quarta-feira, janeiro 30, 2013

O SOM AO REDOR



Falar sobre O SOM AO REDOR (2012), de Kleber Mendonça Filho, é um pouco complicado. Mesmo já tendo visto o filme pela terceira vez e com um intervalo de tempo de alguns meses. Isso porque há tanto o que falar e tantas coisas que ainda ficam no ar. Mas é sinal de que o filme não se esgota.

Vi-o nas sessões exibidas no Festival de Gramado em agosto do ano passado e fiquei feliz ao poder revê-lo com os amigos em Fortaleza, aproveitando que ele está em cartaz, ainda que em um único e ingrato horário. O filme mereceria mais tempo do que uma semana, mais horários, tempo de haver propaganda boca-a-boca. As redes sociais não são suficientes para sua divulgação, por mais que ajudem a incentivar a presença de determinados públicos.

Vale dizer que, embora O SOM AO REDOR seja uma obra moderna, não é um filme "difícil". Ao contrário, é agradável e instigante. O espectador brasileiro se vê naqueles personagens e naquelas situações. Vivemos em um país em que tememos que roubem o som de nosso carro ou que o sujeito que não recebe dinheiro arranhe o carro para se "vingar".

O filme é um convite ao debate sobre as diferenças de classes. Não mudou muita coisa da época do coronelismo dos donos de engenho no interior para o que existe hoje nas capitais. O personagem do Seu Francisco (W.J. Solha) é o maior representante disso. O homem que reconhece que não tem mais a força que tinha no passado, mas que faz questão também de dizer que é dono de quase toda a quadra, num dos locais mais privilegiados de Recife. Ele é o homem que nada com os tubarões. Não tem medo dos tubarões, pelo menos.

É a sua família que liga as principais subtramas, com personagens que vivem isolados, como João (Gustavo Jahn), Tio Anco (Lula Terra) e o garoto Dinho (Yuri Holanda), todos personagens muito interessantes, cada um à sua maneira. E KMF elabora as cenas com uma naturalidade impressionante, como se olhássemos com um binóculo para a janela de um vizinho. E, ao mesmo tempo, há sempre a expectativa de que algo está para acontecer, para quebrar a rotina. Como a chegada dos homens que oferecem serviço de segurança no bairro, liderados por Clodoaldo, personagem de Irandhir Santos.

Esse elemento novo faz com que o filme se aproxime do western. E essa aproximação cresce ainda mais quando chega o irmão de Clodoaldo e vemos aquele close aterrador na expressão grave daquele rapaz, já perto do final do filme. Até lá, O SOM AO REDOR flerta com o horror, principalmente em seu terceiro ato, em cenas como a do sonho da garota, filha de Bia, a personagem de Maeve Jinkings, uma dona de casa que tem o carinho dos filhos, mas sofre com a ausência do marido e os latidos do cachorro do vizinho. Ela é uma personagem saída do curta-metragem ELETRODOMÉSTICA (2005), a mulher que usa a lavadora de roupa para fins sexuais.

E no meio disso tudo, o som do título. O som que circunda tudo, que invade o máximo possível, seja o latido do cachorro, o barulho das árvores, o som de batidas de carro, de um objeto riscando um carro, o barulho do sujeito que vende CD pirata na rua, da chuva, ou mesmo o som criado pelo próprio filme para gerar suspense ou terror.

No mais, como não gostar e perceber as diferenças sutis dos sotaques de Recife usados pelos diversos personagens? E como não festejar essa nova safra de produções recifenses que invadiu o Festival de Brasília no ano passado e que esperamos que cheguem aos nossos cinemas, para a devida apreciação? É um cinema de guerrilha, feito longe do império da Globo Filmes, mas que ainda assim vem conquistando um espaço considerável e com resultados animadores.

terça-feira, janeiro 29, 2013

LINCOLN



O que provavelmente gere frustração em muita gente é a expectativa causada pelo próprio título do filme, LINCOLN (2012), que passa a impressão de ser uma obra sobre a vida de um dos mais célebres presidentes dos Estados Unidos, o homem que se esforçou para acabar com a escravidão no país, mesmo que para isso milhares de vidas fossem ceifadas e muito sangue fosse derramado. Em determinado momento do filme, Lincoln, representado brilhantemente mas de forma sutil por Daniel Day-Lewis, visita um hospital onde estão internados soldados que perderam suas pernas durante a batalha. E ele chega com uma expressão calorosa, desejando força e pedindo para que eles se alimentem bem.

A imagem de Lincoln é a do sujeito também que se aproxima das pessoas comuns, não a do presidente que a gente está acostumado a ver, distante e cheio de seguranças, para não ser incomodado pelas pessoas. O filme também destaca um pouco a relação do presidente com sua esposa, vivida por Sally Field. Aliás, chega a ser gritante a diferença de registro entre as duas formas de interpretação: Day-Lewis fazendo um personagem excessivamente introspectivo. Tão introspectivo que chega a ser corcunda. Enquanto Sally Field tem alguns ataques de histeria em alguns momentos, o que não quer dizer que ela não tenha suas razões.

Mas o recorte do filme gera um pouco de sono e é preciso estar bem disposto para a longa duração de uma obra com muitas discussões políticas, principalmente relacionadas às 13ª Emenda Constitucional, aquela que proibirá toda e qualquer escravidão no país, exceto por penalidade causada por algum crime. E haja discussões acaloradas entre republicanos e democratas. O curioso é que os republicanos é que fazem o papel dos mocinhos do filme, se é que se pode dizer assim, de maneira tão simplista.

Porque de simplista o filme não tem nada. Ou até pode ter, mas dentro de uma organização complicada, cheia de personagens que entram e saem, muitos deles mais conhecidos dos americanos ou dos estudiosos da história da Guerra da Secessão. O que mais se destaca é, sem dúvida, Thaddeus Stevens, vivido com maestria por Tommy Lee Jones. Ele diz: "Eu não concordo com a igualdade em todas as coisas, eu concordo com a igualdade perante a Lei e nada mais".

No mais, LINCOLN é um filme em que Steven Spielberg está muito comedido. Fica a impressão de que ele teme soar sentimentalóide, como havia acontecido com CAVALO DE GUERRA (2011) e tantos outros trabalhos seus. Mas difícil não admirá-lo como um dos cineastas clássicos mais importantes da atualidade. Não é nenhum exagero dizer que ele, ao lado de Clint Eastwood, são os herdeiros mais próximos do cinema de John Ford. Mas os tempos são outros, e as pessoas nem sempre estão dispostas a ver um excessivo patriotismo, por isso esse sentimento é mostrado de maneira tão tímida, assim como a discreta trilha de John Williams.

Para o bem e para o mal, isso acaba contribuindo para uma obra sóbria, mas cansativa, que pode despertar o desinteresse do espectador. Quem sabe uma leitura do livro que inspirou o filme, Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln, de Doris Kearns Goodwin, não torne a apreciação do filme mais agradável e interessante.

Quanto à polêmica acerca da versão editada para o mercado internacional, que conta com cartelas no início do filme, com um texto explicando a Guerra da Secessão para as plateias de outros países, pelo que eu pude comparar com a cópia disponibilizada na internet, se houve algum corte na curtíssima cena de batalha, ele foi praticamente imperceptível. Mas dentro de um filme que é por si um tanto confuso e que opta pela omissão dos fatos sangrentos, em detrimento de muitas conversas e discussões do direito americano do século XIX, as tais cartelas se mostram totalmente inúteis. Nada que alguém não possa verificar depois num wikipedia ou, melhor ainda, num bom livro de História Geral.

LINCOLN recebeu doze indicações ao Oscar: filme, direção, ator (Daniel Day-Lewis), ator coadjuvante (Tommy Lee Jones), atriz coadjuvante (Sally Field), roteiro adaptado, fotografia, montagem, direção de arte, figurinos, trilha sonora e mixagem de som.

segunda-feira, janeiro 28, 2013

BEM AMADAS (Les Bien-Aimés)



Suicídio ou morte precoce, personagens homossexuais, um gosto pelo musical e por paixões avassaladoras. Essas e outras temáticas caras ao cineasta Christophe Honoré estão de volta em BEM AMADAS (2011), que também conta com a participação de vários astros que já estiveram presentes em outras obras do diretor. Mas uma coisa que não dá para prever na carreira de um diretor, principalmente se ele já alcançou níveis excelentes de inventividade e inspiração, como foi o caso de CANÇÕES DE AMOR (2007), é que não existe uam fórmula para que tudo funcione às mil maravilhas novamente.

BEM AMADAS procura seguir os passos de CANÇÕES DE AMOR, mas com um pouco mais de ambição em sua produção, que se passa em cinco cidades diferentes e é falado em três línguas (francês, inglês e tcheco). O filme é ambicioso também por cobrir várias décadas na história de duas mulheres, Madeleine (representada por Ludivine Sagnier quando jovem e por Catherine Deneuve quando madura) e sua filha Vera, vivida por Chiara Mastroianni. E dentro desse período pelo menos dois eventos históricos importantes são evidenciados.

Porém, falta ao mais recente trabalho de Honoré mais vivacidade, mais inspiração nas canções, que têm a sua beleza, mas que não falam forte ao coração. E isso é muito importante dentro de um musical. Ainda assim, destacaria como melhores momentos do filme os seus instantes finais, em que a leveza do início é substituída por uma melancolia, que parece ser mais a praia do cineasta, vide obras mais dramáticas e mais bem-sucedidas, como MA MÈRE (2004) e EM PARIS (2006).

Mas não deixa de ser interessante essa curva descendente na vida dos personagens, essa mudança da leveza inicial para o peso do final. Acaba mostrando de forma um tanto realista a melancolia da velhice e a dor dos amores. Nesse sentido, o título do filme é irônico, afinal, tanto as mulheres quanto os homens do filme sofrem em seus relacionamentos. Madeleine, nem tanto, pois há algo de despudorado e alegre em sua persona, apesar de não estar totalmente feliz com seu casamento. Mas é Vera que carrega uma carga de tragédia para a história, ao se apaixonar por um rapaz gay (o americano Paul Schneider). No entanto, o que poderia gerar uma catarse pode ser visto até com certa indiferença. Sorte que o epílogo ajuda o espectador a sair do cinema com uma boa impressão do filme.

O elenco masculino está bem, com a presença do cineasta Milos Forman e do já citado Schneider. Mas o filme poderia ter apostado mais em Louis Garrel, que até já tinha feito parte do triângulo amoroso com Ludivine em CANÇÕES DE AMOR, mas que em BEM AMADAS ganha um papel menor, ainda que digno.

