quinta-feira, novembro 29, 2012

MÃE E FILHA



Uma das coisas que mais impressiona em MÃE E FILHA (2011) é a luz. Seja no modo como ela entra nas portas e janelas das casas, seja quando vista durante a aurora. Não é uma luz estourada como em VIDAS SECAS ou CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS, mas uma luz suave, bela, propositalmente feita pelo cineasta Petrus Cariry para tornar os enquadramentos parecidos com pinturas. Segundo o diretor, Rembrandt foi uma referência forte no modo como ele construiu as imagens. Outro pintor que ele menciona é La Tour. Assim, logo se percebe que o diálogo deste segundo longa-metragem de Petrus Cariry se aproxima bem mais da pintura do que da literatura.

Inclusive, as palavras são muito poucas ao longo de sua metragem. Reinam os silêncios e os ruídos da natureza, seja o cantar dos pássaros, o barulho dos trovões ou o som produzido pelas personagens em atividade. E ainda que em certo momento quase sintamos o cheiro da manhã, MÃE E FILHA é um filme de opressões e angústias. Se, no início, o retorno da filha àquele universo parece ser prazeroso, aos poucos, o clima vai se tornando pesaroso e cada vez mais inquietante.

Na história, uma jovem (Juliana Carvalho) leva seu filho natimorto para receber as bênçãos de sua mãe (Zezita Matos), que habita em um casarão abandonado, numa cidade mais abandonada ainda. Trata-se da localidade de Cococi, no sertão dos Inhamuns, no interior do Ceará. A referida cidade-fantasma havia sido mostrada no curta-metragem DOS RESTOS E DAS SOLIDÕES (2006), também de Petrus Cariry.

Há, desde o início, uma relação conflituosa entre mãe e filha. A mãe quer que a filha tenha paciência a cada vez que ela lhe pede para enterrar o pequeno cadáver. Nota-se aos poucos que aquela senhora não quer se desligar do passado. Ela ainda acredita que o marido desaparecido voltará. E fica feliz com a chegada do neto, que embala nos braços como se o colocasse para dormir.

MÃE E FILHA também traz elementos fantásticos. Há a figura de quatro vaqueiros que aparecem de maneira misteriosa, como fantasmas esquecidos pelo tempo, mas ainda acolhidos pela velha mãe. Quem mais os acolheria naquele lugar totalmente abandonado? O próprio gado, quando mostrado em câmera lenta, parece também pertencer a uma outra dimensão.

O filme ganha ares majestosos, mesmo diante de tantos escombros, ao ouvirmos "The Funeral of Queen Mary", de Henry Purcell, arranjado pelo músico responsável pela trilha sonora, Hérlon Robson. Mas esse ar majestoso está relacionado sempre à morte e essa música dá ao filme algo que o torna diferente de outros trabalhos ambientados no sertão. Inclusive, o diretor rejeita essa divisão entre filme rural e filme urbano. No caso de MÃE E FILHA, esse suposto elemento diferencial deixa de ser de fato importante.

O que há de mais importante é o belo casamento entre a forma - a beleza dos enquadramentos, a ambientação das luzes e dos interiores, uma cidade-fantasma real como cenário - e o conteúdo - a angústia e a solidão que habitam o lugar e o interior daquelas personagens. MÃE E FILHA pode até não ser um filme fácil, mas é uma das mais belas realizações do cinema brasileiro dos últimos anos.

quarta-feira, novembro 28, 2012

O ESTRANHO CASO DE ANGÉLICA



Na última segunda-feira, exibi num evento literário SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA (2009), um filme curtinho do grande Manoel de Oliveira. Mas o público aparentemente não gostou. A maioria deve ter saído bem frustrada ou cansada. Mas, enfim, acredito que Manoel de Oliveira é um gosto adquirido, que quando mais se vê, mais se gosta. Eu mesmo estranhei alguns de seus filmes no início, mas depois deste e de UM FILME FALADO (2003), já comecei a pegar gosto e a me acostumar com seu anacronismo delicioso, seu jeito de narrar todo particular, sua vontade de compartilhar a história de seu país e do mundo conosco.

Em O ESTRANHO CASO DE ANGÉLICA (2010), novamente temos Ricardo Trêpa como protagonista. Desta vez no papel do fotógrafo Isaac, um homem que é convidado para fotografar uma jovem recém-falecida de nome Angélica (a espanhola Pilar López de Ayala). A moça morreu vestida de noiva e com um sorriso encantador e misterioso no rosto.

O caso se torna realmente estranho quando, ao procurar um lugar adequado para fotografar a moça em close, ela abre os olhos para ele e sorri. Desde esse momento, a vida de Isaac nunca mais é a mesma e sonhos recorrentes com Angélica fará com que ele fique enfeitiçado por ela. É Manoel de Oliveira novamente entrando no território do fantástico, algo que também pôde ser visto em outro trabalho recente do diretor, ESPELHO MÁGICO (2005).

O interessante do filme é que o personagem faz questão de dizer que gosta de coisas velhas: gosta de máquinas de fotografia analógicas, de fotografar homens usando enxadas para trabalhar, em vez de maquinaria pesada. E acaba por gostar do que está morto. No caso, uma morta. Uma bela e atraente morta, que o leva para passear e vira sua cabeça. Manoel de Oliveira, no alto de seus mais de cem anos, mostra que não tem medo da morte. Flerta com ela, inclusive. Num jogo mórbido poético, até. Aliás, já que eu falei de DAGON, de Stuart Gordon, no post passado, creio que o final dos dois filmes podem até dialogar, por mais diferentes que sejam.

P.S.: Saiu no blog do meu amigo Renato Doho meus comentários rápidos sobre os últimos cinco livros que eu li, para o levantamento bienal literário que ele faz. Confiram AQUI

domingo, novembro 25, 2012

DAGON (Dagon / H.P. Lovecraft's Dagon)























É realmente uma pena que o último filme para cinema de Stuart Gordon tenha sido EM ROTA DE COLISÃO, já no distante ano de 2007, e para a televisão o assustador média-metragem EATER (2008), para a série/antologia FEAR ITSELF. Mas não estou aqui para reclamar do descaso que dão aos mestres do cinema de horror que foram revelados por volta dos anos 1980, mas especialmente para falar do quanto gostei de DAGON (2001), um dos trabalhos mais subestimados do gênero. Como bom especialista e admirador da obra de H.P. Lovecraft que é, Gordon fez um dos filmes mais respeitosos ao trabalho do escritor.

Pelo menos essa foi a impressão que ficou, já que recentemente eu li a sensacional HQ de Alan Moore, Neonomicon, que saiu lá fora pela Avatar e aqui no Brasil pela Panini. Trata-se de uma obra imperdível tanto para quem é fã do talentoso roteirista, quanto para quem se interessa pela obra de Lovecraft e por temas como cultos a deuses monstruosos. Nesse sentido, até mesmo aquele símbolo parecido com um olho que aparece na HQ está também presente em DAGON, na igreja dedicada ao culto à divindade das águas Dagon.

O filme já começa bastante interessante, com o protagonista (Ezra Godden) pesquisando algo no mar até levar um susto ao presenciar uma bela mas sinistra moça, que aparece a ele com um estranho sorriso no rosto e tentáculos saindo pela boca. Aquilo é um pesadelo recorrente e ele está no barco com a namorada (Raquel Meroño) rumo a Espanha. Aliás, vale lembrar que DAGON é uma produção espanhola, e que conta com um dos últimos trabalhos de Francisco Rabal para o cinema. O ator trabalhou com mestres como Luis Buñuel, Michelangelo Antonioni e Jacques Rivette. Em DAGON, ele é o único humano não transformado, no pequeno povoado de Imboca.

