sexta-feira, dezembro 31, 2021

TOP 20 2021 E O BALANÇO DO ANO







1. O SAL DAS LÁGRIMAS, de Philippe Garrel
2. MALIGNO, de James Wan
3. PAJEÚ, de Pedro Diógenes
4. ALL HANDS ON DECK, de Guillaume Brac



5. RODA DO DESTINO, de Ryûsuke Hamaguchi
6. LES CHOSES QU’ON DIT, LES CHOSES QU’ON FAIT, de Emmanuel Mouret
7. A PRAIA DO FIM DO MUNDO, de Petrus Cariry
8. A VIRGEM DE AGOSTO, de Jonás Trueba



9. MÁ SORTE NO SEXO OU PORNÔ ACIDENTAL, de Radu Jade
10. MEU PAI, de Florian Zeller
11. PIECES OF A WOMAN, de Kornél Mundruczó
12. MARIGHELLA, de Wagner Moura



13. ENQUANTO VIVO, de Emmanuelle Bercot
14. SOZINHA, de John Hyams
15. TITANE, de Julia Docournau
16. CRY MACHO – O CAMINHO PARA REDENÇÃO, de Clint Eastwood



17. DESERTO PARTICULAR, de Aly Muritiba
18. SR. BACHMANN E SEUS ALUNOS, de Maria Speth
19. UM FASCINANTE NOVO MUNDO, de Mona Fastvold
20. ENORME, de Sophie Letourneur

Menções honrosas

21. DUNA, de Denis Villeneuve
22. ASSIM COMO NO CÉU, de Tea Lindeburg
23. ATAQUE DOS CÃES, de Jane Campion
24. MADALENA, de Madiano Marcheti
25. VAL, de Ting Poo e Leo Scott
26. A CASA SOMBRIA, de David Bruckner
27. BELA VINGANÇA, de Emerald Fennell
28. PARTIDA, de Caco Ciocler
29. A LENDA DE CANDYMAN, de Nia DaCosta
30. DEPOIS A LOUCA SOU EU, de Julia Rezende

Chega ao fim 2021, talvez um dos piores anos que passei. Minha maior tristeza foi ter perdido meu melhor amigo para a COVID, mas as coisas também não estão nada bem no plano familiar para mim. Nem reclamo das questões afetivas, pois já acho isso um luxo, diante da escassez de coisas básicas na vida de muitos. Viver no Brasil de Bolsonaro é para os fortes. Sinto no ar esse desânimo, mas quero acreditar que há de passar.

Por isso sou tão grato em ter o cinema como refúgio, como religião, como objeto de reflexão. Não só o cinema, mas também a literatura, a música e os quadrinhos. A arte tem me salvado tanto que nem sei como agradecer a todos os envolvidos: cineastas, atores, atrizes, críticos de cinema, escritores, músicos, amigos que compartilham do mesmo amor pelo cinema.

Em 2021 seguimos com o caminho para o interior, para dentro de nossas casas, uma continuação do que o ano passado havia nos ensinado. Dos 20 filmes que selecionei como favoritos, 14 deles foram vistos em casa e não na telona. E não foi por falta de amor pela telona, não. Esse amor segue inabalável. Acho que foi um somatório da pandemia com deficiências na distribuição mesmo.

Essa coisa de ranquear filmes é uma tarefa inglória, pois o intervalo de um ano parece longo e a memória confunde nossos afetos. Porém, desde que vi O SAL DE LÁGRIMAS, de Phillipe Garrel, não consegui pensar em outro que tenha me pegado de maneira tão forte. Neste ano até tive contato com outros filmes de linha ainda mais pessimista do cineasta e talvez, pelo espírito desse ano, esses filmes estejam caindo como uma luva.

A cinematografia francesa entrou forte, com filmes que abordam de maneira muito delicada os relacionamentos afetivos, sem parecer julgar seus personagens. Outro cineasta querido, Emmanuel Mouret, conta, em LES CHOSES QU'ON DIT, LES CHOSES QU'ON FAIT, mais uma história de cirandas amorosas com uma habilidade no trato com a narrativa ficcional que faz parecer que a literatura nasceu para servir ao cinema - perdoem-me o exagero.

Há um tema que, curiosamente, aparece em pelo menos três produções (não vou incluir o filme do Mouret, que também tem, de maneira mais branda), que é a questão da gravidez. Poderia fazer uma associação meio torta com o período em que vivemos, pensar em passar por ele como se fosse um parto. Um parto que pode dar muito errado, como em PIECES OF A WOMAN, de Kornél Mundruczó, e que consequentemente nos fará lidar com o luto; um parto polêmico, mas visto de maneira inusitadamente cômica, caso de ENORME, de Sophie Letourneur; e até um parto que promove uma transformação física aterradora, caso de TITANE, de Julia Docournau.

E falando em cinema de horror, tive a incrível experiência de ver MALIGNO, talvez a obra-prima de James Wan, nos cinemas. Gostei tanto que me deliciei duas vezes com o filme. O cinema brasileiro também soube usar o horror de maneira muito sensível, como foi o caso de A PRAIA DO FIM DO MUNDO, de Petrus Cariry, filme que certamente – pelo menos quero acreditar nisso – ainda será muito comentado em seu lançamento comercial. Outro filme de horror, seguindo a linha de suspense com psicopata, que deixou meu sangue intoxicado foi SOZINHA, de John Hyams.

O ano de 2021 também nos pediu para que refletíssemos sobre a memória e sobre o esquecimento. Há o caso de PAJEÚ, de Pedro Diógenes, que fala sobre isso de maneira delicada, poética e filosófica. Há o caso de MARIGHELLA, de Wagner Moura, que nos convida a trazer à tona a memória do lendário guerrilheiro de esquerda como um grito de resistência para estes tempos obscurantistas. E a memória também é tema triste e forte de MEU PAI, de Florian Zeller. Dessa vez é angústia do desaparecimento da memória, em uma história contada do ponto de vista de quem está tendo seu "HD" esvaziado pela doença.

E falando em doença, difícil não se comover com ENQUANTO VIVO, de Emmanuelle Bercot, sobre a chance que a vida dá a um homem de meia idade de se despedir das pessoas que ama e lidar com seus arrependimentos.

Seguindo por caminhos mais agradáveis da vida, pois, afinal, nem só de dor vive o homem, dois exemplares me deixaram com um quentinho no coração, o francês ALL HANDS ON DECK, de Guillaume Brac, e o espanhol A VIRGEM DE AGOSTO, de Jonás Trueba. Ambos são filmes de verão, filmes que trazem influências rohmerianas para contar histórias de encontros com pessoas durante um momento em que os protagonistas se encontram abertos ao novo. Poderia incluir neste grupo o mais novo exemplar do mestre Clint Eastwood, CRY MACHO – O CAMINHO PARA REDENÇÃO, uma espécie de road movie existencial, que mais uma vez reflete sobre o crepúsculo da vida. Dessa vez, o velho e querido Clint foi um pouco mais generoso conosco e com seus personagens.

Falando em personagens fascinantes, é impressionante o quanto Ryûsuke Hamaguchi constrói com naturalidade vários deles em seu RODA DO DESTINO, contendo três histórias que lidam com coincidências ou desígnios. Também são fascinantes os personagens (reais) de SR. BACHMANN E SEUS ALUNOS, de Maria Speth. Foi talvez o filme mais gentil e amoroso que eu vi neste ano, do ponto de vista do que podemos contribuir para a educação de outros seres humanos.

O ano também contou com alguns filmes de temática LGBTQI+, sendo que destaco dois deles, ambos lindamente filmados e muito românticos: o encontro de duas pessoas de realidades e perfis muito distintos deste Brasil enorme em DESERTO PARTICULAR, de Aly Muritiba, e a paixão entre duas mulheres em UM FASCINANTE NOVO MUNDO, de Mona Fastvold, esse em chave de tragédia.

Para encerrar o top 20, o vencedor do Urso de Ouro em Berlim e o único dos 20 filmes que não ignorou a pandemia: MÁ SORTE NO SEXO OU PORNÔ ACIDENTAL, de Radu Jade. Máscaras convivem com o negacionismo, com a hipocrisia em uma história sobre o vazamento de um vídeo íntimo de um casal, que provoca o "cancelamento" de uma professora. Sorte de quem não passou pela crueldade de experimentar algo do tipo nos dias de hoje.

Top 5 – Piores do ano

Sem comentários. Apenas os títulos. 

1. VENOM – TEMPO DE CARNIFICINA
2. A FESTA DE FORMATURA
3. A MENINA QUE MATOU OS PAIS
4. RUA DO MEDO: 1666 – PARTE 3
5. O MENINO QUE MATOU MEUS PAIS

Top 5 – Musas do Ano

A seção mais polêmica do balanço segue viva e agora com uma tetra-campeã, Gal Gadot. Daqui a pouco, não vou mais incluí-la, será hors concours. No mais, temos quatro musas estreando. 

