sexta-feira, agosto 31, 2012

AMOR À QUEIMA-ROUPA (True Romance)



Uma das notícias mais impactantes dos últimos dias foi a do suicídio de Tony Scott. Confesso que não fui um fã ardoroso de seu trabalho, mas nos últimos anos, principalmente depois de ter ficado encantado com DÉJÀ VU (2006), eu comecei a prestar mais atenção e a dar o valor que acredito que ele deve merecer. Lembro que anos atrás, fiquei admirado quando vi numa lista de favoritos de Quentin Tarantino o filme DIAS DE TROVÃO (1990), que eu havia visto no cinema e odiado. É muito provavelmente o caso de rever o filme. Aliás, de rever a obra de Scott.

O filme que eu escolhi na semana passada para homenageá-lo foi um dos que eu mais gosto: AMOR À QUEIMA-ROUPA (1993), que na verdade eu lembro mais por causa do roteiro de Tarantino do que da direção de Scott. E foi ótimo poder ver o filme agora na janela correta. Mas lembro que mesmo tendo visto em VHS, não tinha me esquecido do impacto que é a cena sangrenta da luta entre Alabama, a personagem de Patricia Arquette, e o capanga vivido por James Gandolfini, que na época nem sonhava em ser tão famoso como o Tony Soprano da celebrada série da HBO.

A propósito, o elenco do filme é sensacional. Além dos protagonistas, Christian Slater e Patricia Arquette, o filme ainda conta com Dennis Hopper, Val Kilmer, Gary Oldman, Brad Pitt, Christopher Walken e Samuel L. Jackson. Inclusive, outro grande momento do filme e que é bem a cara do Tarantino é o diálogo entre Walken e Hopper, quando o personagem de Hopper, o policial amarrado pelo conselheiro da máfia irlandês vivido por Walken, provoca-o, dizendo que os irlandeses foram inseminados pelos negros. Daí ele conta da época da invasão dos mouros e deixa o mafioso cheio de raiva.

Mas o filme, apesar de ter todos esses personagens coadjuvantes que brilham mesmo que em poucos instantes, é mesmo de Slater e Patricia. Ela é a moça adorável que é paga para acompanhar o personagem de Slater numa sessão tripla de filmes com Sonny Chiba em seu aniversário. Imagina isso acontecendo com um cinéfilo que gosta de exagerar na quantidade de filmes vistos. É um sonho conhecer uma mulher bonita, atraente, que dá bola pra você, que faz sexo no fim da noite e que curte os filmes, ainda por cima. Dá até para imaginar que Tarantino escreveu o roteiro pensando um pouco nele, nerd de locadora, que não costumava pegar muitas mulheres antes da fama.

Mas mesmo com essa marca de Tarantino nos diálogos e roteiro, AMOR À QUEIMA-ROUPA tem o visual dos filmes de Tony Scott, que aqui abusa das tonalidades de cores e da luz. Além do mais, o filme tem uma cena de sexo que é difícil de imaginar nas obras de Tarantino. Scott, desde sua estreia no cinema com FOME DE VIVER (1983), já sabia usar a sensualidade a seu favor. No mais, AMOR À QUEIMA-ROUPA parece ter tantas balas quanto os filmes de John Woo. Pode ter sido uma influência consciente. Enfim, gostei muito de ter revisto o filme.

quinta-feira, agosto 30, 2012

AS 20 MELHORES CENAS DE TODOS OS TEMPOS



Hoje meu blog está completando 10 anos. Já faz um tempão, hein. Considero-me um herói da resistência. Principalmente nos dias de hoje, em que a popularização dos blogs caiu bastante em comparação com anos atrás. Foi graças a este espaço que eu conheci dezenas de pessoas legais. Muitas delas se tornaram grandes amigas até hoje. Tem sido também um espaço para o exercício da escrita e do aprendizado do cinema, desde então. Por mais que alguém possa dizer que não escrevo bem, não dá para negar que houve uma evolução do primeiro post até aqui. Então, para aproveitar o aniversário do blog, resolvi colocar a lista das minhas 20 cenas favoritas, que fazem parte de mais um ranking promovido pela Liga dos Blogues Cinematográficos. Lamento algumas ausências, mas isso faz parte.

1. PSICOSE (Psycho, 1960), de Alfred Hitchcock – A cena do chuveiro


















Talvez a cena mais famosa do cinema. Até quem nunca viu o filme inteiro já conhece e lembra da trilha de Bernard Herrmann. Já está no inconsciente coletivo. Marion Crane (Janet Leigh), depois de ter roubado dinheiro do cofre de seu patrão, vai parar num motel de beira de estrada. Mal sabia ela que seria assassinada por um maníaco. Hitchcock mata a protagonista com 40 minutos de filme e deixou milhões de pessoas sem chão. Ao final, depois que Marion dá seus últimos suspiros, a câmera sai do banheiro e nos mostra o dinheiro roubado, enrolado num jornal.

2. A RODA DA FORTUNA (The Bandwagon, 1953), de Vincent Minelli – O passeio no parque

















Foi preciso eu assistir o documentário SANTIAGO, de João Moreira Salles, para redescobrir este filme e em particular esta que é uma das cenas mais bonitas que o cinema já criou. É um momento mágico, quando, sem mais nem menos, Fred Astaire e Cyd Charise começam a dançar, a flutuar, quase como se não houvesse mais a lei da gravidade. Como se seus corpos fossem etéreos. E a música ao fundo, então, é de uma beleza inenarrável.

3. SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS (Dead Poets Society, 1989), de Peter Weir – "Oh, Captain, my Captain!" A despedida dos alunos ao professor Keating

















O único filme que eu vi no cinema três vezes. E das três sessões em que fui, o público se levantou, aplaudindo de pé, emocionado. Eu, ainda com lágrimas nos olhos e um arrepio no corpo inteiro, não conseguia conter a emoção. O uso de um trecho de um poema de Walt Whitman para homenagear um professor que mudou as suas vidas, vivido por um inspirado Robin Williams, auxiliado pela música de John Williams, formam o final perfeito para um filme que influenciou gerações.

4. 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO (2001 – A Space Odissey, 1968), de Stanley Kubrick – A "morte" de HAL-9000

















Sempre que me perguntam qual é o meu filme favorito eu digo que é 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO. Seja para simplificar, seja por ser mesmo um dos filmes que eu mais admiro. E pensar que só depois de três tentativas foi que consegui ver o filme integralmente. No segmento da viagem a Júpiter, Kubrick nos apresenta ao computador HAL-9000 e torna-o mais humano do que todos os tripulantes. Talvez por isso a cena de sua "morte" seja tão impactante.

5. HARRY & SALLY – FEITOS UM PARA O OUTRO (When Harry Met Sally, 1989), de Rob Reiner – A declaração de amor


















Pode até parecer um tanto bobo para os mais racionais e sisudos, mas não vou deixar de mencionar um dos meus filmes mais queridos, lá do início de minha cinefilia. Há toda uma série de razões para eu gostar de HARRY E SALLY, mas o momento é de falar de uma cena em especial. Depois de um relacionamento que deixou de ser mera amizade com o tempo, finalmente, numa noite de ano novo, Harry (Billy Crystal) faz uma das mais belas declarações de amor para uma mulher da História do Cinema. E Meg Ryan nunca esteve tão adorável.

6. CIDADE DOS SONHOS (Mullholand Dr., 2001), de David Lynch – Llorando, no Clube Silenzio


















O filme mais brilhante de David Lynch e até o momento o melhor filme do século XXI não poderia ficar de fora. Há muitas sequências inesquecíveis, mas se é para escolher uma, que seja a ida das duas amantes para o Clube Silenzio. É lá que elas encontrarão a verdade. E a verdade dói, especialmente quando se tem que enfrentar atos terríveis. É Lynch mais uma vez falando de espiritualidade por caminhos tortos e assustadores.

7. ANTES DO PÔR-DO-SOL (Before Sunset, 2004), de Richard Linklater – "Baby, você vai perder o voo."

















Continuação de ANTES DO AMANHECER (1995), a sequência mostra o reencontro de Jesse e Celine, o casal que se conheceu em um trem na Europa. Na continuação, sabemos que eles não se encontraram como combinado. E isso afetou, consequentemente, a vida que levam. Para Jesse, o encontro dos dois se transformou em livro. Ele virou escritor. Depois de caminharem e conversarem e desabafarem, Celine convida Jesse para tomar um chá em seu apartamento até chegar a hora do seu voo. Enquanto isso, Nina Simone canta ao fundo.