O estilo dinâmico de direção de Gordon faz com que vejamos o filme com os braços agarrados na poltrona e sem desgrudar os olhos da tela até o final. Os homens transformados em monstros do vilarejo são uma atração à parte, bem como a figura da princesa Uxia Cambarro, vivida pela bela Macarena Gómez. No mais, a tensão de ter que fugir do local se mistura com o senso de humor todo particular de um cineasta que já fez uma obra sem igual como RE-ANIMATOR (1985). Porém, esse humor um tanto sutil serve talvez para tornar o filme menos pesado. Outro cineasta, por exemplo, mostraria o rosto de um homem sendo arrancado de maneira bem mais perturbadora. E quanto ao final... que final. Sinceramente não consigo entender porque Stuart Gordon não é costumeiramente citado como um dos maiores nomes do horror mundial.

sexta-feira, novembro 23, 2012

MENOS QUE NADA



Lembro-me de quando, doze anos atrás, eu vi TOLERÂNCIA (2000) nos cinemas. Na época, tanto o Carlão Reichenbach quanto o Carlos Gerbase tinham uma coluna semanal no portal Terra. Para a seção de cartas do Carlão eu escrevia com mais constância, mas cheguei a escrever também umas duas vezes para o Gerbase. E quando saiu o filme, eu me lembro de ter gostado, mas lembro também que era quase unanimidade a crítica classificá-lo como um filme ruim. Eu, naquela época, só com as cenas mais picantes com a Maitê Proença e a Maria Ribeiro já ficava satisfeito. Mas via também a boa condução narrativa.

Seis anos depois, quando estreou SAL DE PRATA (2005), foi a minha vez de descer a lenha em um trabalho do diretor. Acho que até me senti mal depois, mesmo tendo recebido o aval dos vários amigos que comentaram sobre o filme no blog. Tratava-se mesmo de um trabalho problemático, mas havia ali, apesar de tudo, algo que me agradava, embora o tempo não me deixe me dizer bem o quê.

Agora, com MENOS QUE NADA (2012), novamente um filme de Gerbase me agrada, mesmo eu percebendo alguns problemas. Mas os méritos ultrapassam os problemas. Só em conseguir nos manter atraídos até o final, com uma história sobre o passado de um homem que ficou louco e psicótico num hospital, só isso já merece consideração.

Na trama, Paula (Branca Messina) é uma estudante de psiquiatria que faz residência em um hospital psiquiátrico e que fica bastante interessada em determinado paciente, que ela vê como um tipo ideal para ser o seu objeto de pesquisa de seu trabalho científico. Este homem é Dante (Felipe Kannenberg), que passa os dias a escavar a terra, simular sexo com uma cadeira e se fingir de morto por vários minutos.

Aos poucos, Paula vai procurando pessoas que pudessem formar o passado daquele homem, a fim de que ela possa entender o que aconteceu para que ele ficasse naquele estado. E assim o filme adota uma estrutura de depoimentos diante da câmera e de flashbacks, que reconstituem o passado de Dante, cujo nome talvez não tenha sido escolhido em vão.

É aí que entram em cena personagens importantes, como sua namoradinha de infância que reapareceu em sua vida, Berenice (Maria Manoella), e a mais interessante, a especialista em arqueologia René, vivida por Rosanne Mullholand. Aliás, a Rosanne foi um dos principais motivos para que eu quisesse ver o filme. O que viesse a mais era lucro. E de fato saí no lucro, pois a história que envolve fósseis, marido ciumento e mulheres que confudem a cabeça de um homem frágil até que rendeu bem.

P.S.: Confira no Blog de Cinema do Diário do Nordeste os dez melhores filmes de 2012 segundo a Cahiers du Cinéma. AQUI

quinta-feira, novembro 22, 2012

QUATRO CURTAS



A vida anda corrida esses dias, mas vamos ver se com objetividade dá pra falar rapidamente sobre estes quatro curtas-metragens vistos nas últimas semanas (ou meses). São dois curtas brasileiros de diretores que admiro e outros dois que foram vistos por acaso, mas que não poderiam deixar de ser comentados por aqui.

LA MAISON ENSORCELÉE

Assisti este curta, disponível no youtube, no curso de cinema de horror ministrado pelo Carlos Primati. Aliás, deixo registrado que o curso é ótimo. A estrutura do lugar é que não foi muito boa para passar os filmes. Mas o mais importante foi o passeio pela história do cinema de horror e as discussões e os bate-papos entre os participantes. Este LA MAISON ENSORCELÉE (1908), de Segundo de Chomon, é um dos filmes mais antigos do gênero horror. Na verdade, serve mais como uma curiosidade, pois é mais uma obra que procura brincar com os recursos que o cinema dispunha. Vale a espiada.

MARVEL ONE-SHOT: ITEM 47

Este curta vem no Blu-Ray de OS VINGADORES – THE AVENGERS (2012) que o meu amigo Zezão comprou e me mostrou. MARVEL ONE-SHOT: ITEM 47 (2012) não é grande coisa, mas é divertido, embora eu tenha achado tudo rápido demais. Quem sabe se o diretor Louis D'Esposito desenvolvesse melhor a história, eu teria achado mais interessante. A trama envolve um casal que encontra uma arma alienígena e dois agentes da S.H.I.E.L.D que estão em seu encalço.

RECIFE FRIO

Foi sem dúvida um balde de água fria pra mim. Eu, como fã do trabalho de Kleber Mendonça Filho, e já tendo ouvido tantos elogios de RECIFE FRIO (2009), esperava algo tão impactante quanto um VINIL VERDE (2004) ou um NOITE DE SEXTA, MANHÃ DE SÁBADO (2007), que continuam sendo meus curtas favoritos do diretor. Ainda assim, é um trabalho bem interessante e já se nota a queda de Kleber pelo gênero fantástico, que se pode ver também em seu excepcional longa, O SOM AO REDOR (2012). RECIFE FRIO utiliza um registro de falso documentário para mostrar uma mudança climática drástica em Recife, que torna a cidade de quente para intensamente fria e triste.

NINJAS

Disponível na internet, este curta de Dennison Ramalho segue a trajetória de horror e violência que permeia a sua obra, mas sem o mesmo impacto de AMOR SÓ DE MÃE (2003). Em NINJAS (2010, foto), Ramalho se utiliza da transgressão (ou agressão) à religião cristã como forma de incomodar. E dá para dizer que ele consegue. A própria cena que começa o filme, com um culto evangélico de uma igreja pentecostal, já é algo bem perturbador. Mas isso é só o começo. Quem não viu ainda e ousar assistir, o curta está disponível no Vimeo.

terça-feira, novembro 20, 2012

JORGE MAUTNER – O FILHO DO HOLOCAUSTO



É o filme que faltava eu comentar dentre todos os que eu assisti no Festival de Gramado. Demorei a escrever sobre ele porque não tenho intimidade com o trabalho do poeta, compositor e cantor Jorge Mautner para que eu pudesse fazer um texto digno do filme. Aliás, uma das coisas que eu mais lembro nesse festival foi de algo que eu vi na noite de encerramento: Mautner numa cadeira, sozinho, sem nenhum jornalista o entrevistando, talvez esperando que alguém se aproximasse, enquanto outros tantos diretores e artistas de menor importância estavam respondendo às perguntas dos jornalistas.

O fato é que me deu arrependimento de não ter ido lá falar com ele. Mas o que eu falaria? Não me achava suficientemente preparado para entrevistar um artista que conheço tão pouco. E o documentário musical que trata de sua vida e que conta com cenas dele cantando chegou a me dar sono. Acho que estava cansado demais no dia. E quando não se conhece o repertório, a parte musical não fica assim tão interessante. Eu, como conhecia "Vampiro", graças a Caetano Veloso, pude pelo menos saborear esta canção.

O filme fala de sua vida a partir de sua infância, quando seus pais fugiram do Holocausto e se mudaram para o Brasil. O seu interesse pelo candomblé veio por influência de uma babá com quem teve forte contato durante os primeiros anos. Inclusive, para mostrar sua visão miscigenada da religiosidade, ele saiu do palco, logo após apresentar o filme com um dos diretores, Heitor D’Allicourt, dizendo a frase: "Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé!", frase que é repetida no filme. Ele também chegou a dedicar a exibição do filme ao músico Nelson Jacobina, que tocou com ele, aparece no filme (ele está na foto, acima) e que faleceu este ano.

JORGE MAUTNER – O FILHO DO HOLOCAUSTO (2012) ganhou surpreendentes três prêmios em Gramado: melhor roteiro, melhor fotografia e melhor montagem. Todo mundo ficou surpreso, principalmente pelo prêmio de melhor roteiro, que geralmente é dado para um filme de ficção. E tendo na competição obras tão boas quanto O SOM AO REDOR, O QUE SE MOVE e SUPER NADA, aí é que não entendemos o motivo do prêmio mesmo. Há quem diga que foi para agradar ao Pedro Bial, um dos diretores, não presente no festival. Mas acredito que não foi por isso, não.

segunda-feira, novembro 19, 2012

I’M A STRANGER HERE MYSELF



A imagem que fica neste documentário simples que flagra Nicholas Ray longe de Hollywood e tentando passar os seus conhecimentos para um grupo de jovens é a de um senhor velho, abatido e sem um pingo de vaidade. Descabelado, com seu tapa-olhos saindo do lugar, revelando o seu olho cego, Ray já havia sofrido demais na vida e pouco ligava para as aparências físicas. No entanto, ele mostrava um carinho bem forte por aqueles jovens. A cena que o mostra incentivando uma garota a ficar com raiva dele é bem interessante.