Pode ser que Honoré esteja passando por uma crise criativa, mas ainda assim é muito válido conferir mais um trabalho desse cineasta, um dos mais importantes da cinematografia francesa de sua geração. O cinema francês ainda continua vigoroso, apesar da perda a cada ano de cineastas importantes de sua fase áurea (anos 60 e 70).

domingo, janeiro 27, 2013

O MESTRE (The Master)



Paul Thomas Anderson, mesmo tendo uma carreira relativamente curta, se firmou como um dos cineastas mais talentosos de sua geração. Mas algo que fui percebendo ao longo de sua filmografia e que se mostrou em altíssimo grau neste O MESTRE (2012) é a sua capacidade de incomodar nosso espírito. Em seus dois primeiros filmes, JOGADA DE RISCO (1996) e BOOGIE NIGHTS – PRAZER SEM LIMITES (1997), não é tão sentido, mas a partir de MAGNÓLIA (1999), esse incômodo vai ganhando mais força.

O uso da música incidental ou mesmo de algumas canções acabam contribuindo para esse sentimento de angústia a partir de MAGNÓLIA e EMBRIAGADO DE AMOR (2002). Com SANGUE NEGRO (2007), Anderson passou a ganhar a parceria de Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead, que está onipresente na saga do homem que enriquece com petróleo. Aquela música às vezes incômoda contrasta com o prazer estético que sentimos ao ver o filme. Essa é, aliás, uma das grandes virtudes da arte em geral, que consegue ao mesmo tempo incomodar e agradar. E se o intuito do diretor é mesmo causar incômodo, é um sinal de que ele foi bem sucedido.

Em O MESTRE, Anderson está em parceria novamente com Greenwood, mas desta vez a música do compositor é bem mais discreta. Há muitas sequências sem música no filme. Anderson resolveu apostar na força das imagens (e das palavras) para causar incômodo. A ponto de eu poder dizer que desgostei do filme, embora tenha por ele respeito. Muito provavelmente por causa do diretor. Porém, perdi a conta de quantas vezes olhei para o relógio, querendo que aquele filme acabasse logo. O peso das horas parecia interminável. Não via com bons olhos a ideia de acompanhar a história de dois homens por quem não nutria a mínima simpatia.

Joaquin Phoenix, como o desajustado e desarranjado Freddy, é um sujeito asqueroso até. E a sua sexualidade à flor da pele é mostrada de maneira animalesca na cena em que ele se masturba na praia. Freddy também tem o hábito de tomar um coquetel em que mistura bebida alcóolica com redutor de tinta e outras coisas que tornam aquilo um veneno. Assim, o sentido de sua vida se resume principalmente ao sexo (ou no pensar em sexo) e às bebidas. E depois de aprontar muita confusão, vai parar num barco em que está presente um sujeito enigmático, o homem por quem Freddy iria seguir como um apóstolo, Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman).

A figura de Dodd gera certa dúvida no começo. Afinal, o filme quer mostrar a imagem de um charlatão pura e simplesmente? No fim das contas, a seita que ele criara, chamada de "A Causa", não é mostrada com muita profundidade. O que se sabe é que ele acredita que viagens no tempo induzidas por hipnose (ou pela própria imaginação) podem ajudar a resolver os problemas da vida presente da pessoa.

Mas a intenção de Anderson não é se aprofundar na doutrina e nos dogmas de Dodd, embora também funcione como uma crítica a certos líderes religiosos, principalmente a L. Ron Hubbard, o escritor de livros de ficção científica e criador da Cientologia. Uma das cenas mais impressionantes, inclusive, é uma em que a personagem de Laura Dern pergunta a Dodd sobre a mudança em determinado "dogma" no segundo livro lançado pelo mestre espiritual.

A intenção de Anderson é provavelmente mostrar a ambiguidade daquele homem, que também tem bons sentimentos, que parece gostar de verdade daquela criatura meio animalesca que ele encontra e que tem a intenção de moldar ao seu gosto, que é o Freddy. Isso se manifesta principalmente no final do filme. Quanto a Phoenix, o ator nunca se mostrou tão torto e tão corcunda. É ele, e não Dodd, a maior representação deste filme, o mais problemático dos trabalhos de Anderson.

O MESTRE recebeu três indicações ao Oscar, nas categorias de ator (Joaquin Phoenix), ator coadjuvante (Philip Seymour Hoffman) e atriz coadjuvante (Amy Adams).

sábado, janeiro 26, 2013

O RESGATE (Stolen)



Durante a sessão de O RESGATE (2012) uma coisa me incomodou muito: a qualidade da imagem na tela. Aquilo não era imagem de cinema, era imagem de DVD vagabundo comprado em camelô. Vi o prelúdio e  saí para informar o problema para a moça lá do cinema, que disse que ia reportar o caso para o projecionista. Acontece que o filme continuou do mesmo jeito até o final da sessão. Imaginei que fosse cópia muito ruim, mas nunca tinha visto nada parecido antes. A California Filmes pode até não ser tão boa em lançamentos em DVD, mas nunca ficou devendo no quesito cinema.

Ao fim da sessão, fui falar novamente com o pessoal do cinema, que me recomendou falar com o gerente. Fui até o gerente, que ligou para o projecionista reportando o caso: imagem escura e sem nitidez. Ele já tinha percebido o problema: era uma lâmpada que tinha queimado. O gerente assinou o ingresso que eu tinha na mão, reembolsando-me. Mas o que mais me deixa incomodado é o fato de ninguém, entre os tantos que estavam presentes na sessão, se importar com aquela imagem que mais parecia formato RMVB.

Dito isto, a minha relação com o filme já fica comprometida. Afinal, por mais que eu reconhecesse que não se tratava de nenhuma obra-prima do cinema de ação, eu poderia ter curtido a sessão. Como isso não aconteceu, vou também maltratar um pouquinho mais um trabalho de Nicolas Cage, que continua com sua mania de fazer filmes quase sempre com diretores de segunda linha e em ritmo industrial. Há exceções, como na vez em que trabalhou com Werner Herzog (VÍCIO FRENÉTICO, de 2009), ou mesmo PRESSÁGIO, do mesmo ano, que é um filme que eu não tenho vergonha de dizer que gosto bastante.

O RESGATE é a segunda parceria de Cage com Simon West. A primeira foi CON AIR – A ROTA DA FUGA (1997), a estreia do diretor. De West, não se pode esperar muito. Basta ver um filme como O ÚLTIMO DESAFIO, de Jee-woon Kim, atualmente em cartaz, para ver o que é um bom trabalho de direção em filmes de ação, com estilo e vigor. Já West filma com desleixo, até cortando a cabeça dos atores nos enquadramentos. Porém, uma vez que se queira ver um filme sem muito compromisso, O RESGATE é movimentado o bastante para entreter.

Na trama, Nicolas Cage é um dos maiores assaltantes de banco dos Estados Unidos. Certo dia, um assalto dá errado e ele vai preso. Passa oito anos na cadeia e não dedura seus companheiros. Um deles (Josh Lucas), no entanto, por ter levado um tiro na perna, ficou muito perturbado e preparou uma vingança para o agora arrependido ladrão: sequestra a sua filha e pede o dinheiro que o personagem de Cage diz ter queimado para não ser pego em flagrante pela polícia. A intenção do filme é, claramente, criar uma tensão diante da situação, mas West não consegue isso. No máximo, ele entretém a plateia. Pedir mais do filme pode causar frustração.

sexta-feira, janeiro 25, 2013

AMERICAN HORROR STORY – ASYLUM



Depois de uma primeira temporada um tanto desarranjada – para muitos, algo digno de se jogar no lixo –, eis que AMERICAN HORROR STORY – ASYLUM (2012-2013) conseguiu ser satisfatória do início ao fim. A ideia de contar uma história totalmente diferente a cada temporada foi uma decisão acertada dos produtores. Ninguém ia querer ver de novo aqueles personagens da casa assombrada. Mas começar do zero, com uma trama totalmente nova (ainda que com os rostos familiares da primeira temporada) era algo que se poderia arriscar.

E o interessante é que o coquetel regado a possessão demoníaca, cientista louco, alienígenas, monstros, freiras sádicas e um serial killer, numa história que se passa na década de 60, funcionou muito bem. Não deixaram pontas soltas no final, alguns personagens se foram mais cedo do que eu esperava, uma prova de que os roteiristas sabiam o que estavam fazendo, e o episódio final foi tranquilizador, com utilização de ângulos de câmera bem estranhos e de diferentes tipos de fotografia..

A primeira metade da temporada é uma sucessão de estados de perturbação mental, onde o mal sempre vence e o espectador não recebe trégua. Quando achamos que determinado personagem vai conseguir sair do manicômio, por exemplo, alguma coisa pior acontece. É o caso de quando o psiquiatra vivido por Zachary Quinto diz que vai libertar a repórter Lana Winters (Sarah Paulson), quando na verdade ele é o serial killer Bloody Face, um cara que sequestra as vítimas e retira a pele delas.

Sarah Paulson, aliás, está muito bem, assim como Jessica Lange, que aqui aparece no papel da freira sádica do manicômio. Mas como maldade pouca é bobagem, tem muitos piores que ela no lugar, como o médico nazista vivido por James Cromwell, ou o próprio diabo, na pele da doce freira Mary Eunice (Lily Rabe). Inclusive, as cenas de maldade de Lily Rabe vestida de freira são bem sensuais, principalmente quando ela tentava fazer sexo ou algo do tipo com alguém de lá. No meio disso tudo, há também Joseph Finnes como o monsenhor que sabe de tudo o que acontece no hospício, mas lava as mãos.

De participação especial, destaque para Chloë Sevigny como uma das detentas. Como ela é uma atriz que já gosta de uma boa polêmica, seu papel é de uma ninfomaníaca. Ela só dura seis episódios e sua participação no final vai remeter a MONSTROS, de Tod Browning. Há também outra homenagem ao clássico de Browning: a Pepper, uma mulher de cabeça pontuda.

