segunda-feira, fevereiro 28, 2011

OSCAR 2011



E o Oscar 2011 deu um passo atrás e se rendeu ao academicismo de anos anteriores, tendo como várias opções diretores e filmes mais modernos. O DISCURSO DO REI foi o vencedor da noite, ainda que não tenha conquistado tantos prêmios, levando em consideração o número de indicações (doze). A vitória do filme de Tom Hooper (que também levou o prêmio de direção) acabou deixando uma grande leva de cinéfilos indignados. Eu, como já estou há mais de vinte anos acompanhando a premiação, já não ligo mais para "injustiças". Lembremos que bombas maiores (QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? e CHICAGO, só para citar duas) já ganharam o prêmio principal. Injustiça por injustiça, ALÉM DA VIDA, de Clint Eastwood, foi indicado apenas na categoria de efeitos visuais!

O negócio é relaxar e curtir o que há de melhor da festa. E até o que há de pior e constrangedor também, que acaba sendo motivo de risos e comentários entre os amigos do twitter. Aliás, ver a festa no twitter é muito mais animado. Uma grande mesa redonda cheia de amigos com interesses em comum mas nem sempre com a mesma opinião, é claro. No twitter, eu fiquei sabendo o quanto Billy Crystal é amado. Não só por mim, como por muitos que o consideram o melhor apresentador do Oscar de todos os tempos. Ou pelo menos dos últimos vinte anos. Sua aparição fez com que todos na plateia ficassem de pé. O ator e comediante acabou se tornando quase uma lenda na história do Oscar.

Mas em compensação, as homenagens a Francis Ford Coppola, Jean-Luc Godard e Eli Wallach foram uma tristeza e uma total falta de consideração para com os homenageados. Tudo bem que todo mundo sabia que Godard não ia pôr os pés em Hollywood, mas por que não escolher um só e homenagear com um clipe com grandes momentos da carreira, como aconteceu em outras edições? Entre os pontos positivos, podemos destacar a apresentação do jovem casal James Franco e Anne Hathaway. E como era de se esperar, Anne se saiu muito melhor do que o seu parceiro, fazendo um número musical que tirava um sarro de Hugh Jackman. A atriz é tão extrovertida e corajosa que dá até inveja. Fez até piada com a sua não-indicação, dizendo que antigamente quem tirava a roupa ganhava indicações, fazendo citação a seu filme AMOR & OUTRAS DROGAS.

Quanto às premiações, a mais bem recebida da noite foi sem dúvida a de Natalie Portman, por CISNE NEGRO. A jovem israelense é uma atriz de mão cheia e mereceu demais o prêmio, o único recebido pelo longa de Aronofsky. Mas eu notei algo de triste no semblante da jovem desde a sua aparição no tapete vermelho. Espero que esteja tudo bem com ela. Junto com a Catherine Zeta-Jones foi a mulher grávida mais bela a subir para receber o prêmio. E ela ainda teve a sorte de ter um comercial de um perfurme da Dior, dirigido pela Sofia Coppola, passando nos intervalos comerciais.

Uma das coisas que muita gente odiou, mas que eu gostei, foi a solução encontrada para anunciar os indicados a melhor filme. Eles fizeram uma edição com o emocionante discurso final de Colin Firth em O DISCURSO DO REI com imagens de cenas de batalhas ou lutas dos outros filmes indicados. O resultado ficou classudo, bonito, com uma música de fundo bela e solene. E que acabou valorizando todos os indicados, por mais que já soubéssemos naquele momento que a vitória do filme mais careta da noite estava certa. E também teve o problema dos spoilers, mas quem mandou não ver os filmes com antecedência? :)

Entre as beldades da noite, posso destacar Mila Kunis, com um sex appeal fenomenal. É como se ela estivesse ainda sob o efeito da personagem de CISNE NEGRO, assim como Natalie. Gwyneth Paltrow e Mandy Moore estavam lindas cantando, embora as canções não fossem lá tão boas. Mas isso já é de praxe na festa do Oscar. Nicole Kidman parece estar passando por uma reviravolta positiva em sua vida. Está mais bonita e voltou a ser indicada. Mas a garota que chamou mais a atenção de todos foi mesmo Jennifer Lawrence, de apenas vinte aninhos e indicada ao prêmio por INVERNO DA ALMA, numa interpretação muito boa. Espera-se que tenha uma carreira brilhante.























Os vencedores da noite:

Melhor Filme - O DISCURSO DO REI
Direção - Tom Hooper (O DISCURSO DO REI)
Roteiro Original - O DISCURSO DO REI
Roteiro Adaptado - A REDE SOCIAL
Ator - Colin Firth (O DISCURSO DO REI)
Atriz - Natalie Portman (CISNE NEGRO)
Ator Coadjuvante - Christian Bale (O VENCEDOR)
Atriz Coadjuvante - Melissa Leo (O VENCEDOR)
Fotografia - A ORIGEM
Montagem - A REDE SOCIAL
Trilha Sonora Original - A REDE SOCIAL
Canção Original - "We Belong Together", de TOY STORY 3
Mixagem de Som - A ORIGEM
Edição de Som - A ORIGEM
Efeitos Visuais - A ORIGEM
Direção de Arte - ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS
Figurino - ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS
Maquiagem - O LOBISOMEM
Filme Estrangeiro - EM UM MUNDO MELHOR (Dinamarca), de Susanne Bier
Longa de Animação - TOY STORY 3
Curta de Animação - THE LOST THING
Curta - GOD OF LOVE
Documentário - TRABALHO INTERNO
Curta Documentário - STRANGERS NO MORE

sábado, fevereiro 26, 2011

INVERNO DA ALMA (Winter's Bone)



E acabei de conferir o ultimo que faltava eu ver dos dez indicados ao prêmio principal do Oscar 2011. Talvez seja o menos brilhante dos dez, mas talvez eu e muita gente que não gostou do filme não tenhamos visto as sutilezas que INVERNO DA ALMA (2010) guarda. O filme é um bom retrato de uma face dos Estados Unidos que eles preferem esconder, mas que vez ou outra aparece em pequenos filmes: a da população predominantemente branca que vive nas regiões mais geladas do país, em condições econômicas pouco favoráveis e com pouca instrução.