Falta a I’M A STRANGER HERE MYSELF (1975), porém, mais consistência, já que ora ele tenta falar da carreira de Ray, exibindo trechos de filmes, ora ele se concentra mais nos bastidores de WE CAN’T GO HOME AGAIN (1976), que recebeu um novo tratamento e foi lançado recentemente em DVD nos Estados Unidos. Inclusive, estou doido pra que alguém faça a gentileza de colocar na rede este filme (com legendas), já que não estou disposto a pagar imposto de importação.

De início, a impressão que fica é que o documentário vai seguir uma linha mais tradicional, já que começa mostrando uma sequência do primeiro filme do cineasta: AMARGA ESPERANÇA (1948). Ray fala do quanto é grato a Elia Kazan, que foi um dos responsáveis por sua entrada em Hollywood, a mesma Hollywood que também o maltratou. E falando em Kazan, ele também o cita, quando questionado sobre sua relação com James Dean em JUVENTUDE TRANSVIADA (1955). James Dean já havia trabalhado com Kazan e já conhecia o "método".

Entre os entrevistados, destaque para François Truffaut, que diz que tem certeza de que JOHNNY GUITAR (1954) é um filme mais importante para a sua vida do que para a vida do diretor. Outra convidada muito bem-vinda é Natalie Wood, que fala de quando foi levada para uma delegacia e, em vez de chamar seus pais, ligou para Ray. Segundo ela, isso foi fundamental para que ele a aceitasse para integrar o elenco de JUVENTUDE TRANSVIADA. No mais, I’M A STRANGER HERE MYSELF cita outros filmes do diretor e acaba sendo um registro meio torto da obra e da vida do poeta da noite.

P.S.: Confiram matéria sobre a vitória do filme AVANTI POPOLO, estrelado por Carlos Reichenbach, em uma mostra especial no Festival de Roma. Há também lista dos premiados do festival. Confira AQUI.

domingo, novembro 18, 2012

A TEMPESTADE (The Tempest)



A peça A Tempestade, de William Shakespeare, é considerada a sua última. E ela guarda umas características bem peculiares, não se enquadrando bem nem na comédia nem na tragédia. É um objeto estranho na obra do dramaturgo inglês. Para o cinema e principalmente para a televisão, a peça foi adaptada inúmeras vezes, sendo as versões mais conhecidas as de Derek Jarman (A TEMPESTADE, 1979), Paul Mazursky (TEMPESTADE, 1982) e Peter Greenaway (A ÚLTIMA TEMPESTADE, 1991).

Esta versão de A TEMPESTADE (2010) é bem próxima do texto shakespeariano, mas tem a vantagem que o cinema proporciona, que são os efeitos especiais, que ajudam na apreciação da obra. Julie Taymor, a diretora, é mais conhecida por títulos que ganharam maior repercussão no cinema: FRIDA (2002) e ACROSS THE UNIVERSE (2007). Sua versão da peça de Shakespeare, creio eu, não chegou a ser lançada nos cinemas.

Confesso que achei o filme maçante. Parei diversas vezes para retomar depois. Aí voltava para a peça, lia, parava e me cansava. Enfim, foi aos poucos que eu terminei de ver o filme e de ler o pequeno livro. Uma das coisas que chamam a atenção nesta versão é o fato de o personagem de Prospero ser interpretado por uma mulher, Helen Mirren. No caso, seu nome é Prospera.

Os efeitos especiais se devem principalmente ao contato de Prospera com seu elfo Ariel, que possui diversos poderes, mas que deve à sua dona por ela tê-lo libertado da maldição de estar preso em uma árvore. Prospera diz a ele que um dia o libertará, mas que por enquanto ela precisa de seus favores.

Vivendo num ilha semideserta com a jovem Miranda (Felicity Jones, de LOUCAMENTE APAIXONADOS), sua filha, e um escravo deformado, Calibã (Djimon Hounsou, de DIAMANTE DE SANGUE), chamado várias vezes de monstro ao longo do filme, Prospera prepara sua vingança àqueles que tiraram sua coroa anos atrás.

No fim, parece uma morna história de vingança, por mais que possa ter significados enigmáticos nas entrelinhas. Mas o curioso é o personagem Calibã, que não é muito diferente de tantas pessoas que foram subjugadas pelos colonizadores e que agora precisam da língua de seus dominadores para conquistar sua liberdade. Pelo menos foi essa a visão que foi destacada no grupo de estudos culturais do qual participo.

O filme ainda tem no elenco vários nomes de prestígio, como David Strathairn, Chris Cooper, Alfred Molina, Ben Wishaw e Russell Brand. Se bem que este último não é lá tão prestigiado assim.

sábado, novembro 17, 2012

SELVAGENS (Savages)



A primeira impressão que tive logo no início de SELVAGENS (2012) foi que o filme é uma espécie de OS BONS COMPANHEIROS do Oliver Stone. Só que sem o mesmo talento e inspiração que Martin Scorsese teve em seu clássico de 1990. A semelhança se dá principalmente à voz off de O, a personagem de Blake Lively, que dá uma de Brás Cubas e diz que só porque está contando a história não quer dizer que esteja viva. Então, desde o início já sabemos que sua vida corre perigo.

O, abreviatura que ela usa para Ophelia, vive com seus dois namorados, de personalidades distintas: Taylor Kitch é Chon, um sujeito bem mais esquentado e pronto pra briga, pois já lutou no exército; já o outro, Ben, vivido por Aaron Johnson, é mais "paz e amor" e costuma usar o dinheiro que eles ganham com o negócio da maconha para fins humanitários, passando dias às vezes em lugares distantes. Aliás, outro elemento que o filme de Stone remete a OS BONS COMPANHEIROS é o negócio das drogas. Aqui, no caso, a maconha, uma droga que está até perto de ser legalizada, mas nem por isso deixa de gerar violência entre traficantes.

E é porque não aceitam se filiar ao cartel de Elena (Salma Hayek) que a dupla de traficantes do bem sofre ao ver sua adorada O sendo sequestrada por seus inimigos mexicanos. Para a soltura de O, Elena e seu braço direito, vivido por um violento e sádico Benicio Del Toro, exigem uma quantia em dinheiro bem aviltante. Mas as coisas não são tão simples assim.

Afinal, a personagem de Elena tem os seus tons de cinza no quesito maldade, e temos ainda a figura do policial federal corrupto, vivido por John Travolta. Uma série de reviravoltas na trama e a necessidade de os mocinhos terem que sujar as mãos e a consciência no difícil jogo de nervos e sangue de seus inimigos faz com que o filme ganhe em tensão. Há, também muita violência gráfica, especialmente numa sequência em que um sujeito é torturado a chicotadas.

Mas o que SELVAGENS lembra mesmo é da fase noventista de Oliver Stone, graças à paleta de cores quentes. Os dois filmes que mais vêm à mente são ASSASSINOS POR NATUREZA (1994) e REVIRAVOLTA (1997), dois trabalhos que também se excedem nas cores quentes, especialmente no vermelho. Aliás, lembrar desses dois filmes é também lembrar o quanto Stone foi popular no passado e hoje está em declínio, com poucas pessoas realmente interessadas em seus novos trabalhos.

