quinta-feira, março 31, 2011

ATIVIDADE PARANORMAL EM TÓQUIO (Paranômaru Akutibiti: Dai-2-shô - Tokyo Night)



Quem são mais picaretas: os americanos, que fizeram os seus remakes de O CHAMADO e O GRITO, ou os japoneses que fizeram um remake do americano ATIVIDADE PARANORMAL? E por falar nos japoneses, passada a onda, por onde andam Hideo Nakata e Takashi Shimizu? Vai ver estão seguindo suas carreiras, mas infelizmente o mercado exibidor capitaliza em cima do hype. Uma vez passado, por melhor que sejam as carreiras de seus realizadores, eles ficam esquecidos. Mas falemos um pouco dessa nova picaretagem, ATIVIDADE PARANORMAL EM TÓQUIO (2010).

O filme é um remake disfarçado de continuação do original americano. Ainda assim, há algo próprio dos japoneses, obviamente, que se transmuta para esta nova versão. A começar pela ambientação mais fechada, numa casa menor, o que supostamente poderia gerar um clima mais claustrofóbico. Infelizmente, toda tentativa de causar terror do filme vai por água abaixo e tudo o que muita gente falou dos dois exemplares americanos, eu posso dizer dessa versão japonesa: é chato, não assusta e dá sono. Até porque o efeito de originalidade vai pro esgoto para quem já viu os dois filmes. Seria preciso modificar bastante o enredo e ter um diretor com ótimo poder de causar sustos e de prender a atenção do público para fazer a coisa funcionar. Talvez não seja o caso de Toshikazu Nagae.

Na trama, uma jovem volta de uma viagem dos Estados Unidos com as duas pernas quebradas. Como o pai dela viaja a negócios, cabe ao irmão cuidar dela durante o longo período de convalescência. Como é de se esperar, logo a garota passa a contar para o irmão sobre estranhos incidentes que acontecem em seu quarto durante a noite. O primeiro deles é a cadeira de rodas, que mudou de lugar. O rapaz logo suspeita que se trata de um espírito, que a casa esteja assombrada, e utiliza uma câmera de vídeo para flagrar alguma coisa durante a noite. O resto do filme não difere muito da primeira produção americana. O que há de diferente é a estranheza na utilização de crenças cristãs dentro da cultura nipônica, como na cena da cruz. Mas não é de hoje o interesse dos japoneses por elementos da Cristandade, mesmo que seja para modificá-los à sua maneira.

quarta-feira, março 30, 2011

SEM LIMITES (Limitless)



Na primeira metade dos anos 90, quando comecei a frequentar cursinhos para tentar o vestibular, ia para as aulas e dormia, de tão cansado que estava do dia de trabalho. Até chegar o dia em que eu experimentei o suco de guaraná (na época, só se vendia apenas o tradicional, com xarope de guaraná, pó, castanha de caju e amendoim). Além de delicioso, o suco me fez não apenas ficar "ligado", mas também me deixou com ânimo para continuar estudando em casa, entusiasmado e com sede de conhecimento. Passei a tomá-lo todos os dias, dessa vez pela manhã. Assim eu podia passar o dia inteiro disposto. Saía de casa às vezes com ressaca de sono, mas era só tomar o suquinho mágico que estava pronto para o que viesse. Queria fazer várias coisas ao mesmo tempo, até mesmo correr, mas tinha mesmo que gastar a energia no trabalho. Vi que estava dependente quando, para produzir um texto para a faculdade, tive que pegar um ônibus e ir ao Centro da cidade apenas para tomar o tal suco. Aí sim, magicamente, veio inspiração para fazer um texto de ficção em inglês.

Mas com o tempo a droga natural foi me fazendo mal. Certo dia, depois de uma noite de bebedeira e de ter perdido o sono, fiz a besteira de ir trabalhar cedo mesmo assim, e tomando o suco, claro. Tive uma convulsão assustadora, tanto para mim quanto para quem estava no trabalho, e acordei no hospital de emergência da cidade, desnorteado. Apesar de tudo, e de passar a tomar uma medicação que me proibia de beber, continuei a tomar o suquinho, até passar a ter transtornos de ansiedade em 2007, ano que eu considero um dos piores da minha vida, junto com 1991. A partir de então, deixei de tomar o tal suco, vi que conseguia produzir sem ele, continuei tomando drogas prescritas para problemas neurológicos e passei a ter uma vida quase normal. Exceto pela falta que eu sinto dos tempos em que podia beber um pouco (saudade dos anos 90 inclui isso) e pelas palavras que às vezes me faltam à memória em alguns momentos. Mas acredito que a atividade da escrita ajuda a manter o cérebro ativo e como escrevo praticamente todos os dias, acho que está tudo bem.

Resolvi escrever esses parágrafos porque, de uma maneira muito pessoal, SEM LIMITES (2011) falou a mim. Claro que o NZT está muito longe de um simples suco de guaraná da Amazônia, mas eu me senti um pouco na pele do personagem nos momentos de euforia e vontade de escrever e usar bem mais do que os 20% da capacidade cerebral (Raul Seixas dizia que eram apenas 10%, não?), como também no momento em que ele sente falta da droga e precisa usar de novo para conseguir finalizar o seu livro. Claro que o filme exagera como pode, transformando o personagem de Bradley Cooper numa espécie de Neo (MATRIX). Ele aprende a lutar apenas lembrando dos filmes de Bruce Lee e das lutas de Muhammad Ali. Sua inteligência o leva à bolsa de valores, aos cassinos, até chegar à política. É mais ou menos entre uma e outra passagem que o personagem de Robert De Niro entra em cena, como o sujeito interessado em fazer uma parceria com o aparentemente "homem mais inteligente do mundo".

Como a inteligência humana pode ser classificada em vários tipos, um jogador de futebol tem uma inteligência diferente de um físico, que tem uma inteligência diferente de um romancista e isso não impede que os três profissionais possam ser considerados geniais, cada um à sua maneira. Por isso, talvez seja impossível encontrar alguém que tenha todas as formas de inteligência conjugadas.

O filme de Neil Burger, mais famoso pelo ótimo O ILUSIONISTA (2006) e que tem apenas quatro títulos no currículo, é bem sucedido ao mostrar a ascensão do personagem de Cooper, através de recursos de câmera que nos deixam às vezes com vertigem, com a velocidade com que ela voa por Nova York. Há também muito suspense causado pelo envolvimento com o tráfico, rendendo momentos fantásticos, como aquele em que Abbie Cornish está fugindo de um mafioso e prestes a ser assassinada. O filme, aliás, já começa com Cooper no terraço de um prédio, prestes a tirar a própria vida. Somos convidados por ele mesmo, o narrador, a voltar no tempo e ver os momentos anteriores àquela situação. E isso até passa um pouco de nostalgia dos filmes hollywoodianos clássicos que utilizam muito esses recursos de voice-over e flashback. Por isso, independente de eu ter me identificado com o personagem em algum momento, vejo SEM LIMITES como um dos thrillers mais interessantes dos últimos anos.

terça-feira, março 29, 2011

DISQUE BUTTERFIELD 8 (Butterfiel 8)



Em fevereiro foi Jane Russell, rainha das pin ups, agora em março, Elizabeth Taylor, que se autointitulava uma sobrevivente, por ter passado por tantas coisas em sua vida, nos territórios da profissão, dos amores e da saúde. Ela parecia eterna. Não eterna só no sentido figurado, mas no sentido material mesmo. Ela representava uma Hollywood luminosa, a que morreu na segunda metade dos anos 1960, com a chegada da contracultura no cinema americano. Sua morte, no dia 23 da semana passada, representou o fim definitivo de uma era. Ela foi a primeira mulher a ditar um valor exorbitante para protagonizar uma superprodução (CLEÓPATRA, 1963) e antecipou o "casa-separa" dos astros de hoje em dia, ao ter casado sete vezes – duas delas com Richard Burton, seu maior parceiro nas telas e na vida e falecido no hoje distante 1984.