1. Gal Gadot (LIGA DA JUSTIÇA DE ZACK SNYDER)
                                           1. Gal Gadot (LIGA DA JUSTIÇA DE ZACK SNYDER)
                                             2. Léa Seydoux (A CRÔNICA FRANCESA e 007 - SEM TEMPO PARA MORRER)   
                                                                             3. Emilia Jones (NO RITMO DO CORAÇÃO)
                                                                          4. Tessa Thompson (O AMOR DE SYLVIE)
                                                                              5. Bella Camero (MARIGHELLA)

Clássicos revisitados ou vistos pela primeira vez na telona

CONTO DE VERÃO, de Éric Rohmer
O DINHEIRO, de Robert Bresson
AS COISAS DA VIDA, de Claude Sautet

Top 20 vistos pela primeira vez na telinha em ordem alfabética

A FONTE DA DONZELA, de Ingmar Bergman
A FRONTEIRA DA ALVORADA, de Philippe Garrel
CÉLINE, de Jean-Claude Brisseau
CHEGA DE SAUDADE, de Laís Bodanzky
COMPANHEIROS, QUASE UMA HISTÓRIA DE AMOR, de Peter Ho-Sun Chan
DE BARULHO E DE FÚRIA, de Jean-Claude Brisseau
LA FLOR, de Mariano Llinás
MIRACLE MILE, de Steve De Jarnatt
NEGÓCIO À ITALIANA, de Vittorio De Sica
NO SILÊNCIO DE UMA CIDADE, de Fritz Lang
SUPLÍCIO DE UMA ALMA, de Fritz Lang
RASTRO DE MALDADE, de S. Craig Zahler
O BÍGAMO, de Ida Lupino
O ESPELHO DA BRUXA, de Chano Urueta
O MORRO DOS VENTOS UIVANTES, de Andrea Arnold
O RAPAZ QUE PARTIA CORAÇÕES / CORAÇÕES EM ALTA, de Elaine May
O TETO, de Vittorio De Sica
O TIGRE DA ÍNDIA + O SEPULCRO INDIANO, de Fritz Lang
O ÚLTIMO ÊXTASE, de Walter Hugo Khouri
VENENO PARA AS FADAS, de Carlos Enrique Taboada

As revisões

Continuando a tendência do ano anterior, foram muitas as revisões, mas isso se deveu principalmente ao fato de eu estar revisando a obra de Brian De Palma, algo que ainda não terminei. Ano que vem continuarei, com todo o prazer, e, se o tempo me permitir, escolherei outro cineasta para acompanhar com carinho filme a filme, em ordem cronológica, de preferência.

A ÉPOCA DA INOCÊNCIA, de Martin Scorsese
A FORÇA DOS SENTIDOS, de Jean Garrett
A FÚRIA, de Brian De Palma
A MULHER QUE INVENTOU O AMOR, de Jean Garrett
AMOR ESTRANHO AMOR, de Walter Hugo Khouri
ASAS DO DESEJO, de Wim Wenders
CARRIE, A ESTRANHA, de Brian De Palma
CONSCIÊNCIAS MORTAS, de William A. Wellman
DUBLÊ DE CORPO, de Brian De Palma
ELES VIVEM, de John Carpenter
FALE COM ELA, de Pedro Almodóvar
FIM DE CASO, de Neil Jordan
HARRY E SALLY – FEITOS UM PARA O OUTRO, de Rob Reiner
INCÊNDIOS, de Denis Villeneuve
INVOCAÇÃO DO MAL, de James Wan
INVOCAÇÃO DO MAL 2, de James Wan
IRMÃS DIABÓLICAS, de Brian De Palma
LAÇOS DE TERNURA, de James L. Brooks
LUA DE FEL, de Roman Polanski
MADAME BOVARY, de Claude Chabrol
MATRIX, de Lana Wachowski e Lilly Wachowski
MATRIX RELOADED, de Lana Wachowski e Lilly Wachowski
MATRIX REVOLUTIONS, de Lana Wachowski e Lilly Wachowski
NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS, de John Ford
NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA, de Woody Allen
O FANTASMA DO PARAÍSO, de Brian De Palma
O LAMENTO, de Na Hong-jin
O MISTÉRIO DA VIÚVA NEGRA, de Bob Rafelson
OLÁ, MAMÃE!, de Brian De Palma
PAIXÃO DOS FORTES / PAIXÃO DE FORTES, de John Ford
PÂNICO, de Wes Craven
PARAÍSO PERDIDO, de Monique Gardenberg
TRÁGICA OBSESSÃO, de Brian De Palma
UM CORPO QUE CAI, de Alfred Hitchcock
UM TIRO NA NOITE, de Brian De Palma
VESTIDA PARA MATAR, de Brian De Palma

As séries e minisséries - Top 5

2. MISSA DA MEIA-NOITE
3. SMALL AXE
4. SERVANT – SEGUNDA TEMPORADA
5. WANDAVISION

Fora de competição

CENAS DE UM CASAMENTO (1973), de Ingmar Bergman

Feliz ano novo!

Deixo aqui meus votos de um bom ano novo para os leitores do blog. Esse ano que passou não foi fácil, mas é sempre bom que estejamos preparados para tudo, para o melhor e para o pior, e sempre torcendo/orando pelo melhor. Pela saúde, pela alegria, pelo amor, pela paz...

quarta-feira, dezembro 29, 2021

MATRIX RESURRECTIONS (The Matrix Resurrections)



Não lembro qual filme recente me deu tanto trabalho para pensar sobre ele e escrever algo. Mas talvez seja a quantidade de dúvidas que ficaram em minha mente quando vi MATRIX RESURRECTIONS (2021), desta vez dirigido apenas por Lana Wachowski. Mas a principal dúvida surgiu logo quando saí da sessão: por que fizeram esta sequência? Qual a necessidade? Sei que esse tipo de pergunta em relação a um filme, essa coisa de dizer que tal obra é desnecessária pode soar ofensiva, mas a própria diretora parece querer responder a essa pergunta ao final de seu filme, o que significa que ela também tinha essa dúvida. Há um diálogo presente no epílogo que tenta justificar a razão de existir do filme, feito com gosto de nostalgia.

O tom de autoindulgência fica no ar e fiquei me perguntando depois se não seria melhor se a Warner oferecesse o filme para que fosse pensado e dirigido por outro realizador, com interesse em fazer algo completamente diferente, e não uma espécie de reboot – é o que dá a impressão durante os primeiros 30 minutos iniciais, com tantas coisas se repetindo como no filme original. Lembremos que neste ano tivemos uma diretora nova assumindo uma continuação ou reinvenção para A LENDA DE CANDYMAN, e ela se saiu muito bem. Às vezes é questão de sorte. Sorte e talento.

E é curioso como o ótimo ator que fez o Candyman, Yahya Abdul-Mateen II, seja um dos pontos fracos deste quarto Matrix, ao reinterpretar o papel que fora de Laurence Fishburne, que declinou o retorno como
Morpheus, talvez pelo peso da idade. A questão da idade, inclusive, não é apenas um detalhe em MATRIX RESURRECTIONS. A própria diretora coloca imagens do filme original para destacar as diferenças físicas de Keanu Reeves e Carrie-Anne Moss, por mais que ambos estejam muito bem depois de passarem dos 50.

Quem não está tão bem e envelheceu ou morreu foram os sobreviventes da resistência de Zion. A personagem de Jada Pinkett Smith, Niobe, aparece como líder do grupo após um intervalo de 60 anos, com um bocado de maquiagem para transformá-la numa anciã. Fiquei também me perguntando dessa escolha de terem feito esse intervalo de tempo tão grande, enquanto a nova Matrix apresentada, mais brilhante e colorida e menos verde e fria que a dos filmes anteriores, se passa em 2020 – destaque para uma cena em que pessoas dentro de vagões de trem usam máscaras.

De todo modo, apreciei a nova perspectiva, da memória como ficção. Como sou apegado a questões envolvendo memória, esse talvez tenha sido o aspecto do filme que mais me pegou, e não a questão romântica entre Neo e Trinity, que poderia ter rendido algo mais bonito, mais digno dos deuses mitológicos que eles se transformaram ao longo dos tempos. Também gosto dessa contaminação maior entre humanos e seres artificiais coexistindo nos dois mundos. Pareceu-me uma evolução do que já vinha sendo mostrado nos filmes 2 e 3.

Uma coisa, porém, que me frustrou foi a coreografia das lutas. Pareceu-me pouco digno de quem tem um Chad Stahelski ali presente, inclusive no elenco. Além do mais, deu saudade do Hugo Weaving. Percebemos agora o quão bom ele é como o Agente Smith, o vilão mais ameaçador da franquia. Sua voz dizendo "Mr. Anderson" segue ecoando forte em nossa memória. 

+ OS TRÊS FILMES ORIGINAIS REVISTOS

MATRIX (The Matrix)

É interessante rever MATRIX (1999) neste espaço de 22 anos de distância. Pode-se dizer que envelheceu bem e que talvez esteja até mais charmoso, embora ver o Keanu Reeves pré-John Wick tenha me feito vê-lo como uma pessoa mais frágil. De todo modo, isso combina com o processo de dúvida do personagem, em sua trajetória de ser ou não ser o escolhido. Não falta a figura do Judas, mas há também a figura do amor restaurador, representado por Carrie-Anne Moss, tão bela em seu visual andrógino e funcionando como uma espécie de espelho para Neo. É interessante também perceber o quanto o filme é tão mais pausado e lento, se compararmos com o padrão dos filmes de super-heróis de hoje. Havia a necessidade de deixar bem clara a teoria da matrix; e, se hoje essas ideias não chegam a ser mais tão empolgantes quanto na época, é porque estamos diante de um clássico, que já foi tantas vezes imitado e satirizado.