No caso da protagonista, vivida pela bela Jennifer Lawrence, ela está passando por maus bocados. Sem dinheiro, a jovem de 17 anos tem que cuidar dos irmãos pequenos e da mãe doente, está com o pai desaparecido depois de ter sido solto da prisão, e está prestes a perder a casa, pois o pai, que cozinhava metanfetamina, havia dado a propriedade como garantia de sua fiança. Se ele não aparecer, ela perde a casa e o que já estava ruim, vai se tornar ainda pior. Assim, o filme gira em torno da busca da jovem por seu pai, ou pelo menos pelo seu cadáver, já que tudo indica que o sujeito foi assassinado.

O filme tem um andamento lento, o que por um lado é um conforto em meio a tantos filmes que se esforçam demais para chamar a atenção do público, com muitos cortes. Mas, por outro lado, falta ao filme de Debra Granik algo que faça com que nos "coloquemos nos sapatos" da corajosa moça. E isso acaba por nos deixar apenas como espectadores passivos, ainda que curiosos para saber até onde a epopeia da jovem vai chegar. No meio do caminho, ver Sheryl Lee, a eterna Laura Palmer de TWIN PEAKS, envelhecida, ainda me causa certo desconforto. Mas isso faz parte da vida e eu já deveria ter me acostumado com a velocidade e os efeitos do tempo.

INVERNO DA ALMA concorre ao Oscar nas categorias de filme, atriz (Jennifer Lawrence), ator coadjuvante (John Hawkes) e roteiro adaptado.

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

127 HORAS (127 Hours)



O Oscar está se aproximando e, como aconteceu nos dois anos anteriores, como forma de protesto em relação à má distribuição dos filmes em várias capitais (e outras cidades brasileiras de grande porte), resolvi optar pela "via alternativa". Em outros tempos, nenhum indicado à categoria principal deixava de estrear pelo menos até o final de semana da cerimônia. No ano passado, o caso foi ainda mais escabroso, pois o vencedor de melhor filme, GUERRA AO TERROR, havia sido lançado primeiro no mercado de dvd e só foi lançado no cinema, com poucas cópias, algumas em digital tosco, por causa da indicação ao prêmio. No ano anterior, o vencedor QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? (2008) também não estreou aqui a tempo. E pensar que anos atrás até os indicados a filme estrangeiro eram todos exibidos antes da cerimônia... Mas falando em QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?, Danny Boyle está de volta, dessa vez com um filme bem melhor. Embora, vale destacar, 127 HORAS (2010) fique atrás da maioria de seus adversários em vários quesitos.

Uma das características do Oscar deste ano é que a categoria de melhor diretor só tem gente da nova geração, gente surgida na década de 90. Os mais antigos são os irmãos Coen, que já nos anos 80 se fizeram notar. Com exceção de Tom Hooper, que segue uma linha mais clássica, os demais vieram de um cinema mais moderno. Ou modernoso. 127 HORAS não é um filme com cara de Oscar e provavelmente só foi indicado pela visibilidade alcançada por Boyle em seu premiado filme anterior. E também, claro, por ter a sua força e despertar o interesse de muitos. A história, baseada em fatos reais, não deixa de ser impressionante, e o momento mais dramático do filme, a já famosa cena de automutilação, deve incomodar os espectadores mais sensíveis.

Na trama, Aron Ralston (James Franco) parte para o deserto rochoso do Utah para fazer uma caminhada exploratória e se desligar do mundo. Para ele, a maior alegria era ficar sozinho na vastidão daquele lugar desabitado. Depois de conhecer duas garotas perdidas no deserto e de se divertir com as meninas, ele sofre um acidente. Uma pedra prende o seu braço e o mantém preso por cinco dias. A partir daí o filme segue o sofrimento e a angústia do protagonista. E até que Boyle consegue segurar o filme durante o longo momento em que o personagem de Franco está preso e tentando diversas maneiras de se livrar dali antes que morra com a pouca água e a pouca comida de que dispõe. Enquanto isso, vez ou outra, vemos flashes de alguns momentos da vida de Aron Ralston, além de momentos de delírio. Que nem sempre funcionam bem no filme, como aquele em que ele se imagina num programa de auditório. Outra coisa que incomoda é a edição picotada com que o cineasta já havia gostado de trabalhar em seu asqueroso filme anterior.

127 HORAS foi indicado ao Oscar nas categorias de filme, direção, ator (James Franco), roteiro adaptado, edição, trilha sonora original e canção original ("If I rise"). Provavelmente não ganhará nenhum dos prêmios.

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

LEMMING – INSTINTO ANIMAL (Lemming)



O que mais impressiona em LEMMING - INSTINTO ANIMAL (2005) é a a atmosfera de tensão constante, mesmo em momentos comuns da rotina do casal vivido por Laurent Lucas e Charlotte Gainsbourg. Em certos momentos, o filme lembra A ESTRADA PERDIDA, de David Lynch, e CACHÉ, de Michael Haneke. LEMMING se destaca de CACHÉ por não beber na fonte de Lynch também na trama, mas apenas na atmosfera. E falar da trama do filme de Dominik Moll é provavelmente estragar as várias surpresas que o filme reserva. Tive a sorte de ver o filme sem saber nada a respeito. O que havia lido, ou foi de maneira muito rápida, ou a crítica também evitava falar dos momentos mais surpreendentes.

Mas falemos um pouco do ponto de partida de LEMMING. Na trama, Laurent Lucas é um designer que trabalha com tecnologia. A primeira cena do filme o mostra apresentando uma webcam voadora, que pode ser monitorada por controle remoto e detectar o que o usuário deseja. Sua intenção é vender a invenção a empresas de tecnologia e segurança. Ele tem uma esposa adorável (Charlotte Gainsbourg) e um relacionamento estável e agradável. Um "casal modelo", como outra personagem diria mais adiante.

Dois momentos são os pontos de partida para os eventos bizarros que ocorrerão nos próximos minutos. O primeiro é a chegada para jantar do chefe do designer (André Dussollier, conhecido de quem viu os últimos trabalhos de Alain Resnais) e de sua estraha esposa (Charlotte Rampling). O segundo acontece à noite, depois do jantar nada amistoso, quando o personagem de Lucas levanta-se de madrugada para consertar um problema do entupimento da pia da cozinha. Acaba encontrando um roedor parecido com um hamster num dos tubos. Mais tarde sua esposa descobrirá tratar-se de um lemingue, um roedor só encontrado nos países nórdicos.

