imortais da trama, há histórias de personagens homossexuais vistos de maneira muito bonita e respeitosa, como é o caso do casal Joe e Nicky, vividos, respectivamente, por Marwan Kenzari e Luca Marinelli, o excelente ator de MARTIN EDEN.
Quanto ao fato de termos uma mulher dirigindo um filme de ação de super-heróis, Prince-Bythewood se junta a Patty Jenkins (MULHER-MARAVILHA), Cathy Yan (AVES DE RAPINA - ARLEQUINA E SUA EMANCIPAÇÃO FANTABULOSA) e Cate Shortland (VIÚVA-NEGRA, ainda inédito). Ou seja, há uma movimentação muito interessante acontecendo para que mulheres possam dar voz a protagonistas femininas com suas sensibilidades próprias, afastando aos poucos a sombra do machismo dominante na indústria.
E se THE OLD GUARD ainda não é um grande exemplo de filme de ação, é interessante aceitar a obra como ela é, e não como ela poderia ter sido. As principais reclamações sobre o filme são com relação à falta de um maior cuidado com as coreografias nas cenas de luta; ou à falta de uma continuidade na adrenalina nas cenas de ação, já que o drama se instala imediatamente após essas cenas. Mas eu diria que está justamente aí a beleza do filme: em conseguir trazer dramaticidade e seriedade para aquilo que parecia até um tanto ridículo no início: aquele grupo de mercenários imortais cheios de pose prontos para uma missão em um país distante.
Aos poucos essa pose se desconstrói e vemos também personagens frágeis. Tendo tantos anos de existência na Terra, há também muitas experiências trágicas acumuladas, em especial nas memórias da protagonista, Andy, vivida com sensibilidade e carisma por Charlize Theron. Andy tem especialmente duas lembranças muito dolorosas de parceiros imortais do passado, que serão contadas à nova imortal, a jovem soldado negra Nile, vivida por Kiki Lane.
É pelos olhos dessa jovem imortal que vamos descobrindo um pouco mais sobre as vidas secretas desse pequeno exército de imortais, que têm suas próprios sensos de honra e de justiça. E quanto à fragilidade deles, há um momento em especial que torna Andy tão frágil quanto incrivelmente forte, lá pelo terceiro ato, quando eles enfrentam a indústria farmacêutica que deseja lucrar com seus corpos. Aliás, o vilão caricato (Harry Melling) é um dos pontos fracos do filme, é verdade, mas não chega a comprometer tanto assim, se pesarmos os prós e os contras na balança.
Poderia haver um cuidado maior com as imagens, um certo rigor formal cairia bem, até como forma de compensar a falta de coreógrafos de luta e diretores de cenas de ação mais íntimos no assunto. Acaba ficando um filme de cenas um tanto genéricas. Porém, como disse, há algo na dramaticidade que faz com que THE OLD GUARD se torne digno de nossa atenção e carinho.
Derivado de uma HQ do ótimo Greg Rucka, que também é o roteirista desta adaptação cinematográfica, o filme até tem grandes chances de ter uma continuação. E será ótima se tiver, tanto como uma maneira de revisitarmos os personagens, quanto como uma forma de a diretora, ou quem pegar o projeto, ter a chance de torná-lo ainda melhor, aproveitando-se das tantas potencialidades. Afinal, o tema da imortalidade ainda é visto por muitos como algo extremamente fascinante.
+ TRÊS FILMES
ATÔMICA (Atomic Blonde)
Acho que minhas expectativas para o filme eram maiores e também era de um filme menos de espionagem, até pela roupagem tão apelativa para o pop. Então, essa cara pop, se é muito agradável e é uma das melhores coisas do filme, acaba prejudicando o interesse pela trama, que é mais complicada do que eu imaginava. Mas sei lá se isso importa. O que importa são algumas cenas pontuais muito boas, especialmente de ação, que lembram JOHN WICK, pela liberdade e leveza. Direção: David Leitch. Ano: 2017.
O REI LEÃO (The Lion King)
O único motivo de existir um filme como este acaba sendo puramente faturar. Claro que o próprio Jon Favreau podia estar acreditando que faria algo tão bom quanto MOGLI - O MENINO LOBO (2016), mas alguma coisa saiu muito errado no meio do caminho. O próprio desenho original já carecia de boas canções. Daí o uso delas aqui só serve para deixar o produto final extremamente cafona. Mas não cafona-legal, como em ALADDIN, que emulou Bollywood, mas cafona-ruim mesmo. E a trama, mesmo que não fosse conhecida, não empolga, nem emociona. Enfim, corre o risco de ser o pior equívoco dessas refilmagens da Disney. Ano: 2019.
O HOMEM QUE VIU O INFINITO (The Man Who Knew Infinity)
Muito complicado fazer filme sobre matemáticos, mesmo utilizando um registro de drama tradicional como o deste trabalho, que até consegue se erguer lá perto do final, mas é muito pouco para o que gostaria de ser e de emocionar a audiência. Direção: Matthew Brown. Ano: 2015.
segunda-feira, julho 13, 2020
OS CONQUISTADORES (Western Union)
Não sei se o meu amor por OS CONQUISTADORES (1941) se deve exclusivamente à direção muito acertada de Fritz Lang ou se por um sentimento afetuoso por Randolph Scott. O astro de tantos westerns é tão querido que a Versátil lançou um volume de Cinema Faroeste (o de número 9) só com filmes estrelados por ele (inclusive este do Lang). Mas não há como não perceber o quanto o nosso querido cineasta alemão estava fazendo o gênero americano por excelência com muito tesão. Isso transparece em cada frame e por isso o filme é tão gostoso de ver.