MATRIX RELOADED (The Matrix Reloaded)

A minha lembrança de ter visto MATRIX RELOADED (2003) no cinema há 18 anos foi de muito entusiasmo, mas também de muita confusão. Saí do cinema com um pouco de dor de cabeça, tentando entender a trama intrincada. É como se as cenas de ação fossem uma maneira de atrair o grande público que não estivesse muito interessado em filosofar sobre destino, escolhas etc. ou lidar com a trama de ficção científica sobre programas de computador escondidos em lugares secretos. Há a memorável cena do beijo de Neo com Persephone (linda participação especial de Monica Bellucci); o papo funde-cuca com o Arquiteto; o Agente Smith se firmando como o grande vilão do ponto de vista mais físico - e dessa vez multiplicado em vários; a longa cena de ação na rodovia. Por outro lado, é como se o filme fosse um trem desgovernado sem ter muita ordem. Talvez as diretoras quisessem mexer, um pouquinho apenas, com a estrutura mais padrão das narrativas, mas não creio que tenha sido o caso. Na verdade, há a dificuldade de lidar com a expansão da mitologia de Matrix - tiveram que fazer pequenos filmes em animação (ANIMATRIX, 2003) para dar conta dessa expansão. Quanto às cenas de artes marciais, houve um trabalho mais caprichado de coreografia das lutas, que duram mais e são mais valorizadas. O resultado foi um bom filme do meio da trilogia.

MATRIX REVOLUTIONS (The Matrix Revolutions)

Gostei deste terceiro Matrix mais agora na revisão do que na época que vi nos cinemas. Na época me aborreceu muito o tom grandiloquente que acabou tornando as cenas de batalha muito longas. Desta vez, achei o tamanho das cenas bem justo (seja as em Zion, e com destaque para a personagem de Jada Pinkett Smith pilotando a nave; seja a luta de Neo com o Agente Smith). Em comparação com o segundo filme, MATRIX REVOLUTIONS (2003) passa a impressão de ser mais redondinho também, embora seja, um prolongamento dele. Há menos espaço para elucubrações filosóficas, para o bem e para o mal. Achei curioso o fato de haver um elenco de pessoas negras bem generoso para os padrões da época. Boa parte dessas pessoas de Zion são personagens intensos e importantes, às vezes até mais do que o próprio Morpheus, que aqui parece mais um coadjuvante. Por outro lado, a questão trágica e romântica envolvendo Neo e Trinity, seus destinos finais, são bem bonitos. Funcionaria mais do ponto de vista dramático se os atores fossem bons, mas tudo bem, se aceitarmos o filme como ele é.

domingo, dezembro 26, 2021

NÃO OLHE PARA CIMA (Don’t Look Up)



O filme mais badalado dos últimos dias é uma produção da Netflix lançada na véspera de Natal e estrelada por um baita elenco. NÃO OLHE PARA CIMA (2021) é o novo filme de Adam McKay, o diretor que passou a ser encarado como um artista “sério” após abandonar as comédias de cunho mais despretensioso para se dedicar a assuntos mais políticos, a partir de A GRANDE APOSTA (2015) e VICE (2018). O tema do novo filme seria aquecimento global, mas a aposta do diretor e roteirista é transformar esse mal que aflige o planeta de maneira mais lenta em um cometa que acabará com a Terra em seis meses. E, com isso, mostrar até que ponto vai o negacionismo de boa parte das pessoas nesses tempos de pós-verdade.

NÃO OLHE PARA CIMA também marca o retorno de Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence depois de dois anos longe das telas, o que não deixa de ser também um grande atrativo, levando em consideração a força dos dois astros que encabeçam o elenco, que ainda traz Mark Rylance, Cate Blanchett, Jonah Hill, Meryl Streep, Tyler Perry, Timothée Chalamet, Ron Pearlman, Ariana Grande, entre outros. Ou seja, é um tipo de filme que vai chamar a atenção do grande público que vê qualquer coisa lançada pela Netflix, dos cinéfilos interessados no trabalho do diretor e do elenco e das pessoas interessadas no assunto, pelo viés político e pelo viés ecológico.

Este foi o filme de que mais gostei de McKay. Não há a velocidade excessiva dos diálogos de A GRANDE APOSTA e de VICE e o senso de humor aparece aliado a um teor dramático que muito me interessou desde o começo. As cenas dos astrônomos vividos por DiCaprio e Lawrence calculando o tamanho do cometa, o potencial de seu impacto e a velocidade e o tempo de chegada à Terra passam um ar de excitação e desespero contagiosos.

O que eles resolvem fazer, então? O mais óbvio, junto com o cientista governamental vivido por Rob Morgan, eles vão à Casa Branca para falar diretamente com a Presidente dos Estados Unidos (uma mulher sem caráter e sem capacidade de concentração vivida por Meryl Streep). Ela está sempre ao lado de seu mais importante assessor, o próprio filho, um sujeito ainda mais odiável vivido por Jonah Hill, que, “coincidentemente”, nos faz lembrar de um outro filho de presidente que está sempre atrelado às presepadas do pai, na realidade brasileira.

Mas não há sujeito mais odioso em NÃO OLHE PARA CIMA do que o personagem de Mark Rylance, uma espécie de Steve Jobs com ligação direta com a presidência e que tem um tipo de riso e de desprezo com as pessoas que o torna o grande vilão do filme, por mais que seja um personagem menor. Falo isso dando mérito a Rylance pela construção desse personagem. Não à toa, mesmo na maturidade se tornou um gigante – será por isso que Steven Spielberg o escalou para aquela fantasia?

Quando a presidente do país, claramente inspirada no jeito de Donald Trump, resolve não levar a sério o fim iminente do mundo, os nossos heróis resolvem botar a boca no trombone e ir à imprensa. Porém, a grande imprensa televisiva é tão cínica quanto os políticos, vide a recepção dos âncoras vividos por Cate Blanchett e Tyler Perry. Além do mais, o filme também lida com questões relativas à superficialidade das redes, que mais se interessam por subcelebridades do que por assuntos mais sérios.

Ao atacar os políticos, suas salas de guerra e seus seguidores, a ganância dos grandes empresários e a “leveza” da mídia televisiva americana mais centrada em fofoca, McKay tenta uma aproximação de seu filme com clássicos como DR. FANTÁSTICO, de Stanley Kubrick, e REDE DE INTRIGAS, de Sidney Lumet, além da comédia de humor negro MERA COINCIDÊNCIA, de Barry Levinson. Mas há também um tom de disaster movie, embora de maneira totalmente diferente do que estamos acostumados a ver, e um bocado mais pessimista e ácida do que coisas patrióticas e toscas como ARMAGEDDON, de Michael Bay. Por isso e por tantos outros aspectos atraentes (e também repulsivos) do filme, difícil não sentir uma admiração por McKay e todos os envolvidos neste projeto.

+ DOIS FILMES

IMPERDOÁVEL (The Unforgivable)

Vi este belo melodrama mais pela presença de Sandra Bullock, atriz de que muito gosto, do que pela direção de Nora Fingscheidt, que tem no currículo o ótimo TRANSTORNO EXPLOSIVO (2019). Em IMPERDOÁVEL (2021), acompanhamos o difícil retorno de uma mulher à sociedade depois de passar 20 anos na prisão. O crime pelo que ela pagou - e segue pagando - é ainda mais difícil de ser perdoado por parte da sociedade e o que vemos é uma mulher que está, quase sempre, se autopenitenciando, exceto quando está em busca de sua irmã mais nova, que tinha apenas cinco anos quando ela foi presa. Sandra está tão bem no papel que o filme cresce sempre que ela está em cena, e cai um pouco quando entram em cena os outros personagens. Diria que Bullock é uma das atrizes mais subestimadas de Hollywood. Basta lembrar que ela esteve praticamente sozinha em GRAVIDADE, de Alfonso Cuarón, e o filme tem uma força impressionante. Além do mais, como fico muito tocado com esses filmes que lidam com relações familiares e distanciamento imposto, posso dizer que me emocionei.

THE VELVET UNDERGROUND

Só descobri o Velvet Underground nos anos 1990, quando um amigo da faculdade me emprestou o disco da banana (além de um disco solo do Lou Reed). Hoje é muito fácil reconhecer este álbum como um dos melhores e mais importantes de todos os tempos. Mas também é fácil compreender como pode ter sido difícil assimilá-lo naquele momento, 1967, por mais que tenha sido um ano revolucionário em muitos aspectos. O documentário THE VELVET UNDERGROUND (2021) que Todd Haynes fez como uma homenagem à banda, é também uma colagem do espírito da época. Enquanto vemos e ouvimos depoimentos de alguém da banda (ou próximo), vemos imagens do que estava acontecendo naquele momento. E nem sempre dá para acompanhar tudo que é despejado na tela. O filme não é tão didático, mas oferece uma apresentação muito boa para quem não conhece a banda ainda. Mas com certeza quem conhece vai curtir mais. A força das canções é tanta que eu só imaginava como seria lindo ver este filme no cinema, já que música no cinema se amplifica e nos amplifica. Como toda história de banda, essa mostra a ascensão e a queda. E é natural que fique no ar certa melancolia. Essencial para os amantes de rock e também de bom cinema.

sábado, dezembro 25, 2021

DE BARULHO E DE FÚRIA (De Bruit et de Fureur)



Quem me acompanha por aqui sabe que minha cinefilia foi construída com base, inicialmente, nas críticas da revista SET e também em críticas de jornais de São Paulo, nas vezes em que pude ter acesso a eles. E é impressionante como a revista não dava conta da imensidão de cineastas fantásticos que eu só fui saber da existência no novo milênio, talvez pela falta do lançamento de suas obras no Brasil, ou talvez por falta de espaço em dar conta de tanta coisa mesmo.  