Contar mais do que isso seria até um crime. É preciso ver até onde o filme vai e em que ele se transforma para ver o quão admirável ele é. LEMMING é mais um exemplar do brilhante cinema de horror francês, que a cada ano vem se mostrando mais original, empolgante e intrigante. O caso do diretor Dominik Moll é especial. Ele levou cinco anos entre o aclamado HARRY CHEGOU PARA AJUDAR (2000, que eu ainda não vi) e LEMMING. E seu mais novo filme, em fase de pós-produção, THE MONK, teve um intervalo de seis anos em relação a LEMMING. Seu primeiro longa-metragem, INTIMITÉ, é de 1994. Ainda que com um intervalo tão grande entre um trabalho e outro, se todos os filmes de Moll forem tão brilhantes quanto LEMMING, estamos diante de um novo e ainda pouco reconhecido mestre do suspense.

terça-feira, fevereiro 22, 2011

O RITUAL (The Rite)



Quando ouvi dizer que O RITUAL (2011) era ruim, não acreditei que fosse tão ruim. Esse papo de que é um filme realista, não é fantástico, pra mim não cola. Mas talvez até tenha sido mesmo a intenção do diretor sueco Mikael Håfström e do produtor Beau Flynn, o mesmo do ótimo O EXORCISMO DE EMILY ROSE. Foi ele que foi atrás do projeto e talvez o filme seja mais dele do que do diretor, nesse sentido. Håfström é mais uma dessas promessas que chegam aos Estados Unidos e se transformam em paus mandados.

O RITUAL até que começa de maneira intrigante. O protagonista, vivido pelo desconhecido Colin O'Donoghue, é um rapaz que trabalha ajudando o pai (Rutger Hauer) a embalsamar e maquiar cadáveres. Ele aceita entrar no seminário de Teologia com a intenção de não finalizar o curso, isto é, de não se tornar um padre. Mas um padre mais velho tenta impedi-lo e o manda a Roma, para uma escola de exorcismo. Pelo que dizem nas matérias do filme por aí, essa tal escola existe mesmo. E é quando chega lá que ele conhece um exorcista profissional (Anthony Hopkins).

As sessões do personagem de Hopkins com uma jovem possuída grávida são as melhores coisas do filme. Depois disso, é ladeira abaixo. Nem mesmo Alice Braga ajuda. Aliás, sua personagem é apagadíssima. Ficou parecendo uma atriz de quinta categoria. Ela merece coisa melhor do que anda pegando. Quando achei que PREDADORES era o fundo do poço para ela, vem esse O RITUAL.

Se há algo no filme que mereça crédito é a fotografia de Ben Davis (KICK-ASS, STARDUST), sempre muito escura, que serve como uma tentativa de dar ao filme um ar sempre opressivo; e a interpretação bem no tom do jovem O'Donoghue, que deu o melhor de si para o papel. As sequências externas em Roma também dão um ar de Dario Argento ao filme, mas essa impressão só dura uns poucos minutos. Enquanto O RITUAL parece durar várias horas.

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

BIUTIFUL



Sábado à noite, estava indo em direção à casa de minha amiga Valéria e atravessava a Avenida da Universidade. Estava com os vidros do carro fechados e o ar condicionado ligado. Ía à festa de formatura do nosso amigo Manéu. Há um sujeito que fica mendigando ali pela avenida. Ele só tem uma perna, mas não usa muleta. Consegue se virar muito bem, pulando como um Saci. Ele vai de carro em carro, sem fazer cara de coitadinho. Mas às vezes, principalmente quando está chovendo forte e ele fica exatamente no meio da avenida sentado, como se quisesse que algum carro o atropelasse, é que eu vejo que ele pode estar mesmo sofrendo.

Ontem, enquanto ia à noite para essa festa, parei no sinal e fiquei pensando na minha vida, que andou me pregando umas peças nos últimos dias. Estava tão pensativo, que bastou ele bater no vidro do carro que eu tomei um daqueles sustos, como de filme de terror. Assustei-me e fiquei com raiva dele. Disse que não tinha dinheiro. Hoje passei pelo mesmo lugar no final da tarde. Lá estava ele de novo e o sinal novamente fecha. Eu estava com os vidros baixos e ouvindo Roberto Carlos. Aliás, tenho ouvido Roberto desde sexta à noite, usando quase como música de fossa. Dessa vez, eu dei uns trocados a ele. E ele percebeu que eu estava ouvindo Roberto e fez o comentário: "Ah, ele aí perdeu a perna num acidente de trem, não foi?". Eu respondi afirmativamente. Ele trocou de assunto, falando de um apartamento que estava ficando bonito do outro lado da rua. O sinal abriu. Eu me despedi dele e fiquei pensando no fato de ele ter se identificado com um artista tão famoso poder servir de alento para a sua existência.

Toda essa introdução um tanto deprê até combina com o filme em questão: BIUTIFUL (2010), o quarto longa-metragem do mexicano Alejandro González Iñarritú. Trata-se de um desses filmes que abordam desgraças, como já virou característica da obra do cineasta. Aliás, essa é uma das razões pelo fato de ele ter se tornado tão mal visto entre boa parte da crítica. Eu não tenho muito do que reclamar de seu cinema. Gosto até de sua obra mais fraca, BABEL (2006), e sou fã de AMORES BRUTOS (2000) e 21 GRAMAS (2003).

BIUTIFUL marca o desligamento de Iñarritú com seu antigo companheiro, o roteirista Guillermo Arriaga. Saem de cena os enredos múltiplos e costuradas de forma insólita, mas permanece a desgraça na vida de seus personagens. A começar pelo protagonista, vivido por Javier Bardem. Ele interpreta um homem que ganha dinheiro financiando o trabalho ilegal de imigrantes vindos da Ásia e da África em Barcelona. Ele também ganha uns trocados dos familiares de recém-falecidos, ouvindo o que eles pensaram pouco antes de partir. A pior desgraça da vida do personagem é que ele está com câncer de próstata num estado avançadíssimo. Ele tem no máximo dois meses de vida. Mas ele tenta negar isso, já que ele tem uma vontade muito grande de viver. Mesmo não tendo exatamente uma vida exemplar, já que tem que cuidar sozinho de seus dois filhos, pois a mãe do garotinho e da adolescente tem problemas de alcoolismo e é maníaco-depressiva.