Depois do sucesso de A VOLTA DE FRANK JAMES (1940), o diretor foi convidado pela Fox para dirigir um outro western. E deu ainda mais certo, pois é um trabalho ainda melhor e muito mais independente. Afinal, não era continuação de outro filme. E feito com toda a estrutura que uma grande companhia de Hollywood podia oferecer, e com a beleza daquela technicolor da época. Ainda assim, a primeira imagem do filme, de Randolph Scott no sol, em fuga, é uma imagem que lida com a sombra, mais do que com a luz. Trata-se de um personagem que, logo veremos, está fugindo de seu passado sombrio.
Mas OS CONQUISTADORES também pertence à grande leva de filmes americanos do gênero que ajudaram a contar muito da construção da civilização americana no século XIX. No caso, o foco aqui é o esforço para conseguir levar o telégrafo para as áreas mais a oeste dos Estados Unidos. A Western Union do título original é uma empresa multinacional que começou seu trabalho lá naquela época. E no filme podemos ver de forma mais prática um bocado desse esforço, no tempo em que Abraham Lincoln era presidente.
Mesmo sendo um filme do início dos anos 1940, já havia um cuidado da parte de Lang e de seu roteirista de não tratar os índios como um povo selvagem que deveria ser aniquilado em prol da tranquilidade dos brancos. O personagem de Scott fala a língua dos nativos e não tem o menor interesse em começar uma guerra com eles. Além do mais, os verdadeiros inimigos são brancos que se fazem passar por índios e que ainda manipulam os índios com álcool para roubar e matar.
Lang fez um trabalho que foi muito elogiado pelas pessoas que viveram e lembravam daquele momento do Velho Oeste em suas vidas e houve alguém que enviou uma carta a Lang enaltecendo o fato de este ser o filme que melhor apresentou com realismo e detalhes aquele período. Isso se deveu a estudos por parte de Lang, assim como ele tinha feito quando estudou os tribunais para fazer FÚRIA (1936). E há realismo também em detalhes da trama, como no momento em que o personagem de Scott esfrega suas mãos queimadas para saber se ainda possui força o suficiente para usar uma arma e combater seu inimigo.
Mas é interessante eu ter falado dos personagens e só ter citado Vance Shaw, o personagem de Randolph Scott, que é o segundo nome a aparecer nos créditos, embora ofusque a todos do elenco. O primeiro nome dos créditos é o de Robert Young, que interpreta Richard Blake, um sujeito da cidade grande que chega em Omaha, Nebraska, para trabalhar no serviço de telégrafos de Edward Creighton (Dean Jagger), o homem que foi salvo por Shaw logo no início do filme. Shaw passa a trabalhar, a convite de Creighton, para a Western Union, como uma pessoa de confiança para assuntos de segurança. Tanto Shaw quanto Blake têm interesse na bela irmã de Creighton, Sue (Virginia Gilmore), o que traz elementos tanto cômicos quanto românticos para a história. E falando em elementos cômicos, como esquecer o personagem do cozinheiro?
Não posso encerrar o texto sem falar em um dos momentos que mais me impressionaram, entre tantos, que é o instante em que os três homens saem para buscar um acordo de paz com os índios e se deparam com duas centenas deles, todos pintados para a guerra. A imagem é de um impacto incrível, ainda que o recurso seja aparentemente simples para trazer a surpresa e um punhado de terror. É sensacional. Pena que Lang só faria mais um western em sua carreira, O DIABO FEITO MULHER (1952). Até lá, há ainda muita coisa boa feita pelo diretor para ver.
+ TRÊS FILMES
CAVALGADA DOS PROSCRITOS (The Long Riders)
Fui com algum entusiasmo para ver este filme, acreditando que seria tão interessado na história de Jesse James quanto os filmes de Henry King e Nicholas Ray. Mas aqui é outra proposta, trazendo mais luz aos atos do bando, que eram basicamente assaltar bancos e trens. Há pouco espaço para situações mais dramáticas, mesmo com o realismo da violência dos tiroteios. O filme explora mais o personagem de David Carradine, que faz um dos irmãos Younger. Mais até que os irmãos James (vividos por James e Stacy Keach). Inclusive o ator que faz o Jesse James é bem fraco e sem carisma. Confesso que deu saudade da velha Hollywood, cujos filmes tinham menos interesse nas cenas de tiroteio e ação e mais nos dramas e nas relações entre os personagens. Direção: Walter Hill. Ano: 1980.
REDEMOINHO
Interessante um cineasta surgido de vários trabalhos para a televisão brasileira. Há um cuidado com a imagem que agrada bastante, mas é um filme em que a história exerce uma importância grande e que acaba sendo um pouco prejudicada pelo roteiro. O que compensa são os ótimos intérpretes (Júlio Andrade, Irandhir Santos, Dira Paes, Cássia Kis). Direção: José Luiz Villamarim. Ano: 2016.
12 HORAS PARA SOBREVIVER - O ANO DA ELEIÇÃO (Purge - Election Year)
O primeiro THE PURGE (2013) era legal, o segundo (2014), apenas ok; este terceiro nem deveria ter sido feito. Chega a ser aborrecido de ver. Vai ver eu nunca fui mesmo fã da franquia. Eu paro por aqui. Espero que eles parem também. Direção: James DeMonaco. Ano: 2016.
Depois do sucesso de A VOLTA DE FRANK JAMES (1940), o diretor foi convidado pela Fox para dirigir um outro western. E deu ainda mais certo, pois é um trabalho ainda melhor e muito mais independente. Afinal, não era continuação de outro filme. E feito com toda a estrutura que uma grande companhia de Hollywood podia oferecer, e com a beleza daquela technicolor da época. Ainda assim, a primeira imagem do filme, de Randolph Scott no sol, em fuga, é uma imagem que lida com a sombra, mais do que com a luz. Trata-se de um personagem que, logo veremos, está fugindo de seu passado sombrio.
Mas OS CONQUISTADORES também pertence à grande leva de filmes americanos do gênero que ajudaram a contar muito da construção da civilização americana no século XIX. No caso, o foco aqui é o esforço para conseguir levar o telégrafo para as áreas mais a oeste dos Estados Unidos. A Western Union do título original é uma empresa multinacional que começou seu trabalho lá naquela época. E no filme podemos ver de forma mais prática um bocado desse esforço, no tempo em que Abraham Lincoln era presidente.