Outra coisa que chama a atenção, especialmente do público masculino, é o fato de o filme evitar a nudez de Blake Lively nas cenas de sexo com os seus dois namorados. E isso foi imposição da atriz. Em entrevista para o site Acess Hollywood, Salma Hayek disse, se referindo à plateia masculina e aos atores do filme: "Vocês querem ver bundas? Mostrem as suas". As coisas não estão fáceis pra ninguém mesmo, hein?

sexta-feira, novembro 16, 2012

A SAGA CREPÚSCULO: AMANHECER – PARTE 2 (The Twilight Saga: Breaking Dawn – Part 2)



Durante cinco anos, o público acompanhou a história de amor entre Bella (Kristen Stewart) e o vampiro Edward (Robert Pattison). Para uma franquia que se mostrou sem profundidade, até que a "Saga Crepúsculo" foi longe. Foi longe principalmente nos números. Se o primeiro filme, CREPÚSCULO (2008), não chegou aos 400 milhões de dólares no mundo do todo, o segundo, LUA NOVA (2009), ultrapassou os 700 milhões. E essa acabou sendo mais ou menos a quantia que os demais filmes também conquistaram nas bilheterias. Fora o que é arrecadado em home video.

Deixando um pouco de lado os números, o que se esperava de A SAGA CREPÚSCULO: AMANHECER – PARTE 2 (2012) era mais ação, coisa que faltava em AMANHECER – PARTE 1 (2011). Mas isso não quer dizer que tenha sido um problema para o primeiro filme. Ao contrário, creio que o aspecto mais intimista e mais ligado às transformações no corpo de Bella ao ficar grávida de Edward foram interessantes, deram ao filme um certo charme.

Mas com a continuação e uma necessidade de um clímax, o que vemos é uma trama extremamente boba envolvendo os Volturi, um grupo de vampiros malvados que descobrem que os Cullen têm uma criança com eles – a filha de Bella -, que poderia ser o que eles chamam de "imortal", ou seja, uma criatura perigosa e poderosa. Eles não sabem que a garota é fruto da união de um vampiro com uma mortal, algo extremamente raro, quase impossível.

E assim o filme vai trazendo uma leva de vampiros chatos de várias partes do mundo, inclusive dois "draculetes" da Transilvânia e duas vampiras ridículas da Amazônia, entre outros personagens esquecíveis ou risíveis, tudo para ajudá-los em uma provável luta contra os Volturi. Aliás, o que faz o filme escapar de ser um completo desastre e um convite ao sono é justamente a sequência de ação, por mais infanto-juvenil que seja.

Sim, há cabeças sendo arrancadas, mas não há sangue, já que esses filmes são direcionados principalmente para mocinhas. Mas talvez o problema nem seja a preocupação com o público alvo, mas sim com a classificação indicativa, já que pelo menos desde a franquia PÂNICO, de Wes Craven, que as meninas deixaram de se incomodar com filmes de horror e passaram a curtir o gênero.

AMANHECER – PARTE 2 é, de longe, o mais fraco da série. Pior até do que ECLIPSE (2010). O que não quer dizer que não vá encontrar o seu público. O filme é festejado com gritinhos já no início, ao aparecerem os nomes dos protagonistas nos créditos. Mas isso faz parte das expectativas e da proporção que a franquia foi ganhando ao longo dos anos. Pelo menos dá para dizer que Bella se tornou mais interessante como vampira. Ajudou a fazer com que Kristen Stewart saísse um pouco daquela personagem que parecia mais morta-viva do que os próprios vampiros bonzinhos.

Aliás, tanto Kristen quanto Pattison foram vistos em performances muito mais interessantes em trabalhos recentes como NA ESTRADA e COSMÓPOLIS, respectivamente. Esses filmes mostraram o quanto os dois jovens são bons quando bem aproveitados. Ele, inclusive, vai estar no próximo Cronenberg, de nome MAPS TO THE STARS, previsto para o próximo ano, e no de outro grande realizador, Werner Herzog, QUEEN OF THE DESERT. Quer dizer, a carreira dos dois pode aos poucos ser desvinculada da franquia. O que é ótimo. Ganham eles, ganhamos nós. Mas Hollywood é sedenta e novos produtos similares surgirão.

quarta-feira, novembro 14, 2012

HOUSE – SÉTIMA TEMPORADA (House M.D. – Season Seven)



Uma hora ou outra HOUSE teria que dar sinais de cansaço. Assim, pode-se dizer que a sétima temporada (2010-2011) foi a que chegou mais próximo disso. Mesmo os episódios finais, que normalmente dão um gás na série quando ela parece estar esfriando, passam longe de ser tão bons ou emocionantes quanto os de temporadas passadas. Será que boa parte disso se deve ao fato de os roteiristas procurarem finalmente dar momentos de felicidade afetiva a House com sua chefe, Cuddy? Acredito que não, pois enquanto os dois estão juntos até que a série traz momentos bem divertidos.

O episódio "Unplanned Parenthood", por exemplo, é um dos mais engraçados de toda a série, com House e Wilson tentando resolver se a filhinha de Cuddy de fato engoliu uma moeda enquanto os dois discutiam quem ficava de babá. Claro, Cuddy não podia saber. Na temporada como um todo, Wilson, aliás, nunca esteve tão bobão, principalmente nos episódios das apostas que ele faz com House, especialmente no episódio das galinhas.

A novidade da sétima temporada, além de começar com o romance (difícil) de House e Cuddy é a saída de cena, pelo menos por um bom período, da nossa querida Dra. Thirteen (a gatíssima Olivia Wilde). Pressionado por Cuddy, House teve que escolher outra mulher para substituir Thirteen. É quando entra em cena uma das personagens mais interessantes da série, a jovem de 18 anos Martha Masters.

Cheia de princípios, entre eles nunca mentir, nem mesmo para o paciente, a ainda estudante de medicina Masters se vê em situações bem complicadas ao longo da série. Felizmente, o episódio especial que a série lhe dá é um dos mais bonitos, amargos e impactantes da temporada. Ela merecia.

Enquanto isso, perto do final da temporada, House vai se tornando cada vez mais rude, rancoroso e capaz de fazer loucuras. O que não chega a ser nenhuma novidade para quem o conhece, mas digamos que ele se mostra capaz de ainda surpreender.

Entre os casos mais interessantes desta sétima temporada, há o do sujeito que tem o hábito de se crucificar e sentir prazer com a dor ("Small Sacrifices"); o de uma garçonete que tem uma memória extraordinária e que sofre paralisia temporária ("You Must Remember This"); e o que talvez seja a história mais comovente, "Selfish", que envolve uma garotinha de 14 anos que precisa de um doador de pulmão: seu irmão mais novo, cadeirante e que sofre de uma doença degenerativa, seria uma escolha compatível, mas ela não quer que o irmão faça esse sacrifício por ela.

Agora só falta a oitava e última temporada. Já estou sentindo saudades.

Agradecimentos especiais ao amigo Paulo Wandré, que me emprestou o box. 

P.S.: No Blog de Cinema do Diário do Nordeste, há uma matéria sobre o novo filme de Marco Dutra: QUANDO EU ERA VIVO. Veja AQUI

terça-feira, novembro 13, 2012

THE GIRL



Não é muito agradável quando vemos a imagem de um homem que nós admiramos sendo denegrida num filme ou num livro. Acho que foi por isso que nunca comprei o livro Fascinado pela Beleza, de Donald Spoto, no qual o escritor, baseado nas memórias de Tippi Hedren, mostra o lado sádico e tarado de Alfred Hitchcock. Porém, acabei não fugindo à curiosidade de ver o telefilme da HBO/BBC THE GIRL (2012), inspirado no citado livro. Qualquer filme que procure mostrar os bastidores de uma realização hitchcockiana já chama a nossa atenção, embora nem todos mereçam.

Talvez seja o caso de THE GIRL, que mostra um Hitchcock excessivamente sádico e uma Tippi Hedren excessivamente pura. Porém, até que em alguns momentos podemos nos solidarizar pelo mestre do suspense. O ator que o interpreta, Toby Jones, parece ser ainda mais feio e em certo momento é comparado a um sapo. Na cena em que Hitch chega bêbado em casa com o amigo, dizendo que trocaria tudo o que ele tem pela juventude e beleza do amigo, para poder ter chance com a desejada atriz, dá até para ficar com um pouco de pena dele.

Mas isso logo passa quando vemos o inferno que se tornou a vida de Tippi e isso pode ser visto principalmente nas inúmeras e intermináveis tomadas da cena do ataque dos pássaros à personagem, todos pássaros reais. A atriz saiu de lá cheia de feridas e escoriações. Houve também os traumas e os pesadelos envolvendo os pássaros, além de uma semana sem comparecer ao set, o que interrompeu as filmagens.