Ao contrário do que eu esperava, e apesar de carregar bastante no sofrimento não apenas do protagonista, mas também de sua esposa, dos filhos e dos imigrantes e familiares, BIUTIFUL não é um filme melodramático. Iñarritú prefere um registro mais centrado na dor do que na comiseração ou na utilização de recursos mais vulgares de provocar o choro no espectador. Trata-se de um filme mais espiritual, mais de reflexão sobre a vida e a morte do que um filme sobre o lamentar a morte ou de valorização da vida, como geralmente acontece. Há elementos do cinema fantástico em alguns momentos e isso acaba destacando o filme dos demais. É um trabalho que merece o respeito do público. Sem falar que conta com mais uma ótima interpretação do mais versátil ator da atualidade.

BIUTIFUL recebeu duas indicações ao prêmio da Academia: ator (Javier Bardem) e melhor filme de língua estrangeira (concorrendo pelo México).

P.S.: Está no ar a edição #42 da Revista Zingu! O destaque do mês é o Dossiê Alfredo Sterheim. E que bom que vários filmes dele são resenhados. Vai servir de estímulo para que eu finalmente veja alguns dele que eu tenho guardados há algum tempo. Há também uma longa entrevista com o cineasta e crítico, além de vários depoimentos. Uma das melhores edições da Zingu!, hein!

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

À PROCURA DO DESTINO (Inside Daisy Clover)



Robert Mulligan foi um dos cineastas falecidos em 2008 cujo trabalho me interessou o bastante para eu pegar alguns exemplares de sua obra para ver. Acontece que o tempo foi passando e meu plano de ver seis de seus filmes acabou atrasando. Por enquanto só vi QUANDO SETEMBRO VIER (1961), O SOL É PARA TODOS (1962) e O GÊNIO DO MAL (1965). Já tinha visto antes na televisão O PREÇO DE UM PRAZER (1963) e VERÃO DE 42 (1971). Quer dizer, ainda tenho para ver A NOITE DA EMBOSCADA (1968) e A INOCENTE FACE DO TERROR (1972). Isso, apenas entre os que eu peguei. Por enquanto, tenho gostado de tudo que vi, embora o mais próximo de uma obra-prima seja mesmo O SOL É PARA TODOS.

À PROCURA DO DESTINO (1965) tem um atrativo extra, que é a presença da mais bela estrela da década de 60, Natalie Wood. Infelizmente neste filme ela interpreta uma adolescente de 15 anos e fica mais complicado explorar uma sensualidade como a mostrada em O PREÇO DE UM PRAZER e ESTA MULHER É PROIBIDA (este, de Sydney Pollack), para citar dois exemplos. Mas ainda assim o filme tem as suas ousadias, principalmente se compararmos com os dias politicamente corretos de hoje. Antes era comum ver nos filmes homens bem mais velhos indo para cama com menores. E o filme de Mulligan não se furta disso. Cheguei a ficar surpreso em algumas partes, como a tal cena do beijo com o "príncipe das trevas" Christopher Plummer.

Na trama, Natalie Wood é a Daisy Clover do título original. Uma adolescente pobre que trabalha numa loja de vinis e que tem uma mãe com problemas mentais. Ela envia um disco com a sua voz para Hollywood e para sua surpresa é chamada para fazer um filme musical. Eles resolvem criar uma nova estrela de cinema. Mas acontece que as coisas não são tão coloridas assim para a jovem Daisy, já que ela terá que se separar de sua mãe e perder a liberdade. Isso até conhecer o rebelde ator interpretado por Robert Redford, que faz o tipo galã que destrói corações.

Há no filme uma interessante sequência que parece um ensaio para o filme de horror que Mulligan dirigiria (A INOCENTE FACE DO TERROR). Isso acontece na cena em que Daisy está dublando repetidamente sua personagem para uma cena musical e tem um ataque de nervos ou algo do tipo. Mulligan foi muito feliz em construir uma atmosfera de pânico nesse instante com uma mixagem de som de respeito e a melhor sequência de montagem do filme. E embora o epílogo não seja tão animador, ficou muito bonito na fotografia scope. Em tempos de BURLESQUE, nada como ver um filme de vergonha sobre a fama. (Se bem que eu não vi BURLESQUE ainda. Só tenho um palpite de que seja um lixo.:))

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

ANTES QUE O MUNDO ACABE



Interessante notar a semelhança na utilização de hipérboles nos títulos dos dois mais importantes filmes brasileiros do ano passado a abordar a adolescência. Tanto AS MELHORES COISAS DO MUNDO, de Laís Bodanzky, quanto este ANTES QUE O MUNDO ACABE (2010), de Ana Luiza Azevedo, consciente ou inconscientemente, utilizaram títulos que têm tudo a ver com a explosão juvenil, com o exagero em lidar com a vida e com as próprias emoções. O filme de Laís Bodanzky teve um alcance maior, uma distribuição melhor, enquanto a obra de Ana Luiza ficou relegada ao circuito pequeno, mesmo tendo forte potencial para agradar grandes plateias, com sua narrativa agradável e terna.

O filme é narrado por uma criança, ainda que nem sempre ela esteja presente nas cenas do protagonista, o seu irmão mais velho, Daniel (Pedro Tergolina). Apaixonado pela namorada, Mim (a bela Bianca Menti), ele fica na mão quando ela diz que quer dar um tempo no relacionamento. Pra acabar ficando com o melhor amigo dele, Lucas (Eduardo Cardoso). O triângulo amoroso não chega exatamente a destruir a amizade dos dois amigos, embora cause alguns estragos. E é interessante notar que Mim não recebe um "ponto de vista" no filme. Ela é bela e misteriosa, enquanto os dois jovens sofrem na disputa pelo seu amor.

ANTES QUE O MUNDO ACABE também mostra um pouco dos adultos, que não são figuras necessariamente ausentes, embora haja o caso do pai biológico de Daniel, que é realmente ausente, mas que de repente começa a enviar cartas para o filho. Mas o curioso é que esses adultos sabem que o universo adolescente é um mundo à parte e pouco interferem. Dá até para ver esse excesso de compreensão da parte dos pais como um defeito, mas em nenhum momento isso chega a estragar o bom andamento.

