sexta-feira, janeiro 17, 2025

DAVID LYNCH (1946-2025)



Era para ter sido um dia normal essa quinta-feira, 16. Estava no shopping, comendo um sanduíche, prestes a entrar para uma sessão de cinema com meu amigo Walker, quando ele me mostra a notícia em seu celular. Àquela altura, minha timeline inteira estava falando do assunto, e eu já havia recebido mensagens de meus amigos Zezão, Marcos e Rodolfo. Só não tinha visto ainda. A notícia da passagem de Lynch não foi fácil de receber. Não imaginei que seria assim: como a morte de um ente querido. Que o sanduíche não teria gosto algum, que o café seria tomado acompanhado de tristeza.

Lynch não era um homem que só se conhecia por seus filmes, como uma espécie de marca. Ele aparecia em TWIN PEAKS (1990-1991) como um personagem divertido e apareceu num papel carinhoso num filme recente e bastante pessoal de Steven Spielberg. Além disso, veio ao Brasil falar de meditação transcendental, tinha um divertido boletim meteorológico diário na internet e fez campanha para a Laura Dern ser indicada ao Oscar ao lado de uma vaca por IMPÉRIO DOS SONHOS (2006).

Mas não é por isso que Lynch se tornou tão querido. É pelos seus filmes e por suas séries mesmo. Por ter criado a mais bonita e mais dolorosa história de amor perdido (CIDADE DOS SONHOS, 2001); por ter juntado comédia, horror, investigação policial, surrealismo e melodrama em TWIN PEAKS, a série que revolucionou a televisão americana; por ter contado histórias de pessoas em trajetórias de vida trágicas, mas que encontram, ao fim, a tão sonhada paz, como O HOMEM ELEFANTE (1980) e TWIN PEAKS – OS ÚLTIMOS DIAS DE LAURA PALMER (1992) – ou não, como em CIDADE DOS SONHOS, ou talvez no ainda mais enigmático ESTRADA PERDIDA (1997) –; por saber contar também uma história de amor entre irmãos idosos e no meio disso tudo nos mostrar a beleza da vida, em HISTÓRIA REAL (1999). E fez tudo isso com originalidade, cuidado com o uso do som e da câmera. Ou seja, temos tantas razões para agradecer por ter conhecido o cinema desse homem, a arte desse homem.

Acompanho Lynch desde a aurora de minha cinefilia, quando vi VELUDO AZUL (1986) pela primeira vez na televisão. E depois veio o fenômeno TWIN PEAKS com direito a uma trilha sonora memorável de Angelo Badalamenti e um livro spin-off escrito por sua filha, chamado O Diário Secreto de Laura Palmer. Nessa época, eu tinha o hábito de alugar várias vezes, da mesma videolocadora, aquela cópia do piloto estendido de TWIN PEAKS, que saiu pela Warner no Brasil. E veio a chance de ver um filme seu pela primeira vez no cinema, o vencedor da Palma de Ouro em Cannes CORAÇÃO SELVAGEM (1990). E aquilo foi insano. Hoje tenho um pôster de CIDADE DOS SONHOS no meu quarto, meu perfil no Facebook é com uma imagem desse filme, meu “papel de parede” do celular alterna temas de TWIN PEAKS – O RETORNO (2017) e sempre estou pronto para comprar livros sobre Lynch ou sobre a série que venham a surgir. Sua (auto)-biografia, Espaço para Sonhar, foi uma delícia de ler. Li saboreando, com pena de chegar ao final.

Aliás, que presente que ele nos deixou com esses 18 episódios de TWIN PEAKS – O RETORNO, hein?! Ali há material para nosso deleite por muitos e muitos anos. Uma fonte inesgotável e, diferente do que ele fez na série original para a ABC, foi tudo dirigido por ele. E Lynch não parou de trabalhar depois desse acontecimento celebrado pela Cahiérs du Cinéma como “o melhor filme do ano”. E depois como “o melhor filme da década de 2010”. Sendo que, ao pé da letra, é uma série e não um filme. Mas é cinema, sim, e isso que contou na escolha. No ano passado mesmo, Lynch dirigiu dois videoclipes em parceria com Christabel, que fez o papel da agente Tammy Preston no retorno de TWIN PEAKS.

Não houve e nem haverá nenhum outro artista como David Lynch. Ele é o único cineasta que me deixa de fato com medo vendo seus filmes. Adoro cinema de terror, mas sentir medo mesmo, eu sentia vendo alguns de seus trabalhos. Ele sabia como ninguém criar uma espécie de medo irracional a partir de um mistério todo próprio, ao mesmo tempo que também lidava com o humor e com a ternura. BOB entrando pela janela de Laura Palmer; o “homem misterioso” se apresentando ao personagem de Bill Pullman; a chegada ao Clube Silenzio, ou aparição do “Red Rabbit” em RABBITS (2002) são alguns exemplos.

Obrigado por tudo, mestre. Boa viagem!

quinta-feira, janeiro 16, 2025

SOMBRAS DO MAL (Night and the City)



O livro Film Noir, da editora Taschen, editado por Paul Duncan e Jürgen Müller, adquirido em setembro por mim, traz um top 50 de filmes noir. E este SOMBRAS DO MAL (1950), de Jules Dassin, faz parte dessa lista do livro, que conta com bons textos. Mas o que me motivou a ver, enfim, o filme desta vez foi ele ter integrado também o primeiro livro da Versátil de filmes noir (a e distribuidora publicou quatro pequenos livros dedicados a esse “gênero”, além de um sobre neo-noir e outro de noir francês), o que sinaliza tanto o amor da curadoria por esse “gênero”, quanto seu grau de importância na história do cinema. 

Denunciado como comunista por Edward Dmytryk, Dassin optou pelo exílio. Recusou a ter que escolher entre delação e desemprego, como muitos de seus colegas tiveram que fazer. O próprio Dmytryk passou seis meses em prisão federal e teve uma carreira bem mais longa com essa amarga denúncia do colega. Assim era o cenário político do pós-guerra nos Estados Unidos. Saindo de seu país, Dassin faria filmes na Inglaterra, na França, na Grécia, na Espanha e no Canadá.

Nos extras do box Filme Noir Vol. 3 há uma entrevista/depoimento adorável de Dassin sobre a realização do filme, sobre sua condição de estar proibido de voltar a fazer filmes nos Estados Unidos por conta do macarthismo e o modo criativo com que ele dirigiu e criou um filme a partir de um livro que ele sequer chegou a ler. Assim, saber que a personagem de Gene Tierney, por exemplo, só foi incluída na trama por pedido do chefão da Fox Darry F. Zanuck para ajudá-la a superar a depressão é um entre vários motivos que nos fazem gostar mais de SOMBRAS DO MAL, que com seu protagonista Harry Fabian (Richard Widmark) correndo feito louco para ganhar algum dinheiro ou para se manter vivo, é um exemplo perfeito da própria situação de Dassin naquele início de exílio na Europa, começando pelo submundo de Londres.