No mais, os créditos de abertura mudaram um pouco, mas continuam um show à parte. Vamos ver se os criadores de AMERICAN HORROR STORY terão a mesma sorte na terceira temporada. Sarah Paulson e Evan Peters já confirmaram presença.

quinta-feira, janeiro 24, 2013

HOUSE – OITAVA TEMPORADA (House M.D. – Season Eight)



E chegou ao fim a minha jornada com a série do médico mais amargo, inteligente, sarcástico e presepeiro da televisão. A oitava temporada de HOUSE (2011-2012) foi provavelmente a mais fraca de todas. Definitivamente era uma série que estava mesmo na hora de chegar ao fim. E podemos dizer que tenha chegado com dignidade, com a volta de alguns personagens importantes para a história da série em participações especiais. Eu, pelo menos, sou daqueles que ficam feliz só em ver de novo a Thirteen (Olivia Wilde). Mas garanto que não sou o único apaixonado por ela.

A atriz (e a personagem também) é tão carismática que a gente percebe que não se trata apenas da gloriosa beleza que ela tem. Tanto que, na oitava temporada, para incluir no grupo uma moça bonita, incluíram a bela Dra. Adams (Odette Anable), que é linda e tal, mas que não tem nem a graça de Jennifer Morrison (a Cameron) nem a sensualidade elegante de Thirteen. Mesmo assim, a personagem teve a sua importância, embora não seja tão marcante. Senti muito a falta de Cuddy nesta temporada e fiquei esperando pelo menos uma participação especial dela no final.

Mas acontece que a series finale foi tão sem graça que não fez jus à série, que com certeza mereceria algo bem mais especial. Pelo menos os episódios finais, com toda a história do câncer de Wilson levantaram um pouco a temporada, que andava com uns episódios bem mornos e dispensáveis. Os próprios casos médicos levantados já há tempos haviam parado de despertar encantamento. Pelo menos o final foi uma bonita celebração da amizade de House e Wilson.

Eu diria que o episódio mais impactante da temporada é o que mostra Chase (Jesse Spencer) sendo esfaqueado no peito por um acesso psicótico de um paciente. Os holofotes ficaram sobre o personagem por mais uns dois episódios, com direito a um episódio de título "Chase". O episódio inicial da temporada, mostrando House na penitenciária, também é de grande destaque, embora fique a sensação de déjà vu em relação ao episódio inicial em que ele está internado em uma clínica psiquiátrica.

E assim dou adeus a uma das séries mais queridas e mais interessantes da televisão, que terminou sem choro nem vela, apesar de o clima merecer um pouco mais de sentimentalismo. Mas House não é chegado a essas coisas, por mais que um ou outro roteiro tente empurrar no personagem palavras que parecem não querer sair de sua boca. Isso era sinal de que a equipe criativa já não sabia mais o que fazer com o personagem e seu time. Porém, assim como as melhores e longas séries, HOUSE deve ser lembrada por seus melhores, excitantes e emocionantes momentos.

quarta-feira, janeiro 23, 2013

CIDADE DO VÍCIO (The Phenix City Story)



Dentre os vários filmes citados por Martin Scorsese em seu documentário UMA VIAGEM PESSOAL ATRAVÉS DO CINEMA AMERICANO, um dos que me chamou a atenção foi este CIDADE DO VÍCIO (1955), de Phil Karlson. Já é um filme da fase tardia do cinema noir, e, portanto, tem algumas novidades que não se veem nos filmes da década de 1940. A própria introdução, com um repórter entrevistando moradores da cidade de Phenix, como num documentário, e dizendo o quanto ela é contaminada e dominada pela máfia, é algo, se não completamente novo, pelo menos diferente do habitual. Não custa lembrar que Orson Welles iniciou o seu CIDADÃO KANE com um relativamente longo "documentário" em 1941.

Na verdade, CIDADE DO VÍCIO foi citado muito superficialmente no documentário de Scorsese. E no livro só consta o título e uma pequena foto, além da afirmação da obscuridade do filme para as plateias de hoje. Hoje em dia, chega a ser relativo falar em filme obscuro. Obscuro pra quem? O fato é que, dada a fixação de Scorsese por violência, não é de estranhar ele ter citado CIDADE DO VÍCIO, que é um filme que guarda as características dos filmes policiais B produzidos em Hollywood, tais como a rapidez com que a história é contada, os diálogos simples e dinâmicos e o elenco pouco conhecido.

Demorei um pouco a entrar no clima. No começo, o filme não me pegou, mas aos poucos, até pela rapidez com que a história é desenvolvida, me vi tão incomodado quanto os personagens que sofrem com a maldade dos vilões. Creio que o filme engrena mesmo quando entra em cena o filho do promotor. CIDADE DO VÍCIO hoje pode até parecer um tanto moralista, mas, uma vez que vemos as ações criminosas e covardes dos bandidos, fica difícil não alimentar uma vontade de executá-los. E o filme fala disso também: da necessidade de agir conforme a lei. Até porque, por mais que alguns títulos da década de 50 fossem transgressores, ainda havia certas regras.

segunda-feira, janeiro 21, 2013

A LIRA DO DELÍRIO



Só tive o prazer de ver três filmes de Walter Lima Jr. no cinema: os sensacionais O MONGE E A FILHA DO CARRASCO (1996) e A OSTRA E O VENTO (1997) e a derrapada OS DESAFINADOS (2008), seu último trabalho para cinema até o momento. Esperemos que ele não pare por aí. Os demais filmes ainda estão para se descobrir. Alguns já foram vistos na telinha, confirmando a grandeza de sua obra. A LIRA DO DELÍRIO (1978) é um de seus mais celebrados filmes.

O filme deve representar um momento doloroso para o cineasta, já que foi o último trabalho de Anecy Rocha, irmã de Glauber Rocha, e sua esposa. A atriz caiu no fosso do elevador do prédio em que morava. Ela já foi uma das Anas de Walter Hugo Khouri e já trabalhou com Nelson Pereira dos Santos em dois filmes. Tinha uma carreira ainda longa pela frente. Infelizmente se foi cedo demais. Em A LIRA DO DELÍRIO, ela está particularmente brilhante no papel de uma prostituta cujo filho é raptado.

O filme tem o carnaval e a música brasileira como companheiros. A LIRA DO DELÍRIO, embora tenha um esqueleto em sua trama, flui como um filme sem roteiro, feito como um sonho que não tem hora para acabar. E os sonhos são caóticos. Logo no início, vemos os principais personagens participando de um carnaval de rua. Estão lá Paulo César Peréio, Anecy Rocha em cena bonita com Nara Leão, entre outros que me fogem à memória. Mas o que é mostrado nessas cenas iniciais do carnaval é que é uma festa em que tudo é possível.

Ao mesmo tempo, o filme também carrega um pouco de registro documental, inclusive, com os personagens carregando os mesmos nomes dos atores: Anecy Rocha é Anecy; Paulo César Peréio é Peréio; Cláudio Marzo é Cláudio; Tonico Pereira é Tonico; e por aí vai. O filme também trata de um assunto que provavelmente era notícia na época, o rapto de crianças e o tráfico para estrangeiros. Mas embora esse seja mais ou menos o esqueleto da história, fica difícil pensar em A LIRA DO DELÍRIO nesse sentido, já que é um filme muito mais de poesia, de invenção e de muita música, a ponto de se confundir às vezes com um musical. Inclusive, toda a história policial foi improvisada.

Mas embora seja um filme-poesia, A LIRA DO DELÍRIO não é uma obra que se afasta do público, como muitas produções de vanguarda de um período anterior. Naquela época já havia uma maior abertura e uma necessidade de dialogar com o espectador. Por isso, o clima às vezes onírico do filme é mais um convite ao espectador do que um querer se afastar dele. E é difícil começar a ver A LIRA DO DELÍRIO e parar na metade.

domingo, janeiro 20, 2013

MISTÉRIOS DE LISBOA (Mystères de Lisbonne)



Raoul Ruiz e Camilo Castelo Branco são dois autores de quem eu deveria conhecer seus trabalhos, mas que infelizmente não cheguei a fazê-lo (ainda). No caso de Camilo, sempre tive um pouco de preconceito dos romancistas românticos, mesmo os portugueses, por achar que o melhor da literatura, tanto brasileira quanto portuguesa no quesito romance, só apareceria na era realista. E mesmo vendo um filme tão cheio de grandeza como MISTÉRIOS DE LISBOA (2010) ainda fico na dúvida quanto às qualidades estéticas da obra de Castelo Branco, que foi escrita inicialmente em folhetins.

Mas o fato é que o livro foi apresentado ao cineasta pelo produtor português Paulo Branco. Ruiz não o conhecia o romance e, depois que leu, achou que só seria viável a adaptação em um filme com 20 horas de duração. No fim das contas, conseguiu fazer um longa-metragem de quase quatro horas e meia e uma minissérie de seis episódios de 52 minutos, cada. O que eu vi foi o filme.

MISTÉRIOS DE LISBOA é fascinante por diversos motivos. Primeiro, poderíamos falar dos diversos flashbacks, tornando a história um verdadeiro labirinto narrativo, que deve ser visto com atenção. São histórias fascinantes que são narradas com uma trilha sonora em tom de suspense, deixando um ar de mistério que permeia cada narrativa. A primeira delas é a história do menino Pedro, que cresce numa escola de padres e tem um padre como figura paterna. Esse padre também tem os seus segredos, que serão conhecidos mais à frente.

O curioso é também a movimentação da câmera, tão elegante. É como se houvesse um respeito do cineasta quanto aos narradores em primeira pessoa. A própria câmera não é onisciente; ela é voyeur. Perscruta cada área das casas e castelos como se estivesse tão curiosa para saber das vidas íntimas daqueles personagens quanto o espectador, acomodando-se às vezes, mas raramente parada, exceto talvez quando se "esconde" em lugares improváveis, como debaixo de uma mesa de vidro, ou atrás de cortinas.

A narrativa se passa em períodos como a Queda da Bastilha e as Guerras Napoleônicas e o filme é narrado principalmente em duas línguas, português e francês, dependendo do local e dos personagens que aborda. Alguns deles são mais fascinantes que outros. Padre Diniz e Alberto de Magalhães provavelmente são os mais interessantes, principalmente por terem passados obscuros e terem inclusive outros nomes. Das mulheres, impossível ficar indiferente à rancorosa Elisa de Montfort e sua sede de vingança.