Talvez o problema com Hitchcock tenha sido sua falta de tato no que se refere às relações com as mulheres. Diferente, por exemplo, de Roman Polanski e Woody Allen, para citar dois nomes controversos, que tiveram e souberam aproveitar a chance de transformar suas musas em estrelas de seus filmes, além de namorarem ou casarem com elas. Hitchcock, ao contrário, deve ter fantasiado bastante com Grace Kelly e Kim Novak, por exemplo. O que é bem compreensível. 

O curioso com Tippi é que ela ainda fez outro filme com Hitch depois de OS PÁSSAROS (1963): MARNIE – CONFISSÕES DE UMA LADRA (1964), que segundo THE GIRL, em seus letreiros finais, teria sido "a última obra-prima de Hitchcock". O que é um absurdo, pois o filme até hoje é malhado pela crítica como um dos mais problemáticos trabalhos do diretor e geralmente convenciona-se dizer que FRENESI (1972) é que foi sua última obra-prima. Pra mim, até o seu trabalho final, TRAMA MACABRA (1976), é maravilhoso.

No mais, THE GIRL prende a atenção e tem uma participação brilhante de Imelda Staunton como Alma, a esposa de Hitchcock. Sem falar que Sienna Miller como "a garota" do título está muito bem. Ela é bela e guarda algumas semelhanças com Tippi. Quanto a Toby Jones, por mais que ele imite bem a voz de Hitch, seu personagem acaba ficando caricato. Tomara que Anthony Hopkins se saia melhor em HITCHCOCK, de Sacha Gervasi, que será sobre os bastidores de PSICOSE (1960), e está previsto para estrear no Brasil em fevereiro do próximo ano.

segunda-feira, novembro 12, 2012

O ANJO DA NOITE



Quando se encontra uma forte afinidade com um cineasta, poder ver um filme "inédito" seu se torna um acontecimento especial. É o caso de Walter Hugo Khouri, que felizmente deixou um legado precioso de 26 filmes. No entanto, seus trabalhos não têm sido tratados com o devido respeito. Se fosse nos Estados Unidos ou na França, um cineasta como Khouri já teria toda sua obra restaurada e remasterizada, com edições especiais e tudo o que merece. Aqui no Brasil, porém, há esse problema sério de falta de respeito com a memória de nosso cinema. Enquanto isso não acontece, comemoro a cada cópia que consigo.

O ANJO DA NOITE (1974) faz parte da dobradinha de filmes de horror que o cineasta dirigiu na década de 70 – o outro foi AS FILHAS DO FOGO (1978). Quem achar estranho Khouri ingressando no cinema de gênero é porque nunca percebeu o clima macabro que se encontra mesmo em seus filmes que abordam de maneira mais forte o erotismo. Seu colaborador habitual, inclusive, o músico Rogério Duprat, contribui bastante para instalar uma atmosfera sombria às histórias do cineasta.

Em O ANJO DA NOITE, Selma Egrei é Ana, uma estudante de psicologia que aceita passar o fim de semana como babá de duas crianças em uma mansão afastada da cidade. A dona da casa, vivida por Lilian Lemmertz, dá as instruções à jovem e a apresenta ao vigia noturno, vivido por Eliezer Gomes. Esse homem confessa a ela o quanto não gosta da casa, que carrega algo de maligno. As coisas ficam mais pesadas para Ana quando ela começa a receber estranhas e pavorosas ligações.

Ainda considero AS FILHAS DO FOGO mais aterrorizante que O ANJO DA NOITE, mas não resta dúvida que ambos são dois belíssimos filmes, que tanto funcionam perfeitamente na cinematografia bastante autoral do diretor quanto como cinema de horror. O ANJO DA NOITE parece mais simples em sua narrativa, mas também mais próximo do cinema de gênero, inclusive, sem ter o elemento erótico comum à obra khouriana.

Tanto Selma Egrei, com sua beleza ao mesmo tempo delicada e estranha, quanto Eliezer Gomes contribuem para a excelência do filme, mas há que se destacar também as crianças, principalmente o garotinho, de nome Marcelo, ou Marcelinho, como é tratado - a obsessão de Khouri pelos nomes Marcelo e Ana já é conhecida de quem acompanha sua carreira. E assim, com mais um Khouri visto, eu ganhei mais um dia. E só aumenta o meu respeito e amor por esse cineasta extraordinário.

Agradecimentos especiais a Carlos Primati.

domingo, novembro 11, 2012

ARGO



Tem sido muito interessante acompanhar a trajetória (bem sucedida) de Ben Affleck como diretor. E sempre com o elemento thriller bastante forte. Depois de dois ótimos longas-metragens, MEDO DA VERDADE (2007) e ATRAÇÃO PERIGOSA (2010), ele está de volta com um trabalho ainda mais ambicioso. Tanto que mal estreou e já foi logo sendo cotado como um forte candidato na corrida do Oscar. Provavelmente não ganhará nas categorias principais, mas tem fortes chances de comparecer entre os indicados.

ARGO (2012) conta a história real, que só veio à tona recentemente por ter sido uma operação secreta da CIA, de um agente que ousa resgatar um grupo de americanos escondidos na casa do embaixador do Canadá no Irã, durante o início do regime do Aiatolá Khomeini. O cenário no Irã não era dos mais agradáveis e o filme já começa contando brevemente a situação, do xá Reza Pahlevi, que pediu asilo nos Estados Unidos, o que foi motivo de revolta dos fundamentalistas iranianos, fazendo com que eles invadissem a embaixada americana e fizessem de reféns vários ocidentais. No entanto, seis deles conseguem escapar, escondendo-se na casa do embaixador canadense.

A história principal é que é quase inacreditável. Se Affleck não resolvesse colocar as fotos dos verdadeiros personagens nos créditos finais, ainda não acreditaríamos. Affleck interpreta o agente Tony Mendez, o homem que idealizou a ideia de se infiltrar no Irã como canadense, via Turquia, para resgatar os seis ocidentais prestes a serem descobertos e provavelmente enforcados nas ruas, que viraram cenários de horror. Sua ideia é a de fazer de conta que é um produtor de Hollywood e que quer fazer uma ficção científica com locações no Irã. Ele toma o cuidado de conseguir um script real, storyboards e até mesmo uma matéria de divulgação do tal filme em uma revista.

O filme falso se chamaria "Argo" e o seu suposto significado acaba por ser alvo de piadas por parte de um dos personagens coadjuvantes do filme, vivido brilhantemente por Alan Arkin. Aliás, ele e John Goodman, como os homens de Hollywood que auxiliam o agente da CIA, são os responsáveis pelos alívios cômicos de um filme que prima principalmente pela tensão, principalmente nas tentativas dos personagens de sair do Irã.

Aliás, se em ATRAÇÃO PERIGOSA já havíamos nos impressionado com o excelente time de atores que Affleck havia conseguido, em ARGO, o elenco é ainda mais admirável. Há interpretações brilhantes de Bryan Cranston, dos já citados Alan Arkin e John Goodman, e, entre as seis pessoas a serem resgatadas, destaque para Clea DuVall.

Outros méritos do filme são de natureza plástica, principalmente o cuidado com a fotografia, a cargo do mexicano Rodrigo Prieto (O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN, ABRAÇOS PARTIDOS, DESEJO E PERIGO), de modo a torná-la semelhante a dos filmes da década de 1970. Affleck e equipe, inclusive, copiaram movimentos de câmera e cenas de escritório de TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE, de Alan J. Pakula, um dos thrillers políticos mais representativos da época. Para as cenas exteriores, o filme-modelo foi A MORTE DE UM BOOKMAKER CHINÊS, de John Cassavetes. Houve também um cuidado com a granulação do filme, de modo a se assemelhar aos filmes da época. Nem é preciso falar dos figurinos e da direção de arte caprichadas, pois isso é quase que uma obrigação de Hollywood.

E, assim, cada vez mais Ben Affleck vem construindo uma carreira de respeito, tanto como ator, tomando sempre o cuidado para ter uma interpretação discreta, mas principalmente como diretor. Para quem já foi alvo de piadas em filmes como PEARL HARBOR e principalmente em DEMOLIDOR, até que Affleck chegou longe. E se continuar seguindo este caminho seu futuro continuará sendo brilhante.

sábado, novembro 10, 2012

OS INFIÉIS (Les Infidèles)



Creio que a chegada de OS INFIÉIS (2012) aos cinemas brasileiros se deva principalmente à fama que o ator Jean Dujardin obteve com O ARTISTA (2011), vencedor do Oscar de melhor filme deste ano. Inclusive, é uma ótima chance de se conhecer o carisma do ator, longe das pantomimas do filme mudo que lhe deu reconhecimento internacional. Em OS INFIÉIS, ele e Gilles Lellouche são os protagonistas dos principais segmentos. E o filme já começa deixando feministas de cabeça quente, pois o primeiro segmento serve como prólogo e dá o tom de comédia cafajeste, além de passar a impressão de que todas as demais histórias seguirão aquela linha.