É possível se solidarizar com o trapaceiro vivido por Widmark, que só queria ser alguém na vida e acabava por agir de maneira maníaca, que pode ser vista como uma crítica ao capitalismo. Como vi o filme após o posterior ANJO DO MAL, de Samuel Fuller, talvez isso tenha aumentado minha simpatia pelo personagem. (Aliás, uma curiosidade que acabei de ler no livro da Taschen: Widmark era a favor do controle de armas, achava um absurdo a venda facilitada de armas nos Estados Unidos, e morreu, coincidentemente, uma semana antes de Jules Dassin, em março de 2008. Ou seja, é possível que sua parceria com o diretor em SOMBRAS DO MAL não tenha sido meramente profissional.)

SOMBRAS DO MAL tem um quê de O TERCEIRO HOMEM, de Carol Reed, feito um ano antes nas ruas de Viena, com exceção da fotografia. Se no filme de Reed há um alto contraste entre preto e o branco, no filme de Dassin, o preto é mais apagado, com o cinza se acentuando bem mais, o que pode denotar uma produção mais barata, embora possa ser também uma escolha do próprio diretor de fotografia, o alemão Max Greene. Essa semelhança com O TERCEIRO HOMEM se dá inclusive em algumas tomadas em que o protagonista, quase sempre em fuga, aparece várias vezes encostado nas paredes das ruas.

Há algo de trágico em Harry Fabian, em seu desespero em conseguir dinheiro, até mesmo roubando de sua própria mulher, como um viciado em drogas. A mulher, vivida por Gene Tierney, trabalha como cantora numa casa noturna. Há uma pequena subtrama em que somos apresentados ao vizinho da personagem de Tierney, e esse homem, obviamente interessado nela, aparenta ser uma figura bem próxima de alguém que vive na paz, numa espécie de versão tipicamente idealizada dos Estados Unidos dos anos 1950.

O personagem parece até descartável da trama, mas gosto justamente de como o filme parece sempre estar tateando, como o protagonista Harry, ou como o próprio Jules Dassin, naquele momento de sua carreira incerta. Além do mais, é desse personagem que surge uma definição muito interessante de Harry Fabian: “ele é um artista sem uma arte.” Ou seja, é como se pessoas que têm dotes artísticos e não encontram um meio de expressão acabassem despejando sua criatividade em meios perigosos.

Aliás, os personagens secundários são muito bons. Há o dono da casa noturna Silver Fox, um homem gordo chamado Phil (Francis L. Sullivan) que vem percebendo que sua esposa está se distanciando dele, se esquivando de ter sexo com ele. A esposa (Googie Withers) está na verdade muito interessada em Harry, e disposta a deixar o marido para recomeçar a vida com o trapaceiro loiro. Há outros personagens secundários ótimos, como o velho lutador de luta grego-romana Gregorius (Stanislaus Zbyszko), um lutador veterano de verdade, apreciado por Dassin na infância. E há o filho de Gregorius, chamado Kristo (Herbert Lom), o verdadeiro inimigo de Harry, o maior promotor de luta livre da cidade e bastante disposto a derrubar ou mesmo matar Harry, caso ele não saia de seu caminho.

+ TRÊS FILMES

A ÚLTIMA FUGA (The Last Run)

Desde as primeiras cenas, com a música emotiva de Jerry Goldsmith, que A ÚLTIMA FUGA (1971) me pegou. Já se estabelece desde o início a melancolia e a solidão de Harry Grimes, o piloto de fugas aposentado vivido por George C. Scott, que naquele início dos anos 1970 estava vivendo uma época perfeita para personagens dessa linha. No ano seguinte, ele repetiria a parceria com o diretor Richard Fleischer para criarem a obra-prima OS NOVOS CENTURIÕES (1972). Este aqui é mais simples, mas talvez por isso até mais fácil de ser apreciado. Harry Grimes é um homem que se sente um pouco morto em sua aposentadoria e por isso aceita a nova missão de resgatar um rapaz numa fuga da penitenciária e levá-lo em segurança para seu destino. No caminho, ele conhece a namorada do rapaz, e em algum momento da trama cria-se uma espécie de triângulo amoroso. Há ótimas cenas de perseguição, as locações em Portugal e Espanha junto com a música fazem com que o filme pareça um policial europeu, e acredito que era essa a intenção de Fleischer mesmo. Eis um diretor incrível, que soube se adequar perfeitamente ao clima soturno do cinema americano daqueles anos. Visto no box Cinema Policial VI.

PREMONIÇÃO (Sette Note in Nero / The Psychic)

Fiquei bastante surpreso com este giallo de Lucio Fulci, principalmente por ser um de seus trabalhos em que o roteiro é muito bem trabalhado e há bem pouco uso de gore. O prólogo de PREMONIÇÃO (1977) até vende uma obra um pouco mais violenta do que ela realmente é. Assim, uma vez que nos aproximamos da personagem de Jennifer O'Neill (HOUVE UMA VEZ UM VERÃO), que tem uma estranha visão enquanto atravessa um túnel, e esses vários recortes começam a fazer sentido quando ela encontra um esqueleto na parede da mansão do marido, tudo o mais se torna muito interessante, em especial sua investigação, junto com o amigo estudioso de fenômenos paranormais. Gosto muito dos close-ups e dos zooms que Fulci usa para enfatizar os olhos e a expressão da atriz em seus momentos de apreensão e horror. Há uma homenagem bem explícita a um conto de Edgar Alan Poe e o filme segue uma linha de investigação e mistério que mostra que o diretor estava indo na contramão do que se convencionava esperar de um giallo naquela época, com muito sangue, violência e mortes espetaculosas. Visto no box Giallo Vol. 3.

CORINGA: DELÍRIO A DOIS (Joker: Folie à Deux)

Não sou nada fã de CORINGA (2019), o filme que introduziu o personagem nesta versão de Joaquin Phoenix. Dito isso, e já levando em consideração a chuva de críticas negativas que esta continuação musical tem recebido, até que achei interessante, por mais que tenha ficado claro que o diretor não sabia muito bem como concluir seu projeto. Gosto da primeira metade de CORINGA: DELÍRIO A DOIS (2024), da entrada envergonhada no musical e das cores, mas ao que parece a principal intenção de Todd Phillips era matar seu projeto inicial, torná-lo mais ridículo, mais fraco, mais loser ainda. Até porque o interesse amoroso do agora presidiário Arthur Fleck é uma mulher que gosta dele pelo que ele se transformou principalmente após o assassinato em rede nacional do primeiro filme. Se o primeiro filme era uma espécie de homenagem à Nova Hollywood, esse procura buscar homenagear os musicais da era de ouro. A questão é que fica no ar um mal-estar em tratar o personagem com romantismo. Daí as canções serem propositadamente enfeiadas, por mais que em um par de momentos uma big band surja para trazer empolgação para a imaginação do protagonista e a Lady Gaga solte um pouco mais a voz. Saí do cinema me lembrando do difícil ato de contar a história de alguém odiado, algo que está presente no documentário de estreia de Phillips, HATED – GG ALLIN & THE MURDER JUNKIES (1993). O namoro com a agressividade e com o feio já estava presente antes de Phillips ingressar nas comédias. De todo modo, gosto de como a Warner tem dado liberdade criativa para os diretores que trabalham com os heróis (e vilões) da DC.

terça-feira, janeiro 14, 2025

12 CURTAS VISTOS NO 34º CINE CEARÁ



Hoje será um dia de exercitar a memória, essa coisa que às vezes me deixa muito preocupado, já que me pego esquecendo de adjetivos e até de substantivos com muita frequência, no dia a dia. Para esse exercício, vou precisar da ajuda do Google para me ajudar a lembrar de certos curtas que ficaram mesmo no esquecimento, às vezes por serem tão breves que já requeriam uma revisão imediata. Além do mais, é da própria natureza do curta-metragem esse aspecto mais sintético e compacto, o que não quer dizer que seja mais simples. Ao contrário, pode ser com frequência mais experimental. Outra coisa: na época do Cine Ceará eu não estava muito bem de saúde. E ainda assim me esforcei para ir todos as noites, pois estava no júri da crítica, mesmo depois de um dia exaustivo de trabalho na escola. Felizmente agora estou melhor, mas foram quase dois meses de corpo um pouco adoentado. Então, por causa do cansaço, não fazia os tradicionais minitextos para os filmes que costumo fazer para depois reutilizar. Comecemos a tarefa.