Muito já se falou de sua vida e obra logo que sua morte foi anunciada. O que posso acrescentar é pouco: as minhas lembranças de seus filmes. Infelizmente vi poucos. Sem dúvida, o que mais me marcou foi o excepcional UM LUGAR AO SOL (1951), de George Stevens. Outro de Stevens também é grandioso, inclusive em sua duração e ambição, ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE (1956). Ambos foram protagonizados por dois de seus grandes amigos, os dois gays, Montgomery Clift e Rock Hudson. Os dois viveram num tempo em que ser homossexual era muito mais complicado, principalmente em Hollywood, onde esses homens tinham de posar de bons maridos. A causa gay culminou nos anos 80 com a luta contra a AIDS, que Liz Taylor abraçou.

Liz Taylor se mostrou grandiosa ao fazer parte de famosas adaptações de obras de Tennessee Williams (GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE, 1958, e DE REPENTE, NO ÚLTIMO VERÃO, 1959) e Edward Albee (QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF?, 1966, que lhe rendeu o seu segundo Oscar). Seu primeiro veio com DISQUE BUTTERFIELD 8 (1960), de Daniel Mann, o filme que escolhi para homenageá-la. Não é exatamente um de seus melhores trabalhos, mas ela é maior do que o filme e isso já é o suficiente para torná-lo digno para uma homenagem.

Sua personagem no filme me fez lembrar Audrey Hepburn em BONEQUINHA DE LUXO, de Blake Edwards. Ambos mostram prostitutas de luxo, mas em DISQUE BUTTERFIELD 8, as tintas são bem mais dramáticas. Liz Taylor tangencia a vulgaridade e a elegância com sua personagem, Gloria Wandrous, bastante insinuante e sensual em seus trajes, mas também bastante convincente em sua carência afetiva. O filme se inicia com ela acordando. Logo sabemos que ela está na casa de seu amante (Laurence Harvey). E mais tarde sabemos também que ela tem a fama de sair com vários homens. Mas com esse agora é diferente, pois um forte sentimento brota dos dois, embora ele seja um homem casado, e com uma mulher vinda de família milionária.

O filme tem um andamento narrativo um tanto aborrecido, como acontece com vários títulos da primeira metade da década de 60, mas vai crescendo aos poucos, à medida que se aproxima do clímax. O final carrega bastante na dramaticidade, mas eu diria que isso faz parte do charme do filme, que, se não fosse por isso, não valeria mais do que vale. Há, como não poderia deixar de ser num filme ambientado naquela época um forte aspecto moralista, já que o sujeito tem uma esposa compreensiva e a instituição do casamento ainda deveria ser respeitada a todo custo. Assim, é preciso entender o contexto da época, as imposições da sociedade. Mas quem entra no clima de DISQUE BUTTERFIELD 8 até pode sentir o pesar de seus protagonistas.

segunda-feira, março 28, 2011

UM LUGAR QUALQUER (Somewhere)



E cada vez mais Sofia Coppola sai da sombra do pai e se torna uma autora de mão cheia. UM LUGAR QUALQUER (2010) é, junto com ENCONTROS E DESENCONTROS (2003), o seu momento de maior brilho. Embora nos outros filmes o registro intimista também esteja presente, é com a obra que a consagrou que o novo trabalho encontra mais pontos em comum. Até por ter como protagonista um personagem masculino. No anterior, tínhamos Bill Murray, agora Stephen Dorff, ambos interpretando atores, embora em situações um pouco distintas - um decadente, o outro, no auge do sucesso. Há a vida em hotéis de luxo, o glamour que se constitui em vazio, o desconforto em relação à riqueza, levado às últimas consequências em MARIA ANTONIETA (2006). Todos elementos bastante comuns nesses filmes. Pode parecer frescura para muitos, mas provavelmente só sabe como é esse vazio quem nasceu em berço de ouro, como é o caso de Sofia.

As cenas das gêmeas loiras que fazem shows de pole dancing para o protagonista remetem diretamente ao videoclipe "I just don't know what to do with myself", da dupla White Stripes, que a própria Sofia dirigiu. Em UM LUGAR QUALQUER, a canção que toca no show das gêmeas é o rock "My hero", do Foo Fighters, que aliás ficou lindo e toca do início ao fim. Sofia não tem a menor pressa em contar sua história, mais pautada em atmosfera e personagens do que em um enredo. Ver a doce melancolia do jovem ator, assistindo aquelas lindas moças com pouca roupa dançando exclusivamente para ele, mostra que Sofia nunca teve problemas em mostrar sua admiração pelas formas femininas. Lembremos que ENCONTROS E DESENCONTROS (2003) se inicia com o belo traseiro de Scarlett Johansson em close-up. Aliás, percebe-se uma admiração pelo corpo feminino em todos os filmes de Sofia, inclusive em sua estreia, AS VIRGENS SUICIDAS (1999).

UM LUGAR QUALQUER talvez seja o seu filme mais "europeu", que encontra ecos nos Estados Unidos provavelmente apenas com o cinema de Gus Van Sant, também adepto de performances intimistas e planos lentos e longos. Os personagens são interpretados por Stephen Dorff, o jovem ator de sucesso que tem tudo o que quer, mas que sente um vazio no peito, um mal estar existencial; e a bela Elle Fanning, que interpreta sua filha de onze anos. Com a ausência da mãe, que viaja para dar um tempo na relação, a menina fica sob os cuidados do pai, pouco acostumado com sua presença. A garota experimenta o contato com o pai com alegria e disposição, embora mesmo os momentos alegres do filme estejam impregnados com um pouco de melancolia. Mas é justamente por esse tom que UM LUGAR QUALQUER conquista o espectador que quer experimentar algo diferente na sala escura do cinema. O Leão de Ouro em Veneza foi justo.

P.S.: Já está online a edição de março da Revista Zingu!, que conta como destaques o Dossiê Geraldo Vietri e o especial "O carnaval no cinema". Além dos extras, sempre saborosos.

domingo, março 27, 2011

SUCKER PUNCH – MUNDO SURREAL (Sucker Punch)



Zack Snyder começou a ser um cineasta que despertou a antipatia de boa parte de cinéfilos e críticos quando despejou nos cinemas 300 (2006), a adaptação da famosa graphic novel de Frank Miller. O filme era bem carnavalesco e até dava para se divertir com ele, mas realmente não é uma obra para se levar a sério. Quando o diretor adaptou outra graphic novel, uma mais famosa ainda, que aqui chamaram de WATCHMEN – O FILME (2009), houve um melhor tratamento com relação à obra original, até porque o próprio Alan Moore já deixou seus quadrinhos quase como storyboards bem desenhados (por Dave Gibbons). E o que Snyder fez para deixar a sua marca foi utilizar seu recurso preferido: a câmera lenta; bem como do seu segundo recurso preferido: o uso de canções pop.

Em SUCKER PUNCH – MUNDO SURREAL (2011) esses dois elementos são usados e abusados a ponto de encher a paciência do espectador. Ou convidá-lo ao sono, especialmente nas cenas que se passam na mente da protagonista (Emily Browning), quando ela dança e vai parar em outro mundo, onde é uma espécie de super-heroína de videogame, num ambiente tão artificial quanto o de CAPITÃO SKY E O MUNDO DE AMANHÃ. O que não quer dizer que quando a história se passa dentro do manicômio onde a garota é largada pelo padrasto perverso o filme seja no mínimo satisfatório. Mas pelo menos, nesse mundo mais "real", SUCKER PUNCH torna-se um pouco mais assistível.

No prólogo do filme, até daria para elogiar Snyder como contador de histórias sem utilização de diálogos, já que ele volta às origens e faz videoclipes utilizando canções clássicas como "Sweet dreams (are made of this)", dos Eurythmics, passando por "Where is my mind?", dos Pixies, e até mesmo "Tomorrow never knows", dos Beatles. (Ninguém respeita mais nada mesmo.) Mas a base principal das versões das canções vem de "Army of me", da Björk.