A beleza do filme está na delicadeza com que a diretora trata seus personagens. E também em como o jovem elenco consegue a proeza de passar verdade. A direção redondinha teve um roteiro a oito mãos assinado pela diretora e mais Paulo Halm, Jorge Furtado e Giba Assis Brasil. Ou seja, homens que ajudaram a colocar Porto Alegre no mapa da produção cinematográfica brasileira.

terça-feira, fevereiro 15, 2011

LIXO EXTRAORDINÁRIO (Wasteland)



Como é bom ir ao cinema e se surpreender. E mais do que isso: se emocionar, a ponto de ir às lágrimas com o drama e as alegrias de pessoas que, de desconhecidas, passam a quase vizinhos ou amigos, tal o grau de aproximação com que o artista plástico Vik Muniz estabelece com aquele grupo de catadores de lixo do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias.

Em LIXO EXTRAORDINÁRIO (2010), vemos com certeza um dos momentos mais importantes da vida de Vik Muniz, o artista plástico brasileiro mais famoso da atualidade. Ele ficou conhecido por utilizar o lixo em suas obras de arte, reinventando à sua maneira quadros famosos com a utilização de fotografias de anônimos e material reciclado. Quando, no início do filme, ele diz que pretende deixar os Estados Unidos e ir ao lixão do Jardim Gramacho para fazer o seu trabalho e mudar a vida de uma comunidade, nós pagamos pra ver.

A sequência que mostra Vik arquitetando seu plano no computador é o que mais se aproxima de um registro de ficção mostrado no filme. Fica bem na cara que aquele momento foi mais ou menos ensaiado. Ou pelo menos bem planejado. Quando Vik chega no aterro é que a linguagem de documentário predomina de vez. Vemos ali uma verdadeira cidade de lixo e ficamos tão embasbacados quanto ele.

Aos poucos, vamos conhecendo alguns dos selecionados por Vik, pessoas que terão suas vidas mudadas por uma intervenção do artista. Essas pessoas são mostradas com tanta beleza, mesmo estando sujas e maltrapilhas, que é como se a beleza partisse de nossos corações. Como não se emocionar quando a associação dos catadores é assaltada? Ou quando uma das moças conta do dia em que perdeu o seu bebê? Ou da emoção de um dos rapazes em sua visita a Londres? Ou do fato de o próprio Vik Muniz perceber que a sua própria existência também ficou marcada depois desse encontro?

Com certeza tem dedo de João Jardim aí. Jardim dirigiu o maravilhoso PRO DIA NASCER FELIZ (2006), que também conta com relatos cheios de vida e de emoção de pessoas comuns, mas que ganham grandeza na tela. Ainda assim, a diretora "chefe" do filme é Lucy Walker. LIXO EXTRAORDINÁRIO foi um projeto que deu certo. Parabéns para Walker, para Vik, para Jardim, para Fernando Meirelles e sua O2 Filmes, uma das produtoras que viabilizou essa bela obra.

LIXO EXTRAORDINÁRIO concorre ao Oscar na categoria de melhor documentário.

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

BRAVURA INDÔMITA (True Grit)



A expectativa em torno do remake do filme de Henry Hathaway protagonizado por John Wayne era grande. Isso porque quem estava à frente do trabalho era ninguém menos que os irmãos Joel e Ethan Coen, figuras que se estabeleceram como grandes e marcantes autores surgidos nos anos 1980 e que se consagraram definitivamente com o excepcional ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ (2007). BRAVURA INDÔMITA (2010), o mais novo trabalho dos irmãos é um belo filme, mas me pareceu um tanto comportado demais para o estilo dos diretores.

Um estouro de violência aqui, um pouco de humor negro ali, mas no geral BRAVURA INDÔMITA é um exemplar do velho e bom cinema clássico-narrativo americano, que pouco se diferencia do original de Hathaway de 1969, que na época já comia poeira da "nova Hollywood". E por mais que Jeff Bridges tenha alcançado uma aura cool e provado ser um grande ator, perde bastante se comparado com o lendário John Wayne, o mais célebre dos caubóis do cinema, em momento crepuscular. É uma responsabilidade e tanto aceitar o lugar que foi do "Duke". Sai "Duke", entra "Dude", o apelido que Jeff Bridges recebeu em O GRANDE LEBOWSKI (1998), talvez o trabalho mais marcante de sua carreira e que foi dirigido pelos Coen.

Na trama de BRAVURA INDÔMITA, garota que tem pai assassinado (Hailee Steinfeld) vai à procura de um homem com experiência para caçar o assassino (Josh Brolin), para que ele pague pelo crime à maneira da época e lugar: enforcado em praça pública. Inclusive, é na cena do enforcamento que os irmãos Coen brincam um pouco, ao mostrar o tratamento que é dado aos índios, mostrados como a ralé inclusive pelo protagonista, numa das cenas mais engraçadas do filme. Jeff Bridges é o velho pistoleiro impiedoso e caolho que tem a fama de capturar bandidos por dinheiro.

Matt Damon até poderia ser melhor aproveitado no filme. Seu texas ranger se destaca entre os personagens que ele costuma fazer por ser diferente. Mas é discreto demais e acaba passando em branco. Quem se destaca mesmo é a menina (Steinfeld). Ela quase a rouba a cena de Bridges e a melhor sequência do filme acontece no final, quando os Coen deixam de lado um pouco a veia satírica e mergulham de vez no dramático. Ficou bonito.

BRAVURA INDÔMITA concorre ao Oscar nas categorias de filme, diretor(es), ator (Jeff Bridges), atriz coadjuvante (Hailee Steinfeld), roteiro adaptado, direção de arte, fotografia, figurino, edição de som e mixagem de som. Só perde para O DISCURSO DO REI em número de indicações.

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

O DISCURSO DO REI (The King's Speech)



Não deixei de ter uma ponta de decepção com O DISCURSO DO REI (2010). Esperava mais do cara que fez a obra-prima para a televisão JOHN ADAMS (2008). Talvez tenham escolhido Tom Hooper justamente por ele ter uma mão boa para dramas históricos. O filme é bem mais contido que a minissérie, provavelmente para incorporar melhor o espírito inglês. O próprio diretor, aliás, é inglês e está saindo de um quase anonimato para uma indicação de direção no Oscar. E periga de ganhar, ainda por cima, já que O DISCURSO DO REI tem se mostrado um dos grandes favoritos.

