sábado, janeiro 31, 2015

IRMÃOS DESASTRE (The Skeleton Twins)























Motivado pela indicação do amigo Renato Doho e pela excelente performance da dupla de protagonistas na entrega de um dos prêmios na cerimônia do Globo de Ouro, além de um fascínio pela encantadora Kristen Wiig, lá fui eu conferir este IRMÃOS DESASTRE (2014), cujo título brasileiro achei curioso e ainda estou pra saber se é de exibição na televisão ou se será lançado posteriormente por alguma distribuidora. Já supondo que o filme não passará nos cinemas, aproveitei os meios alternativos mesmo.

IRMÃOS DESASTRE é um filme sobre almas desesperadas e sobre suicídio, o que é algo bastante incomum para uma dupla de protagonistas mais conhecida por sua participação em comédias. Eu, particularmente, não lembrava bem dele (Bill Hader), mas adoro ver o sorriso e as atuações de Kristen. Pena que, como o filme é dramático, há poucas cenas em que ela sorri. Há, porém, uma que justifica ver o filme: uma cena envolvendo a dublagem de uma canção. Lindo momento. Dos outros pontos altos, deve-se destacar a cena de Marley & Eu, no consultório.

Na trama, Milo (Hader) e Maggie (Wiig) são dois irmãos que vivem vidas que consideram miseráveis. Enquanto ela se prepara para o suicídio recebe a ligação de que o irmão já havia tentado o seu. Curiosamente os dois não se viam há dez anos e o filme trata de expor, mais adiante, o porquê desse distanciamento. Milo é homossexual e está passando por uma crise em todos os setores da vida, seja profissional, seja afetivo. Maggie é casada com um sujeito simpático e atencioso (Luke Wilson), mas não o ama, traindo-o de vez em quando. E isso a incomoda demais.

Esses ingredientes que o filme propõe já são suficientes para chamar a atenção do espectador. E eu diria que tudo funciona razoavelmente bem até mais ou menos metade do filme. Depois, algo meio que desanda. O drama dos personagens para de ser importante, deixamos de nos solidar com eles talvez por não considerarmos seus problemas suficientemente pesados para que reclamem tanto da vida.

Depressão não precisa necessariamente de motivos racionais para existir. No entanto, é importante que ela seja bem desenvolvida num filme que queira levar o tema a sério, isto é, é preciso que o filme nos prove, de alguma maneira, que o sofrimento deles é digno de empatia ou crie isso através de uma atmosfera. E nada disso, particularmente, eu senti.

De todo modo, é interessante ver um filme abordando a depressão e a questão da homossexualidade, além do abuso sexual, sem papas na língua. Porém, continuo achando que o principal atrativo de IRMÃOS DESASTRE é mesmo Kristen Wiig, conforme eu já devo ter dito umas duas ou três vezes neste texto ruim.

sexta-feira, janeiro 30, 2015

BIRDMAN OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA) (Birdman)























Interessante como Alejandro González Iñárritu foi aclamado mundialmente com por sua estreia com AMORES BRUTOS (2000), mas aos poucos foi se tornando um saco de pancadas por parte da crítica internacional, até por repetir estruturas nos dois filmes seguintes, feitos em parceria com o roteirista Guillermo Arriaga. Vem conquistando novo prestígio atualmente justamente em um filme que lida com metalinguagens relativas à Hollywood e ao papel da crítica. Até há quem veja o novo trabalho como uma tentativa do diretor de se esquivar de críticas, tanto pela história de crise por que passa o personagem de Michael Keaton quanto pela presença de uma implacável crítica de teatro, vivida por Lindsay Duncan.

BIRDMAN OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA) (2014) tem algumas sacadas geniais, como a própria presença de Michael Keaton no papel de um ator decadente que um dia foi famoso pelo papel de um super-herói de revista em quadrinhos, mas que depois do terceiro filme da franquia recusou repetir o papel que o tornou famoso mundialmente. E engraçado que o filme em nenhum instante faz questão de esconder o passado de Batman de Keaton, inclusive com uma voz grave que fala com o personagem, a personificação do herói Birdman. Interessante também os supostos poderes que Riggan, seu personagem, possui.

Outro aspecto fundamental para que BIRDMAN passe a ser uma experiência cinematográfica especial é o fato de ele ser narrado todo em um único plano-sequência (ainda que falso). Isso acaba causando um pouco de vertigem, mas é interessante, bem como a trilha sonora, que em sua maioria é apenas um solo de bateria.

Além de filme de diretor, BIRDMAN é também filme de ator. Não somente por se passar, em sua maior parte, dentro de um teatro, mas porque todos os atores no filme estão ótimos. Desde Keaton, passando por Emma Stone, no papel de sua filha, Zach Galifianakis, como seu agente e advogado, Naomi Watts e Andrea Riseborough, como atrizes da peça, Amy Ryan como a ex-esposa de Riggan, e finalmente Edward Norton, como o ator cheio de ego e presença que deixa Riggan desconfortável. Porém, mesmo com tanta gente boa desempenhando tão bem seus papéis, o filme é mesmo de Keaton. Representa o avivamento de sua carreira e pode ser encarado como o papel de sua vida.

Curioso também como BIRDMAN discute a relação Hollywood como veículo escapista barato versus teatro de prestígio em Nova York, ao mesmo tempo em que também nos convida a entrar na mente perturbada de Riggan, cheio de problemas relacionados tanto à carreira quanto à sua família. Destaque para uma sequência em que a própria filha mostra desprezo pelo que ele representa, em interpretação exaltada de Emma Stone.

Aliás, todos os personagens estão acima do tom, ainda que se perceba que isso seja uma escolha deliberada do diretor, lembrando, inclusive, certos trabalhos de Cassavetes, nesse sentido (ASSIM FALOU O AMOR e UMA MULHER SOB INFLUÊNCIA, por exemplo). Essa questão do overacting também chega a ser discutida durante as cenas de ensaio da peça, inclusive. Há quem desgoste do filme justamente por esses excessos. Apesar de tudo que há de bom, falta ao filme algo que cause arrebatamento, dado tanto virtuosismo, crise existencial, gritaria e até efeitos especiais.

Ainda assim, não dá para negar a força do filme e a oportunidade única que é experienciá-lo. Iñárritu está de volta ao jogo e com um trabalho tão fresco quanto sua impactante estreia em longa-metragem. Desta vez, porém, o cineasta mexicano opta por um registro mais leve, longe dos dramas pesados, tão característicos de seus trabalhos anteriores, mostrando versatilidade e capacidade de se reinventar.

BIRDMAN OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA) concorre ao Oscar nas categorias de melhor filme, direção, ator (Keaton), ator coadjuvante (Norton), atriz coadjuvante (Stone), roteiro original, fotografia, mixagem de som e edição de som. Depois de ter saído vencedor nas premiações do PGA (sindicado dos produtores), no SAG (sindicato dos atores) e no Globo de Ouro, sua cotação para os prêmios da Academia aumentou bastante.

quarta-feira, janeiro 28, 2015

CLÉO DAS 5 ÀS 7 (Cléo de 5 à 7)



De vez em quando é preciso pedir ajuda à memória para que possamos reavivar os momentos de prazer que certos filmes nos proporcionaram, mas que, por algum motivo, não foi dito em forma de texto, que no meu caso é a melhor maneira de completar a apreciação fílmica. É uma das últimas chances que temos de refletir sobre a obra.

CLÉO DAS 5 ÀS 7 (1962), visto no ano passado, representa um momento especial da Nouvelle Vague francesa que infelizmente não é tão exaltado quanto os trabalhos feitos por Godard, Rohmer, Truffaut, Rivette, Chabrol etc. Talvez pelo fato de Agnès Varda ser mulher e vivermos em uma sociedade machista, que não a colocaria em pé de igualdade com os demais, ainda que ela fosse bastante enturmada com Godard, vide o divertido filme dentro do filme que é exibido em CLÉO. Nele, vemos Godard e a então sua musa Anna Karina em um filme mudo sobre a visão que alguém pode ter do mundo, uma visão mais pessimista, no caso.

Tudo a ver com o drama de Cléo, interpretada pela linda Corinne Marchand, que um ano antes havia aparecido em um papel menor em LOLA, A FLOR PROIBIDA, de Jacques Demy, marido de Varda. Aqui ela interpreta uma jovem cantora pop cheia de mimos e riquezas, mas que, no entanto, espera receber os resultados de uns exames que poderão lhe dizer que ela está com câncer de estômago. O filme se inicia com sua ida a uma cartomante, que diz que as cartas nunca mentem, ao mostrar as figuras da morte e a do enforcado.

E, na visão de Cléo, aquilo tudo é mais uma amostra da tragédia pessoal que lhe sobrevirá naquele dia, e em especial naquelas horas da tarde, que vão das cinco às sete horas. Que são horas consideradas perfeitas para fazer amor segundo os parisienses, mas que para Cléo seria um intervalo de tempo perturbador. É também um momento em que ela se apega mais à vida, percebe com mais força pequenas coisas, como o diálogo de um casal em um café ou a bela paisagem de um parque.