Fiquei curioso em ver o filme quando ele atingiu o ponto mais alto dos rankings promovidos pela Liga dos Blogues Cinematográficos, atingindo a média 9,0, até então não conseguida por nenhuma outra produção. Ver o filme em casa, na tela pequena de uma televisão de 32 polegadas, faz a gente pensar na glória que seria vê-lo na tela gigante, em película. Mas não posso reclamar tanto assim. Afinal, quem vê um filme desses pode se considerar um privilegiado.

sábado, janeiro 19, 2013

O ÚLTIMO DESAFIO (The Last Stand)



Depois de quase dez anos longe das câmeras, é um pouco difícil se acostumar com uma versão mais envelhecida de Arnold Schwarzenegger. Já tínhamos visto o ator em pontas e pequenos papéis nas duas brincadeiras organizadas por Sylvester Stallone (OS MERCENÁRIOS e OS MERCENÁRIOS 2), mas O ÚLTIMO DESAFIO (2013) é o retorno pra valer, desta vez como protagonista, do bom e velho Schwarzenegger, depois de passar todos esses anos se dedicando à vida de Governador da Califórnia. E dá para dizer que seu retorno foi triunfal, ainda que recebido com pouco alarde.

Vale lembrar que, dos astros de filmes de ação oitentistas, foi Schwarzenegger quem mais soube construir sua carreira, trabalhando quase sempre com cineastas de primeira linha (Milius, Cameron, McTiernan, Hill, Verhoeven, Mostow) e se distanciando com folga de seus colegas de pancadaria. Nada mais justo que o seu retorno fosse também com um cineasta de gabarito, como é o caso do sul-coreano Jee-woon Kim, do terror MEDO (2003) e do thriller sangrento I SAW THE DEVIL (2010).

Mas embora vejamos a firmeza na direção de Jee-woon, há também um clima de filme de ação oitentista reacionário, ao estilo de COMANDO PARA MATAR ou dos filmes tardios de Charles Bronson. Com a diferença que aqui há um bom orçamento de 30 milhões de dólares para torrar com sequências de perseguição de carros e com ótimas sequências de tiroteios. Falando em tiroteio, é possível dizer também que O ÚLTIMO DESAFIO é uma espécie de western disfarçado. Há todas as características das boas aventuras no velho oeste, a começar pela própria figura do xerife durão, vivido pelo próprio "Governator".

Seu personagem é Ray Owens, um homem que viu muitas mortes em sua vida e preferiu se isolar numa cidadezinha no interior do Arizona cujo índice de criminalidade se aproxima do zero. Lá, o principal incidente que acontece é o desaparecimento do entregador de leite. O que aparentemente é um caso banal se revela algo de grandes proporções, ligado à fuga de um criminoso federal (Eduardo Noriega) condenado à execução que é resgatado por seus comparsas. Sua fuga é extraordinária, num Corvette C6 ZR1 modificado, e quase chegamos a torcer por ele, em sua tentativa de ultrapassar a fronteira do México. Mas o grupo formado pelo xerife Owens carrega uma simpatia tão grande que chega a ser impossível não se solidarizar com eles.

Aliás, um dos méritos do filme é fazer com que nos importemos com esses personagens. Seja o desastrado Jerry (Zach Gilford), o braço direito Mike (Luis Guzmán), a bela Sarah (Jaimie Alexander) ou as novas aquisições para enfrentar os bandidos, o bad boy Frank (Rodrigo Santoro) e o palhaço Lewis (Johnny Knoxville).

As cenas de tiroteio são cheias de vigor, o sangue espirra dos corpos baleados, os vilões não têm vergonha de serem vilões, Forest Whitaker está bem, ainda que em posição secundária, mas quem brilha mesmo é o bom e velho Schwarzenegger, que, talvez aprendendo com Clint Eastwood, também brinca com o peso da idade. Destaques para a sequência do milharal e para o embate final entre o xerife e o cabeça do cartel. O ÚLTIMO DESAFIO oferece uma boa dose de adrenalina e testosterona, fazendo com que a gente saia do cinema com um sorriso bobo de satisfação no rosto.

sexta-feira, janeiro 18, 2013

DJANGO LIVRE (Django Unchained)



Quem é da minha geração não teve a chance de ver os bons westerns spaghettis na gloriosa telona. Já havia passado a época. Eis que Quentin Tarantino, depois de tanto flertar com o gênero em seus filmes (de gângster, de guerra, de kung fu etc.), presta homenagem a Sergio Leone, mas principalmente a outros cineastas "menores" como Sergio Corbucci, do DJANGO original (1966), que também ajudaram a fazer do western produzido na Itália um cinema com um charme todo próprio, embora muitas vezes ignorado e criticado. Mas esse é um dos papéis de Tarantino: resgatar aquilo que é tido como obra de gosto duvidoso por um público e uma crítica caretas e transformar em obra enaltecedora.

Mas não apenas isso: Tarantino é um cineasta de mão cheia, que tem ideias que parecem apenas delírios de um fã de filmes B e cujo resultado é de extrema sofisticação. Não se trata de apenas fazer um coquetel com o que ele mais gosta e ver no que dá, mas pensar o roteiro e materializá-lo em imagens, com a ajuda de atores extraordinários, que ficam ainda melhores sob sua tutela. Se há algum problema em DJANGO LIVRE (2012) está na participação do próprio diretor na frente das telas, que acaba quebrando um pouco a excelência das atuações, já que ele nunca foi bom ator. É mais ou menos quando o filme perde um pouco de sua regularidade. Mas isso já acontece bem próximo do final.

A história se inicia em 1858, dois anos antes do início da Guerra Civil americana, que seria o pontapé inicial para o fim da escravatura nos Estados Unidos. Naquele momento, ver um negro montando um cavalo era algo inaceitável pela população branca. E logo no início, depois de ouvirmos o tema de Django durante os créditos enormes e em vermelho vivo, entramos em contato com os dois personagens principais: Christoph Waltz, no papel do caçador de recompensas alemão Dr. Schultz, e Jamie Foxx, como Django, sendo levado como escravo. É na tentativa de compra do escravo que o filme estabelece o seu tom. Um tom semelhante àquele de BASTARDOS INGLÓRIOS (2009), quando Waltz era, então, um caçador de judeus.

Os dois homens se juntam para ganhar dinheiro como caçadores de recompensa. No início, o Dr. Schultz queria Django apenas para reconhecer três homens que estavam na sua mira, mas uma vez que a parceria entre os dois é mais do que bem sucedida, nasce daí uma amizade. E também uma promessa do alemão de que ajudaria Django a resgatar a sua amada esposa Broomhilda (Kerry Washington).

Em DJANGO LIVRE não é mais Lanz, mas Leonardo DiCaprio, como o perverso dono de uma plantação, o responsável pelos momentos mais tensos do filme. Que é quase todo narrado nessa tensão, que torna cada diálogo interessante e com situações muitas vezes engraçadas. E quando a violência irrompe, ela é sentida como algo ao mesmo tempo cruel e extasiante. Afinal, qual fã do Tarantino não gosta de violência no cinema? Principalmente quando tão belamente orquestrada.

DJANGO LIVRE ainda tem a audácia de mostrar um negro racista, o personagem de Samuel L. Jackson, que impressionantemente funciona às vezes como alívio cômico, embora o cômico nos filmes de Tarantino seja de um fino humor negro. E Jackson está ótimo, assim como DiCaprio. Aliás, DiCaprio incorpora a figura do dono de escravos malvado e perigoso com tanta precisão que é difícil imaginar outro ator em seu lugar.

O novo filme de Quentin Tarantino pode não ser tão perfeito e intenso quanto os dois KILL BIL (2003, 2004) nem quanto BASTARDOS INGLÓRIOS, para citar três de seus trabalhos mais recentes e mais próximos da memória, mas é uma prova viva de que o talento do cineasta continua intacto. Há quem diga que a morte de sua montadora (Sally Menke) tenha comprometido o seu trabalho. É possível. Mas Fred Raskin não faz feio. Afinal, o filme tem 2 horas e 45 minutos e mal se percebe o tempo passar. Também vale destacar o belo trabalho de fotografia de Robert Richardson, que já vem fazendo parceria com o cineasta desde KILL BILL. A trilha sonora seria um assunto à parte, que exigiria conhecimento dos fãs do western spaghetti para identificação das referências.

Ah, e, na sessão em que eu estava, o público parecia respirar cada momento do filme e brindou-o no final com uma merecida salva de palmas, fato raro de se ver numa exibição normal.

DJANGO LIVRE ganhou dois prêmios no Globo de Ouro (melhor roteiro e melhor ator coadjuvante para Christoph Waltz) e concorre a cinco Oscar: filme, ator coadjuvante, roteiro original, fotografia e edição de som.

quinta-feira, janeiro 17, 2013

A IMAGEM (The Image / The Punishment of Anne)



Segundo filme de Radley Metzger que vejo. O primeiro foi THE OPENING OF MISTY BEETHOVEN (1976), considerado o CIDADÃO KANE dos filmes pornôs. Assim, quando vi A IMAGEM (1975) na rede, com legendas em português, não pensei duas vezes em baixá-lo. É um filme que investe menos na pornografia gráfica, embora tenha cenas de felação explícitas. Se não fosse por isso, daria para considerá-lo um softcore. A IMAGEM (que também foi lançado lá fora em DVD com o título THE PUNISHMENT OF ANNE) fica numa espécie de meio caminho, mas transita por veredas perigosas, como as do sadomasoquismo.

O filme é puro fetiche. E muito bem conduzido. A narração em voice-over, que vai diminuindo ao longo do filme, ajuda a torná-lo tão saboroso quanto uma boa literatura erótica. Também tem algo de sombrio, com uma trilha sonora que pontua muito bem os momentos mais pesados ou misteriosos. Isso porque no começo, quando Jean, o personagem de Carl Parker, conhece numa festa a jovem Anne (Mary Mendum), fica logo encantado com tal beleza. E Jean fica sabendo que Anne não apenas é amiga de sua amiga Claire (Marilyn Roberts), mas é uma espécie de escrava sexual dela.

No primeiro momento erótico do filme, os três passeiam por um jardim público e Claire quer mostrar o seu poder sobre Anne. Mostra o quanto ela se excita facilmente - enquanto os dois conversam, Anne está penetrando os dedos nas pétalas de uma rosa, obviamente pensando em sexo, ou fazendo Jean imaginar coisas. Claire pede para que ela traga uma rosa, não importando se os espinhos irão machucá-la. A rosa será colocada em local estratégico. Claire pede que Anne levante a saia, mostrando que ela está sem calcinha e com uma bela e suave penugem. A rosa seria colocada naquele local, amarradada na cinta-liga de Anne, fazendo atrito em seu clitoris enquanto ela anda.

