sábado, março 25, 2023

JOHN WICK 4 – BABA YAGA (John Wick – Chapter 4)



“It’s not a piece of the song, it’s the whole song that makes you rock out.”
Chad Stahelski


Li uma crítica por aí comparando a cinessérie John Wick com a trilogia dos dólares de Sergio Leone. E se pensarmos JOHN WICK 4 – BABA YAGA (2023) como sendo o maior, mais arriscado e mais poético dos quatro, é sim possível vê-lo como o TRÊS HOMENS EM CONFLITO da nova geração, inclusive também por ter o western como um dos vários gêneros assimilados e por estender a ação como Leone tão habilmente fez. 

Até pouco tempo atrás havia poucos exemplares do cinema de ação recente, dentre os produzidos em Hollywood, cujos realizadores pareciam preocupados em mostrar a coreografia das cenas de luta. Talvez por isso Quentin Tarantino tenha deixado tanta gente impressionada quando fez o seu KILL BILL (2003/2004), não sem antes convidar assistentes de direção de Hong Kong, assim como fizeram também as irmãs Wachowski em seu MATRIX, lá em 1999. Sim, os verdadeiros especialistas em cinema de ação estavam (estão) no oriente, ainda que alguns tenham vindo trabalhar nos Estados Unidos. É de lá (Hong Kong, Japão e Tailândia, principalmente) a fonte, quando o assunto é esse.

E aí surgiu a opção dos filmes da franquia Jason Bourne (especialmente os dirigidos por Paul Greengrass), que supostamente nos colocavam no “meio da ação” para justificar aquela montagem picotada e caótica nas cenas de embate físico ou mesmo de tiroteio. E veio JOHN WICK – DE VOLTA AO JOGO (2014), dirigido por Chad Stahelski e David Leitch, para botar as cartas na mesa e mostrar o que havia de errado com esse cinema de ação mais preguiçoso. Não que isso tenha mudado muito o cenário atual, pois fazer esse tipo de trabalho requer muito esforço, talento e dedicação. Então, a franquia John Wick segue praticamente independente nesse cenário.

Depois de três filmes ótimos – o segundo, JOHN WICK – UM NOVO DIA PARA MATAR (2017), é uma pequena obra-prima –, Stahelski segue com o inspirado e carismático Keanu Reeves como o querido herói assassino disposto a encontrar um pouco de paz, quando na verdade está com a cabeça a prêmio. E um prêmio nas alturas, o que faz com que ele tenha que lutar com centenas de assassinos do mundo inteiro dispostos à glória para vencer o Baba Yaga, como é conhecido Wick por aí. O termo se refere a uma lenda do folclore eslavo: um ser sobrenatural com a aparência de uma mulher deformada que apaga os rastros que deixa com sua vassoura (obrigado, Wikipédia). Seria mais ou menos uma espécie de bicho-papão. Enfim, isso serve mais para dar ao personagem uma aura de medo, respeito e quase invencibilidade.

Ainda que muito se fale de sua duração (2h49min), o primeiro corte do filme tinha 3h45min (confesso que gostaria de ver esse corte também). É possível que a montagem tenha tirado muita coisa do que está na primeira hora de filme, que talvez seja a que mais se ressente de uma melhor coesão (se bem que eu precisaria rever, para saber se realmente há esse problema). Uma coisa que percebi é que o diretor Chad Stahelski prefere não colocar os nomes dos lugares onde a ação acontece. Numa hora, Wick está no Japão, depois está em Nova York novamente, por exemplo. Talvez essa questão do trânsito seja um problema, mas optar pelos hiatos muitas vezes é sinal de inteligência.

John Wick agora luta por sua sobrevivência. E por mais que haja uma amplitude no número de personagens para enriquecer sua mitologia, bem como para trazer graça e novidade constantes, sabemos que o que importa no filme é a ação, antes de mais nada. Um tipo de ação que nos deixa sem fôlego, mas que de vez em quando nos dá um respiro antes de começar novamente. 

Trata-se de uma obra que traz muitas surpresas e tem um capricho na direção de arte e na fotografia que enchem os olhos. As cores dos cenários, totalmente anti-naturalistas, servem ao deslumbre visual e me fizeram lembrar filmes de gênero italianos dos anos 1970. A criatividade com as cenas de ação segue em alta, com revezamento entre cenas com tiroteio, luta com faca ou corpo a corpo, com automóveis ou motocicletas etc. Stahelski une as tradições do cinema americano de ação dos anos 1970 (Friedkin, Frankenheimer), do cinema de artes marciais de Hong Kong, do cinema samurai do Japão e do faroeste para compor quase um novo gênero. Em determinado momento, no início do filme, é tanto tiro que me lembrei de FERVURA MÁXIMA, de John Woo.

Três cenas memoráveis: a luta contra um homem enorme (Scott Adkins) num clube, a luta no meio da rua com vários homens e com os carros passando, a luta para subir uma escadaria etc. E ainda temos dois anti-heróis muito legais: o assassino cego vivido por Donnie Yen (O GRANDE MESTRE) e o auto-intitulado Sr. Ninguém, vivido por Shamier Anderson. 