O filme tem uma característica de adaptação de videogame pelo enredo, no qual a jovem é enclausurada com a intenção de ser lobotomizada, mas que busca no mundo irreal artifícios para fugir de lá, através de coisas que ela deve obter para conseguir fugir. Junto com ela, outras meninas topam a difícil e perigosa fuga. A presença de Abbie Cornish entre as meninas até poderia ser interessante, afinal ela aparece com pouca roupa e de maneira diferente do que se costuma ver. Mas em um filme tão constrangedor e no meio de garotas de idade inferior à dela, já uma mulher, me pareceu um equívoco duplo para a bela atriz. SUCKER PUNCH é aquele tipo de filme que faz a gente ter vergonha de estar vendo.

sexta-feira, março 25, 2011

INVASÃO DO MUNDO: BATALHA DE LOS ANGELES (World Invasion: Battle Los Angeles)



O único interesse real de INVASÃO DO MUNDO: BATALHA DE LOS ANGELES (2011) é o tal novo formato digital em alta definição 4k, exclusivo da Sony, e aqui no Brasil, exclusivo das salas UCI, que estão equipando aos poucos as salas para essa nova tecnologia. A tela é prateada, o som é impressionantemente bom, a imagem é cristalina, mas a fotografia ainda me pareceu um pouco lavada e sem cores muito vivas, como normalmente se vê nos melhores filmes em película. As imagens em alta definição prenunciam o futuro do cinema e o fim das velhas e boas latas de película.

Quanto ao filme, o começo é até promissor, quando um grupo de soldados e oficiais do exército americano é convocado para comandar uma suposta evacuação da população de Los Angeles. Algo estranho está acontecendo, com a queda de meteoros, que depois se vê que se tratam de extraterrestres. Em seguida, o filme se transforma de vez num videogame sem graça, pois não podemos interagir. Pode-se dizer que 80% ou mais se compõem de tiroteios entre o exército e os ETs.

Aaron Eckhart é o nome mais conhecido do elenco, seguido de Michelle Rodriguez, que já ganhou o estereótipo de policial ou mulher máscula. Os demais personagens são apresentados com seus nomes e títulos no início do filme, de modo que sejam fáceis de serem esquecidos. Se a intenção era apresentar aos poucos um pouco deles para fazer o espectador lamentar a morte de alguns, essa intenção passou longe de ser bem sucedida. Logo, passado o interesse pela beleza e som das imagens da nova tecnologia, o que resta é a monotonia da tal batalha contra os "dróides".

quinta-feira, março 24, 2011

ROBOCOP - O POLICIAL DO FUTURO (Robocop)



Depois do espetacular CONQUISTA SANGRENTA (1985), uma coprodução EUA/Espanha/Holanda, ROBOCOP - O POLICIAL DO FUTURO (1987) foi de fato a estreia de Paul Verhoeven em Hollywood. E foi uma obra de impacto em sua época, mas revendo hoje, impressionei-me com o quanto o filme envelheceu mal. Talvez eu até o considere o pior da carreira de Verhoeven, um dos cineastas favoritos da casa. O principal problema do filme está no próprio Robocop, que visto hoje parece uma piada requentada, de tão ridículo que é com seus movimentos e sua interpretação. Se bem que a culpa talvez nem seja de Peter Weller, que quando bem dirigido é um ótimo ator.

O fato de colocarem Verhoeven - famoso por sexo, violência e escatologia em seus filmes holandeses - para dirigir um blockbuster hollywoodiano foi um ato corajoso da parte dos produtores. Ainda que algumas cenas tenham sido cortadas da edição final por causa da violência gráfica, do jeito que ficou, ROBOCOP ficou suficientemente violento para a sua audiência, que pelo seu jeitão infantilóide deve ser mais adolescentes e crianças. Claro que o filme foi pensado para um público mais amplo, mas não é assim que ROBOCOP hoje em dia parece ter sido feito.

Rever o filme foi decepcionante, mas também foi bom para ver uma prévia do que Verhoeven faria na obra-prima TROPAS ESTELARES (1997), feito dez anos depois. Com a vantagem de que o filme dos insetos gigantes é muito mais violento e assustador, os efeitos especiais continuam impressionantes e a utilização de propagandas e telejornais muito mais inteligentes. Vai ver devemos a ROBOCOP a existência de TROPAS ESTELARES. Claro que comparar uma tecnologia de dez anos de diferença pode até ser covardia, mas filmes mais antigos que ROBOCOP conseguem ser muito mais convincentes do que o robozão feito em stop motion na sequência de luta com o Robocop.

Os extras do dvd não vêm com legendas, mas dá para assistir tranquilamente. Na verdade, eles não acrescentam muito e o melhor deles é o documentário de pouco mais de meia-hora sobre o making of do filme. Os outros minidocumentários também destacam mais seus aspectos técnicos. Tive preguiça de ouvir o áudio de comentário (sem legenda) de Paul Verhoeven, o que talvez seja até mais interessante do que esses extras. Talvez o cineasta faça alguma autocrítica de seu trabalho.

Boa sorte para José Padilha, que aceitou o abacaxi da refilmagem de ROBOCOP, mas tenho quase certeza de que vai ficar bem melhor do que o do Verhoeven, que apesar de fazer uma espécie de crítica à sociedade americana, com seu fetiche por armas de fogo, não consegue ir mais fundo na questão. No documentário, ele diz que sua intenção não é exatamente criticar, mas simplesmente mostrar uma visão de um estrangeiro da cultura americana.

quarta-feira, março 23, 2011

JOGO DE PODER (Fair Game)



É sempre muito bom ver um sujeito que esteve no topo do poder e que agiu de maneira corrupta e mentirosa ser desmascarado, como está sendo George Bush. A história tem tratado disso. Mas pouco depois do ataque às Torres Gêmeas, quando George Bush culpou o ditador iraquiano Saddam Hussein, inventando a história de que Hussein havia conseguido urânio e de que havia armas de destruição em massa no Iraque, os Estados Unidos viviam uma onda de patriotismo e ódio aos responsáveis pelo pior atentado da história do país que qualquer pessoa que ousasse falar mal do governo era taxado de antipatriota ou comunista.

JOGO DE PODER (2010), de Doug Liman, é um retrato daqueles meses e anos que se seguiram ao atentado e foca a atenção na vida de um casal vivido por Sean Penn (no papel do diplomata Joseph Wilson) e Naomi Watts (como a agente secreta da CIA Valerie Plame). Ambos têm uma vida politicamente ativa e têm seus próprios princípios. O que acaba tornando o relacionamento dos dois bem complicado quando o Governo americano joga sujo e tenta tirar as pedras (os dois) do seu caminho.

Por mais que o filme traga um trama interessante, que seja tratado de forma inteligente - diferente de ZONA VERDE, de Paul Greengrass - e que tenha uma elegância narrativa, uma fotografia caprichada (do próprio Liman) e uma construção do drama familiar do casal como ponto alto, as sequências iniciais, quando JOGO DE PODER ainda carrega características de filme de espionagem, subgênero confuso por excelência, o filme é um convite ao sono. Por mais que Liman movimente sua câmera constantemente – mesmo numa simples cena de conversa do casal dentro do carro -, os vários personagens e nomes citados e o excesso de saltos temporais tornam o filme menos interessante, a princípio.

Porém, quando a casa cai para Joseph Wilson, e sua esposa tem a idade secreta revelada, JOGO DE PODER ganha uma força impressionante. Wilson, como o homem que não se cansa de ir à luta e dizer à verdade à imprensa sobre a farsa de Bush, não poderia ter um intérprete melhor do que Sean Penn. O ator, que teve a coragem de dirigir um segmento do filme coletivo 11 DE SETEMBRO, que mostrava as Torres Gêmeas como elementos que mais serviam para matar a vida com suas enormes sombras, parece ter uma linha política bem de esquerda.

O fato é que, mesmo depois de Bush ter saído do poder, é mais do que válido um filme sério como esse expor a verdade por trás das falcatruas do ex-presidente e sua corja. Mesmo sabendo que nem ele, nem aqueles que o apoiavam vão para a cadeia um dia.

terça-feira, março 22, 2011

CÓPIA FIEL (Copie Conforme)



A expectativa em torno de CÓPIA FIEL (2010) era grande por uma série de razões. Primeiro, porque já fazia um bom tempo que um filme de Abbas Kiarostami não entrava em cartaz nos cinemas da cidade. O último havia sido o documentário ABC ÁFRICA (2001), numa espécie de festival, mas mesmo assim, eu acabei não vendo. Tudo bem que teve o filme em segmentos CADA UM COM SEU CINEMA (2007), mas ali só apresentava um pequeno curta. Então, a última vez que eu vi um filme do diretor no cinema foi quando O GOSTO DE CEREJA (1997) esteve em cartaz em poucas sessões aqui, no tempo em que era moda passar filmes de vários cineastas iranianos no circuito alternativo. Foi uma experiência fascinante e inesquecível. Meus outros contatos com sua obra na tela pequena - ONDE FICA A CASA DE MEU AMIGO? (1987), ATRAVÉS DAS OLIVEIRAS (1994) e DEZ (2002) - também foram experiências sensoriais e espirituais intensas.