O filme é uma delícia e passa voando, com sua edição acertada, que experimenta o uso do tempo real na história da protagonista. Apesar do título, o filme vai das cinco às seis e meia da tarde, tendo apenas 90 minutos de duração. O barato de CLÉO DAS 5 ÀS 7 é que curtimos cada minuto, não ficamos pensando em como terminar ou como será o final, possivelmente trazendo o resultado dos exames de Cléo. Embora a protagonista esteja numa situação de aflição, de vez em quando a chamada para o presente traz a ela e a nós, espectadores, uma doce alegria de viver.

terça-feira, janeiro 27, 2015

TRÊS INDICADOS AO OSCAR DE MELHOR FILME EM LÍNGUA ESTRANGEIRA



A falta de tempo e de inspiração não me permitirá escrever com mais propriedade sobre esses três títulos indicados ao Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro, vistos recentemente. Não que não sejam bons e não tenham o seu valor e sua representatividade, mas acabei me decepcionando com LEVIATÃ (2014), achei IDA (2013) bem bonito mas faltou algo para me conquistar totalmente, e TIMBUKTU (2014) é aquele tipo de filme que se fosse feito em um país rico seria visto como uma obra ruim até, do ponto de vista da dramaturgia, principalmente. No fim, meu favorito à categoria segue sendo RELATOS SELVAGENS.

LEVIATÃ (Leviafan)

É bom ver a Rússia dar a cara a bater quando todo mundo já bate nela nos filmes. De inimigo número um dos Estados Unidos e do bloco capitalista nos tempos da União Soviética, o país acabou sendo visto nos filmes um antro de corrupção e decadência. E é exatamente a corrupção e a decadência que Andrey Zviaguintsev se propõe a mostrar em LEVIATÃ. Mas embora o pano de fundo deixe de ser pano de fundo e se torne a própria ameaça, o filme é sobre três pessoas, em especial: o sujeito que não quer vender a sua casa por uma ninharia para o prefeito corrupto da cidade, a sua esposa que vive insatisfeita naquele lugar e o advogado amigo, que ele contrata para defender os seus interesses, mas que acaba por traí-lo de alguma maneira. O filme merece ser conferido na telona. Há muitos planos gerais, valorizando a paisagem desolada daquele litoral, que combina com a melancolia e com o sentimento de impotência que fica no espectador ao final da sessão.

IDA 

O problema de IDA (foto) é ter sido tão louvado mundo afora e chegar aos cinemas com uma expectativa que pode não ser correspondida. E é isso que muita gente tem feito: reclamado de que o filme de Pawel Pawlikowski não é tudo isso que dizem. Mas, na verdade, trata-se de um trabalho aparentemente simples mas belíssimo. O aspecto formal é tão importante quanto a história de Ida, a moça órfã que cresceu num convento e descobriu que é judia e quer saber mais sobre seus pais desaparecidos durante a Segunda Guerra Mundial. O que mais chama a atenção na fotografia em preto e branco e na proporção 1,33:1 é o modo como o diretor deixa o espaço de cima tão amplo, como se os personagens não tivessem espaço para viver na terra – várias vezes seus rostos são cortados – enquanto o céu é proporcionalmente imenso. Daria para relacionar com a ausência de Deus, como talvez fosse querer dizer a tia da moça, que é quem mostra a ela, pela primeira vez, o tentador mundo fora dos muros do convento. IDA é cheio de sequências delicadamente belas, especialmente em seus momentos finais.

TIMBUKTU

O inferno é na Terra. Dá para pensar isso quando vemos o grau de estupidez e ignorância que os fundamentalistas islâmicos tratam a vida e as pessoas. TIMBUKTU, de Abderrahmane Sissako, faz questão de mostrar coisas tão absurdas quanto ter que fazer um homem usar uma calça com a boca perto do joelho ou proibir jogar futebol ou ouvir música. Nem falo dos apedrejamentos, pois isso infelizmente é algo que ainda persiste em uma cultura que ficou parada no tempo. Mas que persiste mais pela maldade humana do que por alguma convicção religiosa. Sissako também procura mostrar a beleza em meio àquele deserto, representado principalmente pelo pastor de bois, sua esposa e sua filha, que vivem em uma tenda no deserto. A trama múltipla acaba por se afunilar nele, até chegar ao ponto em que vemos que o lado meio O SOM AO REDOR do filme, que pluraliza os personagens e traz tensão para a história, é deixado de lado diante do julgamento daquele homem. Há uma simplicidade na caracterização das cenas e o momento em que o pastor mata o pescador não parece convincente, embora seja bem fotografada. O despojamento combina com a falta de vida naquele ambiente em que a música é proibida, onde viver é proibido.

domingo, janeiro 25, 2015

CÁSSIA ELLER



Difícil um documentário que consiga ao mesmo tempo agradar um grande público e ser inventivo. CÁSSIA ELLER (2014) não foge muito ao esquema tradicional dos documentários, isto é, apresentar em ordem cronológica, com imagens de arquivo e depoimentos o seu objeto de estudo. Mas o diferencial deste documentário sobre uma das cantoras mais talentosas e queridas do Brasil é o quanto ele é humano, toca fundo nos aspectos mais pessoais da artista, sem fugir de casos mais polêmicos, como sua relação com as drogas e sua vida sentimental.

Quem viveu com intensidade os anos 1990 e o início da década seguinte certamente ficará mais emocionado, pois há canções que emolduraram momentos especiais de nossas vidas, ao som de sua voz. Mas CÁSSIA ELLER também tem força para falar a novas gerações, que talvez não conheçam tão bem a cantora, apesar de ela ter se tornado um ícone ainda em vida e suas interpretações permanecerem presentes nos dias de hoje.

Um dos grandes méritos do trabalho do diretor Paulo Henrique Fontenelle é conseguir que a gente goste ainda mais da cantora, depois de ter visto o documentário. Quem tem, de alguma maneira, certa dificuldade em lidar com o social, devido à timidez, pode, inclusive, se identificar com ela. E essa faceta de sua personalidade já era conhecida, de como ela era simples nas entrevistas, quase sempre uma tortura, contrastando com o palco, onde ela podia ser quem ela queria, podia ousar, fazer o que quiser, transformar-se naquilo que não conseguia ser fora dos palcos, especialmente perto de pessoas com quem ela não tinha intimidade.

Ainda que o foco seja a pessoa Cássia Eller, a artista também é muito bem retratada, nos apresentando uma jovem cantora antes do lançamento de seu primeiro álbum homônimo (1990), e seguindo adiante, até chegar em seu auge criativo, com o belíssimo Com Você...Meu Mundo Ficaria Completo (1999), fruto de um esforço para se reinventar, mostrar que era mais do que uma cantora que gritava, trazendo composições totalmente inéditas de grandes artistas, com destaque para Nando Reis, tanto em boa parte das composições, quanto na produção do disco. Além do mais, Cássia nunca havia cantado tão bem. O álbum acabou puxando o antológico Acústico MTV (2001), seu último disco em vida.

O ano de 2001, que foi também o ano em que ela cantou no Rock'n'Rio, se não fosse tão puxado para a cantora no que se refere a shows, quem sabe ela teria vivido mais. Foi um momento particularmente intenso também em outras áreas de sua vida, com recaídas no uso das drogas e casos extraconjugais que no filme são mostrados como exemplos do quanto ela era amada. Mas é curioso e perturbador saber que ela já previa a própria morte, quando conversou a respeito com um guitarrista da banda, conforme depoimento seu.

A questão da guarda do Chicão, filho que ela teve com um de seus músicos, e que foi criado por ela e por Maria Eugênia, sua companheira, é também sabiamente tratada com muita atenção por Fontenelle. Não basta terminar com a morte da cantora, que é naturalmente responsável por boa parte da emoção do documentário, mas deve-se também cuidar de um assunto pendente que representa mais um legado de Cássia.

Dentre os depoimentos, aquele que mais me emocionou e que fez com que minha carapaça canceriana fosse definitivamente quebrada foi a da mãe de Cássia. Tenho um fraco pelo amor das mães e a história que ela conta é definitivamente a mais tocante pra mim. Muito bonito o diretor ter respeito seus entrevistados, tanto ao não forçar as lágrimas, quanto a cortar a cena, quando eles não se sentiam à vontade para falar. Os depoimentos vão desde a serenidade de Maria Eugênia, passando pelas apropriadas intervenções de Zélia Duncan, até os comoventes momentos em que Nando Reis fala da parceira com os olhos marejados.

Se Paulo Henrique Fontenelle já entrou para a história dos documentários brasileiros com o seu excelente LOKI – ARNALDO BAPTISTA (2008), ele mais uma vez contribui para a nossa memória musical com um trabalho cheio de humanidade, respeito e carinho.

sexta-feira, janeiro 23, 2015

ATÉ QUE A SBÓRNIA NOS SEPARE



Ontem tive mais uma daquelas experiências estranhas de estar em uma sala de cinema sozinho. Até estou mais ou menos acostumado. É comum até em fins de semana, dependendo do filme, imagine numa tarde de quinta-feira. Mas desta vez isso me deixou particularmente triste. Afinal, trata-se de uma animação brasileira feita com muito esforço e muito talento e que foi lançada em apenas seis salas de todo o país. Até seria motivo de orgulho para nós estarmos no rol das poucas cidades que tiveram o filme em cartaz no dia da estreia nacional, já que a local, no Rio Grande do Sul, aconteceu no ano passado.