Aliás, poderia mais uma vez fazer referência a Tarantino e seu KILL BILL para fazer uma associação com JOHN WICK, pois ambos os diretores contam com vários personagens muito interessantes. O homem enorme vivido por Scott Adkins parece saído de uma história em quadrinhos (lembrei-me do Rei do Crime, da Marvel) e é incrível quando começa a luta entre os dois naquele clube, enquanto a música eletrônica (rock? industrial?) toca e as pessoas seguem dançando como se não houvesse amanhã. (Aliás, como é bom ouvir o rock no talo ao longo do filme. Por isso a importância de vê-lo numa sala de cinema que valorize a imagem e o som.)

Os dois assassinos citados representam pessoas que se identificam com John, que o respeitam muito, pessoas que ao mesmo tempo estão ali para trazer sua morte, mas que adiam isso, por algum motivo. Caine, o homem cego, é alguém que está ali por causa da família. Medo de perdê-la se não fizer o que o homem que o contrata pede. John, por sua vez, já perdeu sua esposa e se encontra só no mundo, como uma espécie de deus solitário que habita um Olimpo triste. O contratante dos assassinos é vivido por Bill Skarsgård, mais uma vez um sujeito covarde, mas que tem recursos para tentar vencer o adversário no cansaço. Já o Sr. Ninguém, em determinado momento, representa o espectador, ao assistir à luta final como nós no cinema. Ele bebe sua cerveja; nós comemos nossa pipoca. O fato de ele ter um cachorro sempre a seu lado o torna não apenas um personagem fascinante e querido, como alguém que tem outra coisa em comum com John.

O que torna difícil fazer jus a um filme como JOHN WICK 4 num texto escrito é o quanto se trata de uma obra quase que totalmente construída com a imagem. Logo, o formato ideal para prestar-lhe tributo seria com um ensaio visual, destacando imagens do filme. E é bem possível que isso já exista pela internet. E que deveria ser feito com muito carinho numa edição em mídia física da obra. Mas várias palavras ditas, ainda que poucas e econômicas, têm algo de poético. Destaque para o que Ian McShane diz para Wick sobre a beleza do sol nascendo antes do duelo. Ou quando Wick pede para que ele o leve para casa. Ou seja, Stahelski, poeta das imagens, sabe também usar palavras econômicas para atingir nossa sensibilidade.

+ TRÊS FILMES

VENUS

Bom ver que Jaume Balagueró segue fazendo filmes de terror  – sou fã de A SÉTIMA VÍTIMA (2002). Não sei por que motivo seus filmes deixaram de chamar a atenção depois de [REC] (2007) e sua sequência de 2009. Este seu novo filme, VENUS (2022), é visualmente muito bonito, embora eu tenha alguns poréns, especialmente com seu final. Ao contrário dos filmes de bruxaria ou de casa assombrada tradicionais, a pessoa que adentra a casa não está com a vida tranquila. Ao contrário, nossa heroína é uma dançarina de boate que rouba uma bolsa cheia de drogas excitantes (ecstasy?) e vai parar no apartamento da irmã, com um ferimento feio na perna. Mal sabia ela que aquele lugar é uma cilada muito maior do que lidar com os mafiosos ou a polícia. O que me agrada muito no filme é sua coragem de se apresentar bem gráfico e sangrento e de não ter medo de parecer inverossímil, ainda por cima trazendo uma trama envolvendo o sobrenatural. Ainda assim, podiam ter pensado num final melhor.

SHORTBUS

Uma surpresa ver que um filme que é mais famoso por suas cenas de sexo explícito acaba sendo, na verdade, um filme sobre pessoas que convivem com alguns problemas e que vivem em busca de solução. Há a terapeuta que nunca teve um orgasmo, um rapaz que teme sair da relação e magoar o namorado, uma moça que trabalha como dominatrix e que tem dificuldade de se relacionar etc. Um dos aspectos mais bonitos do filme é como ele é uma celebração da diversidade e da alegria trazida pelo sexo. É como se fosse uma obra passada num universo alternativo em que a década de 1970 pulou para os anos 2000 e não tivéssemos vivenciado a epidemia da AIDS e a era Reagan. SHORTBUS (2006), de John Cameron Mitchell, é uma obra ousada em sua proposta e com uma produção que deve ter dado muito trabalho, em se tratando da quantidade de figurantes nas cenas das orgias. Curiosamente, o filme não tem uma voltagem erótica muito elevada. Em vez disso, há um senso de humor muito interessante e que convida o espectador a se solidarizar com os personagens sem muito esforço.

