segunda-feira, março 21, 2016

GOSTO DE SANGUE (Blood Simple.)



Em minha breve passagem por Los Angeles, passei numa Barnes & Noble e não resisti quando vi um livrinho chamado My First Movie, editado por um sujeito chamado Stephen Lowenstein. Trata-se de um livro contendo entrevistas com 20 cineastas (21, levando em conta que os irmãos Coen são dois) falando a respeito do processo de realização de seus primeiros longas-metragens. E como gosto de começar pelo começo, a primeira entrevista é justamente com os irmãos Joel e Ethan Coen, que falam sobre o quão difícil foi materializar o seu trabalho de estreia, a obra-prima GOSTO DE SANGUE (1984).

A entrevista é muito interessante. Vemos o quanto foi difícil juntar dinheiro para poder filmar. Falam como todos ali no set eram estreantes. E também contam das dificuldades de encontrar um distribuidor. Nem as grandes empresas queriam comprar o filme, pois achavam-no B demais (muito sangrento), e as empresas de filmes B achavam o filme arthouse demais (muito classudo). E GOSTO DE SANGUE é isso mesmo. Como naquela época ainda não havia um espaço mais delimitado para filmes independentes como esse, tudo era mais difícil mesmo. A Warner, que antes rejeitou o filme, acabou querendo, depois das críticas positivas recebidas nos festivais. E depois disso, tudo ficou mais fácil para os Coens.

E por mais que seja muito gostoso ler a entrevista, bom mesmo foi rever essa maravilha, que eu só lembro de ter visto uma vez, em VHS, e de não ter embarcado muito. Fico imaginando como isso pode ter acontecido. Como deixei de apreciar uma maravilha dessas, que hoje vendo eu já encaro como o melhor trabalho dos irmãos de Mineápolis. E olha que eles têm algumas outras obras maravilhosas no currículo.

Mas é que GOSTO DE SANGUE tem algo muito especial. É um neo-noir que não tem a cara dos outros subgêneros produzidos na década de 1980. O filme dos Coens é mais sujo, tanto na fotografia, quanto no modo como os personagens se vestem e se comportam. Não há aquele neon característico da década, que até tem o seu charme, mas que atrapalharia e poderia tornar este suspense levemente datado. E felizmente não é isto que acontece aqui. O filme ficou atemporal, de certa forma.

E há a história extremamente envolvente que traz a também estreante Frances McDormand como a bela e sensual Abby, mulher de um poderoso homem de uma cidadezinha. Acontece que esse homem está sendo corneado e não está gostando nada disso. A primeira cena do filme mostra os dois amantes (ela e John Getz) em um carro, sabendo que estão em uma situação perigosa e pensando se devem seguir adiante com o relacionamento.

Uma vez que o desejo sexual dos dois é mais forte, e o marido (Dan Hedaya) já estava desconfiando do ocorrido, tudo fica ainda mais doloroso quando o detetive particular contratado chega com as fotos dos amantes na cama. O próximo passo do homem com a honra ferida seria, então, contratar o mesmo detetive inescrupuloso (vivido pelo sensacional M. Emmet Walsh) para efetuar um assassinato.

Com uma história cheia de surpresas e de momentos bem tensos, além de uma montagem acertada (que deve ter ficado melhor ainda na versão dos diretores), GOSTO DE SANGUE é um exemplar raro de filme de estreia de dois cineastas que chegaram chutando a porta com os dois pés. E isso é algo que dá gosto de ver, enquanto o nosso sangue fica também intoxicado pela tensão das cenas de suspense e violência. Dessas obras que a gente quer ver, rever e mostrar para os amigos, a fim de compartilhar nosso entusiasmo.

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