A imagem da rosa e da suave genitália de Anne lado a lado são como uma linda pintura que mexe tanto com nossos instintos primitivos quanto com nosso lado apreciador de arte. O filme vai num crescendo no que se refere às cenas mais fortes. Como esquecer da cena em que Anne mija na frente de Jean, no parque? Ou do momento em que vemos pela primeira vez ela recebendo umas chicotadas, enquanto faz sexo oral em Jean e é acariciada pela sádica Claire?

A IMAGEM até chega a ficar um pouco incômodo em certo momento, no que se refere à violência infligida em Anne, mas no saldo geral é um dos filmes com maior voltagem erótica que eu já vi, tendo a vantagem de ter uma narrativa que desperta sempre o interesse do espectador. Até fiquei interessado em ver outros filmes estrelados pela linda Mary Mendum e vi que ela fez CONFESSIONS OF A YOUNG AMERICAN HOUSEWIFE e LAURA'S TOYS, de outro diretor afeito ao erotismo, Joseph W. Sarno. Pena que não encontro legenda para os filmes dele.

terça-feira, janeiro 15, 2013

DETONA RALPH (Wreck-It Ralph)



Interessante como as animações atuais têm a preocupação de agradar tanto crianças quanto adultos. O que é completamente compreensível, pois os pais levam os filhos e também vão fazer parte do boca-a-boca que tornará o filme um sucesso ou um fracasso. No caso de DETONA RALPH (2012), o universo do fliperama, mais familiar para pessoas adultas, pode ser um tanto estranho para as crianças, mas o filme não complica a vida de ninguém. Tudo é muito fácil de assimilar. E para os adultos, em especial aqueles que brincavam com os antigos jogos de fliperama, o novo filme da Disney pode trazer uma sensação parecida com a provocada por TOY STORY (1995), o filme da Pixar que deu início à moda das animações em computação gráfica que aos poucos foi abolindo as animações tradicionais feitas para o cinema, pelo menos nos Estados Unidos.

DETONA RALPH também representa um momento diferente para a Disney, que abandona os filmes de contos de fadas e assemelhados para abraçar uma narrativa mais moderna e mais próxima da Pixar. Por outro lado, a Pixar, no mesmo ano, deu uma de "clássicos Disney" ao trabalhar com a história de uma princesa em um contos de fadas em VALENTE, um filme que muita gente considera careta. Mas considerar VALENTE careta não seria o mesmo que considerar os demais clássicos da Disney também caretas?

No caso de DETONA RALPH, temos a história de Ralph, ou Detona Ralph, um personagem grandalhão de um jogo de fliperama de mais de 30 anos cuja função é basicamente quebrar um prédio. E há um sujeito que é o mocinho na história, o Conserta-Tudo-Felix Jr., que com um martelinho mágico rapidinho conserta os danos provocados pelo gigante Ralph. Acontece que Ralph começa a ficar cansado dessa rotina de vilão, de não receber as medalhas e nem ao menos ser convidado para as festas do pessoal do edifício. Pra completar, ele ainda dorme do lado de fora, num lixão.

Mesmo participando de um grupo de vilões anônimos dos videogames, isso não impede que ele resolva abandonar o jogo. E abandonar o jogo significa que a máquina será posta para conserto e talvez abandonada. Sem saber bem das consequências de seus atos, Ralph vai parar num jogo bem mais moderno, desses de alta resolução e de tiro em primeira pessoa. Depois dessa rápida aventura, ele vai parar num outro jogo, no qual ele terá a função de ajudar uma garotinha "bug" chamada Vanellope Von Schweetz a vencer uma corrida. É quando o filme fica coloridíssimo e provavelmente mais atrativo para as crianças menores. E quando também mostra a união de dois personagens marginais e mal vistos dentro de seus próprios jogos. Esse detalhe é importante para nos solidarizarmos tanto com Ralph quanto com Vanellope.

Embora tenha algumas surpresinhas no final, DETONA RALPH é um pouco previsível em seu desenvolvimento, além de bastante devedor da premissa de TOY STORY. Mas é suficientemente simpático para divertir toda a família e tem um andamento muito bom. Além do mais, se colocarmos DETONA RALPH entre as várias adaptações de videogame para o cinema, ele pode até encabeçar a lista.

Há um curta-metragem que abre o longa que é bem bonito: O AVIÃO DE PAPEL, de John Kahrs. Feito em preto e branco, como que para dar um ar de filme antigo, o pequeno curta mostra a história de dois estranhos que se conhecem numa estação de metrô e se apaixonam à primeira vista. Para se comunicar com ela do outro lado da rua, ele tenta chamar-lhe a atenção com aviões de papel. Muito curioso esse tipo de filme mais romântico sendo incluído num pacote mais infantil. Mas o bom mesmo é ver um universo em que a Lei de Murphy parece não prevalecer.

segunda-feira, janeiro 14, 2013

GLOBO DE OURO 2013



A premiação do Globo de Ouro é uma bela prévia do Oscar. Serve tanto para tirar um pouco do sabor do prêmio máximo do cinema americano quanto para preparar o espectador para ele. Com o tempo acabou também influenciando o Oscar, que foi cada vez se despindo de apresentações especiais e focando mais na distribuição dos prêmios.

Uma das vantagens do Globo de Ouro é ver os atores e diretores do cinema e da televisão juntos e em clima descontraído, tomando suas bebidas em suas mesas. Fica um clima de festa VIP agradável. Pode ser divertido ficar imaginando qual a mesa mais interessante. É também um momento interessante para quem se liga em moda, ver os vestidos que as beldades usam. Isso faz parte do glamour da festa. Passa também a impressão de ser menos competitivo que o Oscar. Talvez por ter menos peso.

A premiação deste ano promoveu algumas boas surpresas. A primeira que me vem à mente é o momento em que Michael Haneke sobe ao palco depois de ter ganhando o prêmio de melhor filme estrangeiro por AMOR. Isso não era nenhuma surpresa. A surpresa foi vê-lo recebendo o prêmio das mãos de Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone! Pode ser que tenham pensando na nacionalidade em comum entre Haneke e o "Governator".

Outro momento de destaque da noite foi a entrega do prêmio Cecil B. De Mille para Jodie Foster. Ela é ainda jovem para esse tipo de homenagem, mas acabou ficando muito bonito. O clipe com os filmes com Jodie e também os dirigidos por ela serviu para mostrar o quanto ela tem uma carreira longa e bonita. E também o quanto gostamos dela. Durante o mais longo discurso da noite, foi comovente vê-la citando o amigo Mel Gibson como uma pessoa importante para ela. Ele, que anda passando por uma rejeição forte em Hollywood.

O momento mais engraçado da noite não veio da dupla de apresentadoras, Tina Fey e Amy Poehler, mas da excelente performance de apresentação de indicados por Kristen Wiig e Will Ferrell para melhor atriz de comédia. Fez muita gente rir e ficar encantado com seus talentos. Só quem não riu foi o Tommy Lee Jones, o sujeito mais ranzinza da festa. E por isso mesmo, um dos mais engraçados.

Quanto à premiação, alguns prêmios já eram bem óbvios, como Daniel Day-Lewis vencendo na categoria de melhor ator (drama) por LINCOLN e Adele vencendo melhor canção por 007 – OPERAÇÃO SKYFALL. AMOR, como filme estrangeiro, também era bem favorito. Mas os demais prêmios podiam trazer surpresas. E trouxeram. A maior delas: Ben Affleck vencendo como diretor quando havia competidores do naipe de Steven Spielberg, Ang Lee, Kathryn Bigelow e Quentin Tarantino.

Aliás, ARGO também ganhou melhor filme (drama). E o que representa isto? Para muitos, pode ser uma forma de valorizar Hollywood, como a salvadora da pátria mostrada no filme, e não um país representado por soldados que praticam tortura de A HORA MAIS ESCURA. Aliás, uma das melhores piadas da noite foi quando Tina Fey e Amy Poehler disseram que Bigelow já entendia muito bem de tortura, pois fora casada com James Cameron.























A presença de Bill Clinton para apresentar LINCOLN foi um momento grandioso da festa. Todo mundo se levantou em respeito ao ex-presidente. Uma prova de que em Hollywood quase todos são democratas mesmo. Poderia ter sido um sinal de que o filme de Spielberg ganharia na categoria principal, mas isso acabou não se concretizando.

Mantendo uma espécie de tradição (até por dividir os filmes em drama e comédia), o Globo de Ouro acabou por pulverizar os prêmios: ARGO ficou com melhor filme e diretor; LINCOLN, com ator; A HORA MAIS ESCURA, com atriz; DJANGO LIVRE, com roteiro e ator coadjuvante; AS AVENTURAS DE PI, com trilha sonora. Na categoria filme-comédia ou musical, OS MISERÁVEIS foi o grande campeão, vencendo filme, ator e atriz coadjuvante.

Quanto aos prêmios para televisão, o que mais me deixou feliz foi o de Claire Danes por seu papel em HOMELAND, que foi a grande campeã, vencendo melhor série dramática e melhor ator (Damian Lewis). Maravilha. E na categoria comédia, GIRLS confirmou seu favoritismo, com os prêmios de melhor série e melhor atriz (Lena Dunham). Na categoria minissérie ou filme feito para televisão, o telefilme GAME CHANGE também foi outro grande vencedor, com três prêmios: melhor minissérie ou filme para televisão, melhor atriz (Julianne Moore) e melhor ator coadjuvante (Ed Harris). Na verdade, as indicações para essa subcategoria estavam uma bagunça, misturando-se também com séries.

Quanto às belas da noite, não há quem tire o posto de Zooey Deschanel (NEW GIRL), que desde o tapete vermelho já deixou muitos espectadores sem fôlego. Mas havia também Kate Hudson, que mostrou que ainda está linda, passados já mais de 12 anos de QUASE FAMOSOS. Destaque também para a nova namoradinha de Hollywood: Jennifer Lawrence. E ela é mesmo uma graça.