8. AURORA (Sunrise, 1927), de F.W. Murnau – A reconciliação


















O que uma mulher deve fazer quando descobre que o seu marido está cogitando matá-la? E o que ele deve fazer, uma vez que percebe que cometeu um terrível erro, o maior erro de sua vida? O peso que se instala nos ombros de ambos é também sentido pelo espectador, que, comovido com a situação, só torce para que os dois se reconciliem. É cinema-poesia orquestrado por um dos maiores cineastas que este mundo já teve o privilégio de abrigar.

9. A PALAVRA (Ordet, 1955), de Carl Theodor Dreyer – A ressurreição


















Só mesmo o cinema para fazer com que acreditemos piamente e com muita emoção – eu, pelo menos, fui às lágrimas – que alguém é capaz de ser ressuscitado. Claro que sem um diretor do talento e brilhantismo de Dreyer isso não seria possível. Por mais que o cinema lide muitas vezes com a suspensão da descrença, uma cena como essa nas mãos de outra pessoa certamente sairia ridícula. Nas mãos de Dreyer, o milagre acontece de fato. O melhor filme sobre a fé jamais feito.

10. HATARI! (1962), de Howard Hawks – A caça ao rinoceronte

















A maior aventura de todos os tempos! Assim muita gente trata com entusiasmo este lindo filme de Howard Hawks, um dos mais queridos e celebrados cineastas de todos os tempos. E HATARI! já conquista o espectador logo de cara, com uma cena de caça a um rinoceronte, com momentos de excitação e perigo. Logo mais adiante, veremos se tratar de um filme sobre amor e amizade. Mas é também um filme essencialmente masculino, como quase todos os trabalhos de Hawks.

11. A CASA DO LAGO (The Lake House, 2006), de Alejandro Agresti – O encontro no alpendre

















O cinema (e a literatura, sua prima mais velha) já contaram inúmeras histórias de amor impossível. Mas de vez em quando aparece alguém e conta uma nova história. Remake de um filme coreano, A CASA DO LAGO mostra duas pessoas que vivem em tempos distintos e se correspondem a partir de cartas. Em meio a essa impossibilidade de se encontrarem, o personagem de Keanu Reeves dá um jeito de falar com a personagem de Sandra Bullock pessoalmente. Uma das mais belas fábulas sobre o amor dos últimos anos.

12. O PROCESSO DE JOANA D'ARC (Procès de Jeanne d'Arc, 1962), de Robert Bresson – A ida para a fogueira

















Às vezes eu fico me perguntando como um cineasta difícil e cerebral como Robert Bresson me pegou pela emoção logo na primeira vez que assisti O PROCESSO DE JOANA D'ARC. Ajuda eu ser fascinado pela personagem, uma das mais importantes mulheres da História do mundo. Bresson trata o processo com frieza, mas isso não quer dizer que não seja possível se solidarizar com a jovem que está prestes a ser queimada viva na fogueira. E a cena em que ela se dirige à fogueira, com a câmera destacando apenas os seus pés e os de quem vão assistir à execução, dá também importância ao que está fora de quadro. O que só aumenta o mau estar.

13. BASTARDOS INGLÓRIOS (Inglorious Basterds, 2009), de Quentin Tarantino – A conversa com o "caçador de judeus"

















Quentin Tarantino, depois de dar um tempo após filmar JACKIE BROWN (1997), parece ter retornado ainda mais inspirado. Os dois volumes de KILL BILL (2003,2004) são tão cheios de cenas memoráveis que fica difícil até escolher uma. Já BASTARDOS INGLÓRIOS fica mais fácil: a cena inicial do filme, numa casa de campo na França que serve de abrigo para judeus. É lá que aparece o caçador de judeus vivido por um inspirado Christoph Waltz. Diálogo mordaz, com humor negro e muita tensão.

14. VIDAS SECAS (1963), de Nelson Pereira dos Santos – A morte de Baleia


















Tanto no romance de Graciliano Ramos quanto na adaptação de Nelson Pereira dos Santos, a cena da morte da cachorra Baleia é o que há de mais triste, de mais depressivo de uma obra que já transpira tristeza. Na cena, já vendo que Baleia está doente e perto de morrer, Fabiano resolve sacrificá-la. Destaque para o contraste da luz estourada de fora da casa com a falta de luz dentro da casa, onde os meninos e sua mãe aguardam o triste fim da querida cadela.

15. ROCKY, UM LUTADOR (Rocky, 1976), de John G. Avildsen – Mickey procura Rocky para ser seu treinador

















Rocky é um sujeito humilde, pobre e de bom coração. Desses que é fácil de a gente gostar. Depois que ele recebe a proposta de lutar contra o campeão de pesos pesados Apolo Creed, o velho Mick, seu treinador que havia lhe deixado na mão, vai procurá-lo para trabalhar com ele. Rocky até tenta se vingar de Mick, mas seu bom coração não permite. Essa é apenas uma das várias cenas emocionantes desse belo filme.

16. BONITINHA, MAS ORDINÁRIA OU OTTO LARA REZENDE (1981), de Braz Chediak– "Contínuo!"


















Pode até não ser grande cinema, mas BONITINHA, MAS ORDINÁRIA, a versão com José Wilker, Lucélia Santos e Vera Fischer, é cheia de momentos inesquecíveis. Este diálogo envolvendo dois homens que fazem questão de humilhar o personagem de Wilker, chamando-o de ex-contínuo, é uma joia de nossa dramaturgia. Até hoje faz muita gente rir. Especialmente depois da resposta cheia de raiva do humilhado.

17. A VIDA DE BRIAN (Life of Brian, 1979), de Terry Jones – A fila para pegar a cruz

















Falando em rir, a única comédia de verdade da lista traz uma sequência impagável. Na fila para pegar uma cruz ou ser solto, um centurião romano pergunta para as pessoas se elas foram julgadas culpadas ou inocentes. Um simpático ladrão diz que é inocente. Teria ganhado sua liberdade se não dissesse que estava apenas brincando. Senso de humor é isso aí.

18. E O VENTO LEVOU (Gone with the Wind, 1939), de Victor Fleming – A morte da filha de Scarlett e Butler


Difícil escolher uma cena entre tantas desta produção grandiloquente de David O. Selznick. Passando-se na Guerra Civil americana e mais especificamente no lado sul do conflito, depois que a guerra acaba e os perdedores precisam reconstruir tudo de novo, Scarlett O'Hara e Rhett Butler, os dois de temperamento forte, se casam e têm uma filha. A cena do acidente da criança é exageradamente melodramática. Mas até hoje emociona.

19. AMAR FOI MINHA RUÍNA (Leave Her to Heaven, 1945), de John M. Stahl – O afogamento

















Outra produção de David O. Selznick, AMAR FOI MINHA RUÍNA é um estranho film noir em belo colorido e com um título nacional que pode enganar muita gente. O filme se aproxima mais do horror do que do melodrama. E a cena em questão é perturbadora e mostra até que ponto vai a maldade da protagonista, ao planejar e assistir o afogamento de um garotinho. Um dos grandes papéis de Gene Tierney.

20. ZOMBIE – A VOLTA DOS MORTOS / ZUMBI 2 – A VOLTA DOS MORTOS (Zombie 2, 1979), de Lucio Fulci – A mulher, o tubarão e o zumbi

















Como um diretor consegue juntar três coisas de grande apelo popular como uma mulher seminua, um tubarão e um zumbi numa mesma cena? Lucio Fulci conseguiu em um de seus filmes mais celebrados. É o tipo de cena que a gente gosta de mostrar para os amigos. Nem é o melhor filme da fase de ouro do horror italiano, mas é difícil esquecer da cena, tanto pela utilização dos três elementos quanto pela qualidade dos efeitos especiais. Ainda por cima, levando em consideração a época e as circunstâncias.

quarta-feira, agosto 29, 2012

TRUE BLOOD – A QUINTA TEMPORADA COMPLETA (True Blood – The Complete Fifth Season)



Até que TRUE BLOOD tem conseguido se sustentar, depois de virar lixão na segunda e na terceira temporadas, e de se reerguer na quarta, a série volta com uma quinta temporada (2012) bem diferente. E os novos ares fizeram bem para a série. Se antes o ponto principal era o romance entre Sookie e Bill, e posteriormente um triângulo amoroso com Eric, tudo isso foi deixado de lado com uma trama em que Bill e Eric são chamados para prestar contas com a maior autoridade dos vampiros nos Estados Unidos. E talvez no mundo. Isso faz com que eles fiquem mais próximos e que Sookie e Sam, por exemplo, uma humana com sangue de fadas e um transmorfo, sigam caminhos também distintos um do outro, com aventuras e perigos próprios.