Outro motivo para a grande expectativa estava na presença sempre bem-vinda da maravilhosa Juliette Binoche, atriz que tem cada vez mais pulado de país em país, participando dos mais diversos filmes de diretores consagrados. Engrossam a lista nomes como Amos Gitai, Hou Hsiao-hsien, Abel Ferrara, Michael Haneke, sem falar em filmes de seus compatriotas franceses, além de transitar também por Hollywood. E ela vem aí num filme de ninguém menos que David Cronenberg! Linda, atraente e talentosa, ela tem uma filmografia invejável. Estava curioso para vê-la num filme de Kiarostami, diretor que não é muito famoso por explorar a sensualidade. Até porque, do lugar de onde ele vem, isso é quase proibido. Ainda assim, a cena de Binoche deitada no quarto de hotel, quase implorando pelo amor daquele marido fictício, ainda é carregada de uma sutil sensualidade.

Na trama, um escritor inglês (William Shimell) está em Toscana para uma sessão de autógrafos da versão traduzida para o italiano de seu livro, que lida sobre obras de arte e cópias. No auditório, uma mulher (Binoche) deixa um recado para seu tradutor para que o escritor a encontre numa loja de antiguidades. O lugar é escuro e cheio de esculturas, algumas delas cópias de esculturas famosas. Ele vai até lá, mas não se interessa muito pelo lugar e quer mesmo sair dali, tomar um café, respirar um pouco de ar. E os dois saem para papear e, no caso dele, conhecer um pouco da região da Itália. Depois que uma senhora de um café passa a confundir os dois com marido e mulher, aos poucos eles passam a jogar um pouco com essa possibilidade, até que cada vez mais o jogo vai se tornando sério. O fato de ele ter um avião às nove horas da noite tem feito com que muitos comparem o filme a ANTES DO PÔR-DO-SOL, de Richard Linklater.

O que talvez tenha me deixado um pouco grilado foi o fato de eu ter cochilado lá perto do final do filme, logo depois da conversa de Binoche com a garçonete. De início, culpei a laringite alérgica, mas depois de ter baixado o filme para rever em casa no dia seguinte, a mesma coisa se repetiu. Logo, Haverá algo perto do final do filme que começou a me deixar desinteressado, entendiado até? Quem sabe não foi o próprio semblante de desinteresse do protagonista? A expressão um tanto blasé do escritor diante daquela mulher bela e carente não é algo muito interessante de ver.

O filme ainda conta com uma participação carinhosa do lendário roteirista Jean-Claude Carrière, mais famoso por sua parceria com Luis Buñuel, mas que curiosimente também fez o roteiro de A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER, o filme que me apresentou a Juliette Binoche. E a primeira vez a gente nunca esquece.

segunda-feira, março 21, 2011

SEXO SEM COMPROMISSO (No Strings Attached)



O pôster já é bastante atraente. O casal formado por Natalie Portman e Ashton Kutcher, vestidos como se estivessem acabado de fazer sexo, é atração tanto para os rapazes quanto para as moças. A própria ideia do filme, a de mostrar uma mulher que não quer ter uma relação estável por medo de magoar alguém – ou de ser magoada, quem sabe – e que prefere uma relação apenas de sexo casual, não é exatamente original. E muito menos o é o desenvolvimento e principalmente o final, que todo mundo já sabe. São raras as comédias românticas que conseguem fugir da fórmula e trazer algo novo e SEXO SEM COMPROMISSO (2011) não se enquadra nessa categoria.

O que não é nenhum problema para o público, que pode até preferir ESPOSA DE MENTIRINHA (ainda em cartaz), mas que também vai querer prestigiar mais esse romance da vez. Aliás, impressionante como parece que todo fim de semana estreia um filme novo desse subgênero. Hollywood se tocou que filmes que fazem a cabeça da mulherada vendem bem mais.

É difícil diagnosticar exatamente o problema de SEXO SEM COMPROMISSO. Afinal, para um espectador do sexo masculino, por exemplo, colocar-se no lugar do personagem de Ashton Kutcher poderia ser fácil. Quem não gostaria de fazer sexo com Natalie Portman, nem que fosse segundo as regras dela? Claro que em determinado momento, a coisa ia doer um pouco, principalmente no caso de o sujeito se apaixonar. E isso, todo mundo sabe que acontece no filme. O problema é que é bastante difícil se colocar no lugar de Kutcher. Talvez por ele ter uma cara de bobalhão demais. Talvez não queiramos ser tão bobalhões.

Um crítico do jornal Diário de Pernambuco lembrou muito bem de UMA RELAÇÃO PORNOGRÁFICA, um filme belga muito interessante no qual se vê a tentativa de construção de uma relação baseada apenas no sexo, sem laços afetivos. Totalmente diferente do denso e doloroso drama de Frédéric Fonteyne, SEXO SEM COMPROMISSO dilui tudo. De modo que nem mesmo o esperado final emocionante, no qual os dois amores decidem permanecer juntos, de emoção, passa longe. Bola fora de Ivan Reitman. Seu filho (Jason Reitman, de JUNO e AMOR SEM ESCALAS) teria feito com muito mais classe.

sexta-feira, março 18, 2011

SENTIMENTO DE CULPA (Please, Give)



O nome de Nicole Holofcener é uma novidade para mim. Mas felizmente uma ótima novidade. Havia esnobado o filme anterior da diretora, AMIGAS COM DINHEIRO (2006), mas não cometi o mesmo erro com SENTIMENTO DE CULPA (2010). Ao que parece, ela é uma diretora de muita sensibilidade que trata de crônicas do cotidiano e de personagens que se vêem em situações psicologicamente incômodas. Até parece uma romancista de primeira categoria, com o tratamento que dá a seus personagens e com uma excelente condução narrativa. Estou falando de SENTIMENTO DE CULPA, mas acreditando que seus longas para cinema anteriores - WALKING AND TALKING (1996), LOVELY & AMAZING (2001) e o já citado AMIGAS COM DINHEIRO - também têm algo em comum com este excelente trabalho. Aliás, em comum, uma certeza, eu sei que têm: a presença de Catherine Keener em todos esses filmes. Holofcener também dirigiu dois episódios da saudosa série A SETE PALMOS (2001-2005).

Em SENTIMENTO DE CULPA, vemos um painel bem estruturado, composto por duas irmãs que moram com uma avó de 91 anos. Quem mora no mesmo apartamento da velhinha enjoada são as suas duas netas, vividas por Rebecca Hall e Amanda Peet. A personagem de Rebecca Hall, a jovem triste que trabalha como assistente num hospital de prevenção do câncer de mama, manipulando aquela máquina que prensa os seios das mulheres, é a que cuida da velha, enquanto que a irmã, mais bonita e que expõe um visual sempre bem cuidado, com bronzeamento artificial, trabalha numa clínica de estética. Aliás, vale destacar aqui que há tempos eu não via Amanda Peet tão linda. Totalmente bitch, mas totalmente adorável. Acho que desde MEU VIZINHO MAFIOSO ela não aparece com tanto sex appeal e beleza.

Mas o que mais justifica o título nacional é a personagem de Catherine Keener, que, junto com o marido (Oliver Platt), compra em leilões e principalmente de famílias de um ente querido morto, peças e mobílias que passam a ser vendidas por um preço exorbitante numa loja em Manhattan. O que incomoda a personagem de Keener é o fato de comprar barato de uma família que está sofrendo para ganhar muito dinheiro com isso. Eles, inclusive, estão esperando a velha de 91 anos que mora ao lado morrer para que possam comprar o apartamento e ampliar o seu lar. A personagem de Keener tenta compensar a culpa que sente dando esmolas para mendigos ou tentando se voluntariar em algum projeto de caridade. (Provavelmente, muitos ricos devem fazer o mesmo pela mesma razão.)