Assim como O VENCEDOR, O DISCURSO DO REI também é um filme sobre superação. Mas de uma maneira bem diferente e digamos até mais original. Afinal, pouco se sabia da história do rei gago George VI (Colin Firth), de suas dificuldades de se relacionar com as pessoas e tendo que assumir o posto de rei da Inglaterra em tempos em que o rádio era o veículo de comunicação mais popular e a Segunda Guerra era iminente. O rádio era, mais do que o jornal impresso e o cinema, a maneira mais rápida de se saber à distância o que acontecia no mundo. Mas o pobre duque, já antes mesmo de ser rei, já sofria na frente dos microfones.

Pesquisando na internet, vi que há vários outros filmes que falam de George VI, inclusive uma minissérie para a televisão britânica chamada BERTIE E ELIZABETH. Mas em geral em outros filmes, o rei aparece como coadjuvante. O personagem principal geralmente é o General Winston Churchill, figura de fundamental importância para a Guerra e que no filme de Hooper é interpretado por Timothy Spall, figura bastante familiar no cinema inglês e que cada vez mais lembra o Castrinho.

O DISCURSO DO REI é também a história de um outro homem. Do homem que auxiliou o rei a vencer alguns monstros interiores. Geoffrey Rush interpreta esse homem, que utiliza métodos que outros especialistas mais conceituados não conseguiam. E se o filme é da amizade dos personagens de Colin Firth e Geoffrey Rush, diria que a presença da esposa do rei, vivida por Helena Boham Carter, acaba ficando um pouco de lado. Ela tem a sua importância, mas o filme prefere não focar muito na intimidade do casal.

Talvez o problema do filme seja ser acadêmico demais, talvez careta demais para os novos tempos. Ainda assim, não deixa de ser um belo trabalho, com uma reconstituição de época primorosa, uma fotografia linda (principalmente para os padrões britânicos), uma direção de arte caprichada e todos esses detalhes que fazem de um filme de época um trabalho chamativo. Porém, não deixa de ser mais um passo atrás da Academia premiar este filme em detrimento de outros mais modernos. De qualquer maneira, antes esse do que A ORIGEM.

O DISCURSO DO REI concorre ao Oscar nas categorias de filme, diretor, ator (Colin Firth), ator coadjuvante (Geoffrey Rush), atriz coadjuvante (Helena Boham Carter), roteiro original, direção de arte, fotografia, figurino, edição, trilha sonora original e mixagem de som. São doze indicações.

terça-feira, fevereiro 08, 2011

O VENCEDOR (The Fighter)



Típico filme de superação, mas ainda assim extremamente agradável, O VENCEDOR (2010) pode ser o trabalho que levará finalmente o diretor David O. Russell para o primeiro time de Hollywood, deixando um pouco o eixo indie em que se encontrava desde o início de sua carreira. TRÊS REIS (1999) quase conseguiu, mas não o bastante, já que já se passaram mais de dez anos.

Filmes do tipo já existiam antes de ROCKY, UM LUTADOR, e o fato de a Academia já ter premiado o filme de Stallone nos anos 70 faz com que as chances de O VENCEDOR papar o prêmio principal sejam pequenas. No entanto, seu time de coadjuvantes é forte o bastante para faturar alguns. Infelizmente Mark Wahlberg continua sendo subestimado como ator, mas acredito que chegará a sua vez. O ator tem se destacado bastante ultimamente como produtor de séries de televisão, inclusive de uma de minhas favoritas (ENTOURAGE). Ele também é produtor de O VENCEDOR e deve merecer o seu crédito.

Quanto a Christian Bale, eis um ator que quase sempre impressiona pelo sacrifício físico. Em O VENCEDOR, ele novamente emagrece muito (quase tanto quanto em O MAQUINISTA) para viver um ex-boxeador decadente e viciado em crack, que está em processo de ajudar o irmão mais novo (Wahlberg) a subir na carreira. A família, apesar de bem intencionada, parece ser um problema para a ascensão do jovem lutador, que encontra refúgio nos braços de uma bela atendente de bar (Amy Adams). Melissa Leo brilha no papel da mãe dos dois rapazes.

A família irlandesa mostrada no filme é vista como unida, de sangue quente e também capaz de fazer atos ilegais para conseguir o que deseja, fazendo lembrar os italianos. As irmãs dos boxeadores são tão feias que parecem saídas de um filme do Zé do Caixão. Ainda mais com aqueles cabelos bem típicos dos anos 80 que algumas têm. Elas fazem contraponto com a beleza de Amy Adams, que faz bem o papel da garota da vizinhança que todo mundo deseja. E é justamente nos momentos em que Amy Adams se mostra uma força terna capaz de levantar a moral de Wahlberg que o filme guarda os seus melhores momentos. Eu, pelo menos, tenho como cena preferida o momento em que ela vai à casa dele, depois que ele é espancado por um adversário. Dá até vontade de apanhar, só pra receber os carinhos daquela mulher.

Mas também merecem destaque as cenas de luta. Todas bem conduzidas, ainda que sem piruetas de câmera, e com o impacto e a violência necessárias para fazer de uma luta de boxe mais do que um esporte, mas um espetáculo catalisador de nossas angústias, raivas e outras emoções mais nobres também. Sem falar que ainda ajuda a inspirar o nosso espírito competitivo.

O VENCEDOR concorre ao Oscar nas categorias de filme, diretor, ator coadjuvante (Christian Bale), duas indicações para atriz coadjuvante (Amy Adams e Melissa Leo), roteiro original e edição.

domingo, fevereiro 06, 2011

CISNE NEGRO (Black Swan)



Dez anos depois de RÉQUIEM PARA UM SONHO (2000), Darren Aronofsky deixa o espectador novamente saindo do cinema totalmente desnorteado, quase com náuseas. E essa não é a única semelhança do filme de dez anos atrás em relação ao novo e aclamado CISNE NEGRO (2010). De lá pra cá, muita coisa aconteceu. Aronofsky passou de piada (com FONTE DA VIDA, 2006) a cineasta prestigiado e premiado (com O LUTADOR, 2009). E é com o respeito que ganhou com a bela história de um homem decadente que Aronofsky parte para um mergulho mais ousado, fazendo um terror psicológico a partir da história de uma garota (Natalie Portman) e sua obsessão por conseguir o papel principal para o "O Lago dos Cisnes", de Tchaikovsky.