Prêmios da noite

Cinema

Melhor filme (Drama): ARGO
Melhor filme (Comédia/Musical): OS MISERÁVEIS
Melhor ator (Drama): Daniel Day-Lewis (LINCOLN)
Melhor ator (Comédia/Musical): Hugh Jackman (OS MISERÁVEIS)
Melhor atriz (Drama): Jessica Chastain (A HORA MAIS ESCURA)
Melhor atriz (Comédia/Musical): Jennifer Lawrence (O LADO BOM DA VIDA)
Melhor ator Coadjuvante: Christopher Waltz (DJANGO LIVRE)
Melhor atriz Coadjuvante: Anne Hathaway (OS MISERÁVEIS)
Melhor direção: Ben Affleck (ARGO)
Melhor roteiro: Quentin Tarantino (DJANGO LIVRE)
Melhor trilha sonora: Mychael Danna (AS AVENTURAS DE PI)
Melhor canção original: Adele por "Skyfall" (007 – OPERAÇÃO SKYFALL)
Melhor animação: VALENTE
Melhor filme em língua estrangeira: AMOR (Áustria)

Televisão

Melhor série (Drama): HOMELAND
Melhor série (Comédia/Musical): GIRLS
Melhor minissérie ou telefilme: GAME CHANGE
Melhor ator de série (Drama): Damian Lewis (HOMELAND)
Melhor ator de série (Comédia): Don Cheadle (HOUSE OF LIES)
Melhor ator em minissérie ou telefilme: Kevin Costner (HATFIELDS & McCOYS)
Melhor atriz de série (Drama): Claire Danes (HOMELAND)
Melhor atriz de série (Comédia): Lena Dunham (GIRLS)
Melhor atriz em minissérie ou telefilme: Julianne Moore (GAME CHANGE)
Melhor ator coadjuvante em série, minissérie ou telefilme: Ed Harris (GAME CHANGE)
Melhor atriz Coadjuvante em série, minissérie ou telefilme: Maggie Smith (DOWNTON ABBEY)

sábado, janeiro 12, 2013

JACK REACHER – O ÚLTIMO TIRO (Jack Reacher)



Eis um filme que a gente pode dizer que é eficiente. Não tem a intenção de inventar a roda, apenas ser um bom thriller policial de ação. E sem a vantagem de não exagerar na montagem picotada, como algumas produções dos anos 1990 e 2000. O diretor escolhido por Tom Cruise foi Christopher McQuarrie, que em seu currículo tem alguns roteiros, mas como diretor só tinha mesmo um trabalho, chamado aqui no Brasil de A SANGUE FRIO (2000). Sua primeira parceria com Tom Cruise foi como roteirista de OPERAÇÃO VALQUÍRIA (2008) e atualmente está sendo cotado para ser o diretor do quinto filme da franquia MISSÃO: IMPOSSÍVEL.

JACK REACHER – O ÚLTIMO TIRO (2012) começa com um prólogo bem interessante: um sujeito chega em um estacionamento e começa a atirar em diversas pessoas que passeiam em um parque, matando cinco. A polícia trata logo de capturar o principal suspeito, mas a única coisa que ele pede é: tragam Jack Reacher. E quem é Jack Reacher? É um ex-militar de elite que já aprontou muito no passado e que conheceu o tal cara que foi preso. Acontece que Reacher chega e o sujeito, o suspeito, havia levado uma surra tão grande que ficou em estado de coma.

O filme vai ganhando contornos mais misteriosos de filme policial investigativo com a entrada em cena da advogada do suspeito, vivida por Rosamund Pike, e quando também vemos os vilões, liderados pelo cineasta Werner Herzog, que parece ter se divertido bastante com o papel. E juntando investigação com cenas de ação, talvez JACK REACHER tenha se excedido um pouco em sua duração. Os 130 minutos chegam a pesar um pouco no saldo final. Umas tesouradas na ilha de edição teriam feito bem ao filme.

Há uma ótima sequência de perseguição automobilística, que é bem dirigida e montada, embora não seja tão memorável se comparada a de outros tantos filmes de ação feitos depois do antológico OPERAÇÃO FRANÇA, de William Friedkin. Vale destacar também o tiroteio final, com a presença bem-vinda de um simpático Robert Duvall. Outro ator veterano de peso e que sempre impõe respeito nas poucas vezes que aparece é Richard Jenkins, no papel do procurador de justiça.

E justiça, no fim das contas, é uma palavra-chave no que se refere à personalidade de Reacher, um homem seguro de si e que não hesita em matar o bandido, se achar que deve. Tom Cruise sabe como ninguém interpretar um sujeito cheio de si, como se não conseguisse se humilhar em nenhum papel. Mas é um ator admirável, especialmente por conseguir se manter como um herói de ação, inclusive evitando sempre que pode a ajuda de dublês, e que tenta sempre estar sob controle de sua carreira e ser dono de seus trabalhos.

sexta-feira, janeiro 11, 2013

A VIAGEM (Cloud Atlas)



É preciso bastante boa vontade para gostar de A VIAGEM (2012), a nova empreitada dos irmãos Wachowski, desta vez em parceria com o diretor alemão Tom Tykwer, que não é lá um cineasta tão conceituado assim para se pedir uma ajuda. O resultado é um filme confuso e raso, com seis histórias que não têm consistência juntas, do jeito que foram editadas, e também não teriam, se fossem vistas em separado. Algumas delas, porém, são melhores, como a história ambientada na década de 1970, estrelada por Halle Barry; e a ambientada na Seul do século XXII, estrelada por Doona Bae e Jim Sturgess.

Essas são duas histórias que têm uma boa ambientação apesar dos problemas. A da década de 70 carrega um pouco do espírito da época, com uma fotografia com tons de marrom e uma narrativa mais para o gênero policial. E a do século XXII é a que mais explora o uso dos efeitos especiais, mostrando um futuro em tons azulados e que carrega um segredo terrível com relação às garotas que são clonadas.

As outras histórias são um tanto ridículas ou desinteressantes. A mais ridícula é a passada no futuro pós-apocalíptico e estrelada por Tom Hanks e Halle Berry. Tem um ar de A Tempestade, de Shakespeare, mas com uma trama bem ruim. Essa é a história que tem o aspecto mais espiritual ou transcendental das seis.

Há a história estrelada por Jim Broadbent, ambientada em 2012, que vai melhorando um pouco lá pelo final, quando seu personagem vai se tornando menos chato e desinteressante, depois que ele é internado em um manicômio. Curiosamente não tem cara de história situada no presente, mas num passado próximo.

A história que se passa em 1936 e estrelada por Ben Wishaw começa de maneira interessante e termina de forma patética, sem entendermos direito as motivações do personagem. Nem a voice-over ajuda. A outra história, estrelada por Jim Sturgess, e ambientada em 1849, passada em sua maior parte dentro de um navio, em uma viagem de uma ilha do Pacífico até São Francisco, nos Estados Unidos, é também bem apagada. A única coisa boa é a presença do escravo negro fugido, que se torna amigo do rapaz e imprime um pouco mais de humanidade à trama.

Alguns atores participam de todas as histórias, como Tom Hanks, Halle Berry, Hugo Weaving, Jim Sturgess e Hugh Grant. Curiosamente, como o filme fala de reencarnação, os personagens maus, como os de Weaving e Grant, continuam maus em todas as encarnações. Inclusive, no futuro, Hugo Weaving interpreta uma espécie de demônio. Vai ver não é regra os atores interpretarem suas respectivas encarnações.

Outra coisa que incomoda é a mensagem óbvia sobre a conexão entre os fatos e as pessoas. Tudo bem que para muita gente o mundo é apenas um projeto caótico e desordenado, sem um autor, mas mesmo para quem acredita em alguma força superior, a mensagem que o filme passa chega a ser ingênua e até constrangedora, na forma como é dita.

O filme usa muito o recurso do voice-over, que funciona como uma muleta para a narrativa. Muito provavelmente foi necessário durante o processo de transmutação da obra literária (o romance de David Mitchell) para o cinema, servindo também para tornar o filme um pouco mais palatável para a audiência. A VIAGEM melhora um pouco quando procura imprimir um pouco mais de dinamismo, alternando com mais rapidez, já em sua terceira hora de duração, a costura das histórias, procurando dar a elas um pouco mais de coesão, embora nem sempre consiga.

Infelizmente é um projeto megalomaníaco que foi rejeitado tanto por boa parte da crítica, pelas premiações e pelo público. Um filme de 100 milhões de dólares que não rendeu ainda 30 milhões deve demorar a se pagar. Para o espectador também não é uma tarefa fácil, embora seja curioso ver os rostos conhecidos fazendo diversos papéis ao longo das histórias. Tenho certeza que, assim como eu, muitas pessoas irão se sentir atraídas para ver o filme, o que é completamente normal, dado o elenco estelar, o trailer curioso e a pretensão dos diretores.

quinta-feira, janeiro 10, 2013

TINY FURNITURE



Quem gostou da série GIRLS, que teve sua primeira temporada no ano passado e que já estará de volta no próximo dia 13 de janeiro, provavelmente deve se interessar por este filme, que é uma espécie de embrião do que seria a série. Em TINY FURNITURE (2010), Lena Dunham também dirige, escreve e protagoniza, e há muitas relações com a série, deixando a impressão de que seu trabalho tem muito de autobiográfico. A questão de morar ou não na casa dos pais, a dificuldade de se estabelecer num emprego normal, a tendência a namorar cafajestes e de ser descartada depois do sexo, tudo isso está presente neste seu longa-metragem.

Há também a presença da bela Jemima Kirke, do elenco fixo de GIRLS, e que faz mais ou menos o mesmo papel neste longa. Ela é a amiga descolada, que se veste elegantemente e que acha que as coisas na vida são fáceis. Quando Aura (a personagem de Lena) pergunta para ela o que deve fazer em seu encontro com o chef de cozinha, ela apenas diz para relaxar e pegar no pau dele.

Uma coisa que é vista com mais generosidade no longa é a forma como ela retrata a mãe. Na série, tanto o pai quanto a mãe da personagem querem mesmo se livrar dela. Em TINY FURNITURE, há um belo diálogo, que eu considero um dos pontos altos do filme, entre ela e a mãe, quando as duas conversam sobre afetos e experiências.

Outro rosto conhecido de GIRLS é o de Alex Karpovsky, que é outro homem que só quer se aproveitar de Aura, sem lhe dar nada em troca. Curiosamente, a gente fica às vezes com raiva da personagem, por ela só fazer besteiras e se comportar de maneira idiota em algumas ocasiões, mas essa é a maneira de Lena construir o seu alter-ego, sem enfeitá-la para parecer mais bonita, elegante ou sábia. Afinal, isso faz parte da personagem.