Muito desse problema (não apenas deste filme em particular mas de tantos outros, principalmente pequenas produções brasileiras) se justifica pela total falta de divulgação. No UCI Parangaba, único cinema da cidade onde o filme passava, não havia sequer um simples cartaz de divulgação. O que se divulga são justamente os blockbusters ou as comédias brasileiras da Globo Filmes. Mesmo as que são atacadas pela crítica acabam ganhando visibilidade, pois as pessoas ficam sabendo de sua existência e não ligam para o que os críticos dizem. Atrás de mim, por exemplo, estava uma moça querendo comprar ingresso para LOUCAS PRA CASAR, um exemplo de filme que foi lançado em mais de 500 cópias em seu lançamento e mais uma ajudinha de praxe da Globo, que faz propaganda de suas produções em seus programas.

Ainda assim, é digno de louvor o trabalho de alguns animadores brasileiros que fizeram filmes mais ousados esteticamente, caso de UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA (2011), de Luiz Bolognesi, e O MENINO E O MUNDO (2013), de Alê Abreu. Esses, junto com ATÉ QUE A SBÓRNIA NOS SEPARE (2013), de Otto Guerra e Ennio Torresan Jr., são obras totalmente diferentes entre si e que também oferecem uma proposta diferente de experiência cinematográfica. Falemos da animação de Guerra e Torresan Jr.

O filme é livremente baseado na peça Tangos & Tragédias, criada e encenada por Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky, e que esteve em cartaz em Porto Alegre por 30 anos. Nicolaiewsky faleceu em fevereiro do ano passado e é a ele que o filme é dedicado, um artista que teve também uma interessante carreira musical. Nota-se em SBÓRNIA que há uma estranheza que não necessariamente está ligada aos hábitos estranhos do povo do lugar, mas que se deve mais à nossa falta de intimidade com a peça. Por isso o filme deve falar de maneira mais forte ao público gaúcho, assim como CINE HOLLIÚDY falou mais ao público cearense. Mas isso não é motivo para não se interessar pelo filme. Ao contrário: é mais um diferencial que torna esse objeto estranho em nosso circuito numa opção imperdível.

O que mais salta aos olhos além dos lindos traços e da animação requintada de ATÉ QUE A SBÓRNIA NOS SEPARE é a sua narrativa anárquica e seu ritmo meio louco. Os envolvidos no filme, que participam na dublagem e nas músicas, parecem estar em família: além de Hique e Nico, que interpretam dois parceiros musicais que animam a Sbórnia com suas canções que parecem saídas da ex-Ioguslávia, há também a presença de Fernanda Takai e de André Abujamra, além de Arlete Salles.

Na trama, a Sbórnia, que é separada do continente americano por uma grande muralha de pedras por dezenas de anos, tem sua muralha derrubada e começa a ser visitada por estrangeiros e vice-versa. O personagem de Nico, por exemplo, fica apaixonado por uma adolescente rica, interpretada por Takai, e que acaba por se tornar a subtrama mais importante da história.

Trata-se de um filme irregular, que poderia ser melhor desenvolvido narrativamente, ter mostrado de maneira melhor os hábitos da Sbórnia (a cena do "futebol viking", por exemplo, é bem problemática). Mas isso é compensado por uma animação que salta aos olhos de tão bonita que é. E o próprio aspecto caótico e onírico da trama acaba nos deixando relevar alguns problemas de ritmo. A animação foi tão caprichada, aliás, que os criadores acabaram quebrando, tendo que pedir dinheiro emprestado ao banco para a finalização da obra.

O mais importante é que a criança nasceu e pode ser vista. Porém, o ideal é que ela seja vista pelo maior número de pessoas possível. Pessoas que estejam abertas a novas experiências visuais, de preferência.

quarta-feira, janeiro 21, 2015

BREAKING BAD – A QUINTA TEMPORADA COMPLETA (Breaking Bad – The Complete Fifth Season)



Escrever sobre a quinta temporada de BREAKING BAD (2012-2013) no calor do final não é tarefa fácil, mas talvez seja a melhor maneira de tentar passar o que eu senti e sinto ainda neste momento de despedida de personagens tão complexos e queridos. Se bem que dizer que são "queridos" soa até um pouco estranho, pois há vários momentos na série, especialmente nas temporadas finais, que você sente mesmo ódio de Walter White (Bryan Cranston). Mas o fato de acompanharmos a sua trajetória de seis anos, de professor de química pouco respeitado de uma escola até mestre do crime, pelo seu ponto de vista, faz com que nos solidarizemos com ele.

Foram poucos os momentos em que a série pareceu tratar os personagens Walt e Jesse (Aaron Paul) felizes com o que faziam, isto é, cozinhando metanfetamina da melhor qualidade, ganhando muito dinheiro com isso e conseguindo se safar do Departamento de Narcóticos da Polícia de Albuquerque, pois há sempre algo de ruim que acontece. Aos poucos, vamos acompanhando o transformação de Walt, até chegamos ao ponto de torcer pela polícia, tal a monstruosidade que ele se transformou, ao deixar-se arrastar para uma espécie de "lado negro da força", que se torna mais sombrio ainda à medida que a série se aproxima de seu final.

Na quinta temporada, por ter um caráter de desfecho, já prevíamos que, mais cedo ou mais tarde, o império de Walt seria descoberto e o inferno cairia sem pena sobre ele. Mas isso demora um bocado para acontecer. Ou acontece aos poucos, o que é pior para todos os envolvidos, seja Jesse, seja a esposa de Walt, Skyler (Anna Gunn, grandiosa), que havia se tornado cúmplice dos negócios ilícitos do marido, mas que entra em parafuso quando descobre do que ele é capaz, depois do bem sucedido plano para matar o chefão Gus no final da temporada passada.

Então, toda a dramaticidade que a primeira temporada antecipava vem com força total neste trágico final. Algo comparado às melhores tragédias gregas de tão grandiosa que é. E o impressionante de tudo isso é que nada parece over. Tudo parece estar no seu lugar, seja a crise de consciência e a depressão do sensível Jesse ou o modo agressivo de Skyler, e principalmente o pensamento frio de Walt ao tomar determinadas medidas para a continuação de seu empreendimento ou para se safar da polícia ou de outros inimigos. É também a temporada que mais dá espaço e força para os personagens Hank (Dean Norris) e Marie (Betsy Brandt).

Alguns dos momentos mais brilhantes, dramáticos, chocantes, emocionantes desta quinta temporada: a despedida de Mike (“shut the fuck up and let me die in peace”); o grande roubo de trem e o desfecho de cortar o coração; o tiroteio no deserto; o esfacelamento da parceria do trio; e a genialidade de Walt em dar um desfecho sem pontas soltas para sua vida e a dos envolvidos; entre tantos outros.

Mas o mais importante de tudo é o quanto essas situações vão mexendo com a gente por dentro a tal ponto de sentirmos uma angústia imensa. O criador Vince Gilligan até deixa algum espaço para lágrimas, mas o que mais fica mesmo em nossos corações é um peso enorme, que só se encerra com o fim de todos os males. E a certeza de que acabamos de ver algo magistral.

terça-feira, janeiro 20, 2015

A PELE DE VÊNUS (La Vénus à la Fourrure)



As distribuidoras brasileiras andam cada vez mais temerosas em lançar certos filmes mais ousados. Mesmo os que trazem a assinatura de um grande cineasta. Aconteceu com PASSION, de Brian De Palma, e agora acontece também com A PELE DE VÊNUS (2013), de Roman Polanski. São dois filmes que certamente ganhariam muito se vistos na telona, mas também não dá para ficar esperando o resto da vida até que essas distribuidoras resolvam tirar os filmes do limbo, nem que seja para colocar no mercado de home video, que só não morreu de vez mesmo por causa do blu-ray.

A PELE DE VÊNUS dá continuidade ao namoro de Polanski com o teatro, iniciado com o anterior, o ótimo DEUS DA CARNIFICINA (2011). Aqui esse romance é mais explicitado, já que a história toda se passa dentro de um teatro e temos apenas dois personagens em cena, um diretor de teatro, Thomas, vivido por Mathieu Amalric, e uma atriz que chegou atrasada para as audições, Vanda, vivida por Emmanuelle Seigner.

O filme conquista o espectador desde o começo, com o modo como Vanda entra, toda ensopada de chuva, no teatro, e fazendo chantagem emocional para que Thomas a aceite como candidata à protagonista feminina. O filme é baseado na peça Venus in Fur, do americano David Yves. Até achei que a peça fosse mais antiga, mas ela é bem recente (encenada pela primeira vez em 2010) e é um jogo no qual há uma peça dentro da peça. Curioso ver o filme após ter visto tão recentemente ACIMA DAS NUVENS, de Olivier Assayas, que também tem momentos assim.