DECISÃO DE PARTIR (Heojil Kyolshim)

Interessante como DECISÃO DE PARTIR (2022) trouxe em mim sentimentos paradoxais: em alguns momentos, me sentia intrigado e encantado; noutros, a trama confusa me afastava. E o fato de eu achar a trama confusa não tem muito a ver com gostar ou não do filme. Há muitos filmes de fundir o cérebro que me ganharam. Park Chan-wook (e também muitos diretores da Coreia do Sul) optam por um tipo de narrativa que não subestima o espectador, e por isso é bem possível que se trate aqui de um filme que se beneficie bastante de uma revisão para clarear certas cenas. Na trama, um detetive de polícia se vê obcecado e apaixonado pela principal suspeita da morte de um homem. Sua obsessão por ela faz com que ele nuble seus olhos para a realidade. E por isso a metáfora do colírio que ele usa constantemente é tão eficiente. Na trama, há situações que são apresentadas em momento posterior na montagem e há situações que são simplesmente omitidas, o que torna a compreensão do filme por vezes confusa. A segunda parte (por assim dizer), que traz a personagem da mulher chinesa novamente para a vida do protagonista é até mais interessante, justamente por trazer ainda mais mistério para a trama. Aliás, podemos ver DECISÃO DE PARTIR como uma ode ao mistério. Assim como o protagonista, Park Chan-wook parece ser um amante da névoa, em detrimento da clareza. Só queria ter me envolvido mais com os personagens, de modo a me perder com gosto pelo filme. Ainda assim, não é sempre que temos a oportunidade de ver um grande cineasta com um filme novo no cinema. Isso já é uma alegria.

domingo, março 19, 2023

SHAZAM! FÚRIA DOS DEUSES (Shazam! Fury of the Gods)



Quando, no mês passado, eu escrevi sobre HOMEM-FORMIGA E A VESPA – QUANTUMANIA, já destaquei o cansaço que esse tipo de produção estava transparecendo, seja pela falta de entusiasmo do público (afinal, o povo não aguenta mais ver tanto filme ruim ou meia-boca), seja pelo número de pagantes, já que são filmes que não necessitariam de compra antecipada para garantir uma sessão em sala IMAX num sábado, por exemplo. Eu diria que SHAZAM! FÚRIA DOS DEUSES (2023), de David F. Sandberg, torna esse gosto (ruim) ainda mais pronunciado. Se a Marvel/Disney ainda tem como trunfo o sucesso (será que ainda tem?) do universo compartilhado, o caso da DC/Warner é muito mais delicado, já que o próprio anúncio de James Gunn meio que queimou os filmes do estúdio com lançamento para 2023, por não fazerem parte do novo universo imaginado pelo diretor, roteirista e agora responsável pela reestruturação da DC no cinema.

Além do mais, a Warner investiu muito pouco na publicidade do novo Shazam, como se não tivesse dinheiro a perder. Hoje, dia 19 de março, no IMDB consta que o faturamento bruto do filme nos Estados Unidos e no Canadá foi de apenas US$ 11.700.000,00. A situação da bilheteria trouxe uma resposta até do próprio diretor, que disse: “Não é como se fosse uma surpresa. Eu vi para onde isso ia há muito tempo. Eu vou ficar bem. Já recebi o meu dinheiro adiantado.” No mais, vale destacar que nenhum outro filme da DC teve uma arrecadação tão baixa em seu primeiro fim de semana.

Admito que sou simpático ao primeiro filme, de 2019, uma história de origem descompromissada, mas também bem redondinha, engraçada e colorida, que faz parte do universo criado por Snyder, mas que opta por um tom muito mais leve e cômico. Nesta sequência, por sua vez, por ser um filme que necessita de partir logo para a ação (será que precisava mesmo?), a solução que encontraram foi achar três deusas que resolvem confrontar o herói desprovido de muita inteligência. As três deusas são interpretadas por Helen Mirren, Lucy Liu e Rachel Zegler, personagens de idades distintas e que também não estão em harmonia com seus interesses ou sua forma de ver a situação de recuperar o que lhes foi tomado.

Essa desarmonia também se mostra na família de Billy Batson. Todos saíram de um orfanato e, agora que têm idades distintas, seus interesses também parecem muito diferentes um do outro. Mas uma coisa eles têm em comum: a estupidez. Aliás, o jeito como o filme retrata os adolescentes chega a ser ofensivo, já que todos da família são tão bobões quanto Billy Batson/Shazam. Inclusive, neste filme fica muito mais claro o abismo existente entre o Billy não transformado e quando o herói toma forma vivido por Zachary Levi. Talvez isso justifique um pouco a quase ausência do ator adolescente Asher Angel – mas talvez por ele ser ruim mesmo.

Talvez o fato de eu não desgostar por completo deste filme se dê pela simpatia que tive com os personagens desde o original, principalmente Freddy Freeman (Jack Dylan Grazer), que aqui é a espinha dorsal da trama, mais do que o herói principal, ganhando até um interesse amoroso. Porém, é muito difícil chegar ao terço final da narrativa e não ficar aborrecido e impaciente, e até constrangido (o que é aquele diálogo do Grazer com a Rachel Zegler no final?).

Até dá para imaginar que o público alvo do filme seja as crianças, mas não imagino que tenha sido pensado dessa forma. E eu até poderia ficar feliz com uma certa participação especial lá no final, mas aquele momento só serve para tornar essa produção ainda mais constrangedora.