Embora o filme seja bem irregular, ele termina bem, com uma delicadeza que antecipa o que Lena Dunham faria na televisão, em seus ótimos episódios de GIRLS. Ver o filme depois de ter visto a série (ou vice-versa) passa a sensação de que estamos mais íntimos dessa jovem atriz, diretora e roteirista.

quarta-feira, janeiro 09, 2013

BOCA DO LIXO – A BOLLYWOOD BRASILEIRA



Exibido no Canal Brasil em cinco episódios de 26 minutos, cada, BOCA DO LIXO – A BOLLYWOOD BRASILEIRA (2011), de Daniel Camargo, caiu na rede como um documentário completo, com as cinco partes unidas, mas com os créditos de abertura mantidos. Trata-se de uma bela homenagem a um dos momentos mais bonitos e saudosos do cinema brasileiro, o momento em que o nosso cinema mais se aproximou de uma indústria, sem precisar de verbas do Governo, sobrevivendo por si só. Segundo David Cardoso, em um ano, a Boca chegou a produzir 60 filmes.

O documentário se faz basicamente de depoimentos de vários e célebres entrevistados, entrecortados com pequenas cenas de alguns filmes. Diretores, atores, atrizes, técnicos, estudiosos do assunto, todos contribuem para formar esse belo quadro que só não é melhor porque o assunto é vasto demais para apenas duas horas de duração. Mas a intenção não era mesmo se aprofundar. Seria impossível. Mas apenas fazer uma viagem rápida e com tom de saudosismo por esse período de ouro.

BOCA DO LIXO – A BOLLYWOOD BRASILEIRA fala bastante do quanto esse cinema que hoje é considerado cult era mal visto e desqualificado por vários críticos e por boa parte da classe mais abastada da sociedade. Como bem falou Alfredo Sternheim, quando ele lançou o seu LUCÍOLA, O ANJO PECADOR (1975), o crítico de um jornal chegou a desqualificar não apenas o filme, mas o próprio romance de José de Alencar no qual o filme se baseava, chamando-o de "livrinho". Nicole Puzzi (foto) também demonstra sua indignação em seu depoimento.

Além do mais, por mais que as obras fossem dos mais variados gêneros (terror, suspense, policial, drama, comédia, filme histórico), todos eram classificados como pornochanchada. E outra coisa curiosa foi dita por Guilherme de Almeida Prado, que mostrou que havia sim uma certa rivalidade do cinema produzido no Rio de Janeiro e o produzido em São Paulo, na Boca. DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS e RIO BABILÔNIA, duas produções cariocas, seriam também pornochanchadas. Na verdade, esse cinema produzido no Rio se aproveitou da popularidade dos filmes eróticos produzidos na Boca para capitalizar também.

Os capítulos se dividem na apresentação dos produtores (Galante, Massaini, Augusto de Cervantes etc.), dos diretores (Ody Fraga, Jean Garrett, Khouri, Mojica, Candeias etc.), das estrelas (Matilde Mastrange, Vera Fisher, Helena Ramos etc.), para depois terminar falando sobre a decadência da produção, com a chegada do sexo explícito. Que não deixa de ser um capítulo também muito interessante, principalmente pelos depoimentos de Jussara Calmon, a estrela do primeiro filme de sexo explícito brasileiro, COISAS ERÓTICAS (1981), e de novamente Sternheim, que também chegou a aderir ao pornô.

Muito bonito ver o momento em que David Cardoso, o grande galã da Boca, se emociona, ao lembrar daqueles tempos. Não foi a primeira vez que eu presenciei uma entrevista na qual ele chora ao se lembrar do passado. Isso só faz com que eu o respeite ainda mais. Na entrevista para este documentário, ele lamenta não ter dado mais de si, não ter se esforçado para fazer melhores filmes. Chega a ser comovente.

No mais, foi bom rever o saudoso Carlão Reichenbach, ver a simpatia da Aldine Müller, conhecer o temperamento de Neide Ribeiro, ver o amigo Matheus Trunk falando com tanta propriedade, ver Debora Muniz lembrando de sua primeira experiência no hardcore, os sempre sorridentes Silvio de Abreu e Guilherme de Almeida Prado, entre outros artistas, como Cláudio Cunha, José Miziara, Antonio Meliande e Adriano Stuart. É muita gente boa para citar e muito assunto abordado de maneira rápida no documentário. Por isso, fico por aqui.

terça-feira, janeiro 08, 2013

ELLES



É sempre uma alegria quando há um filme estrelado por Juliette Binoche em nossos cinemas. Afinal, a estrela francesa tem uma vasta quantidade de trabalhos bem sucedidos no currículo. Ela é capaz de tornar filmes menores em obras interessantes. Se bem dirigida, então, nem se fala. Infelizmente não é o caso de ELLES (2011), da diretora polonesa Malgoska Szumowska. A presença da atriz e a temática atraente chegam a enganar no começo, mas o resultado é vazio e tedioso.

Se a diretora tivesse um roteiro mais amarrado, quem sabe daria conta, mas com um trabalho que privilegia mais o visual do que os diálogos, o resultado é insatisfatório. Na trama, Juliette Binoche é Anne, uma jornalista da revista Elle que está escrevendo um artigo a respeito de estudantes que pagam seus estudos com o dinheiro da prostituição. Com o casamento em frangalhos e com dificuldades em disciplinar os filhos, Anne cai de cabeça em seu objeto de pesquisa. As duas meninas que ela entrevista para seu artigo são uma garota francesa (Anaïs Demoustier) e uma imigrante polonesa (Joanna Kulig). À medida que ela vai conhecendo mais as meninas, as relações vão se estreitando.

Curiosamente ELLES adota dois modos para cada garota: o modo “contar” para a jovem francesa (embora também vejamos cenas da intimidade dela) e o modo “mostrar” para a garota polonesa, através de flashbacks. Uma boa saída, aliás, para tornar o filme menos monótono, embora não o suficiente para torná-lo interessante. Há cenas de sexo, mas elas não são exatamente excitantes. Uma delas chega a ser incômoda, inclusive – a cena da garrafa de champanhe -, mas a maioria pode ser vista com certa frieza ou indiferença.

Aparentemente o filme não trata nem de glorificar nem de denegrir o exercício da prostituição, deixando para o espectador a tarefa de tirar suas próprias conclusões ou continuar com seus pensamentos ou preconceitos a respeito das garotas de programa e de seus clientes. Uma pena que ELLES também não consiga se aprofundar na temática, preferindo mostrar os cenários limpos dos apartamentos de Anne e das duas garotas – o branco predomina na direção de arte de interiores.

O segundo movimento da Sétima Sinfonia de Beethoven também ajuda a dar um ar classudo ao filme. Mas, se no começo, isso pode animar o espectador, a repetição no final só mostra o quanto ELLES pretendia e o quanto fracassou. Ainda assim, é um filme que vale ser visto, principalmente pela presença de Binoche, que se mostra despida de maquiagem em alguns momentos.

domingo, janeiro 06, 2013

MULHER OBJETO



Helena Ramos nunca esteve tão bela e exuberante quanto neste drama erótico misturado com thriller psicológico hitchcockiano dirigido por Silvio de Abreu, hoje famoso por ser autor de telenovelas. Como diretor de cinema, MULHER OBJETO (1981) foi o último de seus quatro trabalhos. O filme, visto hoje, parece uma paródia, não dando para levar muito a sério o drama da mulher frígida que não consegue fazer sexo com o marido e que sofre com alucinações e medos sempre que começa a sentir prazer, mesmo quando ela está apenas fantasiando. E ela fantasia muito, e isso constitui a maior parte das várias cenas de sexo que o filme tem.

Em MULHER OBJETO, Helena Ramos é Regina, uma jovem mulher que sofre com o problema de não conseguir transar com o marido (Nuno Leal Maia), mas que tem fantasias variadas com outros homens. Ela frequenta uma psicóloga que a ajuda a descobrir a causa desse bloqueio, que remonta à sua infância. No elenco de apoio, destaque para a americana Kate Lyra, presença marcante no cinema e na televisão brasileiros daquela época, com seu jeito sensual, que chegou a ser muito bem aproveitada em três filmes de Walter Hugo Khouri, inclusive.

A marca de Hitchcock está presente na trama, que lembra QUANDO FALA O CORAÇÃO, por causa da busca da solução do problema através de métodos da psicanálise; pelo uso de pombos que lembram OS PÁSSAROS; e pelo início, que remete diretamente à cena do chuveiro de PSICOSE. De PSICOSE também é usado um trecho em que a personagem se encontra no carro na chuva. Nesse momento, até a música de Bernard Herrmann é aproveitada. Assim, ver o filme pode ser também um bom exercício para fãs de Hitchcock.

(Este texto foi escrito para uma futura edição da Revista Zingu!, que infelizmente não foi ao ar. A revista continuará disponível para leituras e pesquisas, mas por ora foi descontinuada. Já estou com saudades.)

sábado, janeiro 05, 2013

SETE PSICOPATAS E UM SHIH TZU (Seven Psycopaths)



Há algo de muito estranho nos filmes de Martin McDonagh. Uma melancolia que destoa de seu humor, que não deixa de ser bem britânico, mas traz algo próprio. E isso se reflete em SETE PSICOPATAS E UM SHIH TZU (2012). Por mais que o diretor tente fazer uma comédia de humor negro com influências de Quentin Tarantino e de seu copiador britânico oficial, Guy Ritchie, com uma edição rápida e esperta, ele acaba não conseguindo. Pelo menos não da maneira como se esperaria. E, principalmente após a revelação do sétimo psicopata, uma espécie de torpor abate o filme, da mesma maneira que abate os três personagens principais, vividos por Colin Farrell, Sam Rockwell e Christopher Walken.

É quando o filme perde um pouco de sua graça. Mas, ao final, é como se aquilo fosse proposital, não um acidente de percurso ou um erro do cineasta. Ao lembrarmos do tom de NA MIRA DO CHEFE (2008), um filme que não se define bem entre uma comédia e um drama, podemos ter uma noção do que esperar de SETE PSICOPATAS E UM SHIH TZU, embora este novo trabalho seja mais torto, irregular, com mais gorduras. Ainda assim é um belo trabalho. Desses que fazem a diferença num circuito cheio de filmes que pouco ousam.

Na trama, Colin Farrell é Marty, um escritor de roteiros que pretende escrever um filme chamado "Sete Psicopatas". Acontece que a única coisa que ele tem é o título. E mais: ele é um sujeito extremamente pacífico. Tanto que ele quer fazer um filme com esse título, mas sem violência, a começar por um psicopata budista. Esses primeiros momentos do filme são divertidos. Até pelo absurdo da situação.

E há também a trama que leva o filme para mais longe: a do grupo de sequestradores de cães. Eles roubam os cães, esperam os donos colocarem o valor da recompensa e entregam os seus bichos para seus donos, faturando um bom dinheiro. Quem encabeça o negócio é o personagem de Christopher Walken, mas o amigo de Marty, vivido por Sam Rockwell, também participa, já que é um ator desempregado. Nessa brincadeira, eles acabam roubando o cachorro de um violento gângster (Woody Harrelson).

