sexta-feira, setembro 10, 2021

MALIGNO (Malignant)



Uma das coisas mais legais de uma entrevista que James Wan deu ao site Bloody Disgusting foi a comparação que ele fez de MALIGNO (2021) com suas visitas às seções de filmes de terror das videolocadoras em fins dos anos 1980 e início dos 90. Essas seções ficavam em um local mais escondidinho do espaço, por causa das capas nem sempre bonitinhas, e ele fazia questão de procurar aqueles filmes um pouco mais desconhecidos e que traziam capas intrigantes e chamativas; e ele alugava sem saber nada a respeito. MALIGNO é, para o diretor, como um daqueles filmes que ele pegava no fundo das prateleiras.

A sensação de ver o filme é de certa forma parecida, pois vamos descobrindo sobre o que se trata aos poucos. É uma obra enigmática. O trailer, felizmente, não entrega muita coisa. O filme começa como uma obra visualmente (e belamente) estranha, que parece trazer mais uma vez os clichês de casa assombrada que Wan tão bem sabe dominar, vide seus ótimos trabalhos em SOBRENATURAL (2010), INVOCAÇÃO DO MAL (2013) e suas respectivas continuações. Porém, há algo de muito mais estranho no novo filme, como se predominasse o interesse pela beleza das imagens em detrimento da construção narrativa e da intenção de assustar.

Tanto que o segundo ato parece seguir descolado de trama, lembrando alguns filmes cultuados do Lucio Fulci ou do Dario Argento. E há o tom over (de atuações, inclusive) que faz tudo parecer um objeto muito estranho, que, para muitos, acostumados com um tipo de naturalismo mais vigente nas produções atuais, pode ser encarado como uma falha, um problema. E essa estranheza já começa do prólogo, que dá o tom, inclusive já apresentando os close-ups de forte expressividade.

Mas no terceiro ato Wan nos surpreende e nos prova mais uma vez que é o um dos mestres do novo horror americano, ao lado de Mike Flanagan, Jordan Peele, Ari Aster e Robert Eggers. Mas, enquanto Wan parecia ser o que mais estava disposto a se situar dentro de um tipo de narrativa mais clássica, principalmente em seus filmes de casa assombrada, os outros seguiam por caminhos mais modernos. Eis que, em MALIGNO, Wan faz algo que foge completamente do que se esperava até então.

Falando sobre a oportunidade de ter feito um filme como esse, ele diz: “eu não sei quando eu terei a chance de fazer algo tão louco e tão ultrajante quanto isso novamente, então eu peguei essa oportunidade”. E essa chance surgiu com o sucesso tanto dos filmes de terror, quanto da boa recepção de AQUAMAN (2018), que ganhará uma sequência, já em fase de produção. Ou seja, se para cada blockbuster desses ele ganhasse a liberdade de fazer um ou dois filmes tão originais quanto MALIGNO, seria um sonho. Até porque já, faz um tempo, o gênero terror é um dos mais rentáveis e atrativos nos cinemas. 

Além de trazer influências fortes do horror italiano e do giallo, lembramos também do tipo de body horror muito mais comum nos filmes do gênero das décadas de 1970 e 80. Lembrei-me de THE BROOD - OS FILHOS DO MEDO, de David Cronenberg; de IRMÃS DIABÓLICAS, de Brian De Palma; de TENEBRE, de Dario Argento. Aliás, juntar esses três cineastas e pescar o que há de comum nessas e em outras obras e pensar em MALIGNO é uma forma de ver o quanto aquele tipo de cinema mais visceral, mais gory e também muito forte do ponto de vista espiritual pode render uma nova obra tão original, tão bonita e com um senso de humor tão próprio. É difícil não assistir à cena da delegacia e não dar aquele sorriso de orelha a orelha.

Na trama, Annabelle Wallis, a atriz de ANNABELLE (2014), é uma jovem mulher que está grávida de seu namorado agressivo. Numa das primeiras cenas do filme ficamos bastante desconfortáveis com o momento de violência doméstica. Aliás, é possível que essa temática seja uma das chaves para entender um dos temas, mas acredito que existem outras. Então, depois do ocorrido, com o namorado dormindo no sofá e ela dormindo na cama, algo estranho ocorre, uma entidade que só aparece como uma silhueta no escuro, os ataca à noite. É também o momento em que a protagonista experimenta a sensação de ver a morte acontecendo do ponto de vista do assassino. Ou seja, um elemento muito recorrente nos gialli.

No mais, o ideal é não contar muito da trama para não estragar as surpresas . Por mais que o enredo seja menos importante do que a forma do filme, ele é também essencial. E é, junto com outros elementos, o que torna MALIGNO um dos filmes mais interessantes, bonitos e surpreendentes do ano.

+ DOIS FILMES

MANIAC COP - O EXTERMINADOR (Maniac Cop)

A notícia de que John Hyams, diretor de SOZINHA (2020), seria um dos responsáveis pelo remake ou reimaginação de MANIAC COP - O EXTERMINADOR (1988) trouxe um interesse para que eu aproveitasse o box Slashers V para ver o filme original, escrito por Larry Cohen e dirigido por William Lustig. E é uma delícia de filme B, que foge bastante da tradicional matança de pessoas jovens ou adolescentes nos slashers tradicionais. Seria mais uma junção de slasher com filme policial, como foi a ideia que Cohen teve numa conversa bem informal com Lustig. E a ideia nem é tão absurda assim. Ao contrário, há muitas pessoas que têm medo da polícia nos Estados Unidos, principalmente negros ou latinos. Gosto de como o filme não se importa muito com a interpretação dos atores, mas como, mesmo assim, eles funcionam muito bem nos papéis e no resultado final. Principalmente Tom Atkins, mas também Bruce Campbell e Laurene Landon. Não fiquei tão interessado em ver as continuações, mas valeu demais conferir este pequeno clássico.

MIA

Antes, quando eu via filmes sobre relacionamentos sexuais baseados em violência (s&m etc), eu não ficava pensando no que levava as pessoas a fazerem tais atos; para mim, elas apenas estariam curtindo suas fantasias. Embora a atração por este curta tenha se devido inicialmente a esse mesmo motivo, os trabalhos realizados hoje em dia já trazem em seu próprio enredo algo que problematiza esse tipo de relação. No caso de MIA (2017), curta-metragem de Oriol Colomar, a personagem que gosta de ser objeto sexual e de dominação de seu namorado, perto do final o filme procura falar um pouco de questões de traumas de seu passado. De todo modo, o filme não chega a ser tão violento quanto poderia ser; na verdade, é bem sensual e intrigante. Até queria que fosse um longa. A atriz é ótima!

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