+ TRÊS FILMES

CREED III

Dos três filmes da franquia, CREED III (2023), de Michael B. Jordan, é o que mais possibilidades teria de se afastar da eterna repetição que costumam fazer de "Rocky". Inclusive por tratar de questões mais delicadas, como agressão e extrema pobreza. No entanto, a preguiça dos roteiristas faz com que este seja o mais tosco de todos, mesmo se percebendo muito dinheiro injetado na produção, o que, inclusive, torna o problema ainda mais sério – sem falar que vi numa tela IMAX, e isso maximiza as falhas também. Tudo no filme é pensado apenas para seguir um esquema previsível para se chegar nas duas lutas principais, que não conseguem manter o mínimo interesse ou conseguir um suspense necessário. Isso porque os personagens são mal desenhados e os atores mal dirigidos e nem o trio de bons atores consegue salvar o texto ruim. Não há o elemento mais importante dos filmes estrelados por Sylvester Stallone, que é o coração – os dramas e as fragilidades dos personagens importavam muito mais do que as lutas nos ringues. Viver dói muito mais do que levar porrada na frente de milhares de pagantes.

NAS ONDAS DA FÉ

O diretor de E AÍ...COMEU?! (2012), Felipe Joffily, assume a função de contar esta história sobre a corrupção dentro das igrejas evangélicas. NAS ONDAS DA FÉ (2023) é um filme que acerta em muitas coisas, em especial na presença de Marcelo Adnet, que além de colaborar com a história e com o roteiro, pega um papel perfeito para ele, com aquela capacidade que tem de assumir muitas personas. Aqui ele acaba se tornando, graças a uma brincadeira, um pastor que desperta tanto a paixão de fiéis quanto a inveja de outros ministros do meio que se veem inferiorizados diante de sua ascensão. Destaque também para a inspirada Letícia Lima, como a esposa fiel, além de um elenco de apoio de craques (Otávio Müller, Stepan Nercessian, Tonico Pereira, entre outras participações especiais bem-vindas). Acho que o filme perde um pouco a força da metade para o fim, quando parece não ter muita ideia do que fazer com o protagonista, mas acaba encontrando um finalzinho bem acertado.

CASAMENTO EM FAMÍLIA (Maybe I Do)

O dramaturgo e roteirista Michael Jacobs estreia na direção de longas-metragens numa adaptação de uma peça de sua autoria com CASAMENTO EM FAMÍLIA (2023). Deixou-me admirado o fato de ele (ou a produção) ter conseguido atrair tanta gente boa para o elenco com um texto que está longe de ser dos melhores. Em vários momentos, falta lógica na conversa entre os personagens, e isso faz com que todo o peso do filme caia nas costas do ótimo elenco de atores. Como os personagens dos jovens Emma Roberts e Luke Bracey são muito mal estruturados, a força está mesmo nos dois casais de veteranos. Diane Keaton e William H. Macy, em especial, estão adoráveis, tanto por interpretarem personagens mais desprovidos de malandragem, quase ingênuos, quanto pelo grande talento deles mesmo. E há o carisma e a elegância de Richard Gere e Susan Sarandon. Como comédia, o melhor momento acontece quando os dois casais descobrem, num jantar em família, que são pais dos filhos de seus amantes (ou quase isso, no caso de Keaton e H. Macy). Então, não deixa de ser curioso que uma peça guarde seu mais bem-sucedido momento num tipo de humor mais físico. E que bom que os atores se entregam aos papéis e transformaram o que poderia ser um desastre num filme muito simpático e que ainda pode mexer com as emoções de muitas pessoas que se identificam com certas situações dos casais com mais tempo de estrada.

sábado, março 18, 2023

SERVANT – QUARTA TEMPORADA (Servant – Season Four)



A única série que estive acompanhando neste início de ano chegou ao fim. Não sei se tenho saudades de quando eu conseguia acompanhar de três a quatro séries ao mesmo tempo, mas o fato é que minha ansiedade de poder ver mais filmes (e me frustrar na maioria das vezes, com isso) acabou me afastando mais das séries. Mas desta eu não poderia me afastar, pois foi se tornando uma das mais queridas. A quarta temporada de SERVANT (2023) começa depois de um baita gancho: Leanne (Nell Tiger Free) resolve dar um castigo grande em Dorothy (Lauren Ambrose), fazendo-a cair do alto de uma escada. Ficou no ar, inclusive, a possibilidade de Dorothy ter morrido, mas a nova temporada volta com a personagem se recuperando, mesmo correndo o risco de nunca mais voltar a andar novamente.

Essa Leanne mais malvada foi aparecendo paulatinamente ao longo da série. Quando ela chegou na casa dos Turner, sua intenção era cuidar de Dorothy, tanto que trouxe de volta, com seus poderes mágicos, a criança que havia morrido. Na series finale, Dorothy diz a ela que isso foi a maior prova de amor que alguém já lhe deu. Foi um momento muito bonito da série, aliás, levando em consideração que as duas se tornaram inimigas mortais ao longo dessa longa história de abuso e carência afetiva.

Talvez o episódio final tenha deixado um gostinho de desapontamento, principalmente pelas coisas acontecerem de maneira tão rápida. Mas foi tão bom chegar até aqui nesses quatro/cinco anos de mistério geralmente acontecendo entre quatro paredes. SERVANT foi uma série surgida em 2019, mas meio que antecipou o clima de pandemia, dos espaços fechados, que se tornou regra em várias produções ocorridas em 2020. E M. Night Shyamalan, como o showrunner, soube muito bem criar um material com um cuidado visual muito bom, com uma direção de arte caprichada, com uma fotografia bem pensada. 