O curioso é que a personagem de Keener é baseada na própria diretora, que também já se viu com esse dilema ético - seria religioso se o filme focasse no catolicismo. A personagem de Rebecca Hall, embora não transpareça, ao cuidar da avó doente e sacrificando sua vida afetiva, provavelmente o faz para evitar o sentimento de culpa. A irmã, por outro lado, ainda que demonstre descaso e desrespeito, tem mais camadas do que se imagina. E assim a rede tecida por Holofcener vai se desenvolvendo de forma muitas vezes cômica, outras dramática o suficiente para levar o espectador às lágrimas. Um pequeno grande filme que deve ser melhor conhecido pelo público.

quinta-feira, março 17, 2011

A ERVA DO RATO



Infelizmente, como não tive o prazer de ver A ERVA DO RATO (2008) no cinema em gloriosa película como vi CLEÓPATRA (2007), tive que apelar para o meio alternativo mesmo. Com certeza, no cinema, a experiência teria sido bem mais intensa. O filme conta com a segunda colaboração de Alessandra Negrini com o diretor Júlio Bressane, bem como com a bela fotografia de Walter Carvalho. Ambos os filmes lidam com o sexo e a nudez da atriz, mas sempre mostrando a erudição do autor através de textos lidos e de uma linguagem estranha, mas que exatamente por isso desperta o interesse do espectador que quer ver algo diferente no cinema.

Bressane faz o que quer. Cineasta vindo do cinema marginal do fim dos anos 60, tem uma filmografia rica e nem sempre de fácil compreensão, mas por isso mesmo instigante. A utilização na maioria das vezes de câmera parada (principalmente no início) e na preferência pelos personagens e objetos se apresentando no quadro faz com que os momentos de movimentação da câmera se destaquem brilhantemente. A trama conta com apenas dois personagens, os dois sem nome. Em um tempo histórico indefinido, Selton Mello é um homem que conhece uma mulher (Negrini) num cemitério. Ela desmaia e Bressane, sem muita preocupação em fazer um filme realista, faz uma bonita sequência da proposta que o homem faz à mulher, utilizando um linguajar do século XIX, para que os dois morem juntos. Ela aceita tão rapidamente que a cena parece inverossímil. Ou, pelo menos, herdeira de alguns filmes da Nouvelle Vague.

Uma vez que ela começa a viver na casa dele, sua principal função passa a ser a de datilografar os curiosos textos que ele lê em voz alta. Vez ou outra, ela pára a atividade mecânica quando percebe algo interessante nos textos ditados. Um dos textos se refere a alguns tipos de veneno, sendo um deles a "erva do rato" do título. Há também um rato no filme, que aparece quando o personagem de Selton Mello passa a tirar fotos de sua companheira nua e que pode ser encarado como um terceiro personagem do filme.

A ERVA DO RATO tem um final um pouco difícil de decifrar, mas independente de se entender ou não, os momentos misteriosos e eróticos e a erudição coerente com o histórico dos filmes de Bressane são suficientes para sua valorização. Uma das interpretações do filme afirma que o rato e o esqueleto seriam manifestações materiais da palavra ditada no início do filme, quando as palavras passam a ser substituídas por fotografias. E tanto as palavras quanto as fotografias são vistas pelo protagonista como uma obsessão. Fascinante isso, embora eu tenha sentido uma diminuição da força do filme em seu final.

quarta-feira, março 16, 2011

I SAW THE DEVIL (Akmareul Boatd)



Apesar do título, que pode sugerir algo sobrenatural, I SAW THE DEVIL (2010), de Jee-woon Kim, é um thriller violento sobre a busca obsessiva de um homem com sede de vingança para pegar o psicopata que assassinou sua noiva. O cineasta, sul-coreano, é o mesmo de MEDO (2003), ótimo horror sobrenatural que teve uma refilmagem americana mais recente chamada O MISTÉRIO DAS DUAS IRMÃS (2009). Em I SAW THE DEVIL , ele apostou na violência para contar a história de dor no qual o espectador participa também como torcedor – pelo menos em alguns momentos - nas obras de tortura do jovem justiceiro no psicopata interpretado por Min-sik Choi, o protagonista de OLDBOY, de Chon-won Park.

O prólogo lembra o de alguns slashers americanos, mas bem mais sofisticado. Uma jovem sozinha numa estrada desolada e coberta de neve espera o guincho para o seu carro no prego. Enquanto aguarda, conversa com o noivo pelo telefone. Um estranho vem oferecer ajuda. Ela desconfia dele e recusa a oferta, preferindo ficar dentro do carro. Não dura muito até que ela seja assassinada brutalmente pelo estranho homem, que leva suas vítimas para um lugar também bem sinistro.

I SAW THE DEVIL muda de rumo quando o namorado da moça parte na busca pelo assassino antes que a polícia o capture. Sua intenção não é apenas matá-lo, mas fazê-lo sofrer bastante e lentamente. Com domínio de técnicas de artes marciais, ele dá uma surra no assassino e deixa uma lembrança em seu corpo no primeiro encontro. A fotografia bela e estilosa, já característica das melhores produções orientais, ajuda a diminuir um pouco a sensação de violência crua que o filme passa. Ainda assim, a sensação de desconforto se intensifica progressivamente do desenvolvimento da trama até o amargo final.

segunda-feira, março 14, 2011

NO ENCALÇO DA MÁFIA (Dead Heat)



Policial com problemas cardíacos (Kiether Sutherland) é obrigado a se aposentar, depois de um ataque cardíaco durante a perseguição de um bandido. Só a primeira aparição de Radha Mitchell no filme, como ex-esposa do personagem de Sutherland, já passa uma dor no peito, quase um motivo para uma pessoa se tornar cardíaca. Imagina, se separar de uma mulher daquelas. Radha, além de linda e carinhosa, ainda ajuda a consertar a bagunça da casa daquele homem que está prestes a tirar a própria vida por não encontrar nenhum sentido nela, depois que lhe foi tirado o seu ofício.

Sua chance de encontrar um novo sentido na vida está num cavalo. A personagem de Radha procura o irmão do ex-marido (Anthony LaPaglia) para que ele possa ajudá-lo. E o irmão tem uma ideia brilhante. Como o ex-policial adora cavalos, por que não comprar um cavalo que ninguém dá a mínima, tratar o animal e transformá-lo num fenômeno de corridas? Na verdade, tudo já estava bem encaminhado com um veterinário, que havia descoberto o que ocasionara o problema de saúde do cavalo.

Ok, do jeito que está, isso está parecendo mais um drama sobre corridas de cavalo e restituição de vidas do que um filme policial que ganhou o título no Brasil de NO ENCALÇO DA MÁFIA (2002). Mas a máfia aparece sim e, a partir da segunda metade, o filme ganha mais velocidade e um grupo de vilões (um tanto caricatos, mas tudo bem), que quer o cavalo como forma de saudar a dívida do jóquei, um sujeito que está endividado até o pescoço com os bad guys. Algumas coisas no filme parecem até um pouco simplistas, mas o jeitão de filme B e o desenvolvimento narrativo ágil ajudam sempre a manter a atenção do espectador. Sem falar em Radha Mitchell, que toda vez que aparece na tela ajuda a engrandecer o filme. Quem conhece a atriz sabe do que ela é capaz e do quanto ela dá sorte em filmes de gênero.

Agradecimentos especiais ao amigo Osvaldo Neto pelo presente. Ele me deu o DVD sabendo que sou fã da Radha. Acertou em cheio! :)

sábado, março 12, 2011

PASSE LIVRE (Hall Pass)



E os bons e velhos irmãos Peter e Bobby Farrelly estão de volta às antigas presepadas. Nada contra os seus filmes mais comportados – afinal, meu preferido deles continua sendo AMOR EM JOGO (2005), por razões particulares -, mas estava sentindo falta da ousadia e até da escatologia que fez a fama da dupla em clássicos como DÉBI & LÓIDE – DOIS IDIOTAS EM APUROS (1994) e QUEM VAI FICAR COM MARY? (1998). Já em O AMOR É CEGO (2001), ainda que eles não ligassem muito para o politicamente correto, já se mostravam românticos e o filme até chegou a fazer muita gente chorar. Pois bem.