O filme foi dirigido por oito cineastas diferentes, que parecem impor a sua vontade e a sua marca a todos as histórias, ao mesmo tempo em que lhe dão até certa unidade, já que sabemos que esse tipo de produção - de várias histórias e com vários diretores - se caracteriza quase sempre pela irregularidade. Pode-se dizer que o único segmento que parece destoar dos demais é aquele em que a mulher pede para que o marido confesse sua infidelidade, jurando que não fará nenhum drama. No fim das contas, a história acaba carregando bastante nas tintas da dramaticidade, com uma discussão de relação um tanto pesada, principalmente levando em consideração os demais segmentos, todos mais próximos da comédia.

Entre uma e outra história maior, há pequenos esquetes bem engraçados, destaque para as esquetes do cachorro e a do hospital. Nas historinhas maiores, Jean Dujardin se destaca, seja fazendo o papel de cafajeste de ego inflado e que faz a festa em um mundo povoado por mulheres bonitas dispostas a fazer sexo; seja como um sujeito perdedor, como no episódio do hotel, um dos mais engraçados. Nesse episódio, suas tentativas de fazer sexo com quem seja ou mesmo de se masturbar são bem frustradas.

O amigo Gilles Lellouch também se destaca, especialmente no segmento "Lolita", no qual ele fica totalmente apaixonado por uma moça bem mais jovem que ele, mas que tem um ritmo naturalmente mais pronto a ir a festas com pessoas da sua idade para dançar, beber, beijar na boca de estranhos (ou estranhas) e coisas do tipo. É um dos episódios mais interessantes, com um andamento narrativo bem ancorado, uma jovem bonita e atraente e um registro misto de drama e comédia bastante competente.

OS INFIÉIS tem até bastante cenas de sexo e nudez, o que pode ser motivo para agradar a alguns, embora eu tenha percebido uma série de pessoas saindo no meio do filme, talvez por ter se deixado levar apenas pelo atraente cartaz e não estar acostumada com um tipo de humor que não seja o produzido em Hollywood. E provavelmente também por se tratar de uma noite de sexta e de um público menos acostumado a sessões alternativas.

E para quem acha que o filme é uma celebração masculina da poligamia, diria que, em tempos em que o politicamente correto se sobressai, essa figura do macho que tem direito de ser infiel é paulatinamente rechaçada, a ponto de reservar um último segmento que acaba por quase anular o que parecia ser uma festa da mentira e da infidelidade masculinas. Fica a impressão de que o filme não teve coragem de encarar as feministas. Mas será que essa chegou a ser uma intenção dos diretores e roteiristas em algum momento?

quinta-feira, novembro 08, 2012

CHRONIQUES SEXUELLES D'UNE FAMILLE D'AUJOURD'HUI



Que filme agradável e bonito este CHRONIQUES SEXUELLES D’UNE FAMILLE D'AUJOURD'HUI (2012), dirigido pela dupla Pascal Arnold e Jean-Marc Barr, cujo filme mais conhecido aqui talvez seja SENSUAL DEMAIS (2000). Pelo visto, o tema da sensualidade parece ser uma espécie de obsessão positiva no trabalho dos diretores. Não vi este filme de 2000, nem nenhum dos outros três filmes deles, mas o que sei é que gostei deste novo, ainda inédito por aqui. Aliás, sabe-se lá se chegará.

O filme fala de sexo de uma maneira bem interessante e por vezes excitante. Não é o tipo de filme que se use para se aliviar, digamos assim. Digo isso para não deixar ninguém com muitas expectativas nesse sentido. Mas há sim várias sequências de sexo bem bonitas. E nada gratuitas, são orgânicas diante do todo.

Trata-se de um filme-coral, mas o principal personagem é um adolescente de 18 anos que sofre por ser ainda virgem, enquanto todos ao seu redor parecem estar fazendo sexo. O filme começa com o close de uma genitália feminina. A moça está numa sala de aula e filma o próprio ato de masturbação. Lá nessa escola, meninos e meninas fazem uma espécie de desafio. Acontece que o pobre Romain é pego no flagra, executando o ato durante a aula.

A mãe, uma atriz muito sexy, aliás, a loira Valérie Maës, não dá muita bola para o diretor da escola, que vê o ato de seu filho como escandaloso e desrespeitoso. Ela sorri até. Acha que a vergonha e a suspensão na escola já são suficientes para o angustiado jovem. Aliás, outro momento muito bonito de Valérie é quando ela vai conversar sobre sexo com o sogro, viúvo há alguns meses. Ela pergunta a ele o que ele faz para satisfazer os desejos sexuais, agora que está sozinho.

Nota-se que o filme procura falar de sexo de maneira bem aberta. Assim, há cenas de masturbação, de sexo ao ar livre, de sexo a três, de primeira vez. Um destaque é também a utilização da câmera, muitas vezes em close, que aproxima o espectador da sensação carnal dos personagens, embora muitas vezes essa aproximação seja usada para esconder uma cena de felação, por exemplo. No entanto, as cenas de sexo nem parecem aquelas simuladas daqueles filmes de Cine Privê de tempos atrás. Elas parecem reais até, como se os personagens estivessem de fato fazendo sexo, o que nos dias de hoje nem parece mais algo tão escandaloso.

O filme é um retrato dos novos tempos. Tempos em que o fetiche de filmar o outro durante o ato sexual se tornou normal. Tempos em que a família aceita mais facilmente a orientação sexual do filho. Tempos aparentemente mais tolerantes. Pelo menos é essa a impressão que fica ao término do filme.

P.S.: No Blog de Cinema do Diário do Nordeste, postei matéria sobre a volta do Monty Python, que acabou recebendo mais de 150 likes no Facebook. Não sei de onde veio tanta aprovação. Vai ver o grupo é mesmo adorado. Confiram a matéria AQUI

quarta-feira, novembro 07, 2012

LOUCAMENTE APAIXONADOS (Like Crazy)



Em momento de carência afetiva, dá vontade de ver uma boa história de amor. Aí peguei este LOUCAMENTE APAIXONADOS (2011) pra ver. Trata-se do quarto longa-metragem de Drake Doremus, mas creio que foi o primeiro que ganhou repercussão internacional, ainda que seja pequena, já que é um filme independente e que nem passou nos cinemas daqui, se eu não me engano, chegando direto em DVD.

Geralmente, nas melhores histórias de amor, há sempre um obstáculo. Seja famílias que são inimigas (ROMEU E JULIETA), diferenças temporais (O FEITIÇO DE ÁQUILA, A CASA DO LAGO), ou mesmo a própria morte (LOVE STORY, LAÇOS DE TERNURA). No caso de LOUCAMENTE APAIXONADOS, o obstáculo do belo casal é a violação de um visto. Diria que há também a falta de uma maior flexibilidade por parte do rapaz, mas isso fica para o espectador dizer se concorda comigo.

Na história, um casal se conhece na faculdade. Ele, americano; ela, inglesa. Ela tem visto para estudar numa universidade em Los Angeles. Mas ao ficar apaixonada pelo rapaz e ao se aproximar o dia de ela ter que deixar o país, ela resolve passar mais uns dias. Foi estupidez. Na hora que ela tentou voltar, foi barrada. Não deixaram mais ela entrar nos Estados Unidos.

O filme tem um andamento lento e com pouca utilização de música. Os próprios diálogos são ditos baixinho, o filme nunca se permite ser histérico. Longe disso. As lágrimas podem vir, mas vêm furtivas, discretas. O casal de protagonistas é formado por Anton Yelchin (de STAR TREK e A HORA DO ESPANTO) e Felicity Jones (de A TEMPESTADE), mas a presença mais conhecida do elenco é de uma coadjuvante: Jennifer Lawrence, que interpreta uma das namoradas do rapaz. Aliás, ela é tão linda que dá até pena trocar ela pela outra, mas o filme obviamente não a mostra tão carismática e interessante quanto Ana, a personagem de Felicity Jones.