O filme ainda conta com participações bem-vindas de Abbie Cornish, Olga Kurylenko, Michael Pitt e principalmente de Tom Waits, no papel de um psicopata em busca de sua amada. E o engraçado desse monte de absurdos é que eles são parte orgânica do filme. Assim como a história "criada" por Farrell ou seu sonho do psicopata vietnamita.

Mas o que mais chama a atenção mesmo é a melancolia, um desapegar-se da vida que os três protagonistas carregam, tornando o filme mais amargo do que se esperaria. Há, inclusive, uma trilha sonora que parece ir no caminho contrário do humor, como que para denunciar o vazio existencial de seus personagens. Eis um filme que pode ter os seus defeitos, mas que tem todo o meu respeito por andar por caminhos espinhosos com tanta coragem.

sexta-feira, janeiro 04, 2013

AS BRUXAS (Le Streghe)



Estou lendo atualmente a biografia Clint Eastwood – Nada Censurado, de Marc Eliot, e o livro, além de muito gostoso de ler, está me fazendo ter vontade de ver praticamente todos os filmes estrelados pelo ator/diretor, não importando a qualidade. No caso de AS BRUXAS (1967), há também outros atrativos além da presença do jovem Clint, já que se trata de um filme em segmentos dirigidos por cinco diretores italianos, todos estrelados por Silvana Mangano.

O filme foi realizado numa época em que Clint Eastwood ainda só era visto como caubói, seja na série de TV americana RAWHIDE (1959-1965), seja na trilogia dos dólares de Sergio Leone (1964-1966). Ele queria muito ser visto em trajes civis, queria se livrar do estereótipo que a mídia havia criado dele. Na verdade, ele queria muitas coisas, e aos poucos foi conseguindo. Mas falemos um pouco deste AS BRUXAS, que era mais um veículo para Silvana Mangano, mulher do produtor Dino Di Laurentiis, brilhar.

Ao contrário do título, não se trata de um filme do gênero fantástico, embora o segmento de Pier Paolo Pasolini tenha uma pouco disso, ainda que seja mais uma comédia feita para Totó brilhar. Inclusive, quero deixar registrado que foi a primeira vez que eu vi um filme com Totó. Achei o seu tipo de humor ao mesmo tempo estranho e familiar. Estranho dentro do que se fazia de humor no mundo e familiar por lembrar bastante alguns comediantes brasileiros. Na verdade, as comédias italianas e brasileiras sempre tiveram muito em comum.

Os cinco segmentos de AS BRUXAS não são bem divididos uniformemente. Os segmentos de Mauro Bolognini ("Senso Cívico") e o de Franco Rossi ("A Siciliana") são tão curtos que mais parecem vinhetas. Já os outros têm uma duração maior, de mais de meia hora. Interessante e talvez acertado terem começado o filme com um drama, "A Bruxa Queimada Viva", de Luchino Visconti. Senti um tanto do Fellini de A DOCE VIDA e do Antonioni de A NOITE neste pequeno trabalho de Visconti. Silvana Mangano interpreta uma grande estrela de cinema que vai visitar sua família, em bairro mais humilde. Acaba sendo centro das atenções, desejada pelos homens e vítima da inveja das mulheres. Quem rouba a cena sempre que aparece é a bela Annie Girardot.

Já o segmento de Pasolini ("A Terra Vista da Lua") talvez seja o mais interessante dos cinco, embora eu tenha curtido bastante o pouco tempo que durou do trabalho de Mauro Bolognini. No segmento de Pasolini, um pai (Totó) e seu filho, logo após a morte da mãe e esposa, resolvem logo ir atrás de uma outra mulher para cuidar deles. Depois de muito procurar, encontram uma bela surda-muda, vivida por Silvana Mangano, aqui de cabelos verdes. Ela transforma para melhor a rotina dos dois homens. E o final é bem inesperado e surreal.

Para terminar, o segmento dirigido por De Sica ("Uma Noite como as Outras"), estrelado por Clint Eastwood, se mostrou bem pouco interessante. É interessante pela presença de Clint, mas também é talvez o que melhor trabalha o talento de Silvana Mangano. Ela é a mulher entediada no casamento e ele é aquele homem que já não tem o menor interesse em agradar a mulher ou cumprir com seus deveres conjugais, se é que ainda pode-se falar assim. De Sica faz uma pequena comédia sobre a insatisfação num casamento e os desejos frustrados de uma mulher. Clint não se esforça muito no papel. Sua pequena participação lhe rendeu na época 20 mil dólares e uma Ferrari zero quilômetro, em acordo com Di Laurentiis, que queria capitalizar em cima da enorme popularidade de Clint, por causa do sucesso dos filmes de Sergio Leone na Itália.

Curiosamente – e aqui entra um pouco o lado fofoca do blog –, quando o filme estreou em Paris, Clint deu uma passada por lá e conheceu e teve um romance curto mas apaixonado por Catherine Deneuve. Que maravilha, hein. Nosso herói pode ter passado por muitas dificuldades no início da carreira, mas depois teve muita história boa pra contar. Quanto a AS BRUXAS, no fim das contas o resultado saiu apenas mediano.

quinta-feira, janeiro 03, 2013

MEU AMIGO TOTORO (Tonari no Totoro)



O universo de Hayao Miyazaki é sempre encantador. Por mais que alguns de seus filmes sejam mais direcionados ao público infantil – caso deste MEU AMIGO TOTORO (1988) e de seu mais recente trabalho lançado nos cinemas, PONYO – UMA AMIZADE QUE VEIO DO MAR (2008) –, difícil o público adulto também não se deliciar com as aventuras fantásticas que ele cria. Até porque há uma atmosfera de sonho que faz com que suas obras sejam independentes de faixa etária. Se não está entre os meus trabalhos favoritos do genial animador japonês – tenho especial carinho por NAUSICAÄ DO VALE DO VENTO (1984) e O CASTELO ANIMADO (2004) -, MEU AMIGO TOTORO tem algo que o torna especial. É completamente compreensível que o filme seja tão cultuado.

Diferente de seu colega do estúdio Ghibli, Isao Takahata – TÚMULO DOS VAGALUMES (1988) e ONLY YESTERDAY (1991) –, que trabalha mais com o realismo, o cinema de Miyazaki se deixa perder no fantástico. Mesmo quando seus filmes tratam de demônios (os da cultura nipônica, não os demônios cristãos) ou seres aparentemente perigosos, suas histórias geram encantamento tanto para seus personagens quanto para os espectadores.

No caso de MEU AMIGO TOTORO, vemos um pai e suas duas filhas chegando para habitar uma casa abandonada por alguns anos e considerada mal-assombrada pelo povo local. Tanto o pai quanto as crianças veem o fato como algo excitante e não perturbador. E mesmo quando a filha se deixa perder dentro da floresta para encontrar as criaturas estranhas, entre elas o gigantesco Totoro, um espírito da floresta, isso também é mostrado em clima de deslumbramento.

Para ajudar a balancear uma história tão cheia de cenas fantásticas – há, inclusive, um gato gigante que é ao mesmo tempo um ônibus voador –, há também uma situação realista e melodramática, que é a subtrama da mãe das meninas, que se encontra internada em um hospital local para se tratar de um problema do sistema respiratório.

No mais, MEU AMIGO TOTORO é um filme impregnado de ternura e há uma bela mensagem ecológica, ainda que não tão explícita quanto em NAUSICAÄ DO VALE DO VENTO. O tom aqui é de harmonia e a sensação ao ver o filme é de alegria. Miyazaki estava particularmente inspirado quando fez este trabalho, tão caprichado nos desenhos.

terça-feira, janeiro 01, 2013

CURVAS DA VIDA (Trouble with the Curve)



Meu último filme visto em 2012 foi CURVAS DA VIDA (2012), estrelado por Clint Eastwood, Amy Adams e Justin Timberlake e dirigido por Robert Lorenz, diretor de segunda unidade de vários filmes de Clint desde AS PONTES DE MADISON (1995). Assim, com Clint à frente do elenco e sendo uma produção da Malpaso, por mais que a direção não seja sua, é possível ver o filme como uma espécie de Clint menor. A questão da velhice e da solidão já havia sido tratada de maneira muito melhor em GRAN TORINO (2008) e não se espera mesmo que CURVAS DA VIDA vá se equiparar. Assim, o filme de Lorenz trata o tema de maneira bem mais suave.

A trama traz Clint como Gus, um olheiro de jogadores de beisebol de escolas. Ele era ótimo nisso, em escolher os melhores para sua equipe profissional. Acontece que ele está ficando não apenas velho, mas cego. Tenta esconder a doença para os amigos e para a própria filha, vivida por Amy Adams. Gus tem sérios problemas também em ter conversas mais sérias com a filha. Sempre que ela tenta um papo mais aprofundado com o pai, ele sai pela tangente. Aos poucos – e isso é um dos pontos altos do filme – vamos entender os motivos.

O que talvez torne o filme menos interessante é o personagem de Justin Timberlake, que faz o par romântico de Adams. Ele é um ex-jogador de beisebol que agora tenta uma carreira também ligada ao esporte e que fica bem animado ao ver que a filha do conhecido Gus é uma gata. Mais um bom motivo para tentar uma aproximação. Embora Timberlake já tenha mostrado talento nas telas, seu personagem neste filme chega a ser descartável, ainda que não incomode ou atrapalhe o andamento da narrativa.

Tendo o beisebol mais do que um pano de fundo para o drama dos personagens, é possível comparar CURVAS DA VIDA com O HOMEM QUE MUDOU O JOGO, de Bennet Miller, um filme bem melhor resolvido e que se concentra mais especificamente no jogo e nas novas maneiras de se conseguir um bom time usando matemática e computação. CURVAS DA VIDA, ao contrário, vê o lado humano da percepção como algo que não dá para ser substituído pela máquina.

Desde 1993, com NA LINHA DE FOGO, que Clint Eastwood não protagonizava um filme que não fosse dirigido por ele mesmo. CURVAS DA VIDA, se não é essa maravilha toda, serve pelo menos para matar a saudade de ver o bom e velho Clint na frente das câmeras.

P.S.: No Blog de Cinema do Diário do Nordeste, postei matéria sobre os dez melhores filmes que vi no circuito exibidor local. Confira AQUI.