quarta-feira, junho 27, 2012
O BANDIDO DA LUZ VERMELHA
Vendo os extras do DVD da versão restaurada de O BANDIDO DA LUZ VERMELHA (1968), achei interessante o que falou Inácio Araújo descrevendo a ruptura que o filme de Rogério Sganzerla representou e o quanto os cineastas do chamado Cinema Marginal (Sganzerla, Júlio Bressane, Carlos Reichenbach, Andrea Tonacci, Ozualdo Candeias e outros) pareciam um só bloco em contrapartida com os cineastas do Cinema Novo, que naquele momento, embora não tivessem conquistado o público, tinham se firmado como uma espécie de "cinema oficial". Depois ele fala que, na verdade, cada um desses cineastas, não apenas os do Cinema Novo, como os do Cinema Marginal, também mostrariam ter suas próprias particularidades.
O filme surgiu praticamente no mesmo tempo que saiu o AI-5 e, assim como o Tropicalismo, que nascia nessa época (1967-68), transcendia a política, que se tornava insuficiente naquele momento. A revolução não estava em partidos políticos, estava no corpo e na mente; não era nacional, era global. E interessante esse vaivém de tendências entre nacionalismos e irreverências com o nacional - na literatura também ocorreu com o Romantismo e o Modernismo, por exemplo. O Tropicalismo foi uma espécie de continuação das ideias dos modernistas de 1922, só que com um alcance muito maior, pois havia a música e o cinema como elementos principais.
Um dos discursos do bandido do filme (Paulo Vilaça) é bem interessante nesse sentido e é bem explicado nos extras do filme por Carlos Ebert e Helena Ignez. É quando ele diz: "Sozinho a gente não vale nada". E depois diz: "E daí?". Esse "e daí?" faz toda a diferença, pois desfaz a frase anterior, que parece muito o discurso manjado da esquerda da época. E a ideia na época era se aproximar mais do anarquismo. Por isso a frase mais conhecida do filme é: "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba", também dita pelo bandido.
Senti necessidade de rever o filme, que vi num Corujão na Rede Globo na aurora de minha cinefilia, graças à sua ''continuação", LUZ NAS TREVAS (2012), de Helena Ignez, que já está passando em alguns cinemas do Brasil, mas que ainda não chegou por aqui. Na época que o vi não tinha conhecido nada do Godard ainda, por isso não podia fazer nenhuma relação ou reconhecer as influências. Devo ter visto o filme como boa parte do público o viu na época, pois dizem que O BANDIDO DA LUZ VERMELHA teve grande sucesso popular.
E isso não deixa de ser curioso, pois o filme é bem moderno, ou pós-moderno, melhor dizendo. O que não o torna tão fácil para assimilar. Sem falar que na época, o som não era muito bom e muitas das piadas do filme acabaram passando batidas pelo público. Mas de qualquer maneira, a agilidade do filme, sua montagem meio louca, com a retirada dos "tempos mortos", a narração sensacionalista de locutor de rádio e a própria figura do bandido foram o suficiente para atrair o público. Soube nos extras também o quão inventivo foi Sganzerla, ao utilizar, com poucos recursos, muitos planos-sequência, usando cadeiras de roda, tapetes e até mesmo o cameraman saltando de dentro de um carro em movimento.
Nos extras, muito legal o documentário em curta metragem que Sganzerla realizou antes de seu longa, o curta DOCUMENTÁRIO (1966), que mostra dois jovens transitando pelas ruas de São Paulo discutindo sobre o que fazer, falando muito de cinema, passando em frente a salas de exibição, em bancas de jornal e com uma dublagem bem precária, mas por isso mesmo muito interessante de ver. Há também um curta novo chamado B2 (2001), com direção e montagem de Sganzerla e Silvio Rinoldi. O curta é uma espécie de videoclipe com imagens representativas da época, e principalmente de sobras de O BANDIDO DA LUZ VERMELHA, ao som de samba, blues e Jimi Hendrix. B2 pode ser conferido pelo youtube AQUI.