Mesmo sendo um filme do início dos anos 1940, já havia um cuidado da parte de Lang e de seu roteirista de não tratar os índios como um povo selvagem que deveria ser aniquilado em prol da tranquilidade dos brancos. O personagem de Scott fala a língua dos nativos e não tem o menor interesse em começar uma guerra com eles. Além do mais, os verdadeiros inimigos são brancos que se fazem passar por índios e que ainda manipulam os índios com álcool para roubar e matar.
Lang fez um trabalho que foi muito elogiado pelas pessoas que viveram e lembravam daquele momento do Velho Oeste em suas vidas e houve alguém que enviou uma carta a Lang enaltecendo o fato de este ser o filme que melhor apresentou com realismo e detalhes aquele período. Isso se deveu a estudos por parte de Lang, assim como ele tinha feito quando estudou os tribunais para fazer FÚRIA (1936). E há realismo também em detalhes da trama, como no momento em que o personagem de Scott esfrega suas mãos queimadas para saber se ainda possui força o suficiente para usar uma arma e combater seu inimigo.
Mas é interessante eu ter falado dos personagens e só ter citado Vance Shaw, o personagem de Randolph Scott, que é o segundo nome a aparecer nos créditos, embora ofusque a todos do elenco. O primeiro nome dos créditos é o de Robert Young, que interpreta Richard Blake, um sujeito da cidade grande que chega em Omaha, Nebraska, para trabalhar no serviço de telégrafos de Edward Creighton (Dean Jagger), o homem que foi salvo por Shaw logo no início do filme. Shaw passa a trabalhar, a convite de Creighton, para a Western Union, como uma pessoa de confiança para assuntos de segurança. Tanto Shaw quanto Blake têm interesse na bela irmã de Creighton, Sue (Virginia Gilmore), o que traz elementos tanto cômicos quanto românticos para a história. E falando em elementos cômicos, como esquecer o personagem do cozinheiro?
Não posso encerrar o texto sem falar em um dos momentos que mais me impressionaram, entre tantos, que é o instante em que os três homens saem para buscar um acordo de paz com os índios e se deparam com duas centenas deles, todos pintados para a guerra. A imagem é de um impacto incrível, ainda que o recurso seja aparentemente simples para trazer a surpresa e um punhado de terror. É sensacional. Pena que Lang só faria mais um western em sua carreira, O DIABO FEITO MULHER (1952). Até lá, há ainda muita coisa boa feita pelo diretor para ver.
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CAVALGADA DOS PROSCRITOS (The Long Riders)
Fui com algum entusiasmo para ver este filme, acreditando que seria tão interessado na história de Jesse James quanto os filmes de Henry King e Nicholas Ray. Mas aqui é outra proposta, trazendo mais luz aos atos do bando, que eram basicamente assaltar bancos e trens. Há pouco espaço para situações mais dramáticas, mesmo com o realismo da violência dos tiroteios. O filme explora mais o personagem de David Carradine, que faz um dos irmãos Younger. Mais até que os irmãos James (vividos por James e Stacy Keach). Inclusive o ator que faz o Jesse James é bem fraco e sem carisma. Confesso que deu saudade da velha Hollywood, cujos filmes tinham menos interesse nas cenas de tiroteio e ação e mais nos dramas e nas relações entre os personagens. Direção: Walter Hill. Ano: 1980.
REDEMOINHO
Interessante um cineasta surgido de vários trabalhos para a televisão brasileira. Há um cuidado com a imagem que agrada bastante, mas é um filme em que a história exerce uma importância grande e que acaba sendo um pouco prejudicada pelo roteiro. O que compensa são os ótimos intérpretes (Júlio Andrade, Irandhir Santos, Dira Paes, Cássia Kis). Direção: José Luiz Villamarim. Ano: 2016.
12 HORAS PARA SOBREVIVER - O ANO DA ELEIÇÃO (Purge - Election Year)
O primeiro THE PURGE (2013) era legal, o segundo (2014), apenas ok; este terceiro nem deveria ter sido feito. Chega a ser aborrecido de ver. Vai ver eu nunca fui mesmo fã da franquia. Eu paro por aqui. Espero que eles parem também. Direção: James DeMonaco. Ano: 2016.
domingo, julho 12, 2020
MURDER À LA MOD
Tempos atrás comprei um livrinho de entrevistas muito interessante chamado My First Movie, editado por Stephen Lowenstein, contendo entrevistados com vários cineastas falando sobre seus primeiros longas-metragens. Infelizmente não dei seguimento à leitura, embora tenha resultado em uma linda revisão de GOSTO DE SANGUE, dos irmãos Coen. Que, aliás, ainda é o melhor filme da dupla. Mas sabemos o quanto esse tipo de estreia que chega chutando portas é raro. Vários cineastas gigantes teriam ainda que lapidar o seu estilo, fazendo ainda filmes menores e que só mais adiante seriam vistos como obras fundamentais para entender o processo de maturação do seu corpo de trabalho.
É o caso de MURDER À LA MOD (1968), primeiro filme lançado nos cinemas de Brian De Palma. Não foi o primeiro gravado: FESTA DE CASAMENTO (1969), lançado um ano depois, já havia sido rodado em 1963. De qualquer maneira, tratava-se de uma obra que era assinada por De Palma e mais dois diretores. Portanto, MURDER...seria seu primeiro trabalho solo. E que realmente tem muito do que ele faria a partir de IRMÃS DIABÓLICAS (1972), quando o interesse pelo suspense e pelas homenagens a Alfred Hitchcock seriam mais explícitas. Este seu primeiro trabalho solo também carrega influências fortes de Jean-Luc Godard e o estilo também revela um gosto pelo giallo produzido nos anos 1960, com um uso muito bonito do gore.