VOCÊ

Como se trata de um filme de apenas sete minutos, e não estava preparado para um desfecho tão rápido, senti que faltou mais atenção de minha parte de cada detalhe da narrativa de VOCÊ (2024), de Elisa Bessa. Na trama, mãe e filha conversam, com imagens de arquivos e fotos, das experiências que tiveram com seu marido e pai.

QUINZE QUASE DEZESSEIS

A diretora Thais Fujinaga, do ótimo A FELICIDADE DAS COISAS (2021), nos apresenta a um grupo de jovens em cenas que funcionam como blocos. Temos Tamiris, uma menina que, por causa do basquete, tem a chance de estudar numa escola particular. Ela divide as aulas entre os treinos e também entre as aulas de teatro. É nas aulas de teatro que ela sofre um abuso. QUINZE QUASE DEZESSEIS (2023) é um filme que dialoga bastante com as pautas atuais, enquanto também traz à tona uma peça de Shakespeare em paralelo.

CAVARAM UMA COVA NO MEU CORAÇÃO

Este filme de Ulisses Arthur, CAVARAM UMA COVA NO MEU CORAÇÃO (2024), é um dos mais interessantes desta safra, até pelas locações e por misturar ficção e documentário. O filme se passa num dos bairros que parecem cidades-fantasmas, depois que uma mineradora perfurou a terra para extrair sal-gema e destruir a habitação e, por que não dizer?, a vida de centenas de pessoas em Maceió. As cenas se passam nessa área evacuada, com uma gangue de adolescentes brincando nos espaços. Esse ocorrido na cidade não recebeu a devida atenção da mídia, infelizmente.

EU SOU UM PASTOR ALEMÃO

Angelo Defanti é um diretor que tem no currículo dois longas muito bons, O CLUBE DOS ANJOS (2020) e VERISSIMO (2024). EU SOU UM PASTOR ALEMÃO (2024) é uma divertida e muito inteligente animação sobre um pastor alemão (Mateus Solano, com sotaque alemão) que se vê numa situação de rebelião entre as ovelhas, o que o faz questionar seu papel no mundo. Sua cabeça fica ainda mais confusa ao conhecer uma sedutora loba (Alice Braga) que o encoraja a botar pra fora seu uivo ancestral de lobo.

SALMO 23

Talvez o mais pesado, tematicamente, junto com o trabalho do Carlos Adriano, dos filmes exibidos no Cine Ceará, SALMO 23 (2024), de Lucas Justiniano e José Menezes, acompanha o trabalho de uma fotógrafa da polícia que registra casos de suicídio. Há alguns dados que são ditos, como o fato de a taxa de suicídio ser maior entre homens do que entre mulheres etc. A fotografia é escura e o tom parece mórbido, mas imagino que não poderia ser diferente.

TIRAMISÚ

O filme de Leônidas Oliveira, TIRAMISÚ (2024), começa com a protagonista, uma jovem trans, trabalhando num desses constrangedores e espalhafatosos serviços de “loucuras de amor”, em que uma pessoa num carro com uma caixa de som chama a atenção da pessoa amada (e da vizinhança inteira) para uma declaração de amor. Mais tarde, vemos a heroína tendo uma relação de amizade e afeto com um rapaz, que lhe ensina a andar de bicicleta, um meio de transporte simples e barato que simbolizará algo importante para a personagem.

OS MORTOS RESISTIRÃO PARA SEMPRE

Sempre que vejo o nome de Carlos Adriano fico sempre interessado em ver seu novo trabalho. Alguns deles se apresentam como peças políticas de indignação contra a violência apresentada a determinados povos. Casos de O QUE HÁ EM TI (2020), sobre a chacina da intervenção militar no Brasil na época do Governo Lula, ou TEKOHA (2022), sobre a violência e o genocídio de povos indígenas. Mas sempre com uma colagem com a poesia muito delicada. OS MORTOS RESISTIRÃO PARA SEMPRE (2024) apresenta a crueldade do genocídio do povo palestino a partir de imagens de arquivo. Impactante.

MAPUTO

Para este filme vou apenas transcrever o que nosso júri escreveu para ele, quando o escolhemos como melhor curta da mostra competitiva. “Por construir de modo inquietante uma trama de amadurecimento, autodescoberta e pertencimento entre jovens que experimentam uma dinâmica de poder e violência retratadas em um registro fantástico, construído de forma a provar e elevar seu herói, o prêmio ABRACCINE de melhor curta-metragem brasileiro vai para MAPUTO (2024), de Lucas Abraão.

FENDA

Um dos mais premiados curtas cearenses dos últimos anos, FENDA (2024), de Lis Paim, é um delicado drama sobre Marta, uma cientista botânica vivendo em Fortaleza, que recebe a visita de Diná, uma senhora idosa vinda da Bahia. A conversa entre as duas se encaminha por caminhos inesperados a princípio, mas quando vemos se tratar de sentimentos de remorso e de mágoa, sabemos o quanto o mundo das duas foi partido. A diretora contou que sua vontade de fazer o filme veio da vontade de criar uma história sobre mulheres negras de idades distintas, com laços que se conectam e se separam com o tempo. FENDA já veio para o Cine Ceará com o prêmio de melhor-curta metragem em Gramado.

BOLINHO DE CHUVA

Este curta de Cameni Silveira foi um dos que mais me encantou no Cine Ceará. BOLINHO DE CHUVA (2023) traz uma forte relação de duas pessoas com a natureza. Filmes que apresentam a força da chuva e do vento sobre as árvores e a relação desses elementos com as pessoas já me ganham deste o início. Mas este filme de Silveira ainda tem o mérito de trazer um ar de mistério que muito me agrada, além do simbolismo entre as duas idades: a avó, que possui uma função de reter, com sua sabedoria ancestral a chuva, e a menina, que quer o toró para brincar, fazendo os bolinhos de chuva. Muitos detalhes de close-ups de pés e mãos, uso de janela scope e um trabalho de som muito bom são outros detalhes do filme que me ganharam.