LOUCAMENTE APAIXONADOS é um bom filme, mas confesso que frustrou um pouco as minhas expectativas. Talvez por ser muito realista. Será que é porque tem coragem de ser mais despido de floreios ou porque, como bom indie, precisa ser um pouco mais racional, mesmo tratando de um assunto extremamente sentimental? Sinceramente, não sei dizer.

terça-feira, novembro 06, 2012

HASTA LA VISTA (VENHA COMO VOCÊ É) (Hasta la Vista!)



Atualmente o mar não está pra peixe para quem quer ver filmes no cinema em Fortaleza. A previsão para o próximo fim de semana é a de que o único filme a estrear será ARGO, de Ben Affleck. E que no dia 15, seis das 12 salas do UCI Iguatemi serão ocupadas por A SAGA CREPÚSCULO – AMANHECER – PARTE 2 – O FINAL. A única saída alternativa e, ainda assim, nem sempre com filmes de primeira linha, é o Cinema de Arte, que felizmente continua vivo, embora já tenha tido melhores tempos. Enquanto as salas do Cine Dragão do Mar continuarem fechadas para reforma, enfrentaremos esse drama.

Assim, embora o Cinema de Arte fique com o mesmo filme durante várias semanas, ao contrário de oferecer sempre boas novidades todas as semanas como era no passado, de vez em quando nos deparamos com filmes que nos surpreendem. É o caso de HASTA LA VISTA (VENHA COMO VOCÊ É) (2011), produção belga falada em sua maior parte em holandês, uma das três línguas oficiais do país.

O filme é tudo o que COLEGAS poderia ter sido e não conseguiu. Mostra três deficientes físicos que fogem de casa para tirarem sua virgindade em um bordel na Espanha, especializado em atender pessoas com necessidades especiais. No trio, há um cego, um paralítico com câncer terminal e um tetraplégico. A ideia de ir ao bordel, inclusive, parte deste último, que se vê revoltado com sua condição de desejar e não poder satisfazer aquilo que sente quando vê uma mulher que lhe agrada passando em sua frente. Lembrando que, ao contrário do que se pensa, o filme está mais para o registro cômico do que para o dramático.

Baseado em fatos reais, HASTA LA VISTA é desses filmes que vai conquistando o espectador aos poucos. Não tem nada de novidade no campo formal, mas tem uma narrativa muito gostosa de acompanhar e há um belo trabalho de condução dos personagens, incluindo também uma motorista de van, que é a pessoa que os levará até o tal bordel. Uma série de situações ocorre nesse road movie fora do comum e vemos também as dificuldades que eles enfrentam para tentar se virar sozinhos e sua necessidade de ter que contar sempre com o outro, mesmo que seja para fazer coisas simples como "ir ao banheiro".

Quando HASTA LA VISTA foi exibido, numa manhã de sábado em setembro, houve depois um debate com uma mãe de um rapaz com necessidades especiais. No caso, o filho dela, de 18 anos, tinha paralisia cerebral. Com inevitáveis choros por parte da mãe, a manhã foi um tanto triste, mas valiosa, no sentido de entendermos mais um pouco a vida de quem enfrenta esse tipo de situação e de valorizarmos o tanto que nos é oferecido e nem sempre nos damos conta disso.

segunda-feira, novembro 05, 2012

MANDACARU VERMELHO



Aproveitando que agora estou com Canal Brasil em casa e está passando uma mostra em homenagem a Nelson Pereira dos Santos contendo filmes inéditos (para mim), renovo a peregrinação em torno da filmografia de um de nossos mais importantes cineastas, voltando aos anos 1960, quando o diretor foi à Bahia dirigir VIDAS SECAS (1963) e encontrou muita chuva e o mato todo verdinho. Para não dar viagem perdida, aproveitou a equipe e fez, de improviso, MANDACARU VERMELHO (1961).

O filme não é tão bom, até por ser uma obra feita meio às pressas, praticamente sem roteiro. Mas é por isso mesmo que é importante dar-lhe valor. Além do mais, MANDACARU VERMELHO está cheio de influências dos westerns americanos, embora também se note algo muito próximo do cinema mexicano, que também foi importante para a formação de NPS, como se pode ver em CINEMA DE LÁGRIMAS (1995).

A história é muito simples: o próprio Nelson é um vaqueiro que foge com uma moça que havia sido prometida a outro sujeito. Os dois saem em busca de um padre para se casarem. A família dela parte à procura deles com o objetivo de vingar-se da maneira mais cruel e violenta possível. Inclusive, na sequência em que um dos jagunços começa a rasgar a roupa dela, enquanto o namorado vê sem nada poder fazer, eu vi ali algo de ousado. Nos dias de hoje, uma história dessas poderia ter estupro e sangue. Mas, embora haja mortes, o filme é até leve. O que é compreensível para o período em que foi rodado.

Agora é esperar a vez de poder ver também QUEM É BETA? (1973), JUBIABÁ (1987) e o curta-metragem UM LADRÃO (1981), todos previstos para passar em alguma terça-feira no fim de noite no Canal Brasil.

P.S.: No Blog de Cinema do Diário do Nordeste, comemorou-se o Dia do Cinema Brasileiro com um apanhado dos favoritos de cada participante e de dois convidados. Confira AQUI

domingo, novembro 04, 2012

TRABALHAR CANSA



Depois de ver uma porcaria homérica nos cinemas, nada como lavar a alma com um filme nacional de respeito como TRABALHAR CANSA (2011). Mais do que isso, a obra de Marco Dutra e Juliana Rojas representa um novo e excitante caminho para o cinema brasileiro, que também pode ser experienciado em outras obras recentes de membros do grupo Filmes do Caixote. Falando apenas do que eu vi: os curtas UM RAMO (2007) dos mesmos diretores; e O DUPLO (2012), filme solo da Juliana; e o longa O QUE SE MOVE (2012), de Caetano Gotardo, que teve Juliana Rojas como montadora e Dutra como coautor das canções. Ah, e Gotardo também assina o roteiro de TRABALHAR CANSA.

Esses três autores representam um caso especial em nossa cinematografia e que infelizmente foram descobertos por um pequeno grupo de pessoas. O que caracteriza em parte esses filmes é a junção do drama rotineiro com o cinema fantástico, com o horror. E trazer TRABALHAR CANSA para o cinema de gênero não deixa de ser animador, embora também seja redutor. Isso porque eu tenho gostado desses filmes cujos gêneros se interpenetram e se confundem, que até no cinema americano tem ótimos representantes.

O filme começa com a chegada em casa de Helena (Helena Albergaria). Ela percebe que o marido, Otávio (Marat Descartes), está triste e abatido. A razão disso: ele foi demitido. Isso acaba deixando ambos deprimidos, mas não impede que ela avance com seu sonho de abrir um mercadinho. Ela aluga um lugar, que já havia passado por dois outros comerciantes, mas estranhas coisas começam a acontecer. E o interessante é que o filme cria uma atmosfera de medo e tensão sem necessariamente mostrar algo horripilante - pelo menos até determinado momento. É o trato com o mistério dentro de coisas corriqueiras da vida que faz de TRABALHAR CANSA um objeto único.

É um filme difícil de desgrudar os olhos, uma vez que se começa a assistir. Ainda que um leve sentimento de angústia nos domine. O drama dos personagens, inclusive da filha do casal e da empregada recém-contratada, também é tratado com sensibilidade. Não vou tentar arriscar dizer o que representaria o horror no filme. Seria metáfora do quê? Isso é deixado em aberto, mas a relação entre o aspecto fantástico e a vida profissional e afetiva dos personagens está de certa forma clara.

TRABALHAR CANSA foi lançado em DVD pela Lume e traz dois extras especiais: o making of e o curta BOAZINHA DEMAIS PRA SER PATROA, montado por Caetano Gotardo com cenas deletadas do longa. Não cheguei a ver o disco à venda nas lojas daqui, mas recomendo fortemente. Inclusive, gostaria muito de ver esses extras.

sábado, novembro 03, 2012

ATÉ QUE A SORTE NOS SEPARE



É realmente lamentável os rumos que o cinema comercial brasileiro tem tomado. Espero que essa seja apenas uma fase e que logo o público venha a apostar em filmes de qualidade. Em cinema, pelo menos, não num tipo de humor da televisão, estilo ZORRA TOTAL. Sem querer ser saudosista, foi-se o tempo em que o humor televisivo brasileiro prestava. Agora eu não sei o que acontece com esses roteiristas. Não acredito que estamos diante de uma safra de péssimos roteiristas. A impressão que fica é que eles ficaram todos cínicos, no sentido de pensar em dar ao povo o que eles querem ver. Sem ao menos ofertarem uma segunda opção. Deixando claro que estou falando de canal aberto.