As primeiras cenas do filme nos deixam um tanto desconfortáveis. Somos apresentados a imagens de gravações de filmes pornográficos em que o diretor pede para jovens estreantes anônimas tirarem suas roupas para a câmera. Elas se sentem desconfortáveis, uma delas pergunta: "isso é para ser sexy?", enquanto a voz diz para ela se apressar, pois o filme já está rodando. Rolos de filmes custavam muito caro na época, diferentemente da realidade do momento de hoje, com o digital imperando e barateando os custos.
O voyeurismo, tema constante na obra do cineasta, já se mostrava presente desde os primeiros minutos. Não é apenas o jovem diretor e suposto assassino que é o voyeur, mas também pessoas que trabalham no estúdio dele. A própria namorada se apresenta muito interessada no filme que ele está rodando. Quase implora para que ele retome a projeção, depois que ele para, em certo momento. O espectador, então, nem se fala.
Nota-se neste filme de De Palma um estilo ao mesmo tempo despojado, sem uma preocupação muito forte com interpretações. Seu elenco não precisava ser tão bom, ainda que eu goste de Andra Akers, mas talvez por sua beleza e doçura. Mas o capricho com as imagens já era algo muito presente. Tanto pela beleza plástica das imagens em preto e branco e da elegância que aquela década trazia, mas por um interesse em construir uma trama intrincada e muito atraente, que me fez lembrar de O GRANDE GOLPE, de Stanley Kubrick, mas que também pode trazer à tona um dos trabalhos mais recentes de De Palma, OLHOS DE SERPENTE (1998). Isso se deve à brincadeira com o uso do tempo (narrativa não-linear) e do ponto de vista, e que ajuda a tornar o filme sempre fresco, à medida que cada ato vai chegando ao fim e dando início a outro. Mais ou menos o que faria também Quentin Tarantino em seus primeiros filmes.
+ TRÊS FILMES
POSSESSOR
Na falta de David Cronenberg, que não lança um novo filme há vários anos, podemos agora ter contato com o trabalho de seu filho, que, neste título, pelo menos, carrega o DNA do pai. Há bastante semelhança com EXISTENZ e um pouco com VIDEODROME também. Começo a gostar mais do filme quando a missão da personagem de Andrea Riseborough chega ao corpo do personagem de Christopher Abbott. Talvez o final seja problemático, talvez eu apenas tenha achado confuso, mas é um cinema que também abraça justamente essa confusão, o estado alterado do ser. A cena que reproduz o cartaz do filme é o que melhor representa isso. Diretor: Brandon Cronenberg. Ano: 2020.
MÃE SOLTEIRA (Not Wanted)
O primeiro filme com a direção de Ida Lupino aconteceu por acidente, devido à morte do veterano Elmer Clifton. Mas Lupino já estava bastante envolvida, já que era roteirista e produtora. O filme é um pouco quadrado, mas há momentos brilhantes. Além do mais, a questão da mulher solteira nos Estados Unidos talvez fosse um assunto bem novo. Se bem que havia sido tocado de relance em O GAROTO, do Chaplin. Ano: 1949.
A GAROTA NO TREM (The Girl on the Train)
O filme começa intrigante, mas depois o diretor não consegue dar conta da história e tudo fica frouxo e pouco interessante. Até a interpretação da Emily Blunt está ruim. Aliás, ela acaba sendo a pior coisa do filme. Que já nem é lá essas coisas. Mais parece um daqueles telefilmes que passavam no Supercine. Direção: Tate Taylor. Ano: 2016.
É o caso de MURDER À LA MOD (1968), primeiro filme lançado nos cinemas de Brian De Palma. Não foi o primeiro gravado: FESTA DE CASAMENTO (1969), lançado um ano depois, já havia sido rodado em 1963. De qualquer maneira, tratava-se de uma obra que era assinada por De Palma e mais dois diretores. Portanto, MURDER...seria seu primeiro trabalho solo. E que realmente tem muito do que ele faria a partir de IRMÃS DIABÓLICAS (1972), quando o interesse pelo suspense e pelas homenagens a Alfred Hitchcock seriam mais explícitas. Este seu primeiro trabalho solo também carrega influências fortes de Jean-Luc Godard e o estilo também revela um gosto pelo giallo produzido nos anos 1960, com um uso muito bonito do gore.
As primeiras cenas do filme nos deixam um tanto desconfortáveis. Somos apresentados a imagens de gravações de filmes pornográficos em que o diretor pede para jovens estreantes anônimas tirarem suas roupas para a câmera. Elas se sentem desconfortáveis, uma delas pergunta: "isso é para ser sexy?", enquanto a voz diz para ela se apressar, pois o filme já está rodando. Rolos de filmes custavam muito caro na época, diferentemente da realidade do momento de hoje, com o digital imperando e barateando os custos.
O voyeurismo, tema constante na obra do cineasta, já se mostrava presente desde os primeiros minutos. Não é apenas o jovem diretor e suposto assassino que é o voyeur, mas também pessoas que trabalham no estúdio dele. A própria namorada se apresenta muito interessada no filme que ele está rodando. Quase implora para que ele retome a projeção, depois que ele para, em certo momento. O espectador, então, nem se fala.
Nota-se neste filme de De Palma um estilo ao mesmo tempo despojado, sem uma preocupação muito forte com interpretações. Seu elenco não precisava ser tão bom, ainda que eu goste de Andra Akers, mas talvez por sua beleza e doçura. Mas o capricho com as imagens já era algo muito presente. Tanto pela beleza plástica das imagens em preto e branco e da elegância que aquela década trazia, mas por um interesse em construir uma trama intrincada e muito atraente, que me fez lembrar de O GRANDE GOLPE, de Stanley Kubrick, mas que também pode trazer à tona um dos trabalhos mais recentes de De Palma, OLHOS DE SERPENTE (1998). Isso se deve à brincadeira com o uso do tempo (narrativa não-linear) e do ponto de vista, e que ajuda a tornar o filme sempre fresco, à medida que cada ato vai chegando ao fim e dando início a outro. Mais ou menos o que faria também Quentin Tarantino em seus primeiros filmes.