DONA BEATRIZ ÑSÎMBA VITA 

Rever DONA BEATRIZ ÑSÎMBA VITA (2024), de Catapreta, só me fez admirar ainda mais o filme. Se é que isso era possível. Não que eu tenha conseguido decifrar seus enigmas, mas adoro quando uma obra tão incrível do ponto de vista formal me deixa sem chão, e sem compreender a maior parte de seus significados e mesmo assim seguir intrigado e atraído. Não que se trate de um filme “agradável”, no sentido de causar bem-estar. Na verdade, o filme causa certo mal-estar desde o começo, quando vemos uma das personagens femininas nuas dirigindo um carro, sem um braço e sem uma perna e se dirigindo a uma versão inteira sua. Que imediatamente a leva num carro de mão, queima seu corpo e vai para o lugar onde ela morava. A partir de então o filme fica ainda mais bonito plasticamente e ainda mais enigmático, já que surgem novos elementos que o caracterizam como fábula, ou algo do tipo. Eu diria que é um filme sobre sacrifícios necessários para a criação e multiplicação de um povo. Mas certamente é muito mais do que apenas isso. Os detalhes dos desenhos são de cair o queixo, assim como os detalhes das carnes e ossos sendo trituradas ou rasgados.

TODAS AS MEMÓRIAS QUE VOCÊ FEZ EM MIM

Delicado filme sobre o amor na terceira idade e também sobre a triste condição de alguém que sofre com o Alzheimer, TODAS AS MEMÓRIAS QUE VOCÊ FEZ EM MIM (2024), de Pedro Filipe, nos apresenta a um casal de idosos: José, um agricultor de 68 anos, e Luiz, de 71, que é o que sofre com a doença e com frequência desconhece o companheiro, vendo-o como um estranho e às vezes até como uma ameaça. A cena final é muito bonita.

sábado, janeiro 11, 2025

A SEMENTE DO FRUTO SAGRADO (Dâne-ye Anjîr-e Ma'âbed)



Já faz um tempo que ver um filme produzido no Irã é como estar vendo um ato de subversão, um ato de rebeldia imenso. Infelizmente são poucos os filmes do país que têm chegado a nosso circuito. Se não me engano, os últimos foram CRÔNICAS DO IRÃ, de Ali Asgari e Alireza Khatami, e SEM URSOS, de Jafar Panahi, ambos muito críticos ao regime iraniano, às violências cometidas pelo estado. Panahi é um homem que ficou anos em prisão domiciliar e, depois de ser preso mais uma vez em 2023, e passar por uma greve de fome, conseguiu sair do país no mesmo ano. O motivo de sua última prisão foi reclamar no escritório do promotor em Teerã da prisão do cineasta Mohammad Rasoulof, que havia sido preso por críticas ao governo. Pois bem, Rasoulof é o cineasta de A SEMENTE DO FRUTO SAGRADO (2024), consagrado em Cannes e vencedor do Prêmio Especial do Júri.

O filme veio no calor do momento em que várias jovens mulheres saíram às ruas do país em protesto contra a repressão, tirando seus véus, um protesto que ficou muito mais acirrado depois que uma jovem de 22 anos, Mahsa Amini, foi morta após ter sido presa durante os protestos. Ela havia sido presa por “não usar corretamente o hijab”, obrigatório para as mulheres no país, especialmente se estão fora de suas casas.

Este novo filme de Rasoulof (NÃO HÁ MAL ALGUM, 2020) traz esse momento para a trama, embora ela seja quase um pano de fundo para a história principal, que envolve um advogado recém-promovido a juiz de instrução e sua família, formada pela esposa devotada e duas filhas adolescentes, bastante antenadas com as redes sociais e o que está acontecendo nas ruas do país. O homem começa a ficar muito paranoico com o trabalho que recebe, por ser uma função bem longe de ser popular, já que ele deve assinar a sentença de morte de algumas pessoas. A ele lhe é dada uma arma, por segurança, e essa arma desaparece, o que faz com que ele suspeite da família e isso passe a gerar situações bastante tensas.

Gosto muito de como o forte do filme são as cenas nos interiores, principalmente na casa da família, e quando ele passa a explorar de maneira cada vez maior as tensões entre o patriarca, que representa o velho estado e as meninas, que representam o novo, o que os jovens desejam que o país se torne. O fato de o sujeito ter perdido uma arma é também simbólico, pelo aspecto fálico e representativo de uma masculinidade tirânica.

O filme pode ser dividido em três partes, e a terceira, que é a que mais caracteriza o filme como um suspense mais tradicional, é aparentemente a menos querida por boa parte da audiência. Eu, particularmente, achei incrível. De fato, dá uma quebra no estilo de narrativa até então, mas não vejo isso como um problema. De certa maneira, até o torna mais ousado, levando em consideração as situações por que passa a família e o simbolismo de vermos a menina mais jovem sendo a maior protagonista.

Eu adoraria ver um documentário sobre o processo de realização de A SEMENTE DO FRUTO SAGRADO, desde o início, a escrita do roteiro, passando pela contratação do elenco, pelas filmagens às escondidas extremamente perigosas, e a fuga do diretor do país a fim de que seu filme seja exibido. O diretor atravessou a fronteira do Irã a pé, enquanto seu filme foi contrabandeado para a Alemanha, onde a obra passou por um processo de pós-produção. A Alemanha escolheu o filme como o indicado do país ao Oscar 2025. 

+ TRÊS FILMES

BABYGIRL

A diretora Halina Reijn, que buscou reinventar o slasher para a geração Tik Tok e Instagram com MORTE, MORTE, MORTE (2022) agora busca fazer uma espécie de filme erótico, mas faz isso sem parecer querer gerar tensão sexual ou algo do tipo. No máximo, o que gera é algum desconforto, e esse desconforto é gerado mais por certo constrangimento no enredo, nos diálogos e na construção dos personagens do que nas situações em que eles se colocam. Nicole Kidman arrisca um papel de alguém que sente desejo e tem fantasia pela submissão e encontra no jovem estagiário vivido por Harris Dickinson (TRIÂNGULO DA TRISTEZA) alguém que trará tanto alegria quanto preocupação em fazer com que ela perca coisas valiosas. Acho interessante essa coisa de se ter uma personagem feminina que escancara esse desejo dentro de um filme mainstream, mas vejo o problema mesmo é na execução em BABYGIRL (2024).

MUFASA – O REI LEÃO (Mufasa – The Lion King)

Achei estranho Barry Jenkins, um cineasta autoral do premiado MOONLIGHT – SOB A LUA DO LUAR (2016), assinar a direção de MUFASA – O REI LEÃO (2024), prequel da animação de 1994 (ou do remake de 2019, tanto faz). Mas se o anterior teve um homem branco na direção (Jon Favreau), sendo que o cenário se passa na África e a grande maioria dos atores que dublam o filme de 2019 é negra, ao que parece, trazer Jenkins para este novo pode ter sido uma forma de a empresa do Mickey tentar evitar reclamações. Mas o mais importante mesmo é: o filme funciona? Eu diria que é melhor do que eu esperava. Acho um porre as canções (ainda mais dubladas), mas pelo menos são curtas. Tirando isso, é uma bela aventura com toques de intriga e um personagem problemático de que gosto muito, Taka, o jovem leãozinho que salva a vida de Mufasa, mas que é dominado por sentimentos ruins mais adiante. O que me incomodou mesmo foi a Disney ter deixado esses pobres leões o filme inteiro com fome. Não podem mostrá-los se alimentando dos animais que encontram pelo caminho, já que as crianças poderiam ficar horrorizadas com a sanguinolência. Se no REI LEÃO de 2019 os leões apareciam sem bolas, neste eles são desprovidos do alimento básico. Brincadeiras à parte, gosto também da luta/fuga de Mufasa do temível leão branco, líder de uma alcateia impiedosa.