ATÉ QUE A SORTE NOS SEPARE (2012) é dessa triste safra e já acumulou mais de dois milhões de espectadores. Sempre estou na torcida pelo cinema brasileiro, mas desse jeito a coisa fica complicada. Será que o raciocínio é de esse tipo de filme vai contribuir para a formação de um novo público fiel ao cinema nacional? Será que o filme de Roberto Santucci é uma diversão descerebrada e que deve ser valorizada como tal? Mas e se o espectador se sentir constrangido? Porque foi assim que eu me senti. E o pior é que antes de começar o filme já vemos a Ingrid Guimarães anunciando DE PERNAS PRO AR 2 (2012), do mesmo diretor, para o fim do ano.

Não resta dúvida de que ATÉ QUE A SORTE NOS SEPARE faz a plateia (ou boa parte dela) rir. E principalmente as crianças. Uma, por exemplo, estava dando gostosas gargalhadas na cadeira detrás da minha. Muito disso vem do tipo de humor do protagonista, vivido por Leandro Hassum, que com suas caras e bocas às vezes lembra o humor ingênuo de palhaços de circo, mas com a diferença que é um palhaço "padrão Globo Filmes de entretenimento".

A história já é conhecida pela veiculação maciça do trailer: casal ganha na loteria e passados quinze anos, o sujeito descobre que já gastou tudo o que tinha e que agora está sem um tostão. Para completar, como a mulher (Danielle Winits) está grávida e é uma gravidez que deve ser tratada com muito cuidado, ele faz o possível para não contar a ela a situação. E é a partir daí que surge uma série de esquetes de humor. A que mais arranca risos da plateia é uma que envolve Aílton Graça, que interpreta o amigo dono de bar do ex-milionário.

Há também uma subtrama do vizinho (Kiko Mascarenhas) e sua esposa, que quer engravidar e acha que o marido é muito racionalista e não vive a vida com plena felicidade, como os vizinhos. É esse vizinho que será o responsável por gerenciar a nova vida do personagem de Hassum.

Se o filme ficasse só na comédia besteirol talvez não fosse tão ruim assim, mas quando começa a apelar para o melodrama xarope no final, como aconteceu com CILADA.COM, aí é que vemos o quanto Santucci e toda a organização por trás da obra não dão a mínima para entregar um produto no mínimo decente. Deixo, então, meus sentimentos, e também uma torcida por uma reviravolta positiva no nosso tão sofrido cinema brasileiro.

sexta-feira, novembro 02, 2012

FRANKENWEENIE



A figura do escritor que perdeu a inspiração que tinha outrora, tantas vezes mostrada no cinema, cabe muito bem para Tim Burton, um cineasta que começou a carreira mostrando muita criatividade e amor, dentro do seu estilo gótico, mas que aos poucos, principalmente a partir dos anos 2000, foi se repetindo, sem conseguir fazer um trabalho ao mesmo tempo inédito e capaz de entusiasmar os espectadores que o acompanham desde o início.

Há uma cena em FRANKENWEENIE (2012) que pode representar muito bem o que pode ter acontecido com Burton. Como quase todo mundo já deve saber, o filme é sobre um garotinho que consegue ressuscitar o seu cachorrinho que morreu atropelado, usando as mesmas técnicas vistas em FRANKENSTEIN (tomemos o filme de 1931 como base, em vez dos demais).

Pois bem. Ele consegue trazer a vida de volta ao seu cão, que se mostra tão amoroso quanto era antes de morrer. Mas há um colega de classe que descobre que o cão de Victor - o nome do garoto é Victor Frankenstein – foi ressuscitado. E pede para que ele faça o mesmo para ele, de modo que ele tenha chances de vencer na feira de ciências da escola. Victor dá vida, então, a um peixinho, mas os resultados não são muito bem sucedidos. Ele pergunta o porquê ao seu professor – que é a cara do Vincent Price – e ele diz que o primeiro experimento deu certo porque ele fez com o coração, não somente com a razão.

Isso cabe muito bem para os filmes iniciais de Burton, que tinham uma pujança, uma beleza toda especial. Tomemos o exemplo de dois de seus primeiros curtas – VINCENT (1982) e FRANKENWEENIE (1984). São declarações de amor que talvez só seriam vistas em longa-metragem de maneira proporcional apenas em ED WOOD (1994), sua obra-prima.

Tudo bem que Burton não deixou de amar os seus velhos filmes e seus ídolos e isso pode ser visto na enorme quantidade de referências que perpassam FRANKENWEENIE, o longa-metragem que ele resolveu fazer a partir de seu belo curta. Mas acontece que o filme funciona muito bem até a sua primeira metade. À medida que vai se aproximando do clímax, vai ficando menos interessante. Inclusive, a trilha sonora de Danny Elfman no piloto automático chega a incomodar.

De todo modo, FRANKENWEENIE é talvez o melhor trabalho de Burton da última década, não só pelo cuidado com que é feita a animação em stop motion, como pela fotografia em preto e branco que remete principalmente aos clássicos de horror da Universal – principalmente os principais homenageados: FRANKENSTEIN e A NOIVA DE FRANKENSTEIN. Além das piscadas de olho para os fãs de filmes de horror que não param de aparecer ao longo do trabalho.

Mas será que Tim Burton chegou a um momento de sua carreira em que não consegue fazer mais nada realmente original e de impacto? Seu 16º longa-metragem, ainda que carregue um pouco da centelha de seu curta, só confirma a que ponto ele chegou. Até mesmo o protagonista é "emprestado" de A NOIVA-CADÁVER (2005), embora apareça com o sobrenome mudado. A tentativa de renovar sua paixão através da nostalgia de seus filmes da mocidade não deixa de ser válida. Mas e agora? Que caminho ele seguirá?

quinta-feira, novembro 01, 2012

POSSESSÃO (The Possession)



Não dá para ignorar as qualidades de POSSESSÃO (2012), o filme que marca o retorno do cineasta dinamarquês Ole Bornedal, de O PRINCIPAL SUSPEITO (1997), a Hollywood. Desta vez, com a bênção de Sam Raimi, que bem que deveria estar fazendo mais filmes de gênero - o homem está fazendo corpo mole.

Clichês em filmes de horror, pelo menos nos mais convencionais exemplares, são praticamente inevitáveis. Por isso, a graça está em ver o que esses filmes trazem de diferente. No caso de POSSESSÃO, o que há de diferente é a caixa com um ser maligno dentro dela, e o fato de podermos ver um exorcismo feito por um rabino. Pelo menos foi a primeira vez que vi um filme com um exorcista judeu. Isso pode ter sido apenas para diferenciá-lo de tantos títulos de exorcismo que já foram feitos desde que William Friedkin fez história com seu filme em 1973. Inclusive, a máquina de tomografia, a mudança da voz da menina e os efeitos especiais durante o procedimento de tirar o diabo do corpo da garota estão presentes.

No mais, apesar da sensação de déjà vu, o filme é envolvente o suficiente para nos deixar interessados. Inclusive aquela história de o sujeito, no caso, o pai da menina (Jeffrey Dean Morgan), descobrir primeiro que ela está possuída enquanto a mãe (Kyra Sedwick) achar que ele está mentindo, embora um tanto manjada, funciona que é uma beleza aqui. Chega a ser até um alívio quando vemos a mãe surpreendendo a filha "atacando a geladeira", que aliás é uma das melhores sequências do filme.

O tom de fábula, representado pela caixa, é outro elemento que faz de POSSESSÃO um filme que foge do vulgar, bem como a inventividade da mão do demônio saindo pela boca do possuído, que aparece já no cartaz e um pouco no trailer. No quesito interpretações, destaque para as duas meninas, Natasha Calis, que interpreta a garota possuída, Emily, e Madison Davenport, que faz o papel da irmã mais velha, Hannah.

Ainda assim, nadando contra a maré, considero FILHA DO MAL o melhor filme de possessão demoníaca do ano. Quiçá, o melhor horror do ano.