E assim como a personagem de Ellen Bustyn em RÉQUIEM PARA UM SONHO ficou obcecada para emagrecer e começou a ter alucinações com a ajuda das pílulas receitadas pelo médico, a jovem Nina (Portman) também chega a confundir a realidade com seus piores pesadelos. Uma das coisas que mais incomodam em CISNE NEGRO – e quando uso o verbo 'incomodar' não é para depor contra o filme – é o fato de Nina aparecer sempre em dor, com uma expressão de angústia que parece não ter fim. A perfeição que ela quer chegar através da técnica não é suficiente para que ela alcance o que é requerido para o papel. Principalmente porque ela deve desempenhar duas personas e a que corresponde a seu lado negro requer mais sensualidade e visceralidade, coisa que ela tem dificuldade em obter e ainda vê em sua colega Lily (Mila Kunis), uma rival capaz de tomar o seu tão cobiçado papel.

A personagem de Kunis é um contraponto perfeito a Nina. Enquanto uma é atormentada o tempo todo, a outra é cheia de confiança e sensualidade. E as comparações com CLUBE DA LUTA, de David Fincher, são inevitáveis nesse aspecto, como o espectador pode perceber durante o filme. Outras figuras fortes e de autoridade são responsáveis por potencializar a personalidade frágil de Nina: a mãe, vivida por Barbara Hershey, que quer que ela continue sendo uma criança, cheia de bichos de pelúcia no quarto; e o diretor da peça (Vincent Cassel), um personagem dúbio, que pode ser visto como alguém que está ajudando Nina a se tornar mais forte e mais independente, mas também aquele sujeito que quer se aproveitar da ingenuidade da moça. Ou as duas coisas, pois o preto e o branco são sempre faces da mesma moeda.

Por incrível que pareça, alguns momentos do filme lembram bastante A MOSCA, de David Cronenberg. E não me refiro apenas às cenas dos ferimentos que surgem em suas costas e dedos. E como um filme não é feito apenas de diretores e elenco, ajudando a tornar CISNE NEGRO uma experiência sensorial ainda mais perturbadora, o autor da trilha sonora, Clint Mansel (o mesmo da excepcional trilha de RÉQUIEM PARA UM SONHO), faz uma música perfeita para o que se pretende o filme: fazer com que nós entremos na mente perturbada da protagonista. E para isso ele usa muitas vezes variações da própria obra de Tchaikovsky, de uma maneira com que se torne uma espécie de negativo da música. Para completar, a pequena participação de uma estranha Winona Ryder ajuda a compor este quadro de um mundo dominado pela neurose e pela paranoia. E o mais estranho de tudo é que o efeito disso numa obra de arte ainda pode gerar algo belo.

CISNE NEGRO concorre ao Oscar em seis categorias: filme, diretor, atriz (Natalie Portman), roteiro original, fotografia e edição. O belo trabalho de Clint Mansel foi desclassificado por se basear na obra de Tchaikovsky. Provavelmente o único prêmio que deve levar seja o de melhor atriz para Portman. Muito justo para tanto sacrifício e perfeição na composição.

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

A VINGANÇA DE JENNIFER (I Spit on Your Grave / Day of the Woman)



Já faz uns dez anos que eu ouço falar deste filme. Acho que desde quando eu entrei na saudosa lista de discussão Canibal Holocausto. A VINGANÇA DE JENNIFER (1978) também obteve maior procura depois de KILL BILL, de Quentin Tarantino, pelo fato de também ser um filme que mostra uma mulher sendo massacrada para depois ir à caça dos seus malfeitores. Aliás, esse tipo de filme é mais comum do que se imagina. Há vários deles pode-se até dizer que há um esquematismo: grupo de homens estupra e violenta uma mulher e depois ela vai à forra. Mas é sempre bom lembrar que cada filme é um filme. E mesmo com esses esquematismos, cada morte, cada detalhe, cada ponta de sofrimento da protagonista é único.

A VINGANÇA DE JENNIFER acabou de ganhar um remake. Que eu nem sei se é tão bom quanto o original, mas que acabou me impulsionando a ver o original dos anos 70. Que faz parte daquele grupo de filmes independentes americanos que justamente por serem baratos, exploravam com mais liberdade a violência e o sexo. Por isso, não sei se o remake reprisa a nudez frontal e aumenta ainda mais a violência nestes tempos de O ALBERGUE e JOGOS MORTAIS. Como diria Renato Russo, "a violência é tão fascinante e nossas vidas são tão normais", e por isso mesmo esse tipo de filme sempre foi atraente. Mas claro que algumas pessoas mais sensíveis preferem manter distância.

Em A VINGANÇA DE JENNIFER, a protagonista é uma escritora de contos que vai para uma cidade do interior dos Estados Unidos para escrever o seu primeiro romance durante o verão. O que ela não sabe é que um grupo de desocupados e psicopatas em potencial resolve estuprá-la. E quando se imagina que tudo já chegou ao fim, ela sofre ainda mais. O final da história a gente até imagina, mas nada como conferir os meios que ela usa para se vingar de seus algozes.

O título que o remake ganhou no Brasil foi DOCE VINGANÇA e tem previsão de estreia nos cinemas para o dia 4 de março.

P.S.: Saiu no blog da Liga dos Blogues Cinematográficos a lista dos indicados ao Alfred 2010. Quem quiser conferir o belo trabalho que Chico Fireman e turma deram à nossa brincadeira anual, fiquem à vontade.