A SUBSTÂNCIA (The Substance)

Não deixa de ser um dos filmes mais singulares dos últimos anos, por mais que não tenha me ganhado como eu gostaria, em especial em seus instantes finais mais alucinados. O problema é que é um alucinado que cansa um pouco o espectador, já que ultrapassa as duas horas. Ainda assim, A SUBSTÂNCIA (2024) será um daqueles filmes que continuará nos fazendo lembrar de várias de suas cenas quando fizermos nossa retrospectiva do ano. A diretora despeja um monte de referências de sua bagagem cultural de filmes e diretores que ela aprecia ou apreciou, de A MOSCA, de David Cronenberg, a CARRIE, A ESTRANHA, de Brian De Palma. Trata-se de uma fábula de terror que remete ao romance O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, e que se apresenta como uma crítica ao modo como a indústria cultural torna as mulheres descartáveis à medida que elas envelhecem. Tanto Demi Moore quanto Margaret Qualley defendem muito bem seus papéis: a primeira é a matriz; a segunda, o outro corpo, nascido para ser a versão mais bonita do primeiro, o que, cá pra nós, não é. (Demi Moore segue imbatível.) Mas entendemos, sim, se tratar da tentação pela juventude, um tipo de obsessão já tantas vezes explorada pela literatura. O filme de Coralie Fargeat opta por imagens mais artificiais e espaços de ação mais minimalistas. Quanto ao roteiro, por que logo esse filme foi escolhido em Cannes? Os diálogos não são dos mais ricos. Diria que a força do filme está mais na direção do que no roteiro.

quinta-feira, janeiro 09, 2025

NOSFERATU



Dos novos cineastas que se dedicaram ao horror surgidos nos anos 2010, Robert Eggers era o que havia mais me deixado desapontado. Seu A BRUXA (2015) é um trabalho magnífico e suas obras posteriores foram um balde de água fria. Enquanto isso, seus colegas Ari Aster, Jordan Peele e Mike Flanagan obtiveram resultados melhores, trafegando por caminhos diferentes, a partir de suas próprias assinaturas e suas próprias obsessões. Eggers ficou parecendo o sujeito da turma que tinha um maior interesse por uma ambientação mais ligada ao passado e a uma preocupação maior com a direção de arte. Mas talvez eu esteja sendo injusto com o diretor, e talvez rever O FAROL (2019) e O HOMEM DO NORTE (2022) seja necessário para reavaliar com bons olhos o seu trabalho.

Digo isso pois fiquei muito impressionado com seu trabalho em NOSFERATU (2024), que já tinha de antemão uma tarefa complicada, no sentido de que hoje em dia o horror gótico não funciona muito bem como algo que assuste ou impressione. Se bem que eu não tenho muita certeza se esse tipo de filme um dia chegou a desempenhar verdadeiramente esse papel. Por muito tempo esse tipo de horror centrado em castelos medievais ou figuras mitológicas talvez desempenhasse mais um papel de prazer e certa familiaridade, algo que certos filmes do gênero costumam provocar em quem os aprecia.

Mas eis que Eggers traz algo que aproxima a história (e o drama especialmente da personagem de Lily-Rose Depp) tanto de uma grande tragédia quanto de uma relação doentia entre uma jovem e alguém que a abusou. Nesse sentido vejo NOSFERATU como o melhor filme do diretor desde A BRUXA. O trabalho de fotografia e de direção de arte é lindo, embora me incomode às vezes a dessaturação em demasia da cor, o que é tanto uma tendência dos dias atuais quanto uma necessidade do diretor de aproximar mais seu filme do original de F.W. Murnau, o NOSFERATU de 1922. Como vi o filme numa sala IMAX, não tenho como reclamar de fotografia escura. Até acredito que esconder o máximo que se pode o rosto do Conde Orlok (Bill Skarsgård) foi uma escolha acertada. A cena da chegada de Thomas Hutter (Nicholas Hoult) ao castelo do vampiro, seguida da primeira conversa com a criatura, é admirável e inquietante.

Tanto que, durante boa parte da metragem, o personagem de Hoult é o mais importante da trama, é aquele que nos guia em sua jornada de pesadelo, no sentido de onirismo mesmo, passando no caminho por uma comunidade de ciganos e assistindo a um ritual de enfrentamento do mal, com uso de uma moça nua montada num cavalo. Mas um dos pontos que vejo como positivos do filme é tornar sua trama um pouco menos fácil de cair direto em nosso inconsciente e em nosso esquecimento. Ou seja, gosto de como o enredo, o horror e o sofrimento dos personagens se tornam mais compreensíveis, e até mais concretos, em comparação com as versões mais "etéreas" de 1922 e 1979, a celebrada versão de Werner Herzog.

Quanto à performance de Lily-Rose Depp como Ellen Hutter, achei admirável o quanto ela se entrega ao papel fisicamente e lindamente, aproximando este novo NOSFERATU de um body horror. Ela é a grande heroína do filme, embora se julgue a pessoa que trouxe o mal para aquela cidade e para os seus entes queridos. Caso comum de algumas mulheres que são abusadas em certos relacionamentos, mas que ainda veem culpa nelas mesmas. O NOSFERATU de Eggers explicita essa relação de desejo e de dependência existente entre Ellen e o vampiro. Enquanto ele é pura lascívia (em certo momento ele diz: “Eu sou um apetite e nada mais”), ela tem esse sentimento dúbio, essa relação de nojo e atração com esse ser, e que depois ela faz questão de esfregar na cara do marido: que o vampiro é melhor na cama do que ele.

A trama até pode parecer um pouco didática para alguns, ou outras pessoas podem reclamar de certa teatralidade nas encenações, mas acredito que isso tanto pode vir de um gosto de Eggers pelo teatral (vide O FAROL) quanto por uma vontade de se aproximar do expressionismo (alemão) do filme de Murnau, a primeira adaptação de Drácula, de Bram Stoker, ainda que não autorizada. E por isso mesmo acabou por criar outro personagem, outro monstro derivado, e que deu tão certo que hoje temos outros três remakes da obra-prima expressionista.

No mais, temos Willem Dafoe, que, para evitar se ligar tanto assim ao Conde Orlok (afinal, ele já havia feito o incrível A SOMBRA DO VAMPIRO, no papel do ator que interpretou o Conde Orlok no filme de Murnau), agora interpreta um Prof. von Franz com muita alegria. Ele é o personagem que surge depois do meio da trama e que investe certa leveza ao tom trágico, por mais que sua notícia sobre o mal que está no corpo de Ellen não seja um diagnóstico animador.

Sobre a ótima trilha sonora de Robin Carolan, que havia trabalhado com Eggers em O HOMEM DO NORTE, ela não é usada para assustar, mas para acentuar o tom mais trágico da história. Aliás, sobre o assustar, acho ótimo que Eggers use muito pouco o som para a criação de jump scares. Em determinada cena, por exemplo, ele usa o movimento de uma câmera numa sala escura mais para provocar medo e suspense do que susto. Um diretor de gestos nobres. 