Uma das grandes novidades desta quinta temporada é a transformação de Tara em vampira. Ela estava às portas da morte no gancho da temporada passada e Sookie e Lafayette pedem que Pam a transforme em vampira para salvá-la. Ao mesmo tempo, um grupo de homens fantasiados com uma máscara do Presidente Obama matam transmorfos e vampiros. A temporada também deu vez a personagens secundários como Terry e Arlene, com uma subtrama envolvendo a maldição de uma cigana.

O mérito da série nesta temporada foi conseguir levar adiante os episódios com subtramas praticamente independentes entre si. Mas o grande destaque e o que vai ficar mais marcado mesmo nesta temporada é a tal Autoridade, a reunião de vampiros poderosos que guardam o sangue de Lilith, supostamente a primeira vampira, e a primeira mulher criada por Deus, que por sua vez também era vampiro. E não é só o mito de Lilith que é citado na temporada, mas a própria Salomé, a mulher que pediu a cabeça de João Batista, está lá no grupo da Autoridade, ainda bela como dois mil anos atrás - se é que ela era mesmo bela.

Uma personagem nova que talvez fique para a próxima temporada é a irmã de Eric. Curiosamente, eles têm uma relação que ultrapassa o amor fraternal e pode-se esperar até uma razoavelmente boa cena de sexo entre os dois. Também é a vez de encararmos um Bill longe de ser bonzinho, o que é uma boa para a série. No mais, Jessica continua linda e maravilhosa, ainda que pouco aproveitada na temporada, e o malvadão vampiro Russell Edgington está de volta para infernizar a vida de todos. Eis um grande vilão. Enfim, a série, se não é nenhuma maravilha, não sofreu queda de qualidade em relação à temporada anterior.

terça-feira, agosto 28, 2012

DEUS DA CARNIFICINA (Carnage)























Chegando com mais de dois meses de atraso em Fortaleza e de maneira muito discreta – o que é uma pena -, o novo trabalho de Roman Polanski, DEUS DA CARNIFICINA (2011), é claramente baseado em uma peça teatral, tanto pelo fato de se passar em um único espaço, um apartamento, quanto pelo uso generoso da palavra, dos diálogos tão bem encenados pelos quatro astros do filme: Kate Winslet, Christoph Waltz, Jodie Foster e John C. Reilly. Quem diz que o filme é teatro filmado é porque não percebe as nuances de Polanski, na utilização dos closes, dos planos mais abertos ou do uso da câmera de baixo para cima.

O mote da trama - e que faz com que os oitenta minutos de filme passem voando –: o filho do casal Nancy e Alan (Winslet e Waltz) atingiu com um bastão o filho do casal Penelope e Michael (Foster e Reilly), quebrando-lhe os dentes violentamente. Os pais dos adolescentes se reúnem, então, para entrar num acordo pacífico sobre o que eles devem fazer para resolver a situação. Se o filho que atingiu deve pedir desculpas, se o atingido também teve sua parcela de culpa etc.

Não deixa de ser curioso o fato de o filme lidar com o tema da culpa, da responsabilidade e de quanto o culpado também pode não ter sido tão culpado assim. É possível fazer uma comparação com a própria situação de Polanski, proibido de entrar nos Estados Unidos depois de ter seduzido uma menor de idade e fugido antes de qualquer julgamento. Dá para imaginar que Polanski pode estar convidando os espectadores a julgar ou relevar a culpa do agressor, achando que ele é apenas uma criança e por isso não se deve levar muito a sério.

Ao mesmo tempo, o personagem de Christoph Waltz, o que mais se destaca no quarteto, como um advogado inescrupuloso que não para de atender o celular, dá a entender, mesmo que de maneira bem humorada, que o seu filho é um maníaco. Coisa que sua mãe discorda totalmente.

DEUS DA CARNIFICINA pode ser visto como uma comédia (tensa) que parece não chegar a lugar nenhum, mas sabemos que os simbolismos, como o representado pelas posições sociais dos quatro personagens e principalmente o mostrado no último quadro, são um convite à reflexão capaz de deixar o espectador com uma pulga atrás da orelha. É um filme adulto e inteligente raro de se encontrar no circuito comercial e que deve ser visto o quanto antes, até por estar passando numa das salas com melhor qualidade de projeção da cidade.

segunda-feira, agosto 27, 2012

COLEGAS



Foi uma situação bem desconfortável a que eu senti naquela segunda-feira, dia 13, no Festival de Gramado, quando o público ovacionou COLEGAS (2012), de Marcelo Galvão, aplaudindo de pé. Eu não estava entendendo nada. Comecei a achar que havia alguma coisa errada comigo quando até mesmo alguns colegas críticos começaram a elogiar o filme. E, logo depois, o protagonista, o rapaz que lidera o grupo de "foras-da-lei" fugitivos de uma instituição para jovens com Síndrome de Down, apertou a minha mão e falou: "imagina como é que está lá fora." Ele esperava, com razão, receber o carinho do público também no saguão do Palácio dos Festivais. E confesso que fiquei emocionado neste momento.

Mas não dá para confundir realidade com ficção e COLEGAS é mais um filme cheio de boas intenções do que exatamente um bom trabalho. Claro que é preciso tratar com delicadeza um filme como esse, tendo em visto lidar com pessoas que dificilmente aparecem nos filmes e quando aparecem geralmente são tratadas como coitadas. Talvez não seja o caso de COLEGAS, mas o esforço deles não redime o filme de receber críticas.

O filme de Marcelo Galvão tem uma "muleta", que é a narração em voice-over de Lima Duarte, que no começo até funciona bem para apresentar os três personagens, mas depois se torna redundante e um disfarce para a interpretação fraca dos protagonistas. Por isso, nas cenas em que vemos os policiais atrapalhados que os perseguem, essa narração desaparece e o filme flui um pouco melhor. As muitas referências a diversos filmes, como PULP FICTION, TAXI DRIVER, CIDADE DE DEUS, entre outros, tem a intenção de dar aquela piscadela para os cinéfilos, mas poucas vezes esses momentos são realmente engraçados.

Na história, dois rapazes e uma moça com Down, acostumados a assistir muitos filmes na videoteca da instituição e inspirados em THELMA & LOUISE, resolvem dar uma escapada no carro do jardineiro para satisfazer seus sonhos. Nem que para isso precisem assaltar lojas de conveniência usando máscaras. Seus sonhos são diversos: o de Stalone (Ariel Goldenberg) é ver o mar; o de Márcio (Breno Viola) é voar; e o de Aninha (Rita Pokk) é casar com um ator. Enquanto isso, uma dupla de policiais desastrados sai no encalço do trio e a imprensa noticia o caso com sensacionalismo.

COLEGAS ganhou os prêmios de melhor filme, prêmio especial do júri para o trio de protagonistas e direção de arte. A estreia comercial do filme nos cinemas está prevista para o dia 9 de novembro. Tirem suas próprias conclusões. 

domingo, agosto 26, 2012

ROCK OF AGES – O FILME (Rock of Ages)



Faltou pouco para ROCK OF AGES – O FILME (2012) ser bem sucedido. Talvez se tivesse meia hora a menos... O fato é que há uma grande diferença do gás que o filme tem até o momento do fim do espetáculo do personagem de Tom Cruise, na casa de shows Bourbon, e o que se segue. Até então, ROCK OF AGES mantém um sabor bem interessante, com um amor pelo rock misturado com um apelo cafona saboroso, embalado por canções como "Waiting for a girl like you" e "I want to know what love is", ambas da banda Foreigner.

Mas isso já acontece mais ou menos lá pelo meio, quando o romance do casal principal, vivido por Julianne Hough (que esteve no remake recente de FOOTLOOSE) e Diego Boneta (em seu primeiro trabalho para o cinema), já está estabelecido. O musical se articula mais ou menos como MOULIN ROUGE, de Baz Lurhmann, apostando em canções já conhecidas para ganhar o público. No caso de ROCK OF AGES, as canções escolhidas são do hard rock oitentista, também conhecido como "metal farofa".

O grande destaque são as canções casadas, como "Juke box hero" (Foreigner) com "I love rock'n'roll" (Joan Jett), ou "More than words" (Extreme) com "Heaven" (Warrant). Esses primeiros momentos do filme, com essas canções misturadas e cantadas com entusiasmo contagiante, infelizmente não conseguem ser mantidos até o final. Ainda assim, outros grandes momentos musicais se destacam, como Tom Cruise cantando "Wanted dead or alive" (Bon Jovi) e "Pour some sugar on me" (Def Leppard).