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

TETRO



Apesar de ter sentido uma recepção fria no ar, estava com uma boa expectativa em relação a TETRO (2009). Afinal, era um acontecimento histórico ver um filme novo de Francis Ford Coppola no cinema, depois de mais de dez anos. A última vez havia sido o fraco O HOMEM QUE FAZIA CHOVER (1997). Isso parece que foi há séculos. E como Coppola se tornou uma lenda, principalmente por causa da trilogia O PODEROSO CHEFÃO (1972, 1974, 1990), um filme novo seu é sempre um acontecimento, por mais que o anterior, VELHA JUVENTUDE (2007), tenha sido ignorado pelas distribuidoras e continue inédito no Brasil. E se é mesmo inferior a TETRO como dizem, até entendo o porquê de nenhuma distribuidora ter se interessado em lançá-lo, por mais que colocar no cartaz o termo "do mesmo diretor de O PODEROSO CHEFÃO" seja um atrativo e tanto. E essa estratégia foi utilizada pela Imovision, que felizmente lançou cópias em película. Como o filme é muito bonito plasticamente, com fotografia estilizada em preto e branco e em scope, só de imaginar uma projeção digital ruim e mutiladora da Rain já dá arrepios.

Infelizmente toda essa expectativa em torno de TETRO acabou indo por água abaixo. Seu trabalho parece o de um diretor iniciante que não tem noção de que o roteiro que está em suas mãos é constrangedor. Por mais que o início gere interesse, o desenvolvimento é arrastado e a conclusão é totalmente sem noção. A desculpa de que o filme é um melodrama não funciona, nem as inserções de CONTOS DE HOFFMAN que se destaca por ser em cores e com outra janela. Os rápidos flashbacks do protagonista também são mostrados em cores. Inclusive, pode-se dizer que um dos melhores momentos do filme é uma dessas lembranças. A mais traumática delas.

Na trama, o jovem Bennie (Alden Ehrenheich), garçom de cruzeiro, faz uma parada em Buenos Aires, onde mora longe da família há vários anos o seu irmão mais velho Tetro (Vincent Gallo). Bennie é bem recebido pela esposa de Tetro (Maribel Verdú), mas o irmão age com certa hostilidade. Inicialmente, demonstra total desinteresse em sequer ver Benny. Na manhã seguinte, os dois se cumprimentam, ainda que de maneira bem pouco carinhosa. Tetro se recusa a responder as perguntas do irmão e a falar da família.

TETRO guarda elementos de várias obras de Coppola, principalmente as que enfatizam questões familiares, tema de obras como O PODEROSO CHEFÃO, VIDAS SEM RUMO (1983) e O SELVAGEM DA MOTOCICLETA (1983). Deste último, inclusive, há semelhanças formais e de conteúdo. Ambos usam fotografia em preto e branco e ambos mostram um irmão mais novo vivendo à sombra do irmão mais velho. Lembro de não ter gostado de O SELVAGEM... na época que o vi, mas preciso de uma revisão. Com certeza, melhor que TETRO é. E a não ser que Coppola tenha transferido todo o seu talento para a filha, torço para que o seu próximo projeto faça jus ao passado glorioso.

terça-feira, fevereiro 01, 2011

AMOR EM 4 ATOS



É impressão minha ou a Globo melhorou um pouco a sua grade com as últimas séries e minisséries? Ou apenas fiquei enfeitiçado com a beleza das atrizes e de uma hora para a outra passei a me interessar pelas produções da emissora? Acho que é um pouco de cada. No caso de AS CARIOCAS, por exemplo, havia Daniel Filho e um monte de beldades num só pacote; no caso de AFINAL, O QUE QUEREM AS MULHERES?, mais do que a direção de Luiz Fernando Carvalho, havia Paola Oliveira. Com AMOR EM 4 ATOS, o meu interesse era também por outra beldade: Alline Moraes. Mas também houve a curiosidade de ver mais uma produção dirigida por Bruno Barreto.

E não é que dei de cara com o melhor trabalho dele desde ATOS DE AMOR (1996), realizado nos Estados Unidos? Tudo bem que ele tinha nas mãos a Alline Moraes, linda e arrasando corações, mas o episódio é bem conduzido e Vladimir Brichta faz o papel de um bobão simpático. Mas vamos por partes. Voltarei logo aos dois episódios dirigidos por Barreto, ainda que muito brevemente.

A ideia da microssérie AMOR EM 4 ATOS (2011) é homenagear o cantor e compositor Chico Buarque através de episódios baseados em canções suas. Assim, o primeiro deles – "Ela Faz Cinema" - traz uma encantadora Marjorie Estiano como uma jovem que sempre adia a busca do amor porque está sempre ocupada profissionalmente. (Até me identifiquei um pouco com ela, sabe?) Ela trabalha como realizadora de videoclipes. Ela acaba se apaixonando por um pedreiro que se faz de engenheiro. Ou pelo menos deixa que ela pense assim. Para os fãs da atriz, imperdível o momento em que ela deixa descer o vestido. Nessa hora, não tem mais quem lembre de Chico Buarque ou qualquer outro cantor. Esse episódio foi dirigido por Tadeu Jungle e inspirado nas canções "Construção" e "Ela Faz Cinema".

O segundo episódio é de certa forma um pouco mais ousado em alguns aspectos, tanto formais quanto comportamentais. Já começa com uma discussão do casal vivido por Carolina Ferraz e Dalton Vigh. Não há um prólogo por assim dizer para apresentar a situação. De qualquer maneira, não é preciso ser nenhum gênio para entender que trata-se de uma relação um pouco fragilizada. É o episódio mais rodrigueano dos quatro. O título do episódio é "Meu único defeito foi nunca saber te amar" e a direção é de Roberto Talma e Tande Bressane. O episódio foi inspirado na letra de "Mil Perdões" e conta com uma participação discreta de Tiê, cantando sentada num sofá, numa festinha chique, como se a bossa nova estivesse de volta.

E chegamos à dobradinha de episódios talentosamente dirigidos por Bruno Barreto. "Folhetim" e "Vitrines" são bem legais. O primeiro episódio acompanha a jornada de um homem cuja esposa está meio pirada e ele sai perambulando pelos bares e inferninhos da Rua Augusta. Em meio a clubes de striptease barra-pesada, travestis e as presepadas do seu colega de trabalho, ele conhece uma mulher linda que o consola e o leva para a cama. E o cara ainda achava que não ia ter que pagar a conta no final. Se o primeiro é centrado nele, o segundo ("Vitrines") é centrado nela. Embora sejam duas faces da mesma moeda, o final do primeiro é mais impactante, principalmente ao ouvirmos "Folhetim", na clássica versão de Gal Costa.