+ TRÊS FILMES

A BESTA (La Bête)

É muito provavelmente o filme mais lynchiano de Bertrand Bonello. Há angústias, história de amor trágica, lembranças perdidas, Roy Orbison, tons de azul, enredo complexo, medo irracional. A BESTA (2023) não tem o mesmo impacto que os filmes (ou séries) de Lynch, claro, mas há que se dar o devido crédito a Bonello, que vem fazendo filmes inventivos e intrigantes desde os anos 1990. Aqui, Léa Seydoux (sempre ótima) é uma mulher que vive numa sociedade distópica que busca acabar com as emoções. Ela quer se apegar a essas emoções, mesmo que elas a perturbem, mesmo causando desconforto. É como tomar muito antidepressivo e não se emocionar mais com nada, o que é péssimo. Ela faz viagens a suas vidas passadas, sempre encontrando um rapaz que representa seu amor (George MacKay). Gosto muito de sua ida a uma Paris inundada.

ENCONTRO COM O DITADOR (Rendez-vous avec Pol Pot)

Terceiro filme de Rithy Panh que vejo. Não sei se é o terceiro lançado comercialmente no Brasil. ENCONTRO COM O DITADOR (2024) pode ser que tenha um alcance maior, pois os protagonistas são repórteres franceses com o objetivo de fazer uma matéria sobre o novo Camboja, então sob o domínio do Khmer Vermelho do ditador Pol Pot. O cineasta cambojano é um especialista no tema. Desde seus primeiros filmes ele faz questão de mostrar ao mundo os horrores da história de seu país. Sob o ponto de vista dos estrangeiros, não se sabe muito, pois o olhar deles é muito restrito. Logo que chegam ao país, seus quartos são como jaulas. Irène Jacob, nossa querida atriz de A FRATERNIDADE É VERMELHA e A DUPLA VIDA DE VÉRONIQUE, está ótima como a pessoa encarregada de fazer as entrevistas. Mas é uma pena que assisti ao filme com sono.

RED ROOMS (Les Chambres Rouges)

Presente em listas de melhores do ano de alguns críticos, indicado por um amigo em quem confio, e, muito provavelmente, sem possibilidades de chegar aos cinemas brasileiros, RED ROOMS (2023), de Pascal Plante, é desses filmes que conserva o mistério até o fim e, de certa forma, a vantagem de vê-lo em casa, pra mim, foi poder voltar à cena mais definidora e mais enigmática para revê-la e compreendê-la melhor. Na trama, Kelly-Anne (Juliette Gariépy) é uma modelo de sucesso que ganha boa parte de sua fortuna com sua incrível habilidade com os números, além de também saber penetrar no mundo da deep web e afins. Ela está bastante interessada no caso de um triplo assassinato brutal de crianças divulgado para fins comerciais nas chamadas red rooms, espaços feitos para exibição em locais fechados da internet. Um dos momentos mais interessantes do filme é quando a protagonista deixa de ser tão solitária e faz amizade, por assim dizer, com uma groupie do suposto assassino. A ambientação de mistério chama a atenção desde o início, quando vemos Kelly-Anne se dirigindo ao tribunal depois de dormir na rua, algo que depois vemos se tratar de um estranho hábito seu. Pode ser que eu esteja errado, mas vi referências a 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO pelo menos umas duas vezes. Será?

terça-feira, janeiro 07, 2025

O COMBOIO DO MEDO (Sorcerer)



Uma coisa que me chama a atenção em relação a O COMBOIO DO MEDO (1977) é seu intervalo até que bastante longo (de quatro anos) entre ele e O EXORCISTA (1973), o maior sucesso comercial de William Friedkin – e que foi durante muito tempo o filme de horror mais rentável já produzido. Durante esse tempo, o cineasta era um dos reis de Hollywood, junto com Coppola e Spielberg. Isso por causa de seus dois imensos sucessos de público e crítica anteriores, OPERAÇÃO FRANÇA (1971), que ganhou o Oscar de melhor filme, e o já citado fenômeno O EXORCISTA.

Um daqueles filmes fundamentais que por algum motivo eu não tinha visto até hoje, O COMBOIO DO MEDO chega até mim na bela cópia em BluRay da Versátil, com direito a uma excelente entrevista de mais de uma hora do diretor William Friedkin para o diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn, que tinha a irritante mania de se autoproclamar a versão jovem de Friedkin e a irritar muitas vezes o diretor de O EXORCISTA. Inclusive, ao trazer por demasiado tempo da conversa a questão do fracasso. E o filme de fato foi um fracasso na época, de bilheteria e de crítica, mas não quer dizer que seja um fracasso artístico. Tanto que hoje é visto como uma de suas obras-primas.

Algo que me chamou a atenção na entrevista nem foi o jeito ora irritadiço, ora simpático de Friedkin, em contar pacientemente e detalhadamente sua experiência com a produção do filme, mas a sua modéstia ao citar O TESOURO DE SIERRA MADRE, de John Huston, como uma de suas maiores inspirações para sua história. Ao dizer que jamais fez e jamais fará uma obra-prima do quilate do filme de Huston ele se coloca numa posição que eu não costumava vê-lo. De certa sobriedade e reverência. Se temos a história de que ele chegou a Henri-Georges Clouzot para dizer que faria um filme melhor que o dele, já se cria uma imagem de alguém bem pouco modesto.

Aliás, senti falta na entrevista de uma ênfase maior na questão do mal no mundo, e de como Friedkin foi talvez o grande cineasta americano a lidar com esse tema. Que aparece em todos os filmes da década de 1970 e também em PARCEIROS DA NOITE (1980), VIVER E MORRER EM LOS ANGELES (1985), entre outros. Nas primeiras cenas de O COMBOIO DO MEDO, as que apresentam os quatro personagens principais, vindo de quatro diferentes partes do planeta, o que vemos é justamente esse aspecto sombrio e triste quanto ao estado das coisas naquele momento: ataques terroristas em Israel, cobrança extrema seguida de suicídio na França, assalto a uma igreja nos Estados Unidos, um trabalho de encomenda de um matador de aluguel no México.

O COMBOIO DO MEDO é um desses filmes que a gente começa a ver e não quer parar. Não importa se os personagens provocam ou não alguma empatia. São mesmo todos criminosos e estão naquela espécie de purgatório, que é esse país empoeirado e extremamente quente em algum lugar da América Latina (boa parte do filme foi filmada na República Dominicana).

Já havia visto O SALÁRIO DO MEDO, de Henri-Georges Clouzot, inclusive no cinema, e acredito que Friedkin conseguiu fazer um trabalho ainda mais admirável a partir do romance de Georges Arnaud. Por mais que seja um trabalho cru, sem sentimentalismos (Friedkin é assim) e com um pé mais no realismo, em determinado momento, principalmente quando os quatro personagens principais estão nos dois caminhões carregando nitroglicerina, em algumas cenas o filme se reveste de uma atmosfera de sonho, em especial quando Roy Scheider se vê entre sua missão e seus traumas do passado.