No mais, como esquecer da cena de Cruise com Malin Akerman, se pegando no camarim? Sem dúvida, um dos grandes momentos do filme. Quanto à trama principal, que envolve o relacionamento entre os dois jovens protagonistas, ela vai perdendo a força, até porque Boneta não tem muito carisma para segurar o papel durante muito tempo. Sem falar que o filme descamba para um sentimentalismo excessivamente açucarado quando o casal de pombinhos volta e canta "Don’t stop believin'" (Journey), que até parece coisa do seriado GLEE.

Mesmo assim, ROCK OF AGES é um filme que merece ser apreciado, já esperando se tratar de um musical à moda antiga - mas com um pouco do veneno das guitarras do rock -, com uma história bem simples e interpretações surpreendentemente muito boas dos atores.

ROCK OF AGES é a segunda adaptação de um musical da Broadway dirigida por Adam Shankman. A primeira foi HAIRSPRAY – EM BUSCA DA FAMA (2007).

sábado, agosto 25, 2012

A ARTE DE AMAR (L'Art d'Aimer)



Bastou ter visto FAÇA-ME FELIZ (2009) para eu perceber o talento de Emmanuel Mouret. Naquele filme, igualmente exibido numa edição da Mostra Varilux de Cinema Francês, o diretor e ator bebeu de muito do que foi feito no humor mundial, especialmente do humor americano. As screwball comedies, os irmãos Marx, Jerry Lewis e Woody Allen em sua fase inicial, de humor mais físico. Em A ARTE DE AMAR (2011), Mouret presta novamente tributo a Allen, em especial. Desta vez, o que é explorado é o aspecto mais neurótico do cinema de Allen, que tem tudo a ver com esse jeito afrancesado de pensar demais antes e depois de fazer certas coisas.

O filme é dividido em várias pequenas histórias, algumas delas que voltam, outras que desaparecem, outras que se complementam. Há, por exemplo, a história da moça que está com mais de um ano sem fazer sexo e sua amiga acha isso um absurdo, chegando a oferecer o namorado emprestado para ela. Em outra história, uma moça que se mostra toda atirada, começa a achar que não deve se entregar para o vizinho, a não ser que isso aconteça de maneira "natural".

Em geral, as histórias mostram pessoas que complicam o ato de amar. Daí vem o título do filme, que remete à obra de Ovídio ("Ars Amatoria") e o que faz de A ARTE DE AMAR diferente de outras comédias francesas que podem ser conferidas na própria edição deste ano do Festival Varilux. Trata-se de uma obra com um humor mais universal, mais fácil de ser apreendido pelas plateias. Talvez justamente por ser herdeiro do humor americano, tão mais familiar à maior parte do público brasileiro. Mas além de fazer rir, o filme de Mouret, que aqui aparece apenas em um papel bem pequeno, é também encantador no modo como ele mostra o amor de certos personagens.

Tomemos o exemplo do jovem casal que deseja uma relação mais aberta, para não se sentirem presos um ao outro, mas que no fim das contas, tem dificuldade em estabelecer elo com outras pessoas. Há um outro casal, de meia idade, cuja mulher decide deixar o marido para ter novas experiências com outros homens. E a beleza de ele aceitar a condição de estar sempre lá quando ela voltar de suas aventuras, sejam boas ou más, é tocante. Não se trata de achar bonito ser corno; o filme vai além disso. Mouret faz um trabalho completo: faz rir com piadas simplórias mas divertidas (a da luz apagada), faz emocionar com o amor dos personagens e faz refletir também. Isso é raro de se encontrar no cinema. Daí Woody Allen ser a referência maior.

sexta-feira, agosto 24, 2012

APENAS UMA NOITE (Last Night)



A estreia na direção da iraniana Massy Tadjedin foi com o pé direito. APENAS UMA NOITE (2011) não é um filme perfeito, mas possui momentos intensos, especialmente nas cenas com Keira Knightley. No filme, ela é Joanna, uma jovem mulher casada que mantém uma relação estável com Michael (Sam Worthington). Num jantar, ela descobre que uma das colegas do marido é muito atraente (Eva Mendes) e o acusa de tê-la traído com ela em alguma ocasião. E até que ela tinha razão em suspeitar, pois se ele não havia ainda a traído, a viagem a negócios com a colega atraente junto promete trazer uma experiência nova para Michael. Porém, as coisas são bem mais intensas para Joanna, que reencontra um antigo amor, Alex (Guillaume Canet).

Como ela mesmo diz em certa ocasião do filme, às vezes um dia na vida pode mudar tudo. O fato de ela ter saído para comprar café na esquina e ter encontrado Alex na rua mexeu com seu coração. E à medida que o filme ganha pontos nas sequências de Keira com Canet, perde nas cenas de Worthington com Eva Mendes. Isso porque falta paixão e sobra desconforto nessa última relação, povoada pela culpa. Enquanto que a relação pregressa de Joanna e Alex faz com que aqueles poucos momentos juntos signifiquem muito.

Como o filme se passa a maior parte do tempo à noite, a escuridão da fotografia de Peter Deming (de CIDADE DOS SONHOS) fica muito bem em película, mas sai bastante prejudicada nas cópias em digital. Não deixa de ser um incômodo, que só não chega a ser tanto assim porque APENAS UMA NOITE é envolvente e às vezes nos faz esquecer da má qualidade da cópia.

Não deixa de ser interessante o fato de o filme ter sido dirigido por uma cineasta iraniana e conter cenas bastante sensuais, embora não necessariamente gráficas. Keira Knightley é impressionantemente charmosa, com seu sotaque inglês, e sua beleza, apesar da excessiva magreza. A moça nasceu mesmo para ser estrela de cinema. Ela passa a impressão de levar o filme nas costas, embora com a ajuda do ator francês, que faz seu par romântico na maior parte do tempo.

Se o filme fosse centrado apenas na relação dela com Alex, em vez de alternar entre uma relação e outra, talvez tivesse resultados melhores. Mas do jeito que ficou não dá para reclamar. Trata-se de uma obra que tem a sua beleza e sofisticação e que é um alento em meio a um circuito povoado de filmes tão apressados e rasos.

quinta-feira, agosto 23, 2012

NOVE CURTAS GAÚCHOS



O dia que encontrei Davi de Oliveira Pinheiro foi o dia em que fomos ver os curtas gaúchos. Infelizmente, no sábado não pude ir e perdi de ver o curta dele. Mas foi uma surpresa muito boa ver uma produção de qualidade como a dos curtas produzidos no Rio Grande do Sul. Em geral, os curtas que não são classificados para a mostra competitiva principal são menores, inferiores. Não foi isso o que eu senti vendo os curtas-metragens exibidos na tarde de domingo (12) em Gramado. Inclusive, alguns deles eu gostei até mais do que o franco favorito e superestimado CASA AFOGADA.

CASA AFOGADA

Falando no dito cujo, o curta de Gilson Vargas foi o primeiro a abrir a mostra do dia. Trata-se de um trabalho admirável do ponto de vista técnico, com destaque para a edição de som, toda feita em estúdio, recriando com sons artificiais os sons naturais do filme, que se passa numa espécie de pântano, onde vive um homem. Um homem afastado da civilização e que vive sozinho, com seus livros e sua vara de pescar. Aos poucos sabemos de algo de seu passado. Mas tudo através de imagens. Algumas tomadas foram filmadas embaixo d’água. É, sem dúvida, um achado do ponto de vista técnico. Mas que a mim não envolveu ou comoveu. 2011, 13’30”.

IGNÁCIO E SALDANHA

Dois velhos amigos de infância conversam enquanto jogam damas. Até que um deles diz que vai confessar uma coisa para o outro: ele é o diabo. O outro aproveita para confessar algo importante também: ele é Deus. E a partir desse momento, o curta oferece um dos diálogos mais divertidos da seleção, com brincadeiras em torno de tanta história envolvendo Deus e o diabo, aproveitada como tiradas engraçadas nesse trabalho divertido de Boga Migotto. 2012, 11’40”.

SÓ ISSO

Provavelmente o mais belo dos curtas exibidos naquela tarde, SÓ ISSO, de Iuli Gerbase (filha de Carlos Gerbase), é de uma poesia admirável. Dividido em pequenos blocos, o filme tem uma fotografia em vertical que cobre parte da tela e no início passa a impressão de que ela vai se expandir. Não é o que acontece. Os blocos são semi-independentes e cada um tem a sua própria beleza. Destaque para a cena da dança de uma das protagonistas. 2012, 13’.