A internet mudou muito tudo isso e um cineasta como Jean-Claude Brisseau eu viria a conhecer nos anos 2000, graças aos holofotes que gente como Carlos Reichenbach e o pessoal da revista eletrônica Contracampo começaram a dar. E, claro, pelo fato de filmes como COISAS SECRETAS (2002) e OS ANJOS EXTERMINADORES (2006) serem um convite mais do que atraente para mim, por razões óbvias.

Mas, assim como acontece com diretores como Walter Hugo Khouri, a nossa compreensão do cinema desses artistas vai muito além do conteúdo erótico de suas obras, uma vez que vamos nos aprofundando em suas poéticas. Até porque seus primeiros filmes não tinham todo esse apelo sensual. É o caso deste DE BARULHO E DE FÚRIA (1988), uma obra muito mais interessada em lidar de maneira afetiva e compreensiva com a figura de delinquentes juvenis.

Gosto de como Brisseau nos deixa sempre intrigados em seus filmes, especialmente quando trata de questões de natureza mais metafísica e misteriosa, como é o caso aqui, por mais que seja uma obra que se aproxime mais do seu amor e de sua solidariedade pelos marginalizados e pelos espíritos solitários. Mesmo quando o marginalizado em questão é tão difícil de ser amado, como o personagem Jean-Roger (François Négret).

Ele é um rapaz que já é apresentado queimando os tapetes dos apartamentos de seu condomínio. Presepadas piores ele faria e que me deixariam muito inquieto e irritado, especialmente o que ele faz com um cachorrinho e o que ele faz com sua professora. Sim, este é também mais um "filme de professor" de Brisseau, ou da figura do professor acolhedor. Aqui, no caso, a professora é a bela Fabienne Babe, que tem a missão de ensinar, com muita paciência, ao grupo de alunos mais problemáticos da escola. DE BARULHO E DE FÚRIA é também um filme de gangues e da aproximação perigosa do menino Bruno (cuja mãe nunca aparece, a não ser pela voz, em bilhetes deixados) com esse grupo de delinquentes juvenis.

Há uma cena logo no início que me pareceu de certa forma ousada (e muito provavelmente impraticável nos dias de hoje), envolvendo nudez e toque, e talvez a excelente cópia em 1080p às vezes me faça esquecer que este é um filme dos anos 1980 e não um novo. A tal cena também une os dois polos de atração de Brisseau: a carne e o espírito; a ânsia pela sexualidade e a curiosidade pelo que existe além do plano material.

A solidão do menino Bruno é aplacada em seu apartamento pela voz da mãe e também pela aparição de uma espécie de mulher fantasma, que tem ao mesmo tempo algo de erótico e de maternal. Deixo para os estudantes de psicologia a análise dessa situação, embora seja fácil pensar em Freud quando se junta erotismo e maternidade numa mesma frase. E até podíamos falar em Khouri aqui mais uma vez e tentar uma aproximação com o cinema dos dois realizadores. Mas deixemos para uma outra oportunidade, embora eu não me ache apto para fazer esse tipo de estudo ou reflexão mais aprofundada.

Também podemos fazer uma aproximação do cinema de Brisseau com as obras de Nicholas Ray, do ponto de vista do acolhimento às pessoas marginalizadas ou espiritualmente necessitadas. O acolhimento em Brisseau aparece em filmes tão diferentes quanto CÉLINE (1992), A GAROTA DE LUGAR NENHUM (2012) e QUE LE DIABLE NOUS EMPORTE (2018), seu filme-testamento. Ou seja, o cineasta deixou o mundo tornando clara seu sentimento pela dor do outro.

Agradecimentos à Paula pela companhia durante a sessão.

+ DOIS FILMES

JUNIOR

A Mubi está disponibilizando este filme de estreia da dona da Palma de Ouro deste ano, Julia Docournau. O curta-metragem JUNIOR (2011) não chega a ser um filme de horror, mas já antecipa o body horror que a diretora exploraria mais tarde nos longas RAW (2016) e principalmente em TITANE (2021). Aqui temos a história de uma garota que se sente estranha, se diferencia das outras meninas da escola por não ser tão feminina, tem amizade com os garotos, e que, mais adiante, será submetida a uma metamorfose bem estranha em seu corpo. Lembrei-me do curta UM RAMO, de Juliana Rojas e Marco Dutra, mas o tom aqui é outro, mais leve, embora promova aquela sensação de estranheza com o próprio corpo humano - destaque para a cena do dentista.

THE PRIVATE AFTERNOONS OF PAMELA MANN

Ver filmes adultos da era de ouro do gênero requer um pouco de compreensão do que esperar ou não esperar, já que não é a mesma coisa de ver um filme "adulto" (evitando usando o outro adjetivo) feito nos dias de hoje e sem intenções formais mais ambiciosas ou minimamente ambiciosas. Vi este aqui por causa do diretor (o mesmo do excelente A IMAGEM, 1975), mas que aqui assina com o pseudônimo Henry Paris. Não entendo quais são os critérios para ele assinar diferentemente - talvez seja a qualidade dos filmes. O que impressiona marcadamente neste THE PRIVATE AFTERNOONS OF PAMELA MANN (1974) é a luz, a beleza da fotografia, que combina bem com o tom da pele da linda Barbara Bourbon. Mas falta tesão ao filme em boa parte da metragem (e isso fica explícito - sem trocadilhos) no desempenho das cenas. Então, seria melhor se fosse um filme de sexo simulado mesmo. Acabei vendo "em fascículos" ao longo de vários meses e gostei do modo como termina e também da leveza e do senso de humor. Na trama, marido contrata detetive particular para saber o que sua esposa anda fazendo durante as tardes. Há uma brincadeira com o uso das câmeras, com o voyeurismo e de como o cinema e o sexo se entrelaçam positivamente como um estimulante na cena final. Valeu ver, mas da próxima vez tento pegar um com a assinatura Radley Metzger mesmo.

sexta-feira, dezembro 24, 2021

GAVIÃO ARQUEIRO (Hawkeye)



O império da Marvel em 2021 atingiu níveis ainda mais impressionantes com a chegada das séries e minisséries exibidas no streaming da Disney. Começou muito bem com WANDAVISION, a melhor até o momento, e entre altos e baixos chegou neste fim de ano com a despretensiosa GAVIÃO ARQUEIRO (2021), uma minissérie muito simpática que segue aquela linha de cenas de ação meia-boca e dramaturgia pouco satisfatória das anteriores (ou da maioria delas, pelo menos). Mas há uma série de trunfos numa série que conta com jovens atrizes belas e carismáticas que injetam sangue novo e energia nos projetos presentes e futuros da companhia.

O primeiro grande mérito é a presença de Hailee Steinfeld no papel de Kate Bishop. Embora a personagem tenha sido criada em 2005 por Allan Heinberg e Jim Cheung para o título dos Jovens Vingadores, a minissérie GAVIÃO ARQUEIRO tem o espírito inspirado mais na excelente série do herói escrita por Matt Fraction e desenhada por Alexandre Aja. Os próprios créditos (que aparecem no final e não no começo dos episódios) emulam elementos dos quadrinhos, como o uniforme roxo e o cãozinho caolho.

Falo de Kate Bishop antes do próprio Clint Barton pois a personagem é que parece dar mais gás à série. E isso parece que faz parte de um ritual de passagem de bastão que vem acontecendo na Marvel, com a despedida de super-heróis importantes, como Homem de Ferro, Viúva Negra, Capitão América e o natural envelhecimento dos atores e atrizes. Ao mesmo tempo, a Marvel está apostando em novos personagens que possam servirão para substituí-los.

O interessante da dinâmica de Barton e Bishop na minissérie é que, enquanto Barton está cansado e querendo se aposentar e passar o natal com família, Kate está animadíssima, cheia de fôlego e vontade de começar a ser uma super-heroína. Fã de Barton desde que o viu lutando nos eventos do primeiro filme dos Vingadores, e dominando o arco e a flecha, ela traz uma energia muito mais gostosa de ver. E eis que, mais à frente, a série nos presenteia com o encontro de Kate com Yelena Belova (Florence Pugh), outra jovem atriz surgida recentemente, no filme VIÚVA-NEGRA, e cuja química com Kate é tão agradável de ver que a vontade que tem é que tenhamos uma série só com as duas.

A cena de Yelena chegando ao apartamento em que Kate está instalada é talvez o ponto alto de toda a minissérie. Ela prepara um macarrão instantâneo, fala com aquele inglês com sotaque russo engraçado, e imediatamente as duas se gostam, embora Kate tema pelo fato de que Yelena pretende matar seu amigo Clint Barton, culpando-o pela morte de sua irmã Natasha, ocorrida em VINGADORES – ULTIMATO. Mais adiante, no episódio seis, a série trará outro embate, dessa vez mais dinâmico, entre as duas personagens. Há a cena do elevador e depois aquela cena em que uma delas reconhece que ambas já gostam uma da outra. Ou seja, se rolar um filme ou série sobre os Jovens Vingadores, com as duas personagens (ou projeto semelhante), já teremos um motivo para comemorar.

