domingo, janeiro 25, 2015
CÁSSIA ELLER
Difícil um documentário que consiga ao mesmo tempo agradar um grande público e ser inventivo. CÁSSIA ELLER (2014) não foge muito ao esquema tradicional dos documentários, isto é, apresentar em ordem cronológica, com imagens de arquivo e depoimentos o seu objeto de estudo. Mas o diferencial deste documentário sobre uma das cantoras mais talentosas e queridas do Brasil é o quanto ele é humano, toca fundo nos aspectos mais pessoais da artista, sem fugir de casos mais polêmicos, como sua relação com as drogas e sua vida sentimental.
Quem viveu com intensidade os anos 1990 e o início da década seguinte certamente ficará mais emocionado, pois há canções que emolduraram momentos especiais de nossas vidas, ao som de sua voz. Mas CÁSSIA ELLER também tem força para falar a novas gerações, que talvez não conheçam tão bem a cantora, apesar de ela ter se tornado um ícone ainda em vida e suas interpretações permanecerem presentes nos dias de hoje.
Um dos grandes méritos do trabalho do diretor Paulo Henrique Fontenelle é conseguir que a gente goste ainda mais da cantora, depois de ter visto o documentário. Quem tem, de alguma maneira, certa dificuldade em lidar com o social, devido à timidez, pode, inclusive, se identificar com ela. E essa faceta de sua personalidade já era conhecida, de como ela era simples nas entrevistas, quase sempre uma tortura, contrastando com o palco, onde ela podia ser quem ela queria, podia ousar, fazer o que quiser, transformar-se naquilo que não conseguia ser fora dos palcos, especialmente perto de pessoas com quem ela não tinha intimidade.
Ainda que o foco seja a pessoa Cássia Eller, a artista também é muito bem retratada, nos apresentando uma jovem cantora antes do lançamento de seu primeiro álbum homônimo (1990), e seguindo adiante, até chegar em seu auge criativo, com o belíssimo Com Você...Meu Mundo Ficaria Completo (1999), fruto de um esforço para se reinventar, mostrar que era mais do que uma cantora que gritava, trazendo composições totalmente inéditas de grandes artistas, com destaque para Nando Reis, tanto em boa parte das composições, quanto na produção do disco. Além do mais, Cássia nunca havia cantado tão bem. O álbum acabou puxando o antológico Acústico MTV (2001), seu último disco em vida.
O ano de 2001, que foi também o ano em que ela cantou no Rock'n'Rio, se não fosse tão puxado para a cantora no que se refere a shows, quem sabe ela teria vivido mais. Foi um momento particularmente intenso também em outras áreas de sua vida, com recaídas no uso das drogas e casos extraconjugais que no filme são mostrados como exemplos do quanto ela era amada. Mas é curioso e perturbador saber que ela já previa a própria morte, quando conversou a respeito com um guitarrista da banda, conforme depoimento seu.
A questão da guarda do Chicão, filho que ela teve com um de seus músicos, e que foi criado por ela e por Maria Eugênia, sua companheira, é também sabiamente tratada com muita atenção por Fontenelle. Não basta terminar com a morte da cantora, que é naturalmente responsável por boa parte da emoção do documentário, mas deve-se também cuidar de um assunto pendente que representa mais um legado de Cássia.
Dentre os depoimentos, aquele que mais me emocionou e que fez com que minha carapaça canceriana fosse definitivamente quebrada foi a da mãe de Cássia. Tenho um fraco pelo amor das mães e a história que ela conta é definitivamente a mais tocante pra mim. Muito bonito o diretor ter respeito seus entrevistados, tanto ao não forçar as lágrimas, quanto a cortar a cena, quando eles não se sentiam à vontade para falar. Os depoimentos vão desde a serenidade de Maria Eugênia, passando pelas apropriadas intervenções de Zélia Duncan, até os comoventes momentos em que Nando Reis fala da parceira com os olhos marejados.
Se Paulo Henrique Fontenelle já entrou para a história dos documentários brasileiros com o seu excelente LOKI – ARNALDO BAPTISTA (2008), ele mais uma vez contribui para a nossa memória musical com um trabalho cheio de humanidade, respeito e carinho.
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