+ TRÊS FILMES
POSSESSOR
Na falta de David Cronenberg, que não lança um novo filme há vários anos, podemos agora ter contato com o trabalho de seu filho, que, neste título, pelo menos, carrega o DNA do pai. Há bastante semelhança com EXISTENZ e um pouco com VIDEODROME também. Começo a gostar mais do filme quando a missão da personagem de Andrea Riseborough chega ao corpo do personagem de Christopher Abbott. Talvez o final seja problemático, talvez eu apenas tenha achado confuso, mas é um cinema que também abraça justamente essa confusão, o estado alterado do ser. A cena que reproduz o cartaz do filme é o que melhor representa isso. Diretor: Brandon Cronenberg. Ano: 2020.
MÃE SOLTEIRA (Not Wanted)
O primeiro filme com a direção de Ida Lupino aconteceu por acidente, devido à morte do veterano Elmer Clifton. Mas Lupino já estava bastante envolvida, já que era roteirista e produtora. O filme é um pouco quadrado, mas há momentos brilhantes. Além do mais, a questão da mulher solteira nos Estados Unidos talvez fosse um assunto bem novo. Se bem que havia sido tocado de relance em O GAROTO, do Chaplin. Ano: 1949.
A GAROTA NO TREM (The Girl on the Train)
O filme começa intrigante, mas depois o diretor não consegue dar conta da história e tudo fica frouxo e pouco interessante. Até a interpretação da Emily Blunt está ruim. Aliás, ela acaba sendo a pior coisa do filme. Que já nem é lá essas coisas. Mais parece um daqueles telefilmes que passavam no Supercine. Direção: Tate Taylor. Ano: 2016.
sábado, julho 11, 2020
DEPOIS DA TEMPESTADE / A IMAGEM ERRANTE (Das Wandernde Blid)
Para um filme que teve boa parte de sua metragem perdida e que foi preciso uma boa quantidade de texto para a trama não ficar muito confusa, até que DEPOIS DA TEMPESTADE (1920) é um belo trabalho. Tem os seus momentos, ainda que seja irregular. Acho linda a cena da protagonista no barco, subindo as montanhas. Aliás, o clima do filme, as imagens, o personagem do ermitão, a religiosidade, aproximam mais este trabalho das obras de Carl Theodor Dreyer - me fez lembrar tanto A PALAVRA quanto os filmes mudos do realizador dinamarquês.
A trama é um pouco confusa e eu tive que parar depois de uns 15 minutos, ler umas resenhas e depois voltar ao começo. Só então comecei a assistir com prazer, ainda que em alguns momentos eu tenha me perdido novamente. A história nos apresenta a uma mulher que está fugindo de um marido abusivo. Ela está em um trem (as cenas do trem também são ótimas) e recebe um telegrama ameaçador do marido, que jura ir em seu encalço. Ela foge para as montanhas congeladas e lá encontra um ermitão. Na verdade, esse sujeito é o seu ex-namorado/ex-companheiro, então dado como morto.
Logo em seguida, somos apresentados aos acontecimentos importantes anteriores àquele momento, tanto do ponto de vista dela, Irmgard (Mia May), quanto do então ermitão Georg (Hans Marr). E mesmo com as cenas perdidas da metragem anterior, não deixa de ser admirável a destreza de Lang e de sua corroteirista Thea von Harbou em amarrar esses dois flashbacks de maneira criativa, quando os dois personagens ficam presos na cabana depois de uma avalanche provocada por John, o marido de Irmgard, também vivido por Hans Marr.
Na verdade, John é uma espécie de doppelgänger. Ele é o irmão gêmeo de Georg que se aproveita da crise no relacionamento de Irmgard com Georg para se aproximar da mulher e casar com ela. Georg estava com dificuldade de casar com ela por medo de ferir as suas convicções. Ele era um adepto do amor livre. Ou seja, casar seria algo impensável, algo mais relativo à posse do que ao amor. E quando ela o encontra na montanha, ele ainda tem suas próprias convicções, relativas a uma promessa que fizera a si mesmo com uma virgem. Ele só voltaria para o mundo se a estátua da virgem andasse.
Podemos ver que desde o início o tema do destino aparece de maneira forte na obra de Lang. Mas acho curioso e importante notar que há uma importância forte no trabalho de sua parceira von Harbou, cujo primeiro filme roteirizado por ela, SANTA SIMPLÍCIA (1920), de Joe May, imediatamente anterior a esse, também contou com elementos religiosos.
Entre os atores, vale destacar a presença de um ainda jovem Rudolf Klein-Rogge, um dos mais importantes da fase alemã de Lang. Foi ele quem interpretou o Dr. Mabuse e o inventor de METRÓPOLIS (1927), entre outros.
Em DEPOIS DA TEMPESTADE, há uma cena, de quando a protagonista fica presa com Georg depois da avalanche, que antecipa a cena da expectativa de uma explosão em O TESTAMENTO DO DR. MABUSE (1933), ainda que não tenha o elemento suspense. Pelo menos, se havia a intenção, não foi exatamente bem-sucedida.
Foi graças à Cinemateca Brasileira, dado como perdido por várias décadas, que temos a chance de ver este e o trabalho seguinte de Lang. A nossa cinemateca encontrou uma cópia deste filme na década de 1980. Inclusive, a cópia encontrada trazia intertítulos em português. A cópia que eu vi foi uma versão remasterizada e bem bonita, com intertítulos e textos explicativos em inglês. Enfim, viva a nossa Cinemateca, que agora se encontra em perigo com o governo criminoso de Jair Bolsonaro.