Alguns cineastas que Shyamalan convidou para dirigirem vários episódios foram jovens diretores talentosos (a dupla Severin Fiala e Veronika Franz, de BOA NOITE, MAMÃE; Kitty Green, de A ASSISTENTE; Julia Docournau, de TITANE; Isabela Eklöf, de HOLIDAY; Carlo Mirabella-Davis, de DEVORAR,  entre outros, além da própria filha do cineasta, Ishana Shyamalan, responsável por alguns dos mais estilosos e bonitos episódios). Esse aval a jovens cineastas é também um convite a certos espectadores para que conheçam o trabalho desses realizadores, que podem tanto ser gigantes no futuro (Docournau ganhou até Palma de Ouro), quanto injustamente esquecidos.

Uma das graças de SERVANT é temermos e ao mesmo tempo torcermos por Leanne, por mais que ela transforme a vida dos Turners num inferno e muito provavelmente seja um demônio. Se o final da série parece anticlimático, talvez seja porque o penúltimo episódio foi muito poderoso e tenso, e também muito triste – afinal, é quando acontece, finalmente, o tão aguardado momento da revelação do ocorrido com o filho de Dorothy para ela. Muito se aguardava por isso e Shyamalan foi o diretor do episódio, trazendo ainda mais dramaticidade para a situação, além de encerrar esse episódio (chamado de “Awake”) com aquela proposta sinistra de Leanne a Dorothy, parecendo o diabo oferecendo um pacto difícil de ser recusado.

Não dá para dizer que os criadores não foram coerentes no fim de tudo. E Leanne teve uma saída de cena tão bela quanto merecedora de sua grandeza como personagem tão doce quanto maligna. Por isso é muito bom ver a série encerrando com esse tom de ambiguidade.

No mais, vale lembrar que a temporada também contou com episódios memoráveis, como “Séance”, aquele da sessão espírita, quando uma das cuidadoras de Dorothy chama a atenção para um bebê; “Boo”, o da festa de Halloween, em que Leanne se veste de forma muito bonita para a festa e acaba enfrentando heroicamente os membros do culto; e “Tunnels”, quando Sean (Toby Kebell) e Julian (Rupert Grint) tomam a decisão de apoiar Dorothy e tirar Leanne de suas vidas. Daria para citar mais, mas o espaço não cabe. No mais, vale lembrar que SERVANT é a segunda incursão de Shyamalan pela televisão, depois da ótima primeira temporada de WAYWARD PINES (2015-2016), infelizmente uma série pouco lembrada.

+ TRÊS FILMES

AS DUAS VIDAS DE AUDREY ROSE (Audrey Rose)

Uma das coisas mais interessantes deste filme de Robert Wise, cineasta prestigiado em Hollywood e que gostava de dirigir filmes de gênero também (horror, sci-fi, musical, western), é que AS DUAS VIDAS DE AUDREY ROSE (1977) é uma obra que fica no meio do caminho entre o terror e o drama, já que a questão da reencarnação não é necessariamente algo para dar medo. Agora, há sim um momento de tensão muito forte, que é a cena da hipnose da menina, lá perto de seu final. Na trama, Anthony Hopkins é um homem que se aproxima de uma família para dizer que a filha do casal é na verdade a reencarnação de sua filha, morta num acidente de automóvel. Entre a aceitação e o ataque, o filme ainda apresenta um interessante momento de drama de tribunal. Ainda assim, fiquei um pouco confuso com esse negócio de dois espíritos num único corpo. (Ou ao menos é isso que aparenta, quase como se fosse uma possessão.) O pessoal do espiritismo vê com bons olhos esse filme? Filme visto no box Obras-Primas do Terror Vol. 20.

O ÚNICO SOBREVIVENTE (Sole Survivor)

Precursor da franquia PREMONIÇÃO (2000-2011), este filme de baixíssimo orçamento conta a história de uma jovem mulher que é a única sobrevivente de um acidente aéreo. Logo que ela sai do hospital ela passa a ser perseguida por pessoas que estão aparentemente mortas - ou no mínimo muito estranhas. Engraçado que O ÚNICO SOBREVIVENTE (1984) tem os seus momentos e sinto um esforço de parte do elenco de dar o seu melhor, mas a direção pouco inspirada (do mesmo Thom Eberhardt de A NOITE DO COMETA, 1984) não compensa a falta de uma história melhor pensada. Ou seja, um monte de coisas não faz sentido, mas o problema nem é exatamente esse. De todo modo, acredito que é uma obra que pode encontrar o seu público. Filme visto no box Obras-Primas do Terror - Anos 80.