A VIDA DA MORTE

A própria morte esteve presente para prestigiar a exibição do curta. E foi lá trajada a rigor, com sua cara de caveira, sua roupa preta e sua foice. O filme de Maciel Fischer foi o que mais arrancou gargalhadas da plateia. E foi para isso mesmo que ele foi criado. Na história, a morte vai seguindo tranquila a sua rotina de ceifar a vida das pessoas até que um dia lhe é dada a missão de matar um conhecido cantor. Uma tarefa que para ela não é nada fácil. 2011, 9’.

ELEFANTE NA SALA

O grande vencedor da mostra de curtas gaúchos, ELEFANTE NA SALA mostra o modo como um adolescente lida com a solidão, em sua luxuosa casa, enquanto os pais estão fora. O destaque desse trabalho de Guilherme Petry, além da bem cuidada montagem e do fato de praticamente não ter diálogos, é a bela fotografia colorida, que foi muito bem aproveitada na excelente aparelhagem do festival. 2012, 10’.

BOA VIAGEM

Um dos mais fracos da tarde, BOA VIAGEM, de Clailton Mossmann, é uma espécie de ANTES DO AMANHECER mais pobrinho e com diálogos mal cuidados. Ainda assim é um curta que não tem nada de cansativo, embora tenha algo de constrangedor. Poderia ter se salvado, pelo menos em parte, se tivesse optado por um final diferente, que eu teria comparado com os finais dos contos de "Dublinenses", de James Joyce. Em vez disso, o óbvio imperou e o filme derrapou. 2011, 8’36”.

LOBOS

Um curta que aparentemente não tem muito a oferecer, LOBOS (foto), de Abel Roland e Emiliano Cunha, torna-se gigante na cena da estrada, mostrada em flashback. Os diretores fizeram um incrível trabalho de direção de atores. A atriz até ganhou o prêmio dessa mostra. A atmosfera assustadora de um acidente na estrada pode até ser comum de se ver em filmes americanos, mas isso não impediu que eu ficasse impressionado com o trabalho desses realizadores. 2012, 12’.

NOITE UM

Um filme de vampiro que, como o Davi bem disse, poderia passar facilmente em festivais internacionais de cinema fantástico. O curta de Rafael Duarte e Taísa Ennes Marques já ganha pontos a partir do belo cartaz. E para uma produção que tem uma história previsível até que eles se saem muito bem na criação atmosférica e nos diálogos dos personagens presos em um ambiente fechado. 2012, 18’51”.

RUA DOS AFLITOS, 70

Pena a mostra ter terminado justamente com um curta fraco como este RUA DOS AFLITOS, 70. Creio que o trabalho de Leandro Daros deve funcionar melhor em exibição em escolas, ao abordar o problema do abuso sexual infantil. Na trama, o patriarca da casa, depois de um AVC, perde a capacidade de falar, mas é testemunha dos abusos do padrasto à filha. O principal problema do filme está na atuação e na direção, mais do que no enredo. 2011, 17’15”.

quarta-feira, agosto 22, 2012

PARIS-MANHATTAN



Este é o tipo de situação em que eu me pergunto se o problema é comigo ou com o filme. Na sessão de PARIS-MANHATTAN (2012) um monte de gente rindo a valer, inclusive uma velhinha, que dava uma gargalhada gostosa, enquanto eu ficava carrancudo e sem entender o que havia de tão engraçado no filme. Achei até mal feito, fraco, bobo, com problemas de montagem. E também me perguntei se é o velho problema que eu tenho com as comédias francesas. A sorte é que no mesmo dia, na sessão seguinte, Emmanuel Mouret salvou a pátria com o seu delicioso A ARTE DE AMAR. O que sobra num, falta no outro. Mas os dois filmes têm algo muito forte em comum: a vontade de homenagear Woody Allen.

E no caso de PARIS-MANHATTAN, a homenagem é explícita, já que o filme conta a história de uma garota (Alice Taglioni) que é fanática pelo cineasta-ator-comediante e nem liga muito para namoro. Até o dia em que ela se vê mais ou menos dividida entre dois pretendentes. Ela é farmacêutica e prescreve filmes do Woody Allen para curar alguns males de pessoas que chegam à farmácia. Segundo ela, se Allen salvou a sua vida, pode muito bem ajudar também a outras pessoas. Ela também "conversa" com Allen em seu quarto, olhando para um gigante pôster. A voz de Allen funciona como uma espécie de voz da consciência dela.

O problema é que a diretora, Sophie Lellouche, parece não dominar muito bem o timing para a comédia. Tudo parece muito amador. Comédia é talvez o gênero mais difícil de fazer e mesmo que a intenção seja apenas deixar estampado um sorriso no rosto do espectador, ainda assim é uma tarefa complicada. Talvez outras pessoas que estejam mais familiarizadas com o humor francês gostem mais do filme, a julgar pela reação da audiência, mas pra mim, o que salva PARIS-MANHATTAN do completo esquecimento é a participação carinhosa de Woody Allen no final. Aí sim um sorriso se estampou em meu rosto. Mas aí já era um tanto tarde.

P.S.: Quero deixar registrada ainda a minha insatisfação com as cópias digitais. Creio que o problema seja da aparelhagem, já que em festivais como o Cine Ceará e em Gramado, a qualidade dos filmes exibidos em digital é de dar gosto. E o pior é que parece que os cinemas do Iguatemi também vão aderir às cópias digitais. Não está sendo fácil.

segunda-feira, agosto 20, 2012

UMA GARRAFA NO MAR DE GAZA (Une Bouteille a la Mer)



O cinema francês é, sem dúvida, atualmente, o que está mais ligado a questões que outras cinematografias parecem alheias, ou lidam de maneira unilateral. Prova disso é que dos 17 fiilmes do Festival Varilux de Cinema Francês, cinco deles tratam de questões políticas internacionais, como a emigração ou a questão dos palestinos, judeus, libaneses e africanos. Os franceses têm um histórico rico de "contaminação" com outras culturas há tempos.

UMA GARRAFA NO MAR DE GAZA (2011), de Thierry Binisti, narra o relacionamento quase impossível de um palestino vivendo na Faixa de Gaza e uma judia francesa que mora em Jerusalém. A relação se estabelece a partir de um velho procedimento: a de um manuscrito enviado dentro de uma garrafa. A ideia partiu dela, que, com mais sensibilidade do que a maioria dos israelenses, resolve escrever esta carta a fim de que alguém "do outro lado" pudesse responder e ela pudesse obter uma comunicação usando inicialmente o inglês como língua mais "universal".

O curioso é que o filme não pinta os palestinos da Faixa de Gaza como coitadinhos, mas como pessoas até alegres, mesmo diante de tantas adversidades. Obviamente há um contraste entre a vida mais luxuosa dos israelenses (embora eles também sofram com a tensão provocada pelos homens-bomba) e a dos palestinos. Mas o que o filme mais acentua é a barreira existente entre esses dois jovens que se conhecem "por acaso". Se não fosse pela internet, isso jamais teria sido possível.

A pluralidade de línguas dessa produção franco-israelense-canadense (hebraico, árabe, francês e inglês) conta pontos para o filme, tornando-o mais realista, embora o enredo seja uma variação da velha história do amor impossível. Mas há a intenção de nos apresentar à realidade dos dois. Como tinha lido "Palestina – Uma Nação Ocupada" e "Palestina – Na Faixa de Gaza", ambos de Joe Sacco, minha impressão da Faixa de Gaza era muito pior. Pelo visto as coisas melhoraram um pouco, se o filme estiver fazendo um retrato fiel da vida dos palestinos dessa região.

Outro ponto positivo é o modo como o filme nos envolve aos poucos no drama dos personagens. Não é a maior maravilha do mundo, mas é muito melhor do que se espera. Para mim, era um dos que eu menos queria ver da mostra, e por obra do "acaso", e por estar longe da cidade nos últimos dias, não pude ver alguns dos que mais gostaria.

UMA GARRAFA NO MAR DE GAZA está previsto para estrear em circuito comercial no dia 31 de agosto.

domingo, agosto 19, 2012

VIAGEM A GRAMADO



Desde os primeiros anos de minha cinefilia que sonhava em ir ao Festival de Gramado, ver todos os filmes, entrar em contato com uma cidade que respira cinema durante nove dias, sentir um pouco do glamour do evento. A ida a Gramado acabou surgindo de maneira bem inusitada. Os poucos meses que tenho participado como colaborador do Blog de Cinema do Diário do Nordeste foram suficientes para deixar a minha marca e Pedro Martins Freire, o editor do blog e principal crítico de cinema do estado do Ceará, me perguntou se eu gostaria de ir a Gramado, caso a oportunidade surgisse. A uma pergunta dessas não se responde nem com um talvez. É claro que eu disse sim, mas como tenho certa familiaridade com a Lei de Murphy, resolvi não contar como certa a minha viagem, só contando da possibilidade para pouquíssimas pessoas.