Mas A PELE DE VÊNUS vai bem além, no sentido de confundir ainda mais o que é "real" e o que é encenado, já que quando Vanda se mostra uma personagem perfeita o diretor fica fascinado a tal ponto de o jogo de ativo-passivo, diretor-ator etc. ser totalmente invertido, o que tem tudo a ver com o que a peça propõe, isto é, mostrar o relacionamento de sadomasoquismo entre um homem e uma mulher.

Já sabemos o quanto Amalric é bom ator, mas quem brilha mesmo no filme é Emmanuelle Seigner, a esposa do diretor, em sua quarta parceria com o marido, tendo começado com ele com BUSCA FRENÉTICA (1988), deixado a audiência à beira da loucura em LUA DE FEL (1992) e flertado com o demônio em O ÚLTIMO PORTAL (1999). Aliás, há semelhança de sua personagem aqui com a de LUA DE FEL, no sentido de que ambos os filmes lidam com relações de sofrimento e prazer.

O que torna A PELE DE VÊNUS singular é mesmo esse jogo de inversões, esse duelo psicológico entre esses dois personagens, e o quanto, pelo teor metalinguístico do filme, esquecemos que estamos diante de um filme adaptado de uma peça, já que há algumas interrupções, como o telefone de Thomas que toca, ou nas vezes em que ela dá ideias geniais para abrilhantar a peça do dramaturgo. O que sentimos é algo misto, situado entre o desconforto e a excitação. Deve ser assim a entrega sentimental, física e sensual no universo S&M.

domingo, janeiro 18, 2015

AS AMAZONAS NA LUA (Amazon Women from the Moon)



AS AMAZONAS NA LUA (1987) era aquele filme que sempre aparecia nos antigos guias da Revista SET, como representativo do que havia de melhor nas locadoras. E eu ficava sempre interessado em vê-lo, mas nunca encontrava nas locadoras daqui. Ou nunca tive oportunidade de ver na televisão. Até que, meio que sem querer, ele veio parar nas minhas mãos por causa de um desses sites de compartilhamento. E o filme é mesmo uma maravilha.

Trata-se de uma seleção de esquetes imitando uma programação de televisão, mais ou menos como a TV PIRATA fez no Brasil a partir do ano seguinte, o que me leva a crer que eles foram diretamente influenciados por esse filme assinado a dez mãos por John Landis, Joe Dante, Carl Gottlieb, Peter Horton e Robert K. Weiss. Os três últimos eu nunca ouvi falar mas Landis e Dante representam o que há de mais divertido no cinema americano da década de 1980. Ou pelo menos parte disso.

Tanto que é de Landis o primeiro segmento ("Mondo Condo"), que já faz muita gente rir a valer com a falta de sorte de um sujeito em sua casa. A partir daí somos devidamente conquistados por AS AMAZONAS NA LUA. Mas muita coisa viria ainda pela frente, como o segmento "Pethouse Video", que dá direito até mesmo a uma bela nudez frontal de uma loira, Monique Gabrielle, que encarnou no mesmo ano a Emmanuelle (5) numa das infinitas continuações do clássico dos anos 1970. Mulher pelada com humor é muito bem-vindo, embora possa deixar o cérebro um pouco mais lento.

Outro segmento antológico é estrelado por Michelle Pfeiffer e Griffin Dunne ("Hospital"), no qual ela vive uma mãe que acabou de ter um bebê e dá de cara com um médico que fica tirando onda com ela e o marido. Impagável também o segmento "Son of the Invisible Man", que tenta emular a fotografia e o espírito do clássico O HOMEM INVISÍVEL, com a diferença que o sujeito só pensa que é invisível. Dá pra imaginar o que pode acontecer.

Dois momentos são particularmente especiais e envolvem encontros amorosos frustrados. Um deles é "Two I.D.'s", em que Steve Guttenberg quer sair com uma moça (Rosanna Arquette) pela primeira vez, mas ela tem como saber todo o histórico dele através de uma máquina. O outro, "Video Date", tem até participação do mestre Russ Meyer. Um sujeito solitário procura uma fita de vídeo para aplacar a solidão e acaba recebendo uma que conversa com ele. Digno de menções também o hilário episódio do velório e o fragmentado filme de ficção científica inserido que dá título à antologia.

AS AMAZONAS NA LUA lembra um pouco o trabalho do grupo Monty Python, mas o humor aqui é bem americano, muito próximo do que se fazia nas comédias da época, provavelmente não tão sofisticado quanto o de seus colegas ingleses, mas digno de ser lembrado como uma das comédias mais inventivas produzidas naquela época.

sábado, janeiro 17, 2015

ACIMA DAS NUVENS (Clouds of Sils Maria)



Faz toda a diferença ver um filme de um diretor talentoso e já numa fase madura de sua carreira. Sentimos uma segurança maior na construção dramática, nas escolhas estéticas, no timing dos diálogos e, no caso de ACIMA DAS NUVENS (2014), no modo brilhante como Olivier Assayas lida com a interpretação, seja a dos personagens interpretando/ensaiando uma peça, seja aquela mais naturalista, mais próxima de um diálogo real. Ainda assim, há momentos em que esse tipo de diferença se confunde.

E nesse sentido vale destacar a diferença entre o esforço de Juliette Binoche em lidar com a nova personagem que irá interpretar, uma mulher de 40 anos, e Kristen Stewart, sua assistente, ajudando-a a repassar o texto e muitas vezes conversando sobre o quanto a sua chefe não é suficientemente aberta aos novos valores do mundo cada vez mais pop. A questão do medo de envelhecer e da inveja se fazem presentes nessa fogueira das vaidades que é o filme de Assayas.

Por mais que ACIMA DAS NUVENS tenha os seus problemas, muito deles se deve à má escalação de Chloë Grace Moretz e no quanto ela está ruim no papel. Pelo menos ela aparece pouco. O que conta mesmo é a excelência de Kristen Stewart, que se revela uma atriz de primeira grandeza (além de exalar sex appeal) ao duelar com Juliette Binoche (pode-se dizer até que vencendo, se fizermos disso uma disputa) nos intensos debates nos Alpes Suíços, onde boa parte da narrativa se desenrola. Aliás, quem não gosta de filmes com muitos diálogos, não deve gostar tanto assim de ACIMA DAS NUVENS, que supera nisso até mesmo o drama familiar HORAS DE VERÃO (2008), um dos mais verborrágicos da carreira do cineasta.

Dividido em três partes, sendo a segunda bem mais longa que as demais, ACIMA DAS NUVENS apresenta uma estrutura cheia de fade outs que passam uma sensação de que perdemos algo da narrativa, dando certo ar de mistério, mas também privilegia planos-sequência de longas conversas. Há uma bela coreografia desses planos, feita com muita sutileza, tanto em cenas em interiores, quanto nas que mostram a bela paisagem dos Alpes Suíços, que na telona do cinema é de encher os olhos. O fato de a janela ser em scope potencializa a força das imagens.

A trama começa em um trem em movimento e a primeira imagem que vemos é de Valentine (Kristen Stewart) se virando muito bem como assessora de Maria, famosa atriz de sucesso vivida por Binoche. Maria atuou em diversos filmes de Hollywood, assim como também em seu país natal, a França, e também tem uma boa carreira nos palcos. Ficamos sabendo também de seu processo de divórcio, através das ligações que recebe do futuro ex-marido. Dentro do referido trem, recebe-se a notícia de que o diretor de teatro que receberia uma homenagem de Maria havia falecido.

Moretz, como a garota-problema ao estilo de Lindsay Lohan que faria o papel que Maria interpretou na peça quando tinha 18 anos, não está nada bem em cena e por muito pouco não estraga o filme, que parece caminhar em ovos em seu epílogo. Felizmente, Assayas, ainda que tenha exagerado um pouco na duração das cenas e se perceba a duração do filme (um problema de edição), consegue se sair bem neste que é o mais americano de seus filmes. Embora se fale bastante também de cinema, é o teatro que Assayas parece querer homenagear desta vez. Pode-se dizer que, apesar das pedras no caminho, ele foi bem-sucedido. 

sexta-feira, janeiro 16, 2015

O CINEMA E O PUNK ROCK EM TRÊS FILMES



E chegou mais uma hora de descarregar mais de um filme em uma só postagem. É a oportunidade, afinal, de eu me livrar de A GRANDE NOITE (2012), que estava há séculos na lista de filmes a comentar. A ideia veio de outros dois filmes que também lidam com a temática do punk rock, vistos mais recentemente, NÓS SOMOS AS MELHORES! (2013) e DEPOIS DA CHUVA (2013). São filmes completamente diferentes entre si, mas pelo menos têm um elo em comum. Falemos um pouco deles.