PASSE LIVRE (2011) é o retorno daquele humor de outrora, que fez tantos dizerem que aquilo era comédia de mau gosto. Ao mesmo tempo, o fato de mostrar dois homens casados vivendo o dilema de desejarem outras mulheres e esse fato ser notado por suas esposas mostram que os irmãos envelheceram e, junto com eles, seus personagens. Mas é um envelhecimento relativo, afinal, quando os personagens de Owen Wilson e Jason Sudeikis recebem o tal “passe livre” de suas esposas, o que significa uma semana para fazer o que quiserem, com as mulheres que quiserem, os irmãos Farrelly mostram que a maturidade mental nem sempre acompanha a maturidade física.

Independente de eventuais falhas que possa ter, PASSE LIVRE é uma das comédias mais engraçadas dos últimos anos, sendo até difícil lembrar de outra tão engraçada quanto. O fato de eles estenderem as piadas até o limite, como na cena da masturbação no carro e a da garota no hotel, mostra o quanto os diretores ainda estão em forma. Sem falar na tal cena da banheira da academia, que ao contrário do que eu esperava, fez rir toda a plateia do cinema, inclusive, o público mais idoso.

PASSE LIVRE se torna ainda mais dinâmico quando sua montagem alterna a diversão dos rapazes com a de suas esposas. Há também uma diversidade de coadjuvantes que só contribui para tornar o filme mais rico. Eles não estão ali apenas para contribuir com mais uma piada; eles têm uma relação com o todo. Tomemos a personagem da babá e a situação embaraçosa no carro envolvendo Owen Wilson. Trata-se de um bom exemplo de como lidar com um personagem bem desenvolvido e uma coadjuvante cujas intenções não são (ainda) claras. E isso ajuda a tornar o filme mais rico. Outra beleza de PASSE LIVRE é ver o quanto a adorável Jenna Fischer pode ter ainda sucesso no cinema, agora que a série THE OFFICE está agonizando.

sexta-feira, março 11, 2011

BOCA DE OURO



Pouco antes de adentrar o sertão nordestino para dirigir a sua obra-prima (VIDAS SECAS, 1963), Nelson Pereira dos Santos aceitou o convite de Jece Valadão para ser o diretor da primeira adaptação para o cinema de uma obra de Nelson Rodrigues. BOCA DE OURO (1963) tem todas as marcas que caracterizariam outros filmes baseados em Rodrigues, mas com o sexo ainda mostrado de maneira um pouco mais tímida, levando em consideração o que outros cineastas fariam nos anos 70 e 80. Ainda assim, é uma obra forte e ousada, pesada do ponto de vista da violência, especialmente em seu terceiro ato, o mais realista dos três.

O filme é o nosso RASHOMON, com a diferença que o mesmo caso é contado pela mesma mulher (Odete Lara) e não por pessoas diferentes, como no filme de Akira Kurosawa. Em BOCA DE OURO, o bicheiro conhecido como uma espécie de chefe do crime do Rio de Janeiro, faleceu e uma equipe de jornalistas entrevista uma mulher que teve contato com o Boca anos atrás. É quando ela conta um episódio envolvendo o Boca e um casal, Leleco (Daniel Filho) e Celeste (Maria Lúcia Monteiro). Esse mesmo episódio é contado de acordo com o sentimento da mulher em relação ao gângster que possuia uma dentadura de ouro e que tinha mandado construir um caixão de ouro para nele ser enterrado quando morrer.

Jece Valadão está perfeito no papel. Tão bom que eu duvido muito que Tarcísio Meira tenha chegado perto na versão mais nova da peça, de 1990, dirigida por Walter Avancini, e que eu até hoje não vi. O filme foi um grande sucesso de bilheteria, dado o prestígio popular que Nelson Rodrigues tinha, por causa de uma coluna muito lida no jornal chamada "A Vida como Ela É". Mas como Nelson Pereira dos Santos não era produtor, não lucrou muito com o sucesso. Quanto à crítica da época, a maior parte não gostou do filme, que só passou a ser mais valorizado com o passar dos anos, a ponto de ser considerado por muitos uma obra-prima do cinema popular brasileiro.

quinta-feira, março 10, 2011

BOARDWALK EMPIRE: O IMPÉRIO DO CONTRABANDO – A PRIMEIRA TEMPORADA COMPLETA (Boardwalk Empire – The Complete First Season)



Acho que o que não me "pegou" em BOARDWALK EMPIRE (2010), que na HBO brasileira ganhou o desnecessário subtítulo "O império do contrabando", foi o excesso de personagens e de subtramas. Como nem sempre os episódios possuíam ganchos fortes, eu passava dias e até semanas sem ver nenhum, ficando meio perdido nas tramas e confundindo até as mulheres, algumas muito parecidas entre si. Aproveitei o feriado do carnaval e uma televisão nova para finalmente fechar a primeira temporada.

O "oba-oba" em torno da série é justificável. A começar pelo primeiro episódio, dirigido por ninguém menos que Martin Scorsese, um dos produtores executivos. O episódio é bem scorsesiano e o mais sangrento de todos. Os demais são mais comportados. Os personagens não são suficientemente simpáticos. Nem dá para comparar, por exemplo, o Nucky Thompson de Steve Buscemi com o Tony Soprano de James Gandolfini. Buscemi sai perdendo feio, por mais que ele esteja bem. Talvez seu personagem seja indiferente demais.

As subtramas se passando em Nova York, embora tenham sua importância historicamente falando, são chatas e às vezes confusas. Já em Chicago, por causa da presença de Al Capone, sempre se espera alguma coisa. E como o personagem de Michael Pitt é o meu favorito da série, alguns bons momentos se passaram em Chicago, principalmente quando ele tem um envolvimento afetivo com uma bela prostituta. Outra personagem interessante é a de Kelly MacDonald, a mulher que odeia o mundo de corrupção de Nucky, mas que, no entanto, se sente atraída por ele. Igualmente curioso o personagem de Michael Shannon, o detetive meio louco que quer pôr um fim naqueles que desacatam a Lei Seca.

Para aqueles que como eu ficaram pelo meio do caminho na série, digo que vale a pena ir até o final. Os episódios finais são muito bons e compensam um pouco a morosidade de alguns lá do meio. Não dá negar que BOARDWALK EMPIRE é dramaturgia de primeira, escrita pelo cara responsável por FAMÍLIA SOPRANO, Terence Winter, além de ter uma direção de arte impecável, que nos leva aos loucos anos 20 em Atlantic City. Vale destacar também a beleza e a graça de Gretchen Mol, que aparece como a mãe de Jimmy (Michael Pitt) e amante de Lucky Luciano. Ela não aparece nos créditos principais da série, mas seu nome é o primeiro a aparecer em destaque nos episódios dos quais participa. Acredito que, assim como aconteceu com FAMÍLIA SOPRANO, a próxima temporada da série será melhor, até por já termos nos familiarizado com os personagens.

quarta-feira, março 09, 2011

DESCONHECIDO (Unknown)



Entre os cineastas que prestam serviços para a Dark Castle, a divisão de filmes de horror e suspense da Warner, o catalão Jaume Collet-Serra está no topo. Com apenas três títulos dos gêneros no currículo, o homem já disse a que veio. A CASA DE CERA (2005), A ÓRFÃ (2009) e seu mais recente trabalho, DESCONHECIDO (2011), não são perfeitos, mas todos têm uma elegância na direção, um quê hitchcockiano, misturado com um gosto por filmes B, que tornam o seu nome digno de nota entre os cineastas mais novos.