Isso acabou com que eu perdesse a oportunidade de conhecer pessoalmente, por exemplo, Milton do Prado e perdesse de ver o Cristian Verardi. Os dois estavam em Gramado no fim de semana em que foram exibidos os curtas gaúchos. Mas consegui encontrar Davi de Oliveira Pinheiro, que estava com um curta em exibição, O BEIJO PERFEITO, nessa mesma mostra. Almoçamos e batemos um bom papo, além de vermos a seleção de domingo dos curtas. Inclusive, fiquei impressionado com a qualidade dos curtas gaúchos exibidos naquele domingo. E foi lá que a gente suspeitou que o diretor Sérgio Silva estava mesmo muito doente. Ele veio a falecer na quarta-feira.

Mas eu estava lá a trabalho, e embora não tenha conseguido cumprir o que gostaria, que era enviar para o blog do jornal uma crítica de um dos filmes da noite e um texto-resumo do dia anterior todas as manhãs, pelo menos o texto-resumo foi publicado religiosamente. Uni a linguagem informal dos relatos de viagem que estou acostumado a escrever aqui para o blog com uma linguagem mais jornalística. Foi muito bom, apesar de ter muitas vezes que sacrificar horas de sono para escrever o texto à noite e enviá-lo pela manhã, procurando fazer as correções necessárias. Isso fez parte do processo de correria do trabalho de cobertura.

Foi também muito bom estar junto com vários jornalistas e críticos conhecidos de periódicos importantes na sala de imprensa. Muitos deles só conheci lá mesmo e com quem tive mais afinidade, como Roberto Cunha, do Adoro Cinema, e Ricardo Daehm, do Correio Braziliense. Conheci também Ernesto Barros, do Diário de Pernambuco, Luiz Zanin Oricchio, do Estado de S. Paulo, e tive um pouco mais de proximidade com Celso Sabadim, do Cineclick, e Ivonete Pinto, da Revista Teorema.

Aliás, não tenho do que reclamar da hospitalidade de todo o pessoal da Abraccine, que ainda me permitiu assistir duas de suas reuniões, o que me ajudou a entender um pouco dos bastidores da crítica brasileira. João Nunes (Correio Popular, de Campinas) já foi logo me estendendo a mão assim que eu entrei na sala. E durante um almoço, ele falou de algo que eu achei bem interessante: que para alguém que quer escrever bem sobre cinema, o melhor a fazer é ler grandes romances. Ler Proust, por exemplo. Isso é mais importante do que ler livros sobre teoria de cinema.

As coletivas de imprensa que aconteciam todos os dias pela manhã com os realizadores dos filmes exibidos na noite anterior eram muito enriquecedoras, me ajudavam a compreender melhor o trabalho e as intenções dos cineastas, além de ficar sabendo de detalhes da produção. Poucas polêmicas surgiram. Posso adiantar que não houve nenhum quebra-pau entre críticos e cineastas. Das coletivas que participei o clima foi bem amistoso.

Mas nada como poder participar de uma mesa redonda bem pequena, formada por uma meia dúzia de críticos, a fim de entrevistar Fernando Meirelles e Maria Flor, que estiveram lá por ocasião da exibição de 360, em estreia nacional. Só com essa reunião tão intimista que pude deixar um pouco a minha timidez de lado e fazer várias perguntas a Meirelles e a Maria Flor, que foram muito simpáticos e atenciosos. Diria que até eu, que não sou fã do trabalho de Meirelles, passei a simpatizar com ele, que sempre tem respostas prontas e elegantes na ponta da língua. E em certo momento, a mini-coletiva acabou quase parecendo um bate-papo em mesa de bar.

Porém, o momento mais emocionante aconteceu quando fui me aventurar a entrevistar Sara Silveira, que estava como produtora de um dos melhores filmes exibidos por lá: O QUE SE MOVE, de Caetano Gotardo. Sara foi parceira do Carlão Reichenbach e foi falando dele que me apresentei e ela lembrou de mim. Ela é uma simpatia. Qualquer dia eu transcrevo e publico a entrevista. Pena que tem muitos spoilers do filme de Gotardo. Mas, enfim, o que nos aproximou foi Carlão Reichenbach, o homem mais citado durante o festival. No final da entrevista ela falou que ele devia estar no céu, feliz por termos afinal nos conhecido. Quase fui às lágrimas.

Outra coisa gratificante era sempre poder sentar na área reservada à imprensa, nas primeiras fileiras, onde pude tirar fotografias exclusivas para o blog. Que não são profissionais e tão perfeitas como a dos fotógrafos oficiais do festival, mas também não poderiam ser. Ver os filmes naquele local era muito bom, mesmo os da mostra estrangeira, que se mostraram um tanto chatos. Em compensação, os curtas brasileiros foram uma maravilha. Gostaria de tê-los todos em um DVD para mostrar aos amigos. Principalmente os melhores, como MENINO DO CINCO (o grande vencedor da categoria); O DUPLO; DIÁRIO DO NÃO VER; A MÃO QUE AFAGA; META; e DI MELO, O IMORRÍVEL. Mais adiante reservarei um post para falar mais sobre eles, e um outro para falar dos nove curtas gaúchos que pude assistir. Sendo assim, deixo também para breve os comentários dos longas-metragens nacionais e estrangeiros.

Mas já adianto que não fiquei satisfeito com o kikito de melhor filme para COLEGAS, um filme que passa longe de ser bem realizado e que fica a impressão de ter ganhado por causa do caráter excepcional de seus atores, os meninos com síndrome de Down, que fizeram a festa na noite de encerramento. O SOM AO REDOR, O QUE SE MOVE ou mesmo SUPER NADA seriam escolhas mais compreensíveis. Curiosamente, o júri popular entrou em sintonia com a o júri da crítica, elegendo O SOM AO REDOR, de Kleber Mendonça Filho, como melhor filme.

Falando em Kleber Mendonça Filho, confesso que tremi na hora de entrevistá-lo. Além de ele ser uma pessoa que não fica soltando sorrisos facilmente, eu sou um admirador de seu trabalho há muitos anos, desde a primeira vez que vi VINIL VERDE. Assim, gaguejei na hora de perguntar, mas ele foi gentil em entender a pergunta e já começar a responder. E parece que ele me conhecia, quando fui me apresentar. Ele disse, "ah, de Fortaleza". Será que é por que o meu blog é mais famoso do que eu imaginava? E eu deveria ter me preparado melhor. Só depois pensei em outras perguntas menos óbvias. Quem sabe em outra oportunidade e sem o nervosismo. Em compensação, foi super tranquilo entrevistar os rapazes que dirigiram o sensacional MENINO DO CINCO, até por já tê-los encontrado e batido um rápido bate-papo com eles no transporte que nos levava para os hotéis.

No sábado, dia da premiação, dei um bate-volta lá em Porto Alegre para visitar meus amigos Fernanda e Fabrício. Não os via pessoalmente desde 2007, a última vez em que estive na capital gaúcha. Fomos a um restaurante de churrascos bem chique. E eles ainda fizeram a gentileza de pagar a conta. Fiquei até sem jeito, mas tem certas coisas que a gente não deve negar. Estava com a gente a Ivana, amiga da Fer, que apesar de muito bonita, é avessa a fotos. Uma pena. Mas valeu demais a companhia e o bom papo, ainda que tenha sido durante um curto espaço de tempo. Poder ver os amigos da Cinefelia, lista de discussão que ainda resiste desde 2001, é sempre um prazer. Não posso deixar passar batido sempre que a oportunidade surgir.

Até teria mais coisas a relatar mas é melhor parar por aqui, pois o texto está ficando monstruoso. Quem ainda não leu e quiser conferir os dez textos que escrevi para o Blog de Cinema do Diário do Nordeste sobre cada um dos dias do festival, é só clicar nos links abaixo:

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5  DIA 5 EXTRA DIA 6 DIA 7 DIA 8 DIA 9

E para quem quiser ver algumas das fotos que tirei da viagem, algumas delas exclusivas para este espaço, é só clicar AQUI.

