A OUTRA (Another Woman)2002. Nesse ano eu completei trinta anos de idade. Nunca pensei que seria doloroso. Mas foi. Senti um baque até mesmo quando fiz dezoito anos. Sempre cobro muito de mim. "Aproveitar o tempo. Mas o que é o tempo para que eu o aproveite?", dizia Fernando Pessoa, através de seu heterônimo Álvaro de Campos. Mas mesmo desprezando o desgraçado, ele continua aí, nos envelhecendo, tirando a beleza(quando há), o frescor, e nos mostrando o fim inevitável. Lembro que li um livro de astrologia/ocultismo de uma senhora chamada Linda Goodman, que ela dizia que podemos driblar o tempo. Daí, dava uma fórmula da imortalidade. Não dá pra acreditar, mas uma das maneiras de evitar o envelhecimento é não ligar para os números. 30. 40. 50 anos. Acostumamos com a idéia de que um senhor ou senhora de 50 anos deve agir da maneira apropriada para a sua idade. Ainda bem que o rock and roll existe. Agora podemos ver Mick Jagger e Neil Young, por exemplo, agindo com quase a mesma atitude de quando tinham 18 anos. Mas mesmo assim, eu sinto que perdi um monte de oportunidades, tenho a síndrome de Schindler. Poderia ter feito mais. Poderia ter vivido mais. É como naquela música dos Titãs - "Epitáfio". Aqui estou eu, sem dinheiro, sem namorada, sem perspectivas profissionais. E ainda pedindo dinheiro emprestado.
Com esse estado de espírito bem melancólico, revi A OUTRA (Another Woman), de Woody Allen. Foi sorte ter encontrado a fita num sebo de VHS´s por 5 reais. Tinha visto o filme quando passou na Globo pela primeira vez (dublado) há uns dez anos. Na época, fiquei embasbacado, apesar de não ter ainda a maturidade para entender de fato o drama da personagem de Gena Rowlands. No filme, ela é uma mulher de 50 anos que segue uma vida pautada em atividades intelectuais. Ela é professora de filosofia e está escrevendo um livro. Aluga um apartamento. Acontece que nesse apartamento dá pra ouvir a sala vizinha, onde funciona um consultório de psicanálise. Lá, está Mia Farrow, mulher deprimida que questiona a sua vida. Gena Rowlands se identifica com essa mulher. Apesar de ser mais velha do que ela, ela percebe que ambas sofrem porque não se permitiram. Não viveram a vida com o coração.
Uma história assim, nas mãos de um diretor qualquer, se transformaria num melodrama lacrimoso e sem substância. Mas nas mãos de Woody Allen, ele fica denso, poético, meio amargo e inteligente. O elenco, como sempre nos filmes de Allen, é um arraso. Gena Rowlands está espetacular e bonita para sua idade. Gene Hackman, que aparece nos sonhos e nas lembranças de Gena, como o amante apaixonado, também está ótimo, numa interpretação sutil. O marido de Gena, o frio e calculista Ian Holm, está tão bom que dá raiva. A grávida deprimida Mia Farrow parece estar mesmo naquela situação com aquela expressão sofrida.
Por falar nela, provavelmente, o roteiro de Allen já questionasse até mesmo o seu relacionamento com Mia, que fecharia com o filme MARIDOS E ESPOSAS, que lava a roupa suja do casal. A personagem de Gena seria o alter-ego de Allen, só que bem menos desajeitado.
Elementos mais surrealistas como o sonho de Gena, também podem ser sentidos em ANNIE HALL, MEMÓRIAS, A ROSA PÚRPURA DO CAIRO e no episódio de CONTOS DE NOVA YORK. Nesses dois últimos, esses elementos são levados às últimas consequências. A trilha sonora é outro caso à parte, com menos jazz dos anos 30 e mais Bach.
Não sei dizer se esse é o meu filme favorito de Allen. Adoro vários de cada fase do cineasta e faltam poucos para eu ver de sua filmografia. Mas A OUTRA é especial pra mim. Entre os dramas bergmanianos de Allen (INTERIORES, SETEMBRO, A OUTRA e CRIMES E PECADOS) esse é o que eu mais gosto. E apesar de tudo, o final é esparançoso. E é disso que eu preciso ultimamente.