A GRANDE NOITE (Le Grand Soir) 

Dirigido pela dupla de cineastas Gustave Kervern e Benoît Delépine, A GRANDE NOITE nos apresenta a dois irmãos que seguem vidas completamente distintas. Um deles se autointitula o mais velho punk vivo e costuma andar com seu cachorro pelas ruas, seu penteado moicano e seu desprezo pelo capitalismo e por todas as instituições. Vive de favor da família, inclusive do irmão mais chegado, que trabalha em uma loja de móveis, mas que depois de uma briga com o patrão e é demitido resolve seguir a trilha do irmão. O filme não chega a ser muito animador e nem muito marcante. Passaria sem vê-lo, sem problema algum.

NÓS SOMOS AS MELHORES! (Vi är Bäst!) 

Curioso como Lukas Moodysson consegue trafegar por caminhos tão opostos. Ele já mostrou personagens no fundo do poço, como em PARA SEMPRE LILYA (2002). Desta vez faz um dos filmes mais simpáticos e leves da atualidade, mostrando duas garotinhas adolescentes que sonham em tocar em uma banda punk, embora não saibam tocar nenhum instrumento. Sua salvação vem de outra garota que também se sente deslocada de todos na escola. O diferencial é que uma menina protestante e certinha demais, diante do ateísmo das outras duas. Mas a garota sabia tocar muito bem violão e isso faria toda a diferença. NÓS SOMOS AS MELHORES!, porém, não é exatamente aquele tipo de filme de desafios e superação. Até pode ser, mas foge aos clichês, valorizando mais o relacionamento entre as próprias garotas e suas atitudes ingênuas diante da vida que está só começando.

DEPOIS DA CHUVA 

O punk rock está presente em DEPOIS DA CHUVA, estreia em longa-metragem de Cláudio Marques e Marília Hughes, em uma das melhores cenas: quando Caio (Pedro Maia, ótimo) toca na escola com os seus colegas uma versão punk rock mal tocado de “Negue”, conhecida na voz de Nelson Gonçalves, vestidos com roupas de mulher. Isso causa um horror nas professoras, que querem mesmo é ver a turma tocando o já manjado hino de protesto “Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré. O filme retrata o momento das Diretas Já, quando ainda se discutia se haveria uma eleição direta ou indireta e os candidatos a presidência eram Tancredo Neves e Paulo Maluf. O mérito do filme está justamente em mostrar um sentimento de desencanto diante daquele momento que para muitos representa uma vitória para o povo brasileiro. DEPOIS DA CHUVA acompanha o jovem Caio e suas insatisfações diante da vida e da política. Só achei que faltou mais força no final, bem como mais paixão nas cenas de Caio com a namoradinha. Mas é, definitivamente, o caso de acompanhar a carreira dos jovens cineastas baianos.

quinta-feira, janeiro 15, 2015

INVENCÍVEL (Unbroken)



Pelo visto Angelina Jolie ainda não aprendeu a dirigir. Ou pelo menos a dirigir um bom filme. Depois de uma estreia meia-boca com NA TERRA DE AMOR E ÓDIO (2011) ela volta a escolher a guerra em um país distante e em outro tempo no novo INVENCÍVEL (2014), que é daqueles filmes de superação que não conseguem nem mesmo ser suficientemente cafonas. E olha que ela tinha nas mãos uma história e tanto, mas sabemos que desde o início a intenção é mesmo fazer um filme que mostrasse a força e obstinação de um homem.

INVENCÍVEL também tem uma intenção de agradar a um público religioso, conforme veremos ao longo de sua metragem, e em especial em sua conclusão. Não deixa de ser interessante, já que pouco sei sobre as crenças e a fé de Angelina Jolie, embora seja de conhecimento geral suas boas ações e seu bom coração no que se refere a ajudas humanitárias.

O filme acompanha um fato quase inacreditável da vida de Louis Zamperini (Jack O’Connell), um atleta olímpico que se alista no bloco dos aliados na Segunda Guerra Mundial e vai parar, depois de muito tempo à deriva no mar cheio de tubarões, nas mãos de perversos militares japoneses. Um dos oficiais, Watanabe (Takamasa Ishihar), também conhecido como "a ave", pega Louis pra Cristo e verifica-se uma sutil tensão sexual entre os dois (ou pelo menos por parte do japonês), lembrando outro filme muito superior, FURYO – EM NOME DA HONRA, de Nagisa Oshima, muito mais explícito nesse sentido.

INVENCÍVEL também peca por construir cenas de batalha aérea que não oferecem emoção alguma, mesmo com todos os efeitos especiais disponíveis atualmente. Curiosamente, na década de 1930, Howard Hawks e outros diretores que gostavam de aviação, filmavam ataques aéreos que nos deixavam com o coração na mão. E eles dispunham tecnicamente apenas de back projection.

No mais, as idas e vindas no tempo para mostrar o passado do personagem e nos ajudar a conhecê-lo melhor acabam travando a narrativa, que desde o começo, durante a guerra, já não era lá essas coisas. O jovem Jack O’Connell até dá o melhor de si, mas não pôde carregar o filme nas costas. Um filme que tem como um de seus ápices justamente o momento mais constrangedor. Do tipo: se dava para encarar INVENCÍVEL como algo mais ou menos digno, depois dessa cena, o filme perde o pouco do respeito que até então poderia ter.

INVENCÍVEL foi indicado ao Oscar nas categorias de edição de som, mixagem de som e fotografia.

terça-feira, janeiro 13, 2015

FOME DE VIVER (The Hunger)



Quando Tony Scott faleceu em 2012 eu estava cogitando ver FOME DE VIVER (1983) para homenageá-lo. Em vez disso, até por motivos relativos à leitura de um livro sobre Quentin Tarantino, optei por rever o igualmente ótimo AMOR À QUEIMA ROUPA (1993), lançado dez anos depois. A semelhança entre os dois filmes, além do esteticismo de Scott, seu gosto por belos cenários, bela fotografia, que muitas vezes foi confundida com propaganda de perfume (até por ele ter vindo da publicidade), há também entre os dois filmes muito sangue. Litros e litros de sangue.

Se em AMOR À QUEIMA ROUPA todo esse sangue tem a desculpa de ser culpa de Tarantino, aqui o sangue está a favor da história de um dos filmes de vampiros mais privilegiados do mundo: tem em seu elenco duas grandes estrelas internacionais, Catherine Deneuve e David Bowie. Completa o trio Susan Sarandon, já acostumada a tirar a roupa em filmes como MENINA BONITA e ATLANTIC CITY, ambos de Louis Malle.

Mas ao contrário do que a minha memória me enganava, não se trata de um triângulo amoroso, mas de uma troca de casais. Aliás, a minha memória do filme é tão turva que eu acredito não ter visto mesmo completo, quando foi exibido na televisão. Só o que conseguia lembrar de maneira forte mesmo era a abertura, ao som de Bauhaus tocando "Bela Lugosi is dead". Isso não dá para esquecer mesmo.

As cenas das duas mulheres na cama, por exemplo, ficaram um pouco borradas em minha mente. E do final, eu não lembro nada mesmo. Logo, acredito ter sido mesmo a primeira vez que vi de fato o filme. E que privilégio poder ver no cinema, em glorioso scope, e numa cópia linda restaurada e em DCP.

FOME DE VIVER foge um pouco dos estereótipos dos filmes de vampiros, embora possa ser facilmente classificado como horror. Na trama, o casal de vampiros vivido por David Bowie e Catherine Deneuve mantém uma vida tranquila: leva para casa algumas vítimas para sugar-lhes o sangue e assim garantir a eterna juventude. Acontece que ele, o personagem de Bowie, começa a perceber que está envelhecendo. E de maneira muito rápida. Tão rápida que o apavora e o faz ir em busca de uma especialista em estudos sobre sono e sua relação com o retardamento do processo de envelhecimento. No caso, a médica vivida por Susan Sarandon.

O aspecto mais terrível, no bom sentido, do filme não é nem as cenas envolvendo os mortos-vivos em estado de putrefação que habitam a mansão dos vampiros, mas a própria ideia de não morrer, de manter a sua mente ativa enquanto o corpo está em decomposição. Isso, só de pensar, chega a dar calafrios.

Mas o filme, mesmo tendo sequências perturbadoras, como a da morte de uma garotinha, tem até um momento de humor, involuntário ou não. Trata-se da cena em que as duas mulheres estão pela primeira vez tomando xerez e derrama um pouco na camiseta da personagem de Sarandon. Aquela camiseta precisava ser tirada. O que se vê a seguir tem uma carga erótica bem interessante.

E por falar em classe, impressionante como Catherine Deneuve, quase 20 anos depois de ter rodado filmes como REPULSA AO SEXO, de Roman Polanski, e A BELA DA TARDE, de Luis Buñuel, aparece ainda mais linda em plenos anos 80. Mas é que ela tinha apenas 40 anos. Menos ainda se contarmos o tempo das filmagens. Portanto, pode-se dizer que ela estava no auge da beleza, auxiliada ainda mais pelo gosto de Scott em fotografar da maneira mais bela possível.

segunda-feira, janeiro 12, 2015

GLOBO DE OURO 2015



Dizem que em time que está ganhando não se mexe. Mas a verdade é que isso não é bem verdade. As coisas mudam e por mais que Tina Fey e Amy Poehler sejam uma simpatia, três anos apresentando o Globo de Ouro já é muito pra elas. Elas mesmas já diziam que seria a última vez. Mas o problema não foi bem delas. Foi da direção da cerimônia mesmo, que fez um show de atropelos e no fim ninguém tinha mais tempo para discurso algum. Meio que uma vingança do pessoal da TV, esnobado no discurso delas, ainda que de brincadeira, diante do pessoal do cinema.