A qualidade dos episódios de GAVIÃO ARQUEIRO é crescente, pelo menos até o quinto. O que estraga um bocado o último é a presença de cena de Vincent D’Onofrio, que já havia interpretado Wilson Fisk, o Rei do Crime, na série do Demolidor. Não aprovei a escolha do ator para reprisar o personagem, mas tudo envolvendo o vilão é feito de escolhas ruins, até nos figurinos. Sem falar que, apesar de ser um homem que tem a força de arrancar a porta de um carro, ele é vencido facilmente. Mas podemos mais uma vez colocar a culpa na falta de um trabalho melhor de coreografia e lutas nessas séries da Marvel.

Há também uma outra personagem feminina importante, Eco (Maya Lopez). Surda e aqui na minissérie também ela usa uma prótese na perna (uma novidade, em comparação com os quadrinhos), ela é uma protegida de Fisk, embora não saiba que o Rei do Crime é responsável pela morte de seu pai. No futuro teremos uma minissérie dedicada à personagem, mas há em GAVIÃO ARQUEIRO um episódio que já apresenta um pouco seu passado. Infelizmente trata-se de uma personagem que não se desenvolve bem na conclusão da minissérie. Mas talvez não tenha havido tempo hábil para dar conta de tantas coisas, já que há ainda os casos envolvendo a personagem da mãe de Kate (Vera Farmiga), do Espadachim, do capanga do Rei e aqueles mafiosos meio toscos apresentados para, talvez, dar um ar mais leve à obra. Afinal, trata-se da minissérie de Natal da Marvel.

Entre prós e contras, diria que o resultado foi positivo.

+ DOIS FILMES

007 - SEM TEMPO PARA MORRER (No Time to Die)

E a despedida de Daniel Craig na pele de James Bond foi de fato surpreendente. Mas foi também um exemplar de um cinema de ação burocrático nos quesitos ação e espionagem típicos da franquia e sem muita competência quando a intenção é explorar os sentimentos do agente pela personagem de Léa Seydoux (que está de fato encantadora). Em alguns momentos 007 - SEM TEMPO PARA MORRER (2021), de Cary Joji Fukunaga, parece videogame, principalmente nas cenas em que Bond atira em um espaço quase escuro, enquanto aparecem mais e mais inimigos pelo caminho. A trama é ok e diria que seria mais interessante se o filme não fosse tão longo. Mas acho que queriam fazer algo grandioso e o momento (de despedida) talvez fosse propício. O que valeu bastante nessa fase de Craig (uma das melhores) foi a presença de um Bond mais humano, menos mulherengo (até porque os novos tempos não permitem) e capaz de se apaixonar pelas mulheres que aparecem pelo caminho, casos de Vesper, em 007 – CASSINO ROYALE, e de Madeleine, em 007 CONTRA SPECTRE e neste. Gosto também do grau de dramaticidade que essa nova era trouxe, mas que aqui me pareceu incapaz de emocionar.

A NOITE DO FOGO (Noche de Fuego)

Ando bem desatualizado com o que está acontecendo no México, mas, a julgar por alguns filmes recentes vistos sobre a situação do país, há uma questão política bem complicada. De todo modo, como A NOITE DO FOGO (2021), de Tatiana Huezo, é narrado pelos olhos da menina Ana, que não sabe muito bem o que está acontecendo, compartilhamos de sua angústia, de sua inquietação e do fato de não compreendermos o que ocorre naquele mundo de adultos. O que se sabe é que meninas estão desaparecendo, que há um cartel que domina aquela região de plantação de papoulas e que os professores da escola são agredidos ou silenciados. Tive um pouco de dificuldade de me conectar com o filme, mas muitas imagens me ganharam, de uma beleza plástica admirável. A NOITE DO FOGO é o representante do México para o Oscar na categoria de filme internacional e está presente na shortlist.

quinta-feira, dezembro 23, 2021

11 FILMES VISTOS NO FESTIVAL VARILUX DE CINEMA FRANCÊS



Até que vi um bocado de filmes desta edição do Festival Varilux, que, tenho notado, está trazendo melhores títulos. Ou a curadoria está se preocupando mais com a qualidade dos filmes ou este é mesmo um espelho do momento atual do cinema produzido na França. Infelizmente não vou poder escrever com mais atenção sobre alguns dos títulos que mais me pegaram do ponto de vista emocional, por falta de tempo e de cansaço mental. Então, deixo aqui um breve registro dos títulos vistos, em ordem de preferência.

ENQUANTO VIVO (De Son Vivant)

Dos filmes dirigidos por Emmanuelle Bercot, tinha visto apenas o mediano ELA VAI (2013) e o ótimo DE CABEÇA ERGUIDA (2015), que já atestava tanto o seu excelente trabalho de direção de atores, quanto sua sensibilidade na questão envolvendo maternidade e paternidade. ENQUANTO VIVO (2021) é um filme que já me ganha desde a premissa simples: a batalha de um homem contra um câncer. Tenho por costume gostar desses dramas que lidam com a finitude, com a vida se esvaindo e as chances de utilizar os últimos dias da melhor maneira possível. O personagem Benjamin (Benoît Magimel) tem ainda o drama de negar ou esconder um arrependimento, além de acreditar que não fez nada de realmente importante em sua vida. Ele é professor de teatro e as cenas dos ensaios ajudam a trazer respeito e seriedade para o atuar.  Há uma cena em que a atuação de uma jovem se mistura com os sentimentos da vida real. ENQUANTO VIVO é mais um filme de nó na garganta do que de lágrimas aos borbotões e é lindamente dirigido. Gosto de como o scope funciona bem nas cenas dos personagens na horizontal (no hospital), mas também da câmera seguindo os personagens nos corredores. É doloroso, faz a gente pensar em muita coisa (lembrei de meu pai, do meu grande amigo que perdi, das conversas que a gente tratava sobre a morte). Pra completar, ainda tem uma utilização linda de certas canções. Adoro os personagens do médico (Gabriel Sara) e de sua assistente (Cécile de France). Catherine Deneuve é praticamente coadjuvante, mas sua força como mãe perdida diante da futura ausência do filho me comoveu bastante.

MADRUGADA EM PARIS (Médecin de Nuit)

Acho que Vincent Macaigne é, atualmente, o ator francês de que eu mais gosto. Em MADRUGADA EM PARIS (2020), de Elie Wajeman, ele foge um pouco dos tipos a que estou acostumado a vê-lo e faz o papel de um médico que atende em domicílio pelo sistema público de saúde da França, mas também tem por hábito passar receitas de medicamentos de controle especial para viciados em drogas. Além da força de Macaigne, que está o tempo todo sendo vigiado pela câmera, temos o clima da noite como um elemento de mistério, excitação e angústia. E o protagonista tem inseguranças, dúvidas e uma atração pela rotina perigosa que o torna fascinante. Até senti um ar meio TAXI DRIVER no filme. Uma das melhores surpresas do festival.

PARIS, 13º DISTRITO (Les Olympiades, Paris 13e)

O novo filme de Audiard, PARIS, 13º DISTRITO (2021), tem um charme que conquista já pelo uso da fotografia em preto e branco bem nítida e brilhante, mas também pela ótima condução do drama dos seus três personagens. Inicialmente somos apresentados à chinesa Emilie, que encontra no colega de quarto, Camille, um amante e um amor. Posteriormente, entra em cena Nora, a personagem de Noémie Merlant (RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS), cujo destino cruzará com os dois mais adiante. O filme trata com seriedade os problemas dos personagens, mas o drama é ligeiramente leve, para o bem e para o mal. Gosto de como o filme lida com suas questões sexuais, trazendo inclusive uma cena bem sensual. Essas questões se confundem com seus sentimentos, suas carências afetivas e suas inseguranças. Isso talvez seja o que mais me ganhou no filme.

CAIXA PRETA (Boîte Noire)

O diretor Yann Gozlan, cujos filmes anteriores não me lembro de terem sido lançados em circuito, usa direitinho a cartilha de Hitchcock para construir o seu thriller sobre um analista de caixa preta que começa a achar que algo muito estranho está havendo no arquivo do acidente que vitimou mais de 300 pessoas de um avião. Há fortes ecos de UM TIRO NA NOITE, de Brian De Palma, e também de BLOW-UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO, de Michelangelo Antonioni, mas também há muito Hitchcock neste CAIXA PRETA (2021). Até a trilha sonora emula Bernard Herrmann várias vezes, principalmente nas sequências finais. O trabalho de suspense é tão bom que nem sentimos as mais de duas horas passarem. Há também um cuidado com a movimentação da câmera (parece um balé a sequência no início, nos corredores de um avião) e com a construção dos personagens. O obcecado protagonista é vivido por Pierre Niney. Franzino e de rosto expressivo, ele já tinha se mostrado muito bem em filmes como FRANTZ e YVES SAINT LAURENT.

ILUSÕES PERDIDAS (Illusions Perdues)

Não conhecia a obra de Balzac nem de ouvir falar (da trama). E achei bem fascinante o modo como ele nos apresenta ao mundo sujo da imprensa dentro dos meios culturais. Ainda assim, por mais cínicos que sejam os liberais da imprensa, não perdem em falta de caráter para a monarquia, que ainda insistia em se manter viva naqueles tempos pós-revolução. No meio disso tudo, somos apresentados ao jovem Lucien, que inicialmente é um inocente e apaixonado poeta que tem sua vida mudada quando muda para Paris. O próprio ILUSÕES PERDIDAS (2021) muda de ritmo quando somos enviados para a cidade-luz, com sua correria e novos hábitos. No que se refere às questões relativas à maldade da elite francesa, o filme nos faz lembrar MARGUERITE (2015), um dos filmes anteriores de Xavier Giannoli, e também um dos sucessos do Festival Varilux de Cinema Francês.