DESCONHECIDO já tem a vantagem de contar com um ótimo protagonista, Liam Neeson, que ultimamente tem se destacado nos filmes de ação. Desde BUSCA IMPLACÁVEL, Neeson tem funcionado melhor do que muitos action heros mais óbvios. Em DESCONHECIDO, ele é o homem que se vê preso numa conspiração, logo depois de sofrer um acidente de automóvel. No começo do filme, ele e a esposa (January Jones no cinema, para a alegria dos fãs de MAD MEN) vão até a Alemanha para uma palestra científica. Ao chegar ao hotel, ele percebe que uma de suas malas está faltando e pega um outro taxi (com a Diane Kruger como motorista) a fim de reavê-la. Acontece um acidente no percurso, o carro cai dentro de um rio, ela o salva da morte, mas foge logo em seguida. Depois de acordar de um coma de quatro dias, ele descobre que sua mulher diz não o reconhecer e que existe outro sujeito fazendo-se passar por ele. Estaria ele louco ou há mesmo uma conspiração em torno disso tudo? É isso que ele pretende descobrir, mesmo sem ter dinheiro ou documentos.

No elenco, além desse trio muito bom, DESCONHECIDO ainda conta com pelo menos dois coadjuvantes que brilham em um momento particularmente importante do filme: Bruno Ganz e Frank Langella. E, ao contrário do que se espera, a solução final é bem inteligente, e ajuda a levantar o filme depois de uma leve queda de ritmo quando da aproximação de sua conclusão. Mas isso é um problema que se releva diante de um thriller que deixa o espectador com os olhos grudados na tela o tempo inteiro, que conta com pelo menos duas ótimas sequências de perseguição nas ruas e ainda conta com um final-surpresa. É Collet-Serra se saindo melhor do que a encomenda mais uma vez.

terça-feira, março 08, 2011

GISELLE



O cinema brasileiro entre os anos 60 e 80 produziu coisas que muita gente só acredita vendo. GISELLE (1980), de Victor di Mello, é um desses casos. O filme surpreende se levarmos em conta a época em que foi produzido, bem como se levarmos em consideração os politicamente corretos dias de hoje. Até mesmo um assunto absolutamente delicado como a pedofilia é abordado no filme, como também o foi em AS SAFADAS, no segmento de Inácio Araújo.

GISELLE tem de tudo: cavalos copulando explicitamente numa das primeiras sequências; uma cena de sexo na cachoeira ao som de "Let it be", dos Beatles, numa versão instrumental ("Yesterday" também é ouvida mais adiante); cenas de sexo hetero, homo e bissexuais, além de um estupro; e uma corajosa alfinetada na ditadura militar, num dos melhores momentos do filme, quando vemos Monique Lafond, uma das grandes musas de Walter Hugo Khouri, interpretando uma marxista que foi torturada pelo regime militar e que ainda faz reuniões às escondidas.

Tudo isso é emoldurado em absurdos letreiros que apresentam o filme como uma suposta comparação do que iremos ver com Sodoma e Gomorra, com uma sociedade em decadência. O absurdo é que sabemos que esse texto inicial moralista foi enxertado apenas para ajudar a passar o filme pela censura. E deu tão certo que GISELLE foi vendido para vários países, fazendo bastante sucesso lá fora. Aqui no Brasil, segundo a edição de nº 52 da revista FilmeCultura, o filme está na 70ª posição no ranking nacional de bilheteria - deve ter caído um ponto, pelo menos, depois de TROPA DE ELITE 2.

A Giselle do título é interpretada pela jovem Alba Valéria, uma moleca espevitada que adora sexo, não importando em qual modalidade e vive sempre feliz, numa espécie de alegria contagiante. Assim, ela faz sexo com o capataz do sítio, vivido pelo então galã Carlo Mossy, mas também curte a relação homo com sua madrasta (Maria Lúcia Dahl). E quando flagra o capataz fazendo sexo com o seu primo homossexual, em vez de sair escandalizada, prefere se juntar à festa. É um filme libertino para alguns, libertário para outros. Vai de como cada um vê a liberdade absoluta apresentada.

segunda-feira, março 07, 2011

ESPOSA DE MENTIRINHA (Just Go with It)



Atualmente o cinema americano está com uma safra bem fraca de comédias românticas. Mas não faz muito tempo dava até para estabelecer ligações com clássicos do gênero dos anos 30 e 50. Podemos citar o exemplo de filmes como A PROPOSTA (sim, aquele com a Sandra Bullock), EM SEU LUGAR (com Cameron Diaz), GARÇONETE (com Keri Russell), O AMOR NÃO TIRA FÉRIAS (com Kate Winslet e Cameron Diaz), GAROTA DA VITRINE (com Claire Danes) e E SE FOSSE VERDADE (com Reese Witherspoon). A própria Jennifer Aniston fez pelo menos um exemplar bem interessante, SEPARADOS PELO CASAMENTO, que se destacava das demais por fugir um pouco das fórmulas manjadas e da estrutura previsível.

E não sei se deu para notar, mas eu citei os títulos com os nomes das atrizes, pois são elas as principais, por mais que um nome como Adam Sandler possa ser fundamental para o sucesso de uma comédia desse tipo. Há que se dar crédito a Aniston, a do elenco de FRIENDS que teve mais sorte em Hollywood. Justamente fazendo comédias românticas. Tudo a ver com o que ela fazia na série de tv, mas não necessariamente com o mesmo brilho. Ela ainda está em forma (fisicamente falando também), mas os trabalhos que tem feito são daqueles de se entrar com um pé atrás na sala de cinema. São mais programas para namorados no fim de semana do que bons filmes.

ESPOSA DE MENTIRINHA (2011), de Dennis Dugan, é um caso típico. Segue à risca a fórmula do gênero, embora tenha até um ponto de partida interessante. Na trama, Sandler é um cirurgião plástico que se acostumou a ficar com mulheres usando o estratagema da aliança no dedo e do velho papo de que o casamento está em crise para abocanhar as "vítimas". Até o dia que ele se apaixona de verdade por uma moça (a bela e semidesconhecida Brooklyn Decker) e ela quer conhecer a tal "ex-esposa" dele. Para sair da enrascada, ele pede a ajuda da amiga e colega de trabalho vivida por Jennifer Aniston. E a partir daí o filme vai construindo uma série de confusões e trapalhadas envolvendo mentiras atrás de mentiras.

O filme tem os seus momentos, em especial graças a Sandler, mas o final desinteressante e que supostamente deveria dar uma aquecida nos corações dos espectadores se revela tão sem graça que se percebe que houve um problema de falta de química entre os atores mais do que de direção - embora Dugan se mostre geralmente preguiçoso, vide o seu trabalho anterior, GENTE GRANDE (2010), um verdadeiro desperdício de talentos e mais uma das várias parcerias do diretor com Sandler. Pelo menos dá pra dizer que em ESPOSA DE MENTIRINHA ele se recuperou um pouco, ainda que não o suficiente. Mas sabe o que é o mais embaraçoso no filme? A participação de Nicole Kidman. Sua personagem é tão ridícula e seu rosto está tão esticado que, num filme que fala de cirurgias plásticas, parece até que foi de propósito que a elencaram.

sexta-feira, março 04, 2011

O AMIGO AMERICANO (Der Amerikanische Freund)



Houve uma época em que Wim Wenders era um grande diretor. Alguma coisa aconteceu com ele nos anos 90 que fez com que ele nunca mais se reerguesse. O AMIGO AMERICANO (1977) é um exemplar de um grande momento do diretor. Aliás, foi este o filme que o tornou mundialmente famoso. E neste trabalho Wenders já apresentava seu fascínio pelos Estados Unidos, ao trazer Dennis Hopper como coprotagonista e participações especiais de dois monstros sagrados do cinema americano: os diretores Samuel Fuller e Nicholas Ray, em participações carinhosas neste thriller que mostra um Tom Ripley, o personagem sociopata de Patricia Highsmith, num momento mais maduro de sua vida.

Neste sentido, o filme que mais se aproxima de O AMIGO AMERICANO é O RETORNO DO TALENTOSO RIPLEY, de Liliana Cavani, lançado em 2002. Os outros filmes que mostram o personagem o apresentam como um assassino odioso - O SOL POR TESTEMUNHA (1959), de René Clément, e O TALENTOSO RIPLEY (1999), de Anthony Minghella. Curioso notar que os quatro filmes foram dirigidos por cineastas de diferentes nacionalidades: um alemão, uma italiana, um francês e um inglês.