Comparei a premiação com quando vamos ao Habib’s e somos obrigados a comer apressados, pois o garçom tira os pratos logo para fazer pressão psicológica para irmos embora. A pressa na entrega dos prêmios do Globo de Ouro deste ano deu essa impressão. Como se aqueles prêmios não valessem nada mesmo, por mais que se veja um ou outro discurso emocionado, como o de Michael Keaton, por exemplo.

No fim das contas, tanto o Globo de Ouro quanto o Oscar me servem mais para apreciar as belas da festa. Este ano, por exemplo, não pude deixar de notar o quão linda estava Jessica Chastain, indicada por O ANO MAIS VIOLENTO, mas que perdeu o prêmio para Patricia Arquette, do grande vencedor da noite, BOYHOOD – DA INFÂNCIA À JUVENTUDE. Outras beldades que se destacaram: Katherine Heigl, Amy Adams e Jennifer Lopez, essa última mais por causa de um decote matador (ela é ótima nisso).

Quanto à preferência da imprensa estrangeira em Hollywood por BOYHOOD, isso se deve tanto ao fato de o filme ter ganhado vários prêmios de crítica e em festivais também, como o fato de que seus concorrentes não eram suficientemente fortes. No fim das contas, acabou sendo bom para a premiação, que escolheu um filme mais alternativo. Provavelmente isso se repetirá no Oscar. Vamos ver.

Com relação às surpresas, a maior delas foi mesmo O GRANDE HOTEL BUDAPESTE ganhar o prêmio de melhor filme/comédia, passando por cima do favorito, BIRDMAN. O desajeitado Wes Anderson subiu com toda a sua trupe lá pra cima. Não há como negar que ele tem personalidade. Quanto à homenagem especial a George Clooney, não teve nada demais. Um clipe com alguns filmes, a já carismática persona do astro e o fato de ele estar casado e só.

Quanto às premiações para a televisão, três shows se destacaram: THE AFFAIR, em sua primeira temporada, ganhando série/drama e atriz; TRANSPARENT, ganhando série/comédia e ator; e FARGO, ganhando minissérie ou telefilme e ator. FARGO, aliás, surpreendeu, diante do até então favorito TRUE DETECTIVE. Mas ambas são ótimas, sendo que FARGO é mais bem resolvida, mais redonda. Outra surpresa da televisão foi a escolha de uma atriz pouco conhecida e uma série nova, Gina Rodriguez, de JANE THE VIRGIN, ganhou melhor atriz de musical ou comédia.

Melhores momentos da noite: Ricky Gervais, que já foi apresentador da premiação, usando seu tempo para fazer comédia; e o mesmo para a dupla de THE SKELETON TWINS, Kristen Wiig e Bill Hader. Bem que poderiam ser bons nomes como apresentadores da próxima edição.























Prêmios da noite

Cinema

Melhor Filme (Drama): BOYHOOD – DA INFÂNCIA À JUVENTUDE
Melhor Filme (Comédia/Musical): O GRANDE HOTEL BUDAPESTE
Melhor Direção: Richard Linklater (BOYHOOD – DA INFÂNCIA À JUVENTUDE)
Melhor Ator (Drama): Eddie Redmayne (A TEORIA DE TUDO)
Melhor Ator (Comédia/Musical): Michael Keaton (BIRDMAN)
Melhor Atriz (Drama): Julianne Moore (PARA SEMPRE ALICE)
Melhor Atriz (Comédia/Musical): Amy Adams (GRANDES OLHOS)
Melhor Ator Coadjuvante: J. K. Simmons (WHIPLASH – EM BUSCA DA PERFEIÇÃO)
Melhor Atriz Coadjuvante: Patricia Arquette (BOYHOOD – DA INFÂNCIA À JUVENTUDE)
Melhor Roteiro: Alejandro González Iñárritu (BIRDMAN)
Melhor Trilha Sonora: Johann Johannsson (A TEORIA DE TUDO)
Melhor Canção Original: John Legend e Common por "Glory" (SELMA)
Melhor Animação: COMO TREINAR SEU DRAGÃO 2
Melhor Filme Estrangeiro: LEVIATÃ (Rússia)

Televisão

Melhor Série (Drama): THE AFFAIR
Melhor Série (Comédia/Musical): TRANSPARENT
Melhor Minissérie ou Telefilme: FARGO
Melhor Ator de Série (Drama): Kevin Spacey (HOUSE OF CARDS)
Melhor Ator de Série (Comédia): Jeffrey Tambor (TRANSPARENT)
Melhor Ator em Minissérie ou Telefilme: Billy Bob Thornton (FARGO)
Melhor Atriz de Série (Drama): Ruth Wilson (THE AFFAIR)
Melhor Atriz de Série (Comédia): Gina Rodriguez (JANE THE VIRGIN)
Melhor Atriz em Minissérie ou Telefilme: Maggie Gyllenhaal (THE HONORABLE WOMAN)
Melhor Ator Coadjuvante em Série, Minissérie ou Telefilme: Matt Bomer (THE NORMAL HEART)
Melhor Atriz Coadjuvante em Série, Minissérie ou Telefilme: Joanne Froggatt (DOWNTON ABBEY)

sexta-feira, janeiro 09, 2015

NICK CAVE – 20.000 DIAS NA TERRA (20,000 Days on Earth)



A experiência de ver NICK CAVE – 20.000 DIAS NA TERRA (2014) no cinema, além de ser sensorial, é também espiritualmente arrebatadora, principalmente por causa da música, e também pelos assuntos que me são tão caros e que são tratados, como a memória, a infância, a criação artística e os medos. Ao terminar a sessão, a vontade que eu tinha era de deixar de lado os outros dois filmes que iria ver em sequência e partir para um computador a fim de escrever minhas impressões, no calor do momento. Mas acabei deixando para este momento da madrugada, quando meus olhos já estão pesados e o sono se aproxima. Isso não quer dizer que a lembrança da empolgação deste fantástico filme não contamine a escrita.

Falando em lembrança, quero deixar registrado que o meu primeiro contato com Nick Cave foi no cinema, vendo ASAS DO DESEJO, de Win Wenders, em uma sessão memorável do Cinema de Arte, no saudoso Cine Center Um. Pode ser atestado de que estou velho, mas também é atestado de quem teve o privilégio de ver esta obra na telona.

E a memória é um elemento tão forte em NICK CAVE – 20.000 DIAS NA TERRA que ela é certamente um dos três temas principais. Ao ser perguntado por um psicanalista o que ele mais tem medo, o cantor responde que é de perder a memória, que segundo ele é o que nós somos. A própria memória, aliás, já aparece nos créditos, em uma explosão de imagens que seriam posteriormente reveladas como caras ao artista. Elas são mostradas de modo tão frenético quanto os inúmeros televisores na turnê Zoo Tv do U2. E vendo essas memórias afetivas em forma de imagem, até pensei em fazer uma espécie de blog só de fotos daquilo que me é/foi caro ao longo de minha vida. Sim, o filme mexeu comigo assim.

Enquanto estamos completamente encantados com aquele artista e seu processo criativo – como não se empolgar ouvindo a arrepiante versão de estúdio de "Higgs Bosom Blues"? – o que mais queremos é continuar vendo Nick, seja falando, conversando ou cantando. Adorei saber da história envolvendo o romance Lolita, de Nabokov, e imaginar que aquilo pode ter ajudado a criar um artista tão fascinado com as palavras, a ponto de elas serem tão ou mais importantes que a música em suas canções.

Além das conversas com o analista, que podem ser postas em dúvida dado o caráter pseudodocumental da obra, há o sempre intrigante papo com personalidades amigas suas dentro de seu carro: o ator Ray Winstone, a cantora Kylie Minogue e um de seus ex-parceiros de banda. Também são ótimas as conversas com o fiel amigo Warren Ellis.

E mais: tem a lembrança de quando ele apresentou Nina Simone em show, que é tão forte em sua magnética e poderosa voz, que até chega a ser mais memorável do que a cena de Celine (Julie Delpie) ao final de ANTES DO PÔR-DO-SOL, de Richard Linklater. Criamos de maneira mais fácil em nossa memória as imagens narradas por ele. Mesmo caso quando ele cita um Jerry Lee Lewis idoso em um show.

Falando em show, dos poucos momentos em que o vemos em um show de verdade no filme, ele ali, perto do público, parece uma espécie de deus venerado, tocando a cabeça dos fãs, que reagem como se fossem tocados por um santo ou algo próximo disso. Há de fato uma força mística que o envolve.