Agradecimentos especiais a Pedro Martins Freire.

quinta-feira, agosto 16, 2012

EU NÃO FAÇO A MENOR IDEIA DO QUE EU TÔ FAZENDO COM A MINHA VIDA



O segundo longa-metragem de Matheus Souza, diretor de APENAS O FIM (2009), foi exibido em Gramado na noite de abertura do festival, logo após a exibição de 360, de Fernando Meirelles, e da homenagem a Eva Wilma. Trata-se de um filme bem simpático, a partir do título, EU NÃO FAÇO A MENOR IDEIA DO QUE EU TÔ FAZENDO COM A MINHA VIDA (2012), que, aliás, pode ser simpático para alguns e irritante para outros.

O filme é representativo da geração do cineasta, a geração que passa mais tempo em frente à tela do computador ou outros aparelhos eletrônicos de comunicação. EU NÃO FAÇO A MENOR IDEIA... inicia-se com uma bela canção da Tiê ("Te mereço") e termina com outra bela canção ("Vermelho", de Marcelo Camelo). Nota-se, a partir desses dois títulos da trilha sonora que a sintonia desse novo cinema, feito por um diretor de 24 anos, está na música contemporânea. E se a protagonista (Clarice Falcão) lembra um pouco a Mallu Magalhães em seu jeito de falar, não poderia faltar também uma canção dessa artista precoce na trilha.

A história gira em torno de uma garota que é estudante de medicina (Clarice) que começa a faltar as aulas por estar em crise: ela não sabe o que fazer da vida. Um jovem rapaz (Rodrigo Pandolfo) que trabalha num boliche durante o dia procura ajudá-la a enfrentar esse dilema. E com isso o filme vai seguindo em esquetes, com títulos com as especialidades médicas, de acordo com o tema da conversa.

É um filme que talvez peque um pouco pela verborragia, que se no começo parece muito divertido, já perto do final, torna-se um pouco mais problemática. Mas são bem legais os pensamentos da protagonista e a maneira como ela os verbaliza. O filme lida com diferenças de gerações, a velha questão dos pais e filhos, atualizada para os novos tempos. E nisso o monólogo final é bem interessante. Não é um filme para se ir de cabeça achando que vai encontrar a maior maravilha do mundo, mas é possível ver beleza em diversos momentos.

segunda-feira, agosto 13, 2012

360



Já estava com saudade de escrever para o blog. E o número de filmes para escrever a respeito - além do próprio relato da viagem a Gramado que pretendo fazer só quando retornar - só aumenta a cada dia. Mas isso não é motivo para entrar em pânico. Estar no Festival de Gramado é um sonho que há muito tempo eu tinha. E que finalmente estou realizando, e ainda por cima fazendo cobertura do festival para o Blog de Cinema do Diário do Nordeste. Comecemos, então, com 360 (2012), de Fernando Meirelles, que abriu o festival.

Embora tenha conversado com Meirelles e Maria Flor numa mesa redonda formada por uma meia dúzia de jornalistas e que foi se transformando aos poucos num bom bate-papo, graças à simpatia do diretor e da atriz, não dá para deixar passar em branco certas impressões negativas que eu senti em relação ao filme. A impressão que eu tenho continua a mesma das outras duas produções internacionais de Meirelles, ou seja, são todos filmes muito frios.

Em 360, em particular, ele está mais elegante na construção da maioria das cenas, na passagem de um núcleo de personagens para outro, de uma cidade para a outra. Mas aí entra o problema de que são personagens demais para pouco tempo e que em nenhum momento os personagens são realmente envolventes. Como eu falei para ele na mesa redonda, o filme ficou parecendo um piloto de uma série.

Fiz questão de elogiar o trabalho de Maria Flor a ela mesmo, que ficou feliz com os elogios; considero as cenas dela contracenando com Anthony Hopkins e Ben Foster as melhores do filme. Já a cena de Rachel Weisz com Juliano Cazarré, o outro brasileiro do elenco, é contrastante: ela muito boa e ele apenas razoável. Só não fica ruim porque há pouco diálogo e uma câmera que se aproxima muito de seus corpos, talvez até para evitar uma cena de sexo mais gráfica. Meirelles tem essa coisa, que ele admitiu, de que não gosta de filmes com sexo e violência fortes. No mais, os demais personagens parecem todos um tanto perdidos na ciranda de poucos minutos que o filme lhes oferece. Isso vale inclusive para os atores russos e eslovacos, que são muito bons.

Curiosamente, o drama do personagem de Jamel Debbouze é mostrado, em seu início, quando ele persegue uma mulher por quem está apaixonado, de maneira bem diferente. Como se trata de uma perseguição, a trilha sonora poderia ser mais de filme de suspense, mas a Ciça Meirelles preferiu uma música mais classuda, o que não deixa de ser interessante, mas essa interferência compromete um pouco o possível envolvimento que o espectador poderia ter com o personagem.

Como mérito, além da elegância, há o fato de que o filme tem 110 minutos e parece ter menos. Sinal de que a montagem de Daniel Rezende funcionou. Também não deixa de ser louvável o esforço de conseguir juntar as peças, tendo que trabalhar com diferentes diretores de produção de diferentes países.

360 apresenta uma série de episódios que repercutem ao redor do globo, a partir das decisões dos personagens.

quinta-feira, agosto 09, 2012

OS IMPERDOÁVEIS (Unforgiven)



Depois de mais de 19 anos de quando o vi pela primeira e única vez no cinema, poucos dias antes da cerimônia do Oscar de 1993 no extinto Cine Diogo, eis que decidi rever, em DVD, OS IMPERDOÁVEIS (1992), de Clint Eastwood, que faturou as principais estatuetas e que, na época, vou confessar, não me entusiasmou. Talvez porque eu ainda não fosse fã de western (embora já gostasse de Leone), talvez porque ainda não estivesse maduro o suficiente para perceber a grandeza da obra. E que grandeza, meus amigos. Terminei de ver o filme com o coração na mão, lembrando a sensação que filmes posteriores do diretor provocaram em mim.

Lembrei principalmente dos finais carregados de pesar de UM MUNDO PERFEITO (1993), de MENINA DE OURO (2004) e de GRAN TORINO (2008). Rever OS IMPERDOÁVEIS tendo visto esses trabalhos com o amargo tema recorrente da culpa faz mais sentido dentro da filmografia do diretor. Há quem diga que essa evolução resulta da própria vida de Clint, que na juventude não era essa figura carinhosa que hoje é admirada por tantos.

Na trama, o velho Clint é um fora-da-lei aposentado. Sua amada (e falecida) esposa havia feito com que ele se regenerasse. Até a bebida ele largou. Cuidando de porcos e galinhas, com um casal de filhos pequenos, numa casinha humilde, ele sente-se tentado a executar um serviço, para pegar uma recompensa oferecida por um grupo de prostitutas. Uma delas foi esfaqueada no rosto e as demais juntaram dinheiro para pagar um assassino profissional para vingá-la.

Assim, o grupo formado por ele, um velho amigo também aposentado (Morgan Freeman) e um garoto que não enxerga direito (Jaimz Woolvett) parte em busca de matar os tais homens. Mas as coisas não são tão fáceis. O próprio Clint Eastwood do filme já problematiza e contrasta aquele que era visto com cinismo e violência em filmes que ele dirigiu e protagonizou, como O ESTRANHO SEM NOME (1973), e nos trabalhos que ele fez com Don Siegel e Sergio Leone, dois diretores a quem o filme recebe dedicatória carinhosa. Agora o assassinato de uma pessoa é vista como algo absurdamente cruel.

E esse peso de dezenas de mortes é compartilhado conosco. O personagem de Gene Hackman, um xerife cruel da cidadezinha, que proíbe a entrada de pessoas com armas de fogo, é um antagonista de muita força dentro do filme. OS IMPERDOÁVEIS se detém no personagem de Hackman durante vários minutos, para que possamos ver a sua força e inclusive admirá-lo. Afinal, ele é o homem da lei e os assassinos contratados são os bandidos. Mas as coisas se invertem com o inevitável embate dos dois.