A SOMBRA DO GATO (The Shadow of the Cat)

Esta produção da Hammer dirigida por John Gilling, que curiosamente não se apresenta como sendo da Hammer nos créditos, é bem divertida. E fico me perguntando se algumas cenas engraçadas nasceram de fato para serem engraçadas. A princípio achei que não fosse me divertir com essa história aparentemente muito simples sobre uma gata que se vinga dos responsáveis pelo assassinato de sua tutora. A gata é uma graça e a gente torce por ela e pela morte dos tais vilões. Barbara Shelley (A ALDEIA DOS AMALDIÇOADOS) está bem como a moça que não sabe do ocorrido e é o mais próximo de uma heroína para a trama, mesmo com sua passividade. Fico imaginando como deve ter sido difícil de fazer as cenas com o gato, mas até que eles se saíram bem, com uso de campo-contracampo, efeitos de câmera especiais para o ponto de vista do felino e a tentativa de manter a iluminação sem oscilação em cenas mais escuras. Como se trata de um suspense gótico, a maioria das cenas de A SOMBRA DO GATO (1961) é noturna ou dentro do casarão. Visto no box Obras-Primas do Terror 19.

segunda-feira, março 13, 2023

OSCAR 2023



Foi horrível. Se uma vez eu já reclamei do Oscar, eu retiro o que eu disse. E para completar, para nós brasileiros, ainda sofremos com os apresentadores locais (da TNT, pois não temos mais a opção da Rede Globo). Mas acho, de uma maneira geral, e esquecendo os apresentadores brasileiros, posso estar levando muito para o lado pessoal, já que não sou nada simpatizante do grande vencedor da noite, TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO, que conquistou sete estatuetas, no que parecia uma espécie de surto coletivo (ou delírio coletivo?). Aliás, ontem estive conversando brevemente sobre essa história de delírio coletivo no Oscar com uma amiga querida e ela me falou algo que me fez pensar: que isso é mais do que comum nas premiações da academia, especialmente quando certos filmes pouco ou nada interessantes acabam conquistando o prêmio principal. Alguém se lembra de QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? Pois é. Ou quando há essa loucura de muitos prêmios mesmos para um único filme. 

No ano passado ocorreu uma pulverização dos prêmios por causa da falta de um filme que causasse uma simpatia maior por parte dos votantes. Assim, pudemos ver o caso de NO RITMO DO CORAÇÃO, uma deliciosa sessão da tarde que acabou ficando mal vista por conquistar o prêmio principal no fim da noite, sem ter o diretor indicado à categoria de direção. Mais ou menos o que aconteceu quando SPOTLIGHT – SEGREDOS REVELADOS foi o grande vencedor da festa de 2016. De todo modo, ambos são relevantes: um por lidar com questões relativas ao universo das pessoas surdas; outro por explicitar uma denúncia contra padres abusadores.

A desculpa para a vitória de TUDO EM TODO O LUGAR AO MESMO TEMPO que ando vendo por aí é que se trata de um filme nascido num momento em que as pessoas viviam consumindo telas – de celular, de computadores, de televisão – como forma de se sentirem menos solitárias durante o período da pandemia, mas também como ferramentas para o trabalho. Essa multiplicidade de afazeres e de telas teria supostamente inspirado o filme dos Daniels, embora saibamos que se trata mais de uma espécie de vingança dos nerds, com essa história de trazer a noção de multiverso, que já está se tornando um tema aborrecido, graças aos filmes da Marvel.

Sobre os momentos mais memoráveis da noite, eu destacaria o In Memoriam, ao som de uma canção tocada por Lenny Krevitz. É sempre uma seção da noite que me traz reflexões e John Travolta a apresentou bastante emocionado, como se estivesse sentindo a perda de um grande amigo ou amiga que deixou esse plano da existência. E de fato sentia: de sua amiga Kirstie Alley, falecida em dezembro passado, com quem contracenou em OLHA QUEM ESTÁ FALANDO.

No mais, acredito que o mais próximo de uma zebra da noite foi o prêmio de figurino para PANTERA NEGRA – WAKANDA PARA SEMPRE. No mais, foi tudo mais ou menos como já esperado pelos sites de aposta, e talvez por isso a cerimônia tenha sido tediosa - o que salvou foram os bolões e as conversas pelo zap, messenger ou facebook com os amigos. Claro que eu não queria uma repetição do tapa do ano passado, mas seria interessante ter algo do que falar com entusiasmo no dia seguinte. Os prêmios para Brendan Fraser por A BALEIA e para Michelle Yeoh para o filme dos Daniels já eram aguardados, embora ainda se pensasse numa possível chance de o prêmio da direção ir para Steven Spielberg. Ou, melhor ainda: para Todd Field. Até o Oscar de roteiro adaptado parecia já destinado a ENTRE MULHERES.

Assim, os três melhores filmes indicados à categoria principal (na minha opinião) – OS BANSHEES DE INISHERIN, OS FABELMANS e TÁR – acabaram saindo da festa de mãos abanando. Mas tudo bem. Que o Oscar 2024 seja melhor.