ADEUS, IDIOTAS (Adieu les Cons)

O grande vencedor do César deste ano, ganhando inclusive melhor filme, direção e fotografia, é uma comédia agridoce sobre duas pessoas que têm a morte iminente em comum. Ela (Virginie Efira, ótima) está com uma doença terminal e tem pouco tempo de vida; ele (Albert Dupontel, o próprio diretor) tenta o suicídio por ser um pouco dramático (ele mesmo reconhece isso). A jornada dos dois se cruza quando ela, à procura de seu filho biológico, acaba cruzando com a pessoa que pode lhe ajudar. Apesar do tema pesado, ADEUS, IDIOTAS (2020) opta pela leveza e usa um tipo de humor às vezes ingênuo, e que muitas vezes funciona muito bem, embora o final possa parecer transgressor para quem acredita que certas decisões são proibidas. Destaque também para o personagem do homem cego (Nicolas Marié, César de ator coadjuvante), que compõe um engraçado trio com os outros dois neste filme de pessoas desesperançadas que encontram em uma missão um bom motivo para achar uma nova faísca de vida. Mas achei lindo mesmo foi Efira. Linda, loira e com sua blusa vermelha combinando com os sapatos vermelhos, correndo pelas ruas, em fuga.

ESTÁ TUDO BEM (Tout S'Est Bien Passé)

Pode não ser um dos filmes mais brilhantes de François Ozon, mas, à luz de sua filmografia, ele encontra algumas intersecções, além de trazer reflexões muito interessantes acerca da morte e do direito à eutanásia, sem se acercar de um tom pesado. O filme conta a história de um homem que tem um AVC e decide pôr fim à própria vida. Como a trama é vista principalmente pelos olhos das filhas, em especial da personagem de Sophie Marceau, acaba por tornar o personagem do homem um pouco mais enigmático, ainda que, logo no começo, com toda aquela tristeza de ver o corpo doente, seja fácil de compreender a intenção do personagem de André Dussollier. Da filmografia de Ozon, o que mais lidava com a chegada da morte até então era o ótimo O TEMPO QUE RESTA (2005). Mas há algo de muito mais trágico em ver a morte chegando para um corpo jovem, ou é impressão minha?

AS COISAS DA VIDA (Les Choses de la Vie)

Acabei vendo AS COISAS DA VIDA (1970), de Claude Sautet, com o corpo cansado e sem a minha dose de cafeína necessária para a sessão. Isso prejudicou um pouco a minha apreciação, especialmente no começo, quando a narrativa trata mais da relação um tanto desgastada do casal vivido por Michel Piccoli e Romy Schneider. Mas depois acordei e fiquei bem atento para a sequência do acidente, que, a julgar pelo prólogo do filme, é essencial para a história e para o modo como ela é concluída. Destaque também para a bela música de Philippe Sarde.

A TRAVESSIA (La Traversée)

A animação escolhida para integrar a programação deste ano do festival não tem nada de infantil. Ou quase nada. Mas infelizmente os programadores persistirem na ideia de exibir o filme dublado, o que não combina com o público do festival, em geral muito disposto a ouvir língua francesa. Porém, uma vez passada a raiva inicial, e como se trata de animação, é possível se envolver com a história dos dois irmãos que se perdem dos pais por causa de uma situação envolvendo guerra e abuso de poder em seu país. Acabam conhecendo pessoas pelo caminho, sofrendo bastante e procurando o melhor meio para a sobrevivência e para o amadurecimento antecipado. A beleza de A TRAVESSIA (2021), de Florence Miailhe, está mais no tipo de desenho e pintura usados, em aquarela. Faz a diferença, ainda que não tenha conseguido me manter acordado em seu terço final. Eu e meu problema com a animação...

MENTES EXTRAORDINÁRIAS (Presque)

Simpática comédia que segue uma estrutura de road movie, apresentando a união inusitada de um empresário de uma funerária e um rapaz com deficiência. MENTES EXTRAORDINÁRIAS (2021), de Bernard Campan e Alexandre Jollien, foi me ganhando aos poucos. Como muitas comédias francesas medianas, esta começa de maneira um pouco preguiçosa, mas depois vai ficando interessante, atraente e divertida. Provocou muitas risadas na plateia e há momentos comoventes também. Pode incomodar um pouco quem não gosta de "filme de mensagem", por assim dizer, mas tem o seu charme, suas leves ousadias e a dupla de atores se sai muito bem. O filme cresce quando entra em cena uma moça na viagem. É muito mais leve do que aparenta a princípio, com o tema da morte que chama logo a atenção no começo.

UM INTRUSO NO PORÃO (L'Homme de la Cave)

É interessante trazer o tema do negacionismo e das fake news para um filme de suspense, mas UM INTRUSO NO PORÃO (2021), de Philippe Le Guay, comete uma série de deslizes, por mais que durante sua metragem garanta o interesse do espectador. Na trama, François Cluzet é um homem que compra o porão da casa de um homem francês judeu (Jérémie Renier), mas que depois passa a transformar a vida do sujeito num inferno. O roteiro tenta ser redondinho, o que configura um filme de linha mais tradicional. E isso não é problema. Passa a ser problema quando não consegue dar conta de certos detalhes (o que é aquela história do massacre dos povos indígenas americanos?) e também parece não saber como terminar. Talvez o suspense não seja um gênero que seja muito íntimo a Le Guay, mas também não se trata de um diretor de filmes admiráveis. O anterior dele, NORMANDIA NUA (2018), também com Cluzet, eu já havia achado bem mais ou menos.

quarta-feira, dezembro 22, 2021

HOMEM-ARANHA – SEM VOLTA PARA CASA (Spider-Man – No Way Home)



Uma das grandes vantagens dos detentores dos direitos do Homem-Aranha (no caso, a Sony Pictures) é ter em mãos um dos super-heróis mais queridos de todos os tempos. Até quem nunca leu os quadrinhos (uma pena, aliás, caso seja o seu caso) tem um carinho especial pelo herói, cujo alter-ego, Peter Parker, passa por situações que o humaniza bem mais do que os demais heróis da Casa das Ideias – nem falo da DC Comics, que é casa mais de deuses e seres mitológicos mesmo. Então, uma das coisas que mais temos que agradecer por ter um projeto como HOMEM-ARANHA – SEM VOLTA PARA CASA (2021) sendo materializado é o fato de que, apesar de o personagem estar no meio de uma briga entre dois estúdios gigantes de Hollywood, a Sony e a Disney, o resultado que aqui temos é quase um milagre. Afinal, se a Marvel tivesse conseguido os direitos do herói, ela certamente trataria de esquecer os filmes protagonizados por Tobey Maguire (2002-2007) e Andrew Garfield (2012, 2014).

Então, aproveitando essa onda de exploração do conceito de multiverso, que não é nenhuma novidade para os fãs de quadrinhos desde pelo menos os anos 1980, foi uma felicidade ter a chance de brincar com a ideia de que os outros filmes do Homem-Aranha fazem parte de outros universos. Isso, inclusive, tira até mesmo aquela velha cisma de fãs xiitas que não gostam de certas mudanças ou adaptações que são feitas em seus heróis na transposição para as telas. Eu mesmo, confesso, não gostei muito da ideia da teia orgânica nos filmes do Sam Raimi. Mas agora tudo fica em paz, quando se tem em concordância que o universo dos quadrinhos também é um universo à parte, embora seja o ponto de origem de tudo.

HOMEM-ARANHA – SEM VOLTA PARA CASA começa exatamente de onde terminou o anterior, HOMEM-ARANHA – LONGE DE CASA (2019), que deixou um baita gancho: o vilão Mysterio (Jake Gyllenhaal) vazou para o mundo inteiro a identidade secreta do Homem-Aranha, fazendo com que o jovem Peter Parker (Tom Holland) ficasse em uma situação bastante complicada, tendo que se esconder, com sua tia May (Marisa Tomei), a namorada MJ (Zendaya) e o melhor amigo Ned (Jacob Batalon) em um apartamento, graças à ajuda de Happy Hogan (Jon Favreau), pelo menos até as coisas se acalmarem.

Sem ter muita paciência ou sabedoria para resolver a situação de uma maneira mais convencional, Peter Parker pede ao Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) para que ele o ajude com um feitiço para que todas as pessoas esqueçam que ele é o Homem-Aranha. Esse recurso já fora usado, e de maneira muito mais polêmica, nos quadrinhos, quando o herói faz um pacto com Mefisto, o Satanás da Marvel, para que as pessoas esqueçam sua identidade secreta, de modo que sua família não seja alvo dos inimigos. Ter o Doutor Estranho fazendo esse tipo de coisa é até mais tranquilizador.

E, no fim das contas, isso acaba funcionando como uma ótima desculpa para trazer de volta personagens dos filmes do Aranha protagonizados por Maguire e Garfield, devido a um problema durante o feitiço. Abre-se, então, um portal para que super-vilões como o Doutor Octopus (Alfred Molina), o Duende Verde (Willem Dafoe), o Electro (Jamie Foxx), o Lagarto (Rhys Ifans) e o Homem-Areia (Thomas Haden Church) invadam aquele universo e confrontem aquele Homem-Aranha diferente. Fico imaginando o quanto os produtores pagaram para poder conseguir a presença de cada ator desses. Só isso já é um exemplar do poder dos estúdios Marvel.