Ver NICK CAVE – 20.000 DIAS NA TERRA faz com que nos sintamos felizes de estar vivos, de se sentir agradecido por aquele momento. Filmes assim são raros e por isso devem ser louvados, elogiados, recomendados. Deixo meus agradecimentos também ao pessoal do Cinema do Dragão, que o trouxe para essa já histórica Mostra Expectativa Retrospectiva.

quinta-feira, janeiro 08, 2015

BREAKING BAD – A QUARTA TEMPORADA COMPLETA (Breaking Bad – The Complete Fourth Season)



É mais ou menos como o pessoal que já viu a série diz. A quarta temporada de BREAKING BAD (2011) não é tão brilhante quanto a terceira, mas ainda assim é sensacional. Não há uma grande mudança de tom em relação à anterior, a não ser um crescente aumento naquilo que se poderia se chamar de série de gângsteres, no que começou como sendo uma série sobre uma doença.

Muito bom acompanhar a evolução do personagem de Bryan Cranston, Walt, que de homem ridicularizado pela sociedade no início passa a figurar como um dos melhores anti-heróis já criados pelo cinema ou a televisão, à altura de Tony Soprano, mas com um pouquinho mais de consciência.

Também muito bom ver o crescimento de Skyler, a personagem de Anna Gunn, esposa de Walt, que agora gerencia um lava-jato que funciona para lavar o dinheiro que Walt ganha com a fabricação de metanfetamina para o chefão Gus (Giancarlo Esposito), um dos mais brilhantes vilões criados, até por passar longe do arquétipo de vilão, dado o seu jeito polido de lidar com as pessoas, o que até dificulta sentirmos algum tipo de raiva por ele. Mas entre ele e Walt e seu confuso escudeiro Jesse (Aaron Paul), ficamos com a velha e boa dupla de cozinheiros.

E o grande drama da temporada mesmo é saber que mais cedo ou mais tarde Gus iria querer se livrar de Walt, uma vez que tivesse de posse de sua fórmula do pó azul, que tanto sucesso fez entre seus usuários, dada sua pureza incomparável. No fim das contas, BREAKING BAD é também uma série sobre negócios. Com a diferença que o perigo é bem maior, envolvendo inclusive traficantes mexicanos, os grandes inimigos de Gus. Destaque para o velho patriarca que só consegue se comunicar com um sino.

Felizmente outros bons coadjuvantes continuam sendo bastante respeitados pelos roteiristas, independentemente do que lhes sucedeu na temporada passada, como é o caso de Hank, o policial da Narcóticos que ficou paralítico graças a uma ação dos traficantes. Mas como uma prova de que o trabalho não só enobrece o homem, mas também lhe traz saúde e vontade de viver, tudo mudo na vida de Hank quando alguém lhe sugere dar uma olhada no assassinato do sujeito morto à queima-roupa por Jesse.

Melhores episódios: "Salud", em que Jesse, Gus e Mike viajam para o México para ensinar aos rivais à fórmula mágica; e "Face Off", a season finale, com a dura luta de Walt e Gus num jogo de estratégias.

quarta-feira, janeiro 07, 2015

QUATRO DOCUMENTÁRIOS



E chega aquela hora em que é preciso despejar alguns filmes em maior quantidade para que seja viável o objetivo do blog, que é escrever sobre todos os filmes vistos. Então, aproveitando que vi um documentário hoje, selecionei outros três que estavam na espera para finalmente escrever algo sobre eles. Com exceção do filme russo, que foi visto em casa, os demais foram vistos no Cinema do Dragão.

UM SONHO INTENSO 

O interessante deste filme de José Mariani é a viagem histórica sobre a economia brasileira do início do século XX até a era Lula. UM SONHO INTENSO (2013) é claramente uma obra que pende para a esquerda, mas melhor tomar um partido do que tentar fingir uma neutralidade. Quem é estudante de Economia deve aproveitar mais o filme. Ou então achá-lo um tanto didático. De todo modo, eu gosto de seu didatismo no que se refere à estrutura de tempo linear que nos ensina um bocado. Interessante quando chega perto do nosso tempo e nos familiarizamos com a época que vivenciamos. Ao mesmo tempo, a parte mais problemática do filme é sua conclusão. Talvez porque a história não tenha acabado.

ILEGAL 

Impressionante como este filme me fez chorar. A dor das mães costuma causar isso em mim. Será coisa de canceriano? ILEGAL (2014), de Tarso Araujo e Rafael Erichsen, acompanha, principalmente, o sofrimento de uma jovem mãe diante do quadro de epilepsia rara que tem a sua filha pequena. Nenhum anticonvulsivante resolve, a não ser um derivado da maconha, produzido nos Estados Unidos, mas proibido no Brasil. O filme acompanha a luta dessa mulher bonita, forte e destemida, mas também muito sensível, diante da burocracia e da burrice das instituições políticas do país. O filme também mostra outros casos de problemas de saúde que foram sanados com o uso do remédio ou da própria maconha sendo fumada mesmo. Se antes eu pensava duas vezes quando o assunto era legalização da cannabis, agora não tenho dúvida nenhuma de sua necessidade.

ANNA DOS 6 AOS 18 (Anna ot 6 do 18) 

O que acabou me fazendo ver este filme foi sua semelhança na estrutura com BOYHOOD – DA INFÂNCIA À JUVENTUDE, de Richard Linklater. A diferença é que aqui se trata de uma história real, de uma ideia que o ator e cineasta Nikita Mikhalkov teve quando sua filha Anna tinha seis anos de idade e a União Soviética ainda era um país forte e bastante reverenciado pela população. Em ANNA DOS 6 AOS 18 (1994, foto), Mikhalkov resolve fazer três perguntas bem simples para sua filha todos os anos, e assim acompanhar o crescimento da menina, que no começo tinha medo de monstros para depois passar a ter medo de guerras ou de sua família ser morta. Enquanto isso, o filme narra os processos de mudanças na União Soviética desde 1980 até o seu fim e a amarga ressaca da liberdade, bem como as dificuldades que o cineasta teve de manter vivo o seu filme durante o regime ditatorial, graças a amigos da França, que guardavam muito bem os trechos filmados.

LIBERTEM ANGELA DAVIS (Free Angela and All Political Prisoneres)

A história da vida de Angela Davis é bem interessante: ex-professora de uma renomada universidade americana que passou a ser caçada por ser comunista e posteriormente foi envolvida em um caso de assassinato e se tornou uma das 10 pessoas mais procuradas dos Estados Unidos. LIBERTEM ANGELA DAVIS (2012), de Shola Lynch, tem tudo para ser um filme empolgante. E às vezes até é. Pena que o ritmo acabe um pouco prejudicado e os vários momentos interessantes do processo de Angela não sejam tratados como deveriam. De bom tem a história, imagens e depoimentos da época, todo o contexto sociopolítico, envolvendo os Panteras Negras e a ascensão das lutas por direitos civis dos negros, e a questão da troca de cartas entre Angela e um outro preso político. Fiquei imaginando como ficaria numa dramatização feita com todo o cuidado e sensibilidade.

domingo, janeiro 04, 2015

FORÇA MAIOR (Turist / Force Majeure)



Uma experiência e tanto ver FORÇA MAIOR (2014), de Ruben Östlund, numa sala lotada no Dragão, com um público totalmente empolgado e imerso no poder emocional do filme, no modo como ele lida com o patético do ser humano, em especial do bicho homem e sua necessidade de autoafirmação para conseguir seguir em frente.

O principal ponto de discussão lembra muito um dos episódios mais engraçados de SEINFELD. Nele, em meio a um suposto incêndio dentro de um apartamento, o heróico George Constanza sai atropelando até mesmo velhinhas para conseguir escapar vivo. Em FORÇA MAIOR, isso ocorre quando Tomas (Johannes Kuhnke), enquanto almoça com a mulher e o casal de filhos pequenos, presencia aterrorizado o que seria uma perigosa avalanche. O que ele faz naquele momento é bem parecido com o que George fez em SEINFELD.

E embora a chave aqui seja dramática, há muito espaço para o riso diante das situações constrangedoras que Tomas passa sempre que a esposa (Lisa Loven Kongsli) toca no assunto e o acusa de covarde, ainda que não use exatamente essas palavras. Há uma sequência que de tão constrangedora chega a ser muito engraçada, envolvendo outro casal, que acaba sendo afetado por aquela situação também, e mostra o quanto o homem precisa de se mostrar heróico ou valente para que seja respeitado. E ter alguma performance na cama, pelo menos.

O filme tem pouca utilização de música, mas os acordes iniciais do terceiro movimento do "Verão" das "Quatro Estações" de Vivaldi são pungentes o suficiente para assinalar uma tensão existente entre o casal, que só não causa mais mal estar pois há um alívio cômico, que faz do filme por vezes uma simpática comédia, embora categorizá-lo como tal talvez não seja o ideal. Mas é justamente o modo como a obra lida com o ridículo do ser humano que faz com que ela conquiste as audiências.