Os premiados


Melhor Filme – TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO
Direção – Daniel Kwan e Daniel Scheinert (TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO
TEMPO)
Ator – Brendan Fraser (A BALEIA)
Atriz – Michelle Yeoh (TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO)
Ator Coadjuvante – Ke Huy Quan (TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO)
Atriz Coadjuvante – Jamie Lee Curtis (TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO)
Roteiro Original – TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO
Roteiro Adaptado – ENTRE MULHERES
Fotografia – NADA DE NOVO NO FRONT
Montagem – TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO
Trilha Sonora Original – NADA DE NOVO NO FRONT
Canção Original - "Naatu Naatu” (RRR – REVOLTA, REBELIÃO, REVOLUÇÃO)
Som – TOP GUN – MAVERICK
Efeitos Visuais – AVATAR – O CAMINHO DA ÁGUA
Direção de arte – NADA DE NOVO NO FRONT
Figurino – PANTERA NEGRA – WAKANDA PARA SEMPRE
Maquiagem e cabelos – A BALEIA
Filme Internacional – NADA DE NOVO NO FRONT (Alemanha)
Longa de Animação – PINÓQUIO POR GUILLERMO DEL TORO
Curta de Animação – O MENINO, A TOUPEIRA, A RAPOSA E O CAVALO
Curta-metragem live action – AN IRISH GOODBYE
Documentário – NAVALNY
Curta Documentário – COMO CUIDAR DE UM BEBÊ ELEFANTE

sábado, março 11, 2023

PÂNICO VI (Scream VI)



As últimas semanas (na verdade, os últimos meses) foram marcadas por muito trabalho, muita preocupação, muitos afazeres e, além de tudo, pouca energia para me dedicar ao blog, o que me deixa um pouco frustrado. Mas não posso reclamar, pois houve motivos nobres e positivos para minha dificuldade de conseguir mais tempo para o que gosto de fazer. Por conta disso, houve um acúmulo altíssimo de filmes vistos e apenas comentados brevemente no calor do momento. Logo, vou voltar, pelo menos neste mês de março, a colocar mini-textos de três e não de dois filmes, de modo a diminuir essa pilha. Geralmente tomo cuidado para colocar filmes que tenham um pouco a ver com o texto principal, mas nem sempre isso é possível.

Falemos então de PÂNICO VI (2023), o mais novo exemplar da franquia criada por Wes Craven e Kevin Williamson em 1996 e que foi marcante por trazer um senso de humor muito próprio e um sentimento de autoconsciência dos personagens de estarem dentro de um slasher em que eles são suspeitos e vítimas. Dois anos antes, Craven havia brincado com metalinguagem no genial O NOVO PESADELO – O RETORNO DE FREDDY KRUEGER (1994), em que a maior parte do elenco e da equipe técnica interpretava a si mesmos e eram também potenciais vítimas do assassino dos sonhos. (Se bem que esse tipo de brincadeira, o nosso querido José Mojica Marins já havia feito em EXORCISMO NEGRO, em 1974.) 

Com a morte de Craven em 2015 e um quarto filme de PÂNICO tendo surgido em 2011, num espaçamento maior de tempo com os demais exemplares que trazia tanto a sensação de cansaço, quanto de alegria, parecia quase impossível alguém conseguir fazer algo tão bom quanto os trabalhos do mestre. Alguns fãs mais radicais nem olhavam (nem olham) com bons olhos o trabalho da dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillet de assumir a dura tarefa de continuar o legado do mestre. E por isso PÂNICO (2022), o quinto filme da franquia, recebeu críticas divididas. Não se poderia esperar algo diferente deste novo filme, ainda mais por ter sido feito com tanta rapidez, aproveitando evidentemente o sucesso comercial do anterior.

O novo filme, com “sede” agora em Nova York, mantém a tradição de começar com um prólogo em que uma garota recebe uma ligação do assassino e é brutalmente morta. Aqui há algo que chama mais a atenção dos fãs mais atentos de slashers, que é a menção explícita aos gialli, os charmosos filmes de matança italianos que influenciaram o surgimento dos slashers a partir do final dos anos 1970. A garota da vez é interpretada por Samara Weaving, protagonista de CASAMENTO SANGRENTO (2019), o filme que deu maior visibilidade à dupla de diretores. Mas há algo que foge à regra, pelo menos aparentemente, no prólogo: o assassino tira a vestimenta e vemos seu rosto. Além disso, quando ele chega em casa, ele usa uma camiseta com o título de um filme cult de Dario Argento, QUATRO MOSCAS SOBRE VELUDO CINZA, terceiro filme do maestro do terror. E há outro detalhe muito importante que será a cara deste novo filme: ao chegar em casa, esse rapaz falará sobre o quanto foi prazeroso para ele matar aquela mulher. Quase como um orgasmo.

Essa questão do prazer nas mortes lembra bastante os filmes de Argento, que trazem o prazer associado à beleza visual das cenas gráficas de morte e violência, e também associadas a uma excelente trilha sonora. Não temos uma excelente trilha sonora aqui, mas o tema do prazer de matar está presente. Inclusive, eu diria que o fato de termos uma heroína que carrega o sangue de um dos assassinos do primeiro filme, Billy Loomis (Skeet Ulrich), e de ter contato com seu fantasma – ou seriam alucinações? –, ajuda a tornar a personagem mais sombria. Aliás, a classificação indicativa 18 anos do filme no Brasil deve ter mais a ver com essas questões do que com as cenas de assassinatos em si. Falando na moça, Melissa Barrera já é uma das melhores musas do gênero. Por outro lado, acho a personagem de Jenny Ortega fraca. E como o tempo é cruel, já se percebe uma falta de interesse em dar maior importância à personagem de Courtney Cox, a única do trio original que volta para o novo filme.