+ TRÊS FILMES
ANTES QUE EU VÁ (Before I Fall)
Uma surpresa positiva este derivado de FEITIÇO DO TEMPO em versão mais adolescente e mais com cara de "filme com mensagem". É bastante eficiente, as situações são boas e a jovem protagonista (Zoey Deutch) é adorável. Ela esteve em alguns filmes que eu vi, só que eu não lembrava dela. Com esse filme, ela deve se destacar melhor na indústria. Direção: Ry Russo-Young. Ano: 2017.
SOUNDTRACK
Eis um filme interessante, embora eu não tenha comprado as motivações do protagonista, vivido por Selton Mello. Mas gosto muito das interações entre os personagens e aquele ambiente de fim de mundo gelado. Direção: 300ML. Ano: 2017.
A CABANA (The Schack)
Dei umas cochiladas, pois o filme é um tanto maçante (além de um bocado cafona), mas há algumas passagens que são interessantes, como a conversa com a personagem da Alice Braga ou a questão envolvendo pai e filha, que funcionam bem no registro da emoção. Mas acho que o problema pode ter sido mais comigo, pois a sala de cinema quase toda chorou durante boa parte do filme. Direção: Stuart Hazeldine. Ano: 2017.
A trama é um pouco confusa e eu tive que parar depois de uns 15 minutos, ler umas resenhas e depois voltar ao começo. Só então comecei a assistir com prazer, ainda que em alguns momentos eu tenha me perdido novamente. A história nos apresenta a uma mulher que está fugindo de um marido abusivo. Ela está em um trem (as cenas do trem também são ótimas) e recebe um telegrama ameaçador do marido, que jura ir em seu encalço. Ela foge para as montanhas congeladas e lá encontra um ermitão. Na verdade, esse sujeito é o seu ex-namorado/ex-companheiro, então dado como morto.
Logo em seguida, somos apresentados aos acontecimentos importantes anteriores àquele momento, tanto do ponto de vista dela, Irmgard (Mia May), quanto do então ermitão Georg (Hans Marr). E mesmo com as cenas perdidas da metragem anterior, não deixa de ser admirável a destreza de Lang e de sua corroteirista Thea von Harbou em amarrar esses dois flashbacks de maneira criativa, quando os dois personagens ficam presos na cabana depois de uma avalanche provocada por John, o marido de Irmgard, também vivido por Hans Marr.
Na verdade, John é uma espécie de doppelgänger. Ele é o irmão gêmeo de Georg que se aproveita da crise no relacionamento de Irmgard com Georg para se aproximar da mulher e casar com ela. Georg estava com dificuldade de casar com ela por medo de ferir as suas convicções. Ele era um adepto do amor livre. Ou seja, casar seria algo impensável, algo mais relativo à posse do que ao amor. E quando ela o encontra na montanha, ele ainda tem suas próprias convicções, relativas a uma promessa que fizera a si mesmo com uma virgem. Ele só voltaria para o mundo se a estátua da virgem andasse.
Podemos ver que desde o início o tema do destino aparece de maneira forte na obra de Lang. Mas acho curioso e importante notar que há uma importância forte no trabalho de sua parceira von Harbou, cujo primeiro filme roteirizado por ela, SANTA SIMPLÍCIA (1920), de Joe May, imediatamente anterior a esse, também contou com elementos religiosos.
Entre os atores, vale destacar a presença de um ainda jovem Rudolf Klein-Rogge, um dos mais importantes da fase alemã de Lang. Foi ele quem interpretou o Dr. Mabuse e o inventor de METRÓPOLIS (1927), entre outros.
Em DEPOIS DA TEMPESTADE, há uma cena, de quando a protagonista fica presa com Georg depois da avalanche, que antecipa a cena da expectativa de uma explosão em O TESTAMENTO DO DR. MABUSE (1933), ainda que não tenha o elemento suspense. Pelo menos, se havia a intenção, não foi exatamente bem-sucedida.
Foi graças à Cinemateca Brasileira, dado como perdido por várias décadas, que temos a chance de ver este e o trabalho seguinte de Lang. A nossa cinemateca encontrou uma cópia deste filme na década de 1980. Inclusive, a cópia encontrada trazia intertítulos em português. A cópia que eu vi foi uma versão remasterizada e bem bonita, com intertítulos e textos explicativos em inglês. Enfim, viva a nossa Cinemateca, que agora se encontra em perigo com o governo criminoso de Jair Bolsonaro.
+ TRÊS FILMES
ANTES QUE EU VÁ (Before I Fall)
Uma surpresa positiva este derivado de FEITIÇO DO TEMPO em versão mais adolescente e mais com cara de "filme com mensagem". É bastante eficiente, as situações são boas e a jovem protagonista (Zoey Deutch) é adorável. Ela esteve em alguns filmes que eu vi, só que eu não lembrava dela. Com esse filme, ela deve se destacar melhor na indústria. Direção: Ry Russo-Young. Ano: 2017.
SOUNDTRACK
Eis um filme interessante, embora eu não tenha comprado as motivações do protagonista, vivido por Selton Mello. Mas gosto muito das interações entre os personagens e aquele ambiente de fim de mundo gelado. Direção: 300ML. Ano: 2017.
A CABANA (The Schack)
Dei umas cochiladas, pois o filme é um tanto maçante (além de um bocado cafona), mas há algumas passagens que são interessantes, como a conversa com a personagem da Alice Braga ou a questão envolvendo pai e filha, que funcionam bem no registro da emoção. Mas acho que o problema pode ter sido mais comigo, pois a sala de cinema quase toda chorou durante boa parte do filme. Direção: Stuart Hazeldine. Ano: 2017.
sexta-feira, julho 10, 2020
O PRINCÍPIO DO PRAZER
O cinema brasileiro continua sendo essa fonte inesgotável de joias a serem descobertas. Se bem que estamos falando agora de um cineasta de grande importância para a história de nosso cinema. Luiz Carlos Lacerda tem uma filmografia bastante generosa de cerca de 20 títulos entre curtas e longas-metragens. O cinéfilo aqui foi que cometeu o vacilo de deixar de ver tantas obras do diretor, por um motivo ou outro. E pelo que andei lendo em entrevistas do cineasta, há tantas coisas emocionantes em sua vida que dariam um excelente filme biográfico.