É interessante o quanto essa brincadeira faz a festa dos fãs do herói, que gritam e festejam a aparição de cada personagem conhecido e que havia sido dado como morto e esquecido, com o advento da fase Tom Holland. Essa festa se torna ainda mais feliz com as cenas que trazem de volta os Aranhas de Maguire e Garfield, ambos surgindo de maneira divertida e inteligente da parte dos roteiristas. E mais: as cenas de interação entre os três são os momentos mais gostosos de ver do filme, assim como a gloriosa cena dos três partindo para a luta contra os bandidos. A troca de confidências e a ajuda psicológica que os colegas mais velhos dão ao Peter daquele universo são também exemplos de pontos altos do filme, além das piadas que surgem, muitas delas como piscadelas para os fãs fiéis. Ou seja, quem não tiver visto os demais filmes vai ficar sem entender um bocado.

Mas diria que SEM VOLTA PARA CASA falha na maneira como lida com as emoções. Cenas mais dramáticas e que deveriam ser tristes ou tocantes acabam parecendo mecânicas, como é mecânico esse meio de produção atual da Marvel. Dá para se notar que estamos diante de um filme de produtor e não de diretor, por mais que funcione muito bem na maioria das vezes.

Ainda assim, gosto da solução final para a vida do herói, que pode ser um elemento de afinação para as histórias mais clássicas do amigão da vizinhança. Sem falar que a questão envolvendo a Zendaya pode render no futuro, se bem pensado, e se feito com delicadeza, momentos comoventes. Aguardemos. Enquanto isso, e por falar em Zendaya, sua melhor personagem, Rue Bennett, estará de volta com a segunda temporada da ótima série EUPHORIA no dia 9 de janeiro. Está pertinho já.

+ DOIS FILMES

RESIDENT EVIL - BEM-VINDO A RACCOON CITY (Resident Evil - Welcome to Raccoon City)

A proposta de contar um prequel dos eventos de RESIDENT EVIL – O HÓSPEDE MALDITO (2002) e suas sequências me pareceu interessante, tanto por trazer no elenco uma atriz querida como a Kaya Scodelario, quanto pela possibilidade de começar tudo de novo e muito provavelmente trazer o terror de volta, diminuindo um pouco mais a ação e um tipo de espírito mais grandioso e barulhento das sequências. Em parte, isso funciona, já que RESIDENT EVIL - BEM-VINDO A RACCOON CITY (2021), dirigido por Johannes Roberts, traz mesmo mais terror que ação, mas infelizmente dá um pouco de saudade dos filmes anteriores e do charme das atrizes/personagens que foram surgindo ao longo dos filmes (Alice, Rain, Claire, Jill Valentine). Como não conheço os games, não me importo muito com essa relação, apenas em como funciona como cinema. E este RACCON CITY fracassa justamente quando começa a se aproximar mais do espírito dos games, em seu terço final. Mas estava gostando do começo.

GHOSTBUSTERS - MAIS ALÉM (Ghostbusters – Afterlife)

Nunca fui fã dos Caça-Fantasmas dos anos 1980. Tampouco sou muito apegado a essa década para me empolgar com esse saudosismo que virou moda de uns anos pra cá. Vejo CAÇA-FANTASMAS (1984), de Ivan Reitman, como um filme de terror sem terror, feito para agradar a crianças e adolescentes e com musiquinha pop famosa (que aqui só aparece no final). No entanto, achei bem interessante o trabalho que Jason Reitman fez como homenagem ao pai, que está aparentemente aposentado - além de outra bela homenagem. Além disso, há a simpatia e o carisma dos personagens jovens, adolescentes e pré-adolescentes de GHOSTBUSTERS – MAIS ALÉM (2021), que usam seus dons para encarar diferentes tipos de fantasmas, usando as armas de seus ancestrais, encontradas na velha casa abandonada e tida como assombrada. A trilha sonora é tão carregada do espírito dos anos 1980, que até chega a incomodar um pouco. Mas no final os pontos positivos se sobressaem e ter um diretor tão bom quanto Jason Reitman acaba fazendo a diferença.

sábado, dezembro 18, 2021

AMOR, SUBLIME AMOR (West Side Story)



A experiência de ver a nova versão de AMOR, SUBLIME AMOR (2021), dirigida por Steven Spielberg, não foi das mais agradáveis para mim. Senti as dores das horas passando, da música que raramente me pegava, do romantismo à moda antiga que não estava funcionando comigo. E por mais que a estranheza de ver um filme assumidamente anacrônico seja interessante, me peguei pensando no que Woody Allen falou quando disse que quando queria fazer NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA, pensou em MULHER ABSOLUTA, de George Cukor, como modelo (ou em qualquer outra comédia estrelada por Spencer Tracy e Katharine Hepburn), mas que não queria replicar algo que para ele ficou antigo, ultrapassado. Certos filmes são obras-primas, mas porque são vistas como obras de seu tempo. É estranho pegar um musical dos anos 1950 que foi para o cinema em 1961, por Robert Wise e Jerome Robbins, e trazê-lo para o século XXI.

Mas sei que Spielberg, mesmo sendo um cineasta da Nova Hollywood, tem esse espírito mais antiquado, se comparado com seus colegas contemporâneos. E sei também o quanto estamos testemunhando um retorno dos musicais aos cinemas (e aos streamings). Há vários filmes novos do gênero e confesso que já deixei de ver vários, principalmente aqueles mais conectados diretamente com o teatro, como os pensados por Lin-Manuel Miranda. Sei que pode ser uma bobagem de minha parte, mas também se deve à falta de tempo mesmo. Aliás, até cheguei a ir ao cinema para ver QUERIDO EVAN HANSEN, por consideração ao diretor Stephen Chbosky, mas o projetor da sala deu problema e saí para ver outro filme.

Então, a impressão que tenho é que o cinema hollywoodiano da primeira metade dos anos 1960 ainda estava muito antiquado, se comparado com o cinema europeu moderno, e até com o cinema brasileiro. A contracultura estava dominando o mundo e os executivos parece que tinham medo de enfrentar essa nova realidade, por mais que alguns cineastas já estivessem acenando para os novos ventos, como o próprio Nicholas Ray, em JUVENTUDE TRANSVIADA. A década de 1960 talvez tenha sido a mais desafiadora para o cinema americano, principalmente para dois de seus mais importantes gêneros, o musical e o western. Enquanto isso, na Europa, esses mesmos gêneros estavam sendo reinventados de maneira brilhante, especialmente na França e na Itália, respectivamente.

Uma das coisas de que mais gostei no filme de Spielberg foi o visual (mais uma vez a fotografia está a cargo do parceiro Janusz Kaminski), que dá ao filme uma textura interessante, que remete diretamente aos tons do musical de 1961, mas também ao tipo de fotografia semelhante aos filmes produzidos na época. Isso torna seu filme charmoso e plasticamente belo.

Quanto à trama, mesmo sabendo que é um fiapo de trama sem muita profundidade – o filme original já era assim -, me incomodou muito a estupidez dos personagens masculinos. Todos (talvez em menor escala Anton, vivido por Ansel Elgort) são uns imbecis, tanto os americanos brancos quanto os porto-riquenhos, em sua busca por briga sem sentido algum. Sei que é possível ver isso como uma espécie de alegoria da própria guerra em si, provocada por homens, mas talvez seja por demais simplista fazer esse tipo de comparação, sem levar em consideração outros fatores.

Por isso gosto do momento “pós-guerra” do filme, quando parece que finalmente, após a tragédia que acarreta mortes de ambos os lados das gangues, a narrativa ganha um tipo de melancolia que me agrada. E aí vem a canção mais bela, “Somewhere”, interpretada, desta vez por Rita Moreno (no filme de 1961 era pelo casal de atores, Natalie Wood e George Chakiris). A canção, aliás, eu aprendi a amar por causa de Renato Russo, que a interpreta lindamente no disco Stonewall Celebration Concert, de 1994.

Nesse “pós-guerra”, há também uma bela conversa entre Maria (a estreante Rachel Zegler) e sua amiga Anita (Ariana DeBose). Aliás, arriscaria dizer que as duas atrizes são as melhores jovens aquisições do elenco. Por mais que goste muito de Elgort, são elas duas que passam mais verdade em seus papéis. Inclusive, Ariana está muito bem na cena de outra das canções muito famosas do musical, “America”, seja cantando, seja dançando.

Não deixa de ser interessante como os filmes batem de maneira tão diferente nas pessoas, já que AMOR, SUBLIME AMOR tem sido amado por boa parte de minha bolha cinéfila e está aparecendo em várias listas de melhores do ano. Considero-me uma pessoa de espírito romântico (chorei a sessão inteira de OS GUARDA-CHUVAS DO AMOR, de Jacques Demy), mas em nenhum momento do filme de Spielberg eu me encantei ou mesmo me solidarizei com o Romeu e a Julieta nova-iorquinos. Talvez tenha visto excesso de técnica, talvez tenha sentido, por parte do diretor, uma vontade de ser muito fiel ao musical de Arthur Laurents, Leonard Bernstein e Stephen Sondheim, que tanto lhe fez a cabeça quando criança e que era uma paixão de seu pai, a quem o filme é dedicado.