Uma das coisas que senti falta neste novo exemplar da franquia foi a falta de um humor mais eficiente. E foi algo que não entendi, pois a dupla de diretores conseguiu direitinho no filme anterior, que me deixou com um sorriso de orelha a orelha do início ao fim. De todo modo, PÂNICO VI ainda é um bom filme e os novos autores não deixam a peteca cair e mantêm o legado de Wes Craven bastante relevante. Talvez só precisem pensar melhor o próximo projeto e não fazer as coisas de maneira tão apressada. E o que é aquela personagem da Hayden Panettiere? Uma participação infeliz ou apenas uma personagem mal construída? Ela foi a “primeira garota” de PÂNICO 4 (2011) e agora volta como uma agente do FBI. Pelo menos a rápida conversa dela sobre filmes de terror com a personagem de Jasmin Savoy Brown é divertida.

Mudar as regras e as repetições é outro desafio que é conseguido pelos diretores, assim como trazer questões de tempos de pós-verdade. A violência segue bem gráfica e enaltecendo alguns mestres do horror italiano, mas não acho que nenhuma cena tenha o mesmo impacto daquela antológica dos assassinos se esfaqueando do primeiro filme. Mas fazer isso seria muito difícil. Uma pergunta que me faço: o fato de o filme deixar a gente com vontade de ver um slasher “raiz” (dos anos 1980) ou um bom giallo (dos anos 1970) seria um bom ou um mau sinal?

PÂNICO VI foi o primeiro filme da franquia a ganhar lançamento em 3D. Não sei como foi o resultado pois quase sempre o 3D mais atrapalha do que ajuda. Se alguém viu em 3D, me diga se há algum ganho no entretenimento.

+ TRÊS FILMES

PEARL

A prequel de X – A MARCA DA MORTE (2022) é um filme mais ousado que seu anterior em aspectos formais. Há um tempo mais estendido, com direito até a um monólogo muito mais longo do que estamos acostumados em filmes do gênero. Podemos chamar de slasher também, já que há a figura do assassino e várias mortes, mas é uma obra mais interessada na personagem de Mia Goth do que em trazer diversão ou medo com as mortes. Ao que parece a atriz contribuiu bastante com os diálogos, já que é corroteirista junto com Ti West. O diretor também tem se mostrado muito habilidoso em homenagear determinados períodos do cinema usando uma direção de arte muito criativa. Seus melhores filmes fazem essa homenagem - incluo A CASA DO DIABO (2009) entre eles. Aqui ele homenageia os filmes do cinema mudo, já que a história se passa em 1918. Aguardemos MAXXINE, a verdadeira continuação de X, novamente com Mia Goth, e com uma pegada oitentista.

O PÁSSARO SANGRENTO (Deliria/StageFright)

A revisão de O PÁSSARO SANGRENTO (1987), de Michele Soavi, me ajudou não apenas a refrescar a memória, afinal vi o filme pela primeira vez há vinte anos, mas a perceber melhor o interesse de Soavi em fazer um slasher com um cuidado muito maior na direção de arte, seguindo os passos de seu mestre, Dario Argento. Este foi o primeiro filme do realizador e demoraria mais uns poucos para que ele mostrasse ao mundo sua obra-prima (PELO AMOR E PELA MORTE, 1994). Na trama, um assassino psicopata entra dentro de um teatro onde um grupo de artistas pouco famosos está ensaiando uma peça. As cenas de violência não são exatamente violentas. Elas parecem procurar uma espécie de beleza transcendental e isso faz com que a obra se distancie bastante dos exemplares do gênero lançados com bastante frequência na década de 1980. A trilha sonora é bem oitentista, mas remete mais às produções italianas (aos gialli, principalmente) do que às americanas. Visto no box Slashers (o primeiro).

A PRAIA DO PESADELO (Nightmare Beach / La Spiaggia del Terrore)

Quando estou muito estressado ou cansado ou me sentindo um tanto sem energia, minha vontade é ver um filme de décadas passadas, de preferência de gênero, para relaxar. Recorri ontem a este slasher de Umberto Lenzi, diretor a que sempre tive uma relação de achar menor ou de menor importância, mas isso é um preconceito bobo de que preciso me livrar. Este A PRAIA DO PESADELO (1989) é bem divertido, com a beleza da praia de Palm Beach, das mulheres lindas em roupas de banho, e há um visual muito interessante do assassino, um cara com roupa de motoqueiro com um capacete em que não se vê o rosto, e durante as mortes vemos a imagem dos últimos momentos de vida das vítimas. A trilha sonora de Claudio Simonetti ajuda a dar um ar gostoso ao filme, assim como as canções que pendem para o hard rock e o heavy metal. Na trama, motoqueiro vai injustamente para a cadeira elétrica e promete se vingar. Logo em seguida, aparece esse motoqueiro misterioso que mata suas vítimas queimadas ou eletrocutadas, em geral. O filme explora a beleza dos corpos na juventude da mesma maneira que flerta com a morte, o que é uma coisa muito comum no slasher. Esse aqui, porém, tem um quê de giallo, mas isso se dá mais pelo estilo do diretor e pela questão da investigação do assassino. Filme visto no box Slashers VII.