No filme de Wenders, Ripley mostra-se até um sujeito companheiro, amigável. Vendo o filme sem saber nada sobre as outras encarnações do personagem, inclusive na literatura, ficamos com a impressão de que o personagem é relativamente um bom homem. Por mais que esteja inserida nas entrelinhas o conceito da redenção de seu personagem. Na trama, Zimmermann (Bruno Ganz) é um homem que confecciona molduras para quadros e que está doente de leucemia, com pouco tempo de vida. O destino faz com que ele encontre pelo caminho Ripley, que lida com quadros falsos de pintores famosos. É assim que ele ganha a vida. Além do mais, está envolvido numa conspiração para utilizar Zimmermann como assassino. Em troca, o homem doente ganharia uma boa soma em dinheiro para deixar para sua família. Até lembrei na hora da série BREAKING BAD, que tem um protagonista que também está com uma doença terminal e começa a se envolver com atividades criminosas.

Se o filme já começa muito bem, com o titulo grande em vermelho e um andamento agradável e instigante, torna-se ainda mais interessante quando inicia-se a relação de amizade entre os dois homens. A obra de Wenders também pode ser uma espécie de estudo sobre o fascínio do homem pelo mal. No caso, um homem correto e honesto se envolvendo com o crime e depois tornando-se indiferente à morte, perdendo a inocência. Curiosamente, Bruno Ganz apareceria como um anjo caído em outro grande filme de Wenders, ASAS DO DESEJO (1987). O AMIGO AMERICANO também trabalha bastante com a cor vermelha, desde os créditos iniciais, passando pela decoração até pela coloração avermelhada do céu. Outro detalhe interessante é uma referência a um outro romance de Patricia Highsmith, que serviu de adaptação para um filme de Hitchcock, PACTO SINISTRO. Refiro-me à cena do trem, quando é oferecido a Zimmermann a proposta para matar um homem.

Ainda pretendo adentrar melhor a obra de Wim Wenders. Talvez ainda este ano. O AMIGO AMERICANO acabou funcionando como aperitivo para uma futura peregrinação pela obra do diretor. Mas tenho vontade antes de conhecer melhor a obra de Nicholas Ray, que serviu não apenas de coadjuvante para este filme, mas também foi homenageado por Wenders em UM FILME PARA NICK (1979).

quarta-feira, março 02, 2011

O GAROTO DE LIVERPOOL (Nowhere Boy)



Quem é fã dos Beatles e conhece um pouco da vida dos membros da banda, através de livros, revistas, documentários etc. sabe que a vida de John Lennon é, sem dúvida, a mais interessante dentre os membros da banda. Desde as primeiras composições dos Beatles, já se notava que as faixas escritas e cantadas por Lennon eram as mais cheias de tristeza, traumas e até complexos de inferioridade, ainda que no começo esses elementos aparecessem um pouco escondidos. Vendo hoje em dia, fica clara a diferença entre as composições dele e as de seu parceiro Paul McCartney, muito mais alegres e festivas. Os dois juntos faziam uma dupla perfeita, completavam-se. E não foi por acaso que os Beatles se tornaram a maior banda de rock de todos os tempos.

Lendo o livro "The Beatles - A Biografia", de Bob Spitz, fiquei sabendo detalhes não apenas da mocidade de John, como também de sua mãe, Julia, homenageada em pelo menos duas canções do cantor e compositor ("Julia" e "Mother"). E por mais que já saibamos as circunstâncias da relação entre John e sua mãe, de sua carência afetiva e posterior perda, é muito difícil não se emocionar com o modo como O GAROTO DE LIVERPOOL (2009) mostra isso. A diretora Sam Taylor-Wood foi feliz em focar o filme mais no drama de John, que cresceu sem saber direito porque morava com sua tia e não com um pai e uma mãe como qualquer outro garoto de sua idade.

Esse recorte, dos momentos anteriores ao contato mais próximo de Lennon com sua mãe até o momento em que John parte com seus futuros Beatles para Hamburgo, na Alemanha, torna o filme uma espécie de complemento de OS CINCO RAPAZES DE LIVERPOOL, que mostra justamente a relação de John com banda, particularmente com o seu então melhor amigo, Stuart Sutcliffe, que acabou deixando a banda e se dedicando às artes plásticas. Mas O GAROTO DE LIVERPOOL é muito mais emocional. Se o filme já estava indo muito bem até o segundo ato, há uma explosão de emoções nos momentos finais, sendo quase impossível não levar o espectador às lágrimas. A banda tocando "In spite of all the danger", tão carregada de dor, muito bem expressa na interpetação de Aaron Johnson, é o ápice da sensibilidade do filme. E como esquecer Kristin Scott Thomas no papel de sua tia Mimi? Sem dúvida, um pequeno grande filme. Saí do cinema emocionado e pensando no quanto seria legal se fizessem uma série ou minissérie bem caprichada sobre a história dos Beatles. Mas só se fosse muito boa mesmo.

terça-feira, março 01, 2011

BRUNA SURFISTINHA



O curioso de BRUNA SURFISTINHA (2011) é que, diferente do que se esperava, não é um filme erótico, apesar de possuir muitas cenas de sexo com Deborah Secco, que está ótima vivendo a prostituta mais famosa do Brasil, graças a um blog. O que nos remete também a Clarah Averbuck, que não era prostituta, mas que também mantinha um blog superfamoso e também ganhou um filme baseado em um livro, NOME PRÓPRIO, de Murilo Salles. Em tempos de A REDE SOCIAL, o número de filmes sobre a fama através da rede mundial tem aumentado e ganhado importância e uma abordagem reflexiva, tanto por parte do público, quanto de seus realizadores. Não deixa de ser um elemento bastante interessante do ponto de vista social.

Quanto ao filme, tem suas qualidades. É redondinho, agradável de ver, tem uma atriz que se doou para o papel, é bonita e atraente - bem mais do que a Bruna Surfistinha original, eu diria - e ainda traz de volta para um filme brasileiro lançado em larga escala o sexo. A diferença aqui é que, assim como aconteceu com NOME PRÓPRIO, o longa de estreia de Marcus Baldini não carrega na sensualidade. Nem dá para dizer que se trata de um filme erótico, apesar de o sexo estar presente em praticamente todos os momentos, desde a sequência de abertura, que mostra a jovem Raquel Pacheco fazendo uma dança sensual para uma webcam. O que mais importa no filme é o drama da personagem, ainda que nunca deixe claro suas razões para abandonar a família e abraçar a vida de prostituta.

Mas o filme é bem-sucedido ao mostrar os primeiros passos de Raquel/Bruna: seu primeiro cliente, sua evolução de garotinha passiva e que tinha nojo e se esforçava para não chorar até os seus momentos de total desenvoltura, quando se tornou o maior sucesso do prostíbulo onde trabalhava. Inclusive, dá para se dizer que a única cena de sexo próxima do excitante no filme é a que mostra Bruna recebendo pela primeira vez um tratamento respeitável de um cliente, o seu primeiro momento de orgasmo como garota de programa. Algumas cenas são particularmente divertidas, como a sequência do guarda de trânsito pegando seu grupo de amigas dirigindo embriagadas.

Entre os coadjuvantes, sem dúvida quem mais se destaca é o personagem de Cássio Gabus Mendes, o homem que respeita Bruna, que quer lhe dar uma vida diferente, quer provavelmente casar com ela. A química dos dois atores já havia sido mostrada no melhor episódio da série AS CARIOCAS, de Daniel Filho, veiculada pela Globo no final do ano passado. O episódio "A Suicida da Lapa" já mostrava o quanto o casal de atores funciona bem em cena.

Da história de Bruna, ficou faltando alguma coisa de sua experiência como atriz pornô, mas o filme mostra sua queda, por consequência das drogas, seu maior inimigo. BRUNA SURFISTINHA até poderia ser um pouco mais longo. Seu final pareceu apressado demais e é um dos pontos negativos do filme, mesmo com direito a "Fake Plastic Trees", do Radiohead, tocando ao fundo. De todo modo, achar que o filme foi apressado no final tem os seus méritos, já que se fosse mesmo tão ruim quanto muitos dizem, todo mundo ficaria contando as horas para o filme acabar. E não é isso que ocorre.