Antes de encerrar o texto, não posso deixar de destacar a cena mais incrível: a primeira passagem de um dos caminhões pela ponte de madeira. Que loucura! E de fato, quando Friedkin dizia para Steve McQueen que já havia conseguido as locações, ele de fato havia encontrado um lugar perfeito. McQueen era a primeira escolha do diretor quando fez seu elenco. Foi substituído por Scheider pois McQueen não queria deixar sua casa para passar meses longe de sua então esposa, Ali McGraw. Pediu que Friedkin conseguisse um papel para ela no filme e o diretor negou; pediu que ele arranjasse um lugar para ela como produtora executiva, também negou; pediu que transferisse as filmagens para os Estados Unidos, e Friedkin também negou. Ou seja, o diretor sabia o que queria e inclusive, quando finalizou suas filmagens, ficou tão satisfeito que viu O COMBOIO DO MEDO como sua obra mais bem acabada. E que bom que hoje o mundo percebe o filme com outros olhos.

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POPCORN – O PESADELO ESTÁ DE VOLTA (Popcorn)

Acho legal pegar pra ver algum slasher ou filme de terror de baixo orçamento e ter depois algum extra interessante com depoimentos dos envolvidos para enriquecer o trabalho (ou a experiência). Isso pode ajudar a valorizar o esforço de realização de um filme que pode não ser bom. No caso, de POPCORN – O PESADELO ESTÁ DE VOLTA (1991), de Mark Herrier, eu acho que ajudou pouco (gosto mais do extra do que do filme), mas não há como negar que esta fita tem suas qualidades, especialmente na força da protagonista, uma atriz, que, curiosamente, entrou no meio das filmagens, pois a atriz anterior não estava fazendo um bom trabalho, segundo os realizadores. Trata-se de um filme que, de certa forma, antecipa o que veríamos a partir da franquia Pânico de Wes Craven, que representaria uma nova página na história dos slashers, depois de passada a era de ouro, nos anos 1980. Aqui temos a história de uma garota que é estudante de cinema e que planeja fazer um filme inspirado nos pesadelos que tem com recorrência. Seu grupo de estudantes de cinema resolve fazer uma noitada só com filmes de terror vagabundos, mas divertidos, e que trazem alguns atrativos para as audiências, como uma inovação no 3D ou uso de cheiros ou eletricidade nas cadeiras. Essa é a parte divertida. A parte mais chata do filme é o vilão, principalmente quando ele começa, na meia-hora final, o blá-blá-blá de como foi injustiçado e como será o seu plano de vingança. Curiosamente, o filme foi rodado na Jamaica, o que me pareceu inusitado, mas para o elenco foi uma diversão: fazer o filme e ainda viajar para uma ilha do Caribe. Pena que a participação de Dee Wallace é pequena (faz o papel da mãe/tia da jovem protagonista), mas ao que parece ela não se importou de viver o resto da vida fazendo horror de baixo orçamento. Certamente tem uma relação de afeto com o gênero. No mais, não sei se era já uma tendência da época, mas nenhuma das cenas de morte provoca qualquer impacto, o que depõe contra o filme. Visto no box Slashers VI.

ANJO E DEMÔNIO (Supernatural)

Em tempos de busca por filmes curtos para tentar ver a possibilidade de vê-lo integralmente, pelo cansaço, optei por este horror B da era pré-code de Hollywood, com apenas 64 min de duração. Embora barato, o filme conta com a estrela Carole Lombard e com o jovem Randolph Scott, que ficaria famoso por estrelar excelentes westerns nas décadas seguintes. A trama de ANJO E DEMÔNIO (1933), de Victor Halperin, é muito louca: envolve uma mulher que foi condenada à pena capital por assassinatos em série. Ela tinha a fama de matar suas vítimas, todos homens, usando as próprias mãos em seus pescoços. Um cientista que acredita no sobrenatural faz um acordo com ela. Seu interesse é checar a possibilidade de espíritos de mortos reaparecerem e deixarem sua marca. Enquanto isso, uma jovem aristocrata (Lombard) sofre com a morte recente de seu irmão e é abordada por um médium fake que diz que seu irmão deseja falar com ela do outro plano de existência. É um filme bem acelerado e fiquei pensando no quanto sua trama seria bem aproveitada por um novo diretor talentoso da atualidade. Aqui, se por um lado o ritmo dinâmico é interessante e atraente, por outro, senti falta de algum respiro. Visto no box Obras-Primas do Terror 21.

CAMPEÃO DE BOXE (The Champion)

O boxe no cinema sempre foi um sucesso. E acredito que este filme de Charles Chaplin nem foi o primeiro a apresentar esse esporte, que seria explorado das mais diferentes maneiras ao longo da história do cinema. Em CAMPEÃO DE BOXE (1915) ele antecipa o que faria depois em LUZES DA CIDADE (1931). O uso da câmera parada fica bem evidente nesses primeiros curtas, mas Chaplin já era aqui um mestre da mise en scène. Na trama, o vagabundo aceita levar umas porradas de um boxeador para ganhar uns trocados, mas, usando uma ferradura escondida dentro da luva, acaba se tornando um dos favoritos a disputar o campeonato. Gosto mais do primeiro ato do que dos dois seguintes, mas é um belo filme, com algumas gags que não envelheceram. Apresentei para meus alunos e eles acharam parecido com Chapolin Colorado. Bingo!

segunda-feira, janeiro 06, 2025

GAROTO



Na manhã seguinte ao Globo de Ouro de melhor atriz dramática para Fernanda Torres por sua impecável interpretação em AINDA ESTOU AQUI, paro um instantinho para escrever para o blog pela primeira vez neste ano. Em outras circunstâncias estaria escrevendo sobre a festa, que não via desde a edição de 2020, que consagrou os filmes 2017, de Sam Mendes, e ERA UMA VEZ EM...HOLLYWOOD, de Quentin Tarantino (EDIT: Havia visto sim a cerimônia de 2024, só havia me esquecido, talvez por ser pouco memorável). Depois disso o prêmio foi “cancelado” por uma série de situações problemáticas, que depois foram contornados e hoje é um prêmio mais democrático, mais inclusivo e que voltou a ser transmitido por uma rede de televisão. Como não estava com a cabeça muito boa ontem, e não vi a premiação com muita atenção, achei melhor não escrever a respeito da cerimônia ou dar outros pitacos. Na verdade, só não parei de ver para dar play num filme ou ler um livro para dormir pois estava esperando o resultado do prêmio que a Fernanda estava concorrendo.

Por isso, comecemos o ano falando do primeiro filme que vi em 2025, GAROTO (2015), de Julio Bressane. Curiosamente, também se trata de um filme com a presença de uma grande atriz, Marjorie Estiano, provavelmente a maior de sua geração.

Como os filmes de Bressane são um pouco mais herméticos e por isso mesmo adoro ter a oportunidade de vê-los no cinema para ter uma experiência mais imersiva e saborosa, entendendo ou não as referências – só vi cinco de seus filmes no cinema, sendo o primeiro CLEÓPATRA (2007) e o último CAPITU E O CAPÍTULO (2021). Mas em casa pude fazer anotações de cenas que me chamavam a atenção e isso foi muito rico, ajudou ainda mais, tanto na compreensão quanto no prazer de pensar o filme.