E por isso é tão importante o trabalho de curadoria que uma mostra como a Curta Circuito faz. A mostra já tem a cara de Andrea Ormond, uma das melhores e mais importantes profissionais da crítica do Brasil, não apenas por causa de suas excelentes críticas, mas por nos apresentar com muito entusiasmo à obra de cineastas que às vezes não costumam pertencer ao cânone ou não são tão populares. Pelo menos, não na atualidade. Infelizmente há um problema de preservação da memória de nosso cinema e por isso essa tarefa é tão necessária e valiosa.
Foi por causa da mostra Curta Circuito que vi O PRINCÍPIO DO PRAZER (1979), filme que encerra a edição deste ano, que aconteceu online e por isso eu tive a honra de poder participar do debate e entrar em contato com o diretor logo depois de ver o filme. Que infelizmente teve que ser visto no YouTube, em uma qualidade não muito boa - outro problema muito comum que ocorre com nossos filmes, que carecem de cuidado por parte do Estado. No entanto, como se trata de uma obra muito interessante e cheia de atrativos, até relevamos esse problema e vemos com prazer.
O PRINCÍPIO DO PRAZER pertence àquela categoria de filmes estranhos e sensuais. E isso muito me interessa. Na trama, Carlos Alberto Riccelli é um jovem à procura de emprego que vai parar na mansão de uma família com toques aristocráticos em uma Paraty dos anos 1920-1930. Como eles vivem na área rural, vemos muita charrete e carros de bois. Chegando lá, o jovem rapaz fala com o chefe da família, vivido por Paulo Villaça. Para trabalhar na casa, teria que dormir lá todos os dias, servir as refeições e também as bebidas em eventuais festas etc.
E as festas dessa família são um tanto extravagantes, para usar de eufemismo. O filme não conta a princípio o tipo de parentesco dessas pessoas, mas convenciona-se acreditar que os personagens de Paulo Villaça e Odete Lara são os pais da jovem Ana Miranda (hoje uma aclamada escritora, mas na época uma atriz que fazia parte da trupe de Nelson Pereira dos Santos). Aos poucos vamos sendo apresentados à rotina daquela família e Lacerda já nos presenteia com uma primeira cena sensual de Ana belíssima: ela sendo banhada pelo irmão (?) em uma bacia. Em seguida, os dois fazem sexo.
A cena é bela e transgressora, mas é apenas o começo do que o filme ofertaria nesse sentido. Há uma cena que eu considero a mais transgressora e mais intoxicante, que é o momento em que a família celebra apenas os quatro, tomando vinho. E o personagem de Riccelli serve a bebida observando aquilo tudo, o modo exageradamente carinhoso com que pai e filha e mãe e filho se beijam e se acariciam. E há algo muito estranho que também ronda a casa, uma espécie de animal que emite ruídos parecidos com os de um jumento, talvez, mas de maneira mais monstruosa. Uma criatura que poderia ser pensada tanto do ponto de vista psicológico quanto como uma alegoria política, levando em consideração o cenário do momento no país.
Foi curioso eu ter assistido ao filme poucos dias após ter finalmente visto TEOREMA, de Pier Paolo Pasolini, e ver algumas semelhanças, tanto do enredo quanto da forma como aparece a personagem de Odete Lara, que me fez lembrar o modo um tanto fantasmagórico como aparece Silvana Mangano no filme de Pasolini, com uma maquiagem carregada de branco. Durante o debate, até perguntei ao cineasta se havia uma homenagem, mas foi apenas uma feliz coincidência.
Quanto à semelhança do enredo, há uma inversão bem considerável. O personagem de Riccelli interfere na rotina da família, mas ele não é o dominador, mas o objeto sexual. E é um aspecto que muito me chamou a atenção e que lida com a fantasia erótica. Fazer parte daquele jogo da família era também muito excitante para o protagonista, em especial nas várias vezes que ele é seduzido pela personagem de Ana Miranda, que exala um sex appeal fantástico. Até o personagem do Villaça se rende à beleza física e jovem do rapaz e o chama para seu quarto, deixando de lado sua posição de dominador nesse momento.
Enfim, O PRINCÍPIO DO PRAZER é um filme que se torna melhor a cada vez que penso nele. Seria muito beneficiado com uma restauração/remasterização para que pudéssemos apreciar melhor a fotografia, a direção de arte, os figurinos, a linda Paraty e, claro, a beleza do elenco.
+ TRÊS FILMES
MULHER DO PAI
Ao que parece, um dos segredos para que o cinema brasileiro dê bons frutos é fazer parceria com nossos hermanos. Mais uma vez uma parceria com o Uruguai rende um belíssimo resultado. Inspiradíssima direção da estreante Cristiane Oliveira. Gostei de tudo neste filme, mas há uma cena que eu acho maravilhosa: uma envolvendo a Analu na bicicleta. E que lugar maravilhoso é aquele fotografado, hein. Direção: Cristiane Oliveira. Ano: 2016.
CANÇÃO DA VOLTA
Filme que consegue, ainda que de maneira bem fragmentada, fornecer um pouco do que é uma família fragilizada pela depressão e pelas tentativas de suicídio. Grandes desempenhos em cena de João Miguel e Marina Person. E quando termina, a gente fica olhando para os créditos, meio que pensando no que acabou de ver. Isso é bom sinal, ainda mais com a canção escolhida pra encerrar. Direção: Gustavo Rosa de Moura. Ano: 2016.