De todo modo, tenho respeito pelo filme, por Spielberg, pelo musical mais clássico, pelos atores, que além de tudo cantam também, pela proposta de trazer atores latinos para papéis latinos em vez de maquiarem atores brancos como fizeram em 1961. Respeito. Mas com um distanciamento emocional. Infelizmente.

+ DOIS FILMES

KING RICHARD - CRIANDO CAMPEÃS (King Richard)

Um filme que foca mais no jeito genioso e muito particular de Richard Williams no que na história de suas filhas, as famosas tenistas Venus e Serena Williams. É interessante como KING RICHARD - CRIANDO CAMPEÃS (2021), de Reinaldo Marcus Green, responde a possíveis questionamentos que poderiam surgir a partir de ações, como o fato de Richard ser um pai que quis treinar duro com as filhas para que elas fossem grandes tenistas, mas que, mais à frente, se mostra muito inteligente e interessado nos estudos e na condição de criança das meninas, após conseguir um contrato muito bom com um treinador. Como é um filme que celebra essa conquista de duas meninas negras em um esporte comumente associado à elite branca, essa questão dos obstáculos enfrentados, sendo eles de um bairro pobre, é sempre enfatizada, e com razão. Afinal, o trabalho das duas representa um exemplo, portas sendo abertas. Senti falta de mais inventividade no modo como são filmadas as partidas de tênis, mas não era o objetivo do diretor. Assim, dentro do que se propõe, é uma bela cinebiografia que radiografa determinado momento na vida de Richard e das filhas, além de ser, como geralmente filmes de esporte são, uma história de superação com bons textos e momentos divertidos.

NOITE PASSADA EM SOHO (Last Night in Soho)

A decepção foi grande, levando em consideração que eu havia gostado muito do filme anterior de Edgar Wright (EM RITMO DE FUGA, 2017), que gosto do gênero horror e sou fã do estilo muito próprio de Anya Taylor-Joy. Infelizmente o que temos aqui é um filme sem criatividade no roteiro e sem uma atmosfera de filme de horror que funcione. São quase duas horas da personagem de Thomasin McKenzie fugindo de assombração ou de alguma alucinação e vivendo situações já manjadas, vistas de maneira muito mais elegante e inteligente em outros filmes do gênero. Há algum charme na brincadeira de voltar no tempo (anos 1960), até porque a década escolhida é mágica. Pena que não foi o suficiente e acabei vendo que o anterior do diretor é uma exceção em sua filmografia, no que se refere a me agradar de fato.

quarta-feira, dezembro 08, 2021

NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA (Annie Hall)



É interessante que NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA (1977) talvez nem esteja em um top 10 de favoritos meus do Woody Allen. Mas foi a terceira vez que o vi, dada sua incontestável importância, tanto na filmografia do cineasta, quanto na própria história do cinema da chamada Nova Hollywood. Acredito que minha implicância, se é que dá para chamar assim, com o filme se dê pelo fato de que se chame “Annie Hall” e trate muito mais da própria história pessoal de Allen, ou da persona que ele estava criando com ainda mais força, do que do romance entre o comediante Alvy Singer (Allen) e uma mulher aparentemente boba chamada Annie Hall (Diane Keaton).

Aliás, o termo “boba” aparece na sinopse oficial do filme no IMDB e eu não concordo, na verdade. Acho que a aparente simplicidade e o jeito desajeitado de Annie compõem aquilo que a deixa apaixonante. Muito por culpa de Diane Keaton, claro, que estava encantadora neste filme. Além do mais, o próprio figurino usado pela personagem é da própria Diane, o que só ajuda a aumentar o seu crédito de cocriadora da obra. Na época, ela já morava em Los Angeles e já não namorava mais Allen. Tornaram-se grandes amigos por toda a vida. Sabendo disso, talvez aumente a impressão de que o filme teria sido feito pensando na relação dos dois.

NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA também tem o mérito de iniciar uma série de ousadias de Allen que foram impressionantes ao longo dos próximos anos. É incrível o salto que ele deu, ainda que eu já pudesse ver muito disso em SONHOS DE UM SEDUTOR (1972), também estrelado por Allen e Keaton, baseado em uma peça de Allen, mas com direção de Herbert Ross. Aliás, pela minha memória, esse filme foi o que mais me fez rir de toda a carreira de Allen. Mas SONHOS... é um filme de gags, enquanto NOIVO...é uma obra mais ousada formalmente, embora ainda utilizando muito as piadas desde o início. Afinal, essa é a formação de Allen.

Uma formação que me impressiona. O cara começou como um comediante stand-up para depois se tornar um dos cineastas mais cultuados e festejados de todos os tempos. Ele incorpora a comédia em uma estrutura bem mais cinematográfica.  Aqui a fotografia é de Gordon Willis, que havia trabalhado em O PODEROSO CHEFÃO, e a partir de então, Allen sempre procuraria um excelente fotógrafo para trazer mais luz para sua obra, seja mais alegria ou mais melancolia e pessimismo (gosto de quando Allen/Alvin Singer divide a humanidade entre aqueles que têm a vida horrível e aqueles que têm a vida miserável, por exemplo.)

E melancolia e pessimismo não faltam em NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA, já que é um filme um sobre o fim de uma relação. E já no começo do filme Alvy já avisa isso. Então, o que nos resta é aproveitar os bons momentos dessa relação que se estabelece entre o protagonista e sua nova namorada. Curiosamente, essa questão mais amorosa do filme, eu vejo como eclipsada pelo humor, pelas cenas das lembranças de infância, pelas questões políticas da época, pela rapidez dos diálogos (quase uma aceleração do que Howard Hawks fazia em suas comédias dos anos 1930) e pela intenção de Allen em mostrar suas idiossincrasias. Por sorte, o filme contou com a ajuda do montador Ralph Rosenbaum, e trouxe um pouco mais de foco para o relacionamento dos dois.

Mas muito do que impressiona no filme e que o torna admirado por muitos apreciadores de cinema é a forma inteligente com que Allen consegue transpor ideias para a linguagem do cinema, como o monólogo interior com legendas de Alvy e Annie, ou a cena em que o espírito de Annie toma distância e fica ela mesma e Alvy fazendo sexo. Há diversos outros casos. Coisas que foram pensadas para o cinema e não poderiam ser feitas da mesma maneira no teatro, por exemplo, ou na literatura.

Curiosidades que eu não lembrava das outras vezes que vi o filme são os atores que aparecem em cenas curtíssimas e que não eram famosos na época: Jeff Goldblum, Sigourney Weaver e Christopher Walken. Truman Capote aparece rapidamente também. Allen havia convidado Luis Buñuel para aparecer em seu filme, mas o mestre espanhol teve que declinar por estar ocupado, provavelmente fazendo um de seus últimos filmes.

O fato de Allen não ter ido buscar suas estatuetas ganhadas pelo filme na festa do Oscar (ganhou os prêmios de filme, diretor, roteiro e atriz) não diminuiu suas indicações posteriores ou seu prestígio na academia. Só de uns tempos para cá que seus filmes pararam de ser indicados, seja pela queda de qualidade ou repetição, seja por seu triste processo de cancelamento.

Agradecimentos a Paula pela companhia durante a sessão.

+ DOIS FILMES

NO RITMO DO CORAÇÃO (CODA)

Feel good movie para aquecer o coração e com uma performance linda da jovem Emilia Jones (revelada ao grande público na série LOCKE & KEY). Emilia aprendeu a linguagem de sinais para fazer o filme e também a mostrar que sabe cantar lindamente. É difícil não gostar do filme, a não ser quem tenha visto a primeira versão (francesa) e faça comparações. Na trama NO RITMO DO CORAÇÃO (2021), de Siân Heder, ela é a única filha que fala de uma família de surdos e que durante sua vida inteira (a personagem tem 17 anos) foi a intérprete dos pais e do irmão mais velho. A família tem um negócio de pesca e tem passado por situações difíceis. A personagem de Emilia também está vivendo situações novas e desafiadoras, como um interesse amoroso, mas principalmente seu futuro como estudante de música em uma conceituada faculdade. Há diversos momentos para rir bastante e outros tantos para, quem sabe, deixar correr uma lágrima.

A CRÔNICA FRANCESA (The French Dispatch)

Como um filme de episódios, A CRÔNICA FRANCESA (2021), de Wes Anderson, bem que podia ser mais regular. Mas não sei se o meu problema com o terceiro "episódio" foi do cansaço do estilo adotado (que é visualmente muito bonito e o texto é espirituoso e tudo) ou se é mesmo um episódio inferior aos demais. O primeiro episódio, só pela presença de Léa Seydoux, já me ganhou. Além do mais, a história é bem interessante e o uso do preto e branco contrastante com cores eventuais ficou bem bom para um diretor que sabe o que quer quando se trata de cor. Aliás, foi muito saudável para Anderson ter um elenco francês para abrilhantar ainda mais sua trupe ilustre. O segundo episódio, uma brincadeira com a primavera francesa, também tem sua graça e Timothée Chalamet, que já tem um jeitão blasé, podia ingressar de vez na turma de Anderson. Mas é a tal coisa, quem já não é tão entusiasta do diretor (como é o meu caso), gosta, mas sente falta de um tipo de sentimento mais humano, como havia em alguns de seus títulos dos anos 2000.