"O mistério do amor é maior que o mistério da morte". Essa é uma das várias frases citadas pela personagem de Estiano ao longo do filme. Procurei na internet o autor da frase, achando se tratar de Borges, mas parece que é de Oscar Wilde. Essa frase me agrada muito e tem tudo a ver com o destino de seus personagens, numa história inspirada (mas não creditada) num conto do grande Jorge Luis Borges, chamado “O Assassino Desinteressado Bill Harrigan”, presente no livro História Universal da Infâmia (1935). Aliás, soube, enquanto procurava informações sobre GAROTO, que Bressane conversava com Borges por telefone na década de 1980. Já há muito tempo que o cineasta tinha interesse em adaptar este conto.

Pois bem. Começo o ano com um filme da fase mais recente do maior cineasta brasileiro vivo. Um filme curtinho, de apenas 76 min, com uma Marjorie Estiano no início da fama e um Gabriel Leone recém-saído da série adolescente MALHAÇÃO – só conheci Leone vendo EDUARDO E MÔNICA. Em GAROTO, Leone faz um jovem inseguro e mudo; Estiano é uma moça que não para de falar e filosofa sobre a vida, além de ser ela que orienta os rumos de quase tudo para os dois.

E ela tem um viço que mexe com o rapaz. Algo que o diretor faz questão de transformar em tensão sexual. E quando o sexo surge, surge de maneira inusitada, a partir do uso de uma câmera subjetiva. Marjorie aproxima-se para a câmera a fim de beijar o rapaz, o que me remeteu a uma das cenas mais sensuais da história do cinema: a de Grace Kelly se aproximando para beijar James Stewart em JANELA INDISCRETA, de Alfred Hitchcock.

Logo em seguida, pela mesma câmera subjetiva, o sexo oral é ocultado, mas o leite espesso não. Antes disso, somos convidados a partilhar do desejo dos personagens, a partir dos closes dos ombros dela, das mãos, da nuca, e das imagens de aproximação de seus corpos. Em determinado momento, a personagem feminina segura um cipó enorme, que parece seguir até os céus, segundo o posicionamento da câmera de baixo para cima, como se estivesse segurando, com muita segurança e poder feminino. O cipó parece um falo gigante, ou divino.

A trama é dividida em duas partes, uma em que predomina o verde e outra no sertão da Paraíba, o mesmo lugar onde Bressane filmou SÃO JERÔNIMO (1999). No sertão, o filme muda de tom. Sai o viço, entra o companheirismo em tempos difíceis, o desconforto, a fome, o cansaço, a falta de teto, imagens que lembram às vezes VIDAS SECAS, de Nelson Pereira dos Santos. Senti falta nesta segunda parte das falas filosóficas da primeira. Mas aqui é um momento em que os dois, apesar de tudo, parecem se unir no silêncio.

O trabalho de som é um destaque, assim como a ênfase à passagem do tempo através da natureza, do céu, das árvores, das misteriosas cenas finais. Bressane faz filmes artesanais ímpares, com uma marca sua. Quem dera todos os seus trabalhos fossem exibidos em nosso circuito. Vê-los na tela grande é sempre glorioso. Mas também é uma alegria termos hoje uma oportunidade de conseguir com mais facilidade grande parte de seus mais de 40 filmes, entre longas, curtas e segmentos.

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ESTRANHO CAMINHO

Ainda se costuma falar de Guto Parente como um dos melhores cineastas do Ceará, mas isso já deve nem ser mais dito. É dos melhores do Brasil e do mundo. O modo como ele narra esta história trazendo leveza e doçura para um momento tão delicado, como foi a pandemia, é admirável. Além do mais, a trama de um jovem cineasta que se vê perdido frente ao fato de que seu filme não passará mais num festival por causa do lockdown e das mudanças que transformaram o Brasil e o mundo num filme de apocalipse é tão carregada de humor que imagino que foi sábio da parte do cineasta (ou do tempo ou das conjunções astrais) que este filme não entrasse em cartaz em 2021, quando ainda se era muito delicado tratar com um pouco de humor desse cenário. Mas Parente está longe de tratar seus personagens e as situações por que eles passam sem a devida solidariedade. O rapaz, David (Lucas Limeira, ótimo), procura por seu pai em Fortaleza, um pai que ele não vê há muito tempo. Aparentemente, ele guarda alguma lembrança ou situação triste envolvendo o pai. Geraldo, seu pai, é vivido por Carlos Francisco (definitivamente, um dos maiores atores brasileiros vivos). Todas as cenas de David no apartamento do pai, enquanto este está no computador são impagáveis. Trazem um humor que combina com as estranhezas que logo tomarão corpo ao longo da obra. De Lynch a Bresson, ESTRANHO CAMINHO (2023) é uma declaração de amor ao cinema. Mas também, e principalmente, um gesto delicado para quem amamos.

SAUDOSA MALOCA

Achando interessante a carreira do diretor Pedro Serrano e sua forte relação com Adoniran Barbosa. Primeiro foi com o curta DÁ LICENÇA DE CONTAR (2015), depois com o documentário ADONIRAN – MEU NOME É JOÃO RUBINATO (2018) e agora com SAUDOSA MALOCA (2023), um longa de ficção que nada na contramão das cinebiografias mais convencionais, optando por uma história menos centrada na vida do celebrado sambista paulista e mais nas letras de suas canções. Sendo assim, pouco importa se Joca (Gustavo Machado) e Mato-Grosso (Gero Camilo) realmente existiram (ao que parece, sim), mas eles estão na letra da canção-título do filme e aqui desempenham papéis tão importantes quanto o vivido por Paulo Miklos. Há também Iracema (Leilah Moreno), que ganhou uma triste canção com seu nome por Adoniran e que é uma das poucas personagens femininas importantes de um filme que se destaca por um elenco basicamente masculino. Gosto das cenas de samba no bar e gostaria que houvesse mais. Além do mais, o filme nem sempre se apresenta muito atraente, por mais que o trio de atores principais esteja ótimo e o diretor às vezes opte por ângulos muito bonitos e pouco usuais.

VERMELHO MONET

Um filme sobre um falsificador em busca de inspiração e de duas mulheres que se sentem atraídas uma pela outra e roubam um pouco de cada uma para benefício próprio. No meio de tudo, citações a grandes pinturas e a Florbela Espanca – o famoso poema musicado por Fagner surge como um fado em determinado momento. As primeiras imagens de VERMELHO MONET (2022), a primeira incursão de Halder Gomes num cinema por assim dizer mais sério até que trazem uma boa impressão, até porque são valorizadas pela bonita fotografia em cores nítidas. Imagens em super close-up dos olhos de Maria Fernanda Cândido em scope, imagens em preto e branco que depois veríamos ser da visão sendo perdida do personagem de Chico Diaz, imagens de uma Lisboa cheia de charme, cenas que valorizam o vermelho se destacando das demais cores. Aliás, é como se a ideia do filme surgisse justamente desse destaque do vermelho (com o azul, principalmente) para depois ser criada uma história e um roteiro infelizmente bem problemáticos e que acabam por prejudicar também a performance do trio principal de atores. A jovem estreante Samantha Müller funciona bem como símbolo do amor passado do pintor. As cenas mais bonitas do filme são as mais desprendidas da trama. Por isso talvez o diretor tivesse mais sucesso num filme mais experimental.