TRAVESSIA
Se o filme se estendesse na trama do Chico Díaz e deixasse de lado à de seu filho poderia ter rendido até bem. Infelizmente, é bem irregular. Vale pelo Díaz, excelente sem fazer esforço no papel de um homem vazio. Direção: João Gabriel. Ano: 2015.
E por isso é tão importante o trabalho de curadoria que uma mostra como a Curta Circuito faz. A mostra já tem a cara de Andrea Ormond, uma das melhores e mais importantes profissionais da crítica do Brasil, não apenas por causa de suas excelentes críticas, mas por nos apresentar com muito entusiasmo à obra de cineastas que às vezes não costumam pertencer ao cânone ou não são tão populares. Pelo menos, não na atualidade. Infelizmente há um problema de preservação da memória de nosso cinema e por isso essa tarefa é tão necessária e valiosa.
Foi por causa da mostra Curta Circuito que vi O PRINCÍPIO DO PRAZER (1979), filme que encerra a edição deste ano, que aconteceu online e por isso eu tive a honra de poder participar do debate e entrar em contato com o diretor logo depois de ver o filme. Que infelizmente teve que ser visto no YouTube, em uma qualidade não muito boa - outro problema muito comum que ocorre com nossos filmes, que carecem de cuidado por parte do Estado. No entanto, como se trata de uma obra muito interessante e cheia de atrativos, até relevamos esse problema e vemos com prazer.
O PRINCÍPIO DO PRAZER pertence àquela categoria de filmes estranhos e sensuais. E isso muito me interessa. Na trama, Carlos Alberto Riccelli é um jovem à procura de emprego que vai parar na mansão de uma família com toques aristocráticos em uma Paraty dos anos 1920-1930. Como eles vivem na área rural, vemos muita charrete e carros de bois. Chegando lá, o jovem rapaz fala com o chefe da família, vivido por Paulo Villaça. Para trabalhar na casa, teria que dormir lá todos os dias, servir as refeições e também as bebidas em eventuais festas etc.
E as festas dessa família são um tanto extravagantes, para usar de eufemismo. O filme não conta a princípio o tipo de parentesco dessas pessoas, mas convenciona-se acreditar que os personagens de Paulo Villaça e Odete Lara são os pais da jovem Ana Miranda (hoje uma aclamada escritora, mas na época uma atriz que fazia parte da trupe de Nelson Pereira dos Santos). Aos poucos vamos sendo apresentados à rotina daquela família e Lacerda já nos presenteia com uma primeira cena sensual de Ana belíssima: ela sendo banhada pelo irmão (?) em uma bacia. Em seguida, os dois fazem sexo.
A cena é bela e transgressora, mas é apenas o começo do que o filme ofertaria nesse sentido. Há uma cena que eu considero a mais transgressora e mais intoxicante, que é o momento em que a família celebra apenas os quatro, tomando vinho. E o personagem de Riccelli serve a bebida observando aquilo tudo, o modo exageradamente carinhoso com que pai e filha e mãe e filho se beijam e se acariciam. E há algo muito estranho que também ronda a casa, uma espécie de animal que emite ruídos parecidos com os de um jumento, talvez, mas de maneira mais monstruosa. Uma criatura que poderia ser pensada tanto do ponto de vista psicológico quanto como uma alegoria política, levando em consideração o cenário do momento no país.
Foi curioso eu ter assistido ao filme poucos dias após ter finalmente visto TEOREMA, de Pier Paolo Pasolini, e ver algumas semelhanças, tanto do enredo quanto da forma como aparece a personagem de Odete Lara, que me fez lembrar o modo um tanto fantasmagórico como aparece Silvana Mangano no filme de Pasolini, com uma maquiagem carregada de branco. Durante o debate, até perguntei ao cineasta se havia uma homenagem, mas foi apenas uma feliz coincidência.
Quanto à semelhança do enredo, há uma inversão bem considerável. O personagem de Riccelli interfere na rotina da família, mas ele não é o dominador, mas o objeto sexual. E é um aspecto que muito me chamou a atenção e que lida com a fantasia erótica. Fazer parte daquele jogo da família era também muito excitante para o protagonista, em especial nas várias vezes que ele é seduzido pela personagem de Ana Miranda, que exala um sex appeal fantástico. Até o personagem do Villaça se rende à beleza física e jovem do rapaz e o chama para seu quarto, deixando de lado sua posição de dominador nesse momento.
Enfim, O PRINCÍPIO DO PRAZER é um filme que se torna melhor a cada vez que penso nele. Seria muito beneficiado com uma restauração/remasterização para que pudéssemos apreciar melhor a fotografia, a direção de arte, os figurinos, a linda Paraty e, claro, a beleza do elenco.
+ TRÊS FILMES
MULHER DO PAI
Ao que parece, um dos segredos para que o cinema brasileiro dê bons frutos é fazer parceria com nossos hermanos. Mais uma vez uma parceria com o Uruguai rende um belíssimo resultado. Inspiradíssima direção da estreante Cristiane Oliveira. Gostei de tudo neste filme, mas há uma cena que eu acho maravilhosa: uma envolvendo a Analu na bicicleta. E que lugar maravilhoso é aquele fotografado, hein. Direção: Cristiane Oliveira. Ano: 2016.
CANÇÃO DA VOLTA
Filme que consegue, ainda que de maneira bem fragmentada, fornecer um pouco do que é uma família fragilizada pela depressão e pelas tentativas de suicídio. Grandes desempenhos em cena de João Miguel e Marina Person. E quando termina, a gente fica olhando para os créditos, meio que pensando no que acabou de ver. Isso é bom sinal, ainda mais com a canção escolhida pra encerrar. Direção: Gustavo Rosa de Moura. Ano: 2016.
TRAVESSIA
Se o filme se estendesse na trama do Chico Díaz e deixasse de lado à de seu filho poderia ter rendido até bem. Infelizmente, é bem irregular. Vale pelo Díaz, excelente sem fazer esforço no papel de um homem vazio. Direção: João Gabriel. Ano: 2015.
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