Destaque também para a fotografia que lida tão bem com o branco dos Alpes e a frieza dos hotéis chiques, especialmente quando dentro deles estão pessoas infelizes. Ao retratar poucos dias de um período de férias nos Alpes de uma família e uma crise que se abate depois de um acontecimento que surge literalmente como uma avalanche, FORÇA MAIOR reflete sobre as inseguranças do homem e a fragilidade dos relacionamentos.

FORÇA MAIOR foi indicado ao Globo de Ouro na categoria de melhor filme em língua estrangeira e é o representante da Suécia ao Oscar.

sábado, janeiro 03, 2015

HISTÓRIAS DE AMOR (Liberal Arts)



Que delícia que é este HISTÓRIAS DE AMOR (2012), que ganhou este título genérico no Brasil por falta de alguém que talvez tivesse de fato visto o filme ou tivesse o mínimo de sensibilidade. O filme de Josh Radnor, que também é um dos protagonistas ao lado da encantadora Elizabeth Olsen, é daqueles que nos pegam pelo coração. Há algo de antiquado em sua narrativa, ao mesmo tempo em que dialoga com a nova geração.

E esse diálogo temporal combina com a própria temática do filme. O enredo principal mostra o relacionamento entre Jesse (Radnor), um rapaz de trinta e tantos anos, e Zibby (Olsen), uma garota de vinte e poucos, que se conhecem quando Jesse viaja para a cerimônia de despedida de um dos professores de Literatura da Universidade de Ohio, vivido por Richard Jenkins. Morando em Nova York, Jesse atravessa um momento difícil, depois de ter se separado da mulher. Mas ele se consola nos livros, que estão presentes ao longo de todo o filme e são elementos de amor e agentes de construção de identidades.

A questão da idade atormenta Jesse, que se incomoda com o fato de Zibby ser 16 anos mais jovem do que ele, o que é uma bobagem e isso nos incomoda, embora haja também pontos de identificação com o personagem. O problema é que Olsen faz uma Zibby encantadora demais para se pensar duas vezes em não querer ter um relacionamento, embora saibamos que na vida real também fazemos burradas.

Diferente de outros filmes em que o sexo surge de maneira tão mais rápida, o relacionamento entre Jesse e Zibby ganha contornos mais fortes quando eles estão distantes, se correspondendo com cartas manuscritas, à moda antiga, por sugestão dela. E este é de fato um dos momentos mais belos do filme, pois lida também com a música erudita, com a relação entre a música e a cidade (o que de certa forma lembra um pouco MESMO SE NADA DER CERTO, de John Carney) e com a tensão sentimental que passa a existir entre eles graças à distância e ao apego que cresce.

Quanto aos livros, curioso como um dos momentos de desgaste do relacionamento dos dois surge a partir de um livro bobo como Crepúsculo, mas a discussão que surge e que é muito bem defendida por Zibby não deixa de ser também bem interessante. Há também o caso de um rapaz com depressão que lê um livro (não mencionado) depressivo e a relação de Jesse com uma de suas professoras favoritas, de literatura romântica.

HISTÓRIAS DE AMOR é um filme que transborda amor por todos os lados e isso ajuda bastante a conquistar o espectador. Principalmente aquele que vem das Ciências Humanas e sabe muito bem o valor dos livros e da música. E de como essas duas formas de arte se relacionam de modo tão intenso com a vida.

sexta-feira, janeiro 02, 2015

A ENTREVISTA (The Interview)



É uma baita bobagem, é verdade, mas quem gostou das demais parcerias de Seth Rogen com James Franco certamente vai comprar a brincadeira, que pode de fato deixar um ditador de ego inflado irado, mas que é quase inofensivo para o espectador comum. A não ser que esse espectador se incomode muito com piadas envolvendo genitálias e ânus, coisa que não falta em A ENTREVISTA (2014).

Repetindo a mesma parceria com Evan Peters na direção, como no bem-sucedido e bem mais louco É O FIM (2013), Seth Rogen é Aaron Rapaport, um produtor de um programa de televisão que ganha a audiência falando de futilidades. Numa das primeiras cenas, vemos o cantor Eminem saindo do armário em uma entrevista. Aquele furo já foi uma baita vitória do produtor e principalmente do apresentador do programa, Dave Skylark, vivido por James Franco.

Mas o que viraria a vida dos dois do avesso seria a chance de entrevistar o ditador da Coreia do Norte Kim Jong-un, que se revela um fã confesso do programa. Sabendo dessa entrevista, a CIA trata de contratá-los para aproveitar a viagem e assassinar o presidente. Chegando lá, porém, as coisas ficam um pouco complicadas, quando Dave passa a simpatizar com o carismático ditador.

Interessante como Franco aproveitou a brincadeira que fizeram com ele em É O FIM, que falava de supostas tendências homossexuais, para criar um personagem que brinca com o ser efeminado e que curte o bromance com o amigo do peito vivido por Rogen, que nunca vai aprender a interpretar nenhum outro personagem a não ser ele mesmo, pelo visto. De todo modo, ele é pura simpatia. Não dá pra reclamar.

No fim das contas, a comédia cheia de escatologia, explosões, piadas infames e até mesmo gore que tanto repercutiu mundo afora por causa da invasão de hackers que tinham supostamente ligação com o governo da Coreia do Norte funciona se ninguém estiver esperando algo muito especial. Trata-se apenas de mais uma presepada de Rogen e Franco, que serve para divertir principalmente quem já é fã do trabalho da dupla.

Porém, certamente, chamará muita atenção por ter sido um filme proibido durante alguns dias. Além do mais, não tem aquela cacetada de referências pop que É O FIM exige do espectador, sendo, portanto, acessível a uma plateia muito maior.

P.S.: Veja no site Cinema e Artes meus 10 filmes de horror favoritos de 2014. AQUI.

quinta-feira, janeiro 01, 2015

A TURBA (The Crowd)



Sempre digo que o melhor do cinema não está no cinema. Infelizmente. Não que não vejamos filmes excelentes na telona e até mesmo algumas ocasionais obras-primas, mas o fato é que se um dia os cinemas todos fechassem teríamos um turbilhão de maravilhas para rever ou descobrir com uma facilidade cada vez maior nos dias de hoje. Tudo bem que não é a mesma coisa. Hoje, por exemplo, para ver A TURBA (1928), eu tive que ouvir uma trilha sonora de pagode do vizinho, que não para com o som alto desde ontem à noite. Isso atrapalha um bocado a apreciação do filme, bem como outras distrações que não se tem na imersão que a telona proporciona. Enfim, falemos deste clássico de King Vidor.

Na verdade, o filme me chamou a atenção por estar atualmente na sexta posição do ranking geral da Liga dos Blogues Cinematográficos, atrás apenas de UM CORPO QUE CAI, de Hitchcock, A PALAVRA, de Dreyer, LUZES DA CIDADE, de Chaplin, e ERA UMA VEZ EM TÓQUIO, de Ozu. Portanto, eu, como membro da Liga, tinha por obrigação já ter visto o filme há muito tempo. E, como começar o ano vendo um clássico tão louvado é satisfação garantida, lá fui eu aproveitar o dia.

Enxergo semelhanças entre A TURBA e AURORA, de Murnau (que acho superior), devido principalmente às discussões tensas entre o casal. Mas A TURBA, embora não tenha a magia, a dramaticidade e a força cinematográfica da obra-prima de Murnau, tem a ousadia de trazer uma história que naquela época, em Hollywood, era banal demais para se levar às telas. Era uma história comum de um homem comum, mas que se torna grandiosa pela força do cinema de Vidor, do modo como ele conta essa história.

Lendo sobre o filme no guia 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer, soube que o protagonista, o então pouco experiente James Murray, cometeu suicídio menos de uma década depois do lançamento de A TURBA. Mas a curiosidade mórbida é que há uma cena de seu personagem, John, quase pulando da ponte de tão triste com a situação em que se encontra – dificuldades profissionais e em casa.

A TURBA é um filme sobre uma cidade grande (no caso, Nova York) que engole as pessoas. Há, claro, aqueles que se destacam dos demais, mas a grande maioria das pessoas é como formiguinhas. E a intenção do casal de protagonistas nem é serem famosos ou algo do tipo, mas crescerem na vida, deixarem de viver em uma casinha apertada. A própria sociedade cobra isso deles, como os irmãos de Mary (Eleanor Boardman, esposa do diretor), que tratam de visitá-los apenas para cobrar deles ascensão social.

Mas tudo isso fica muito pequeno, toda a intenção de ganhar dinheiro se torna algo insignificante na cena da morte de um ente querido. Uma cena que certamente fica na nossa memória como uma das mais pungentes e dolorosas da história do cinema.

Um dos grandes atributos de A TURBA é a sua dinâmica, que faz com que vejamos o filme de uma sentada. Nenhuma cena parece estar sobrando e em vários momentos o uso da câmera é especialmente brilhante, como na cena da morte do pai de John, quando ele tinha 12 anos. Vidor pegou emprestado um recurso do expressionismo alemão. Destaque também para a grua que busca a mesa de trabalho de John em meio a tantas outras daquela empresa.