O DVD duplo da Warner (Premium Edition) é uma pequena joia, trazendo extras como o making of da produção e um pequeno doc sobre Eastwood. Mas os extras que mais contam são o programa para a televisão EASTWOOD ON EASTWOOD (1997), de mais de uma hora de duração, e o divertido episódio da série MAVERICK em que Clint participou, "Duel at Sundown" (1959). Interessante ver este episódio para conferir o Clint pré-Leone, pré-Siegel e antes de se tornar esse gigante do cinema na direção. O som 5.1 do DVD é de dar gosto. Em certos momentos, nos sentimos em meio à chuva e à lama. O fato é que essa revisão subiu o filme para o topo de meus favoritos do diretor. E dizer isso, dentre tantas outras obras-primas que ele dirigiu e/ou protagonizou, é sinal de que estamos diante de um dos melhores filmes de todos os tempos.

quarta-feira, agosto 08, 2012

À BEIRA DO CAMINHO



Um transbordar de emoções. É o que aguarda o espectador que se permitir emocionar com À BEIRA DO CAMINHO (2012), de Breno Silveira. Quem viu 2 FILHOS DE FRANCISCO (2005) sabe do que o diretor é capaz quando une música e cinema. E tendo Roberto Carlos como trilha sonora, então, é preparar-se para muitas emoções. Claro que gostar ou não do filme depende do grau de tolerância do espectador ao sentimentalismo, que Silveira não se envergonha de abraçar. O cineasta afirmou que seu dom é o de emocionar a plateia. "Se não for um filme emotivo, não me interessa fazer", disse ele.

A história é simples, mas sua condução e seus personagens aquebrantados por tragédias pessoais fazem a diferença. Há um caminhoneiro que perdeu a esposa em um acidente (João Miguel) e que vive atormentado por memórias do passado, sejam as boas, sejam as aterrorizantes. Ele procura fuga através do trabalho e da bebida. E de vez em quando fica remoendo o passado, ouvindo canções de Roberto Carlos em seu caminhão. A primeira delas, "A distância", já sintetiza a situação do personagem, com a dor da saudade da amada o atormentando.

Por destino ou acaso, ele encontra um garotinho escondido em seu caminhão. Duda (Vinícius Nascimento), o menino, diz que sua mãe morreu e que ele procura o pai que nunca conheceu, em São Paulo. A relação entre os dois, a princípio, é de difícil comunicação, até porque João não é uma pessoa muito sociável. Não é preciso ser nenhum gênio para saber que o sentimento entre os dois crescerá ao longo do filme. Ambos têm a perda e a saudade como sentimentos comuns; e isso pode ser o suficiente para uma aproximação.

A história guarda algumas similaridades com CENTRAL DO BRASIL, de Walter Salles, mas tem identidade própria. Embora possamos classificá-lo como um melodrama, há alguns momentos de suave alívio cômico, como nas frases de parachoques de caminhão. Uma delas diz: "Viver é como desenhar sem borracha". Essa frase ajuda a resumir em poucas palavras o drama do personagem, já que, não à toa, ele vive escrevendo e riscando num caderninho. Suas anotações têm mais riscos do que exatamente palavras aceitas por ele. O riscar as palavras carrega essa metáfora da vida, esse desenhar (ou escrever, no caso) sem borracha.

O filme poderia ter mais canções do Roberto, mas o Rei não autorizou boa parte delas, embora curiosamente tenha sido dele a ideia de incluir "A distância". Tanto essa canção quanto a que encerra o filme ("O portão") se integram perfeitamente à história. Mas nem só de Roberto se faz a trilha: há também Márcio Greyk, com "Impossível acreditar que perdi você", Bartô Galeno, com "No toca-fita do meu carro", e Antônio Marcos, com sua versão de "Como vai você".

À BEIRA DO CAMINHO foi o grande vencedor do último Cine PE, faturando os prêmios de melhor filme, melhor roteiro, melhor ator (João Miguel), ator coadjuvante (o menino Vinícius Nascimento) e melhor filme pelo júri popular. Espero que essa representatividade junto ao público popular se reflita no circuito comercial.

O filme entra em cartaz nos cinemas na próxima sexta-feira, dia 10.

terça-feira, agosto 07, 2012

A MENINA E O ESTUPRADOR



A única coisa que justifica a apreciação - se é que dá para usar essa palavra aqui - de A MENINA E O ESTUPRADOR (1982) é a beleza do corpo nu de Vanessa Alves, que na época ainda usava apenas o nome Vanessa. É um filme que explora bastante o fetiche em torno da ninfeta e as imagens dela com homens, fazendo sexo em lugares abertos. Acontece que esse sexo se passa apenas na cabeça da garota, como alucinações. Na verdade, ela tem horror ao toque de qualquer pessoa. Ela é mostrada como uma menina mimada, enjoada e problemática. Como Vanessa ainda não tinha muita experiência no cinema, não dá para dizer que essa é uma de suas melhores interpretações.

Podemos culpar o diretor, Conrado Sanches, que tem em seu currículo o "clássico" CINDERELA BAIANA (1998), aquele filme com a Carla Perez. Mas esse é um filme feito em um outro período. A MENINA E O ESTUPRADOR foi feito entre COMO AFOGAR O GANSO (1981) e A MENINA E O CAVALO (1983). Percebe-se o tom divertido e apelativo dos títulos. Mas não há nenhum problema nisso. É um dos charmes do cinema produzido na Boca do Lixo, inclusive.

Infelizmente, não dá para elogiar muito A MENINA E O ESTUPRADOR. A trama, que lida com traumas de infância que repercutem na vida e no comportamento da garota, é de natureza freudiana, mas mostrada de modo bem chulo. Essa temática havia sido explorada de maneira bem mais interessante em MULHER OBJETO, de Silvio de Abreu, lançado um ano antes nos cinemas, e que até fez boas homenagens aos filmes de Hitchcock.

Pode-se dizer que a beleza e a sensualidade de uma mulher podem justificar um filme. Podemos lembrar o caso de A MULHER PÚBLICA, de Andrzej Zulawski. Mas é até covardia comparar os dois filmes. E Vanessa tinha o corpo belíssimo, na flor de seus 18 anos, seios e tudo o mais lindos, mas com uma melhor direção e roteiro, faria um filme muito melhor. Como chegou a fazer, com cineastas como Carlão Reichenbach, por exemplo.

Outro problema de A MENINA E O ESTUPRADOR está nas cenas de sexo, algumas delas tangenciando o explícito, mas raramente convencendo. Os closes das línguas lambendo os seios ou outras partes do corpo das personagens são mal feitas do ponto de vista do erotismo. E depois que o filme termina, com a revelação do motivo das alucinações de Vanessa (o nome da personagem é o mesmo do da atriz), o que mais fica em nossa cabeça é a picaretagem em cima de "Another brick in the wall", do Pink Floyd, usada de maneira abusiva e um tanto sem noção.

segunda-feira, agosto 06, 2012

O QUE ESPERAR QUANDO VOCÊ ESTÁ ESPERANDO (What to Expect When You're Expecting)



Um filme que não engana o espectador e cumpre o que promete, O QUE ESPERAR QUANDO VOCÊ ESTÁ ESPERANDO (2012) é uma comédia leve e despretensiosa, com várias subtramas e personagens, todas abordando os temas da gravidez, da maternidade e da paternidade nos dias de hoje. Um grande número de rostos conhecidos como Jennifer Lopez, Rodrigo Santoro, Cameron Diaz, Dennis Quaid, Anna Kendrick e Chris Rock também funcionam como atrativos para o grande público. Algumas subtramas são tratadas com um humor mais escrachado, às vezes até escatológico; outras, de maneira mais sutil.

Algumas dessas mini-histórias começam bem e perdem a força, como a da gravidez inesperada da personagem de Anna Kendrick e sua relação com o jovem vivido por Chace Crawford. Outras, por sua vez, começam simples e ganham um final bem digno, como é o caso da história do casal vivido por Jennifer Lopez e Rodrigo Santoro, que lida com a questão da adoção. JLo, aliás, está belíssima no filme, e Santoro está muito à vontade em ambiente hollywoodiano. As demais histórias ficam no território do mediano, mas, ainda assim, capazes de provocar algumas risadas.

Uma pena que o personagem de Chris Rock seja pouco aproveitado, já que o ator/comediante alegra o filme nas vezes que aparece. Cameron Diaz, por outro lado, parece estar perdendo um pouco do brilho do início da carreira e gera estranheza vê-la de barrigão, o que não acontece com as outras atrizes. No mais, o filme de Kirk Jones é tão agradavelmente despretensioso quanto esquecível.

O QUE ESPERAR QUANDO VOCÊ ESTÁ ESPERANDO é baseado num livro homônimo de não-ficção que trata das experiências que uma mulher grávida passa durante a gestação.

P.S.: No Blog de Cinema do Diário do Nordeste, os filmes favoritos de Woody Allen, Quentin Tarantino, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Michael Mann para a revista "Sight and Sound". AQUI.

domingo, agosto 05, 2012

OS ACOMPANHANTES (The Extra Man)



Mais um filme que não me apeteceu e que já faz um bom tempo que o vi. A intenção é fazer uma limpeza na minha lista de filmes que teimam em continuarem presentes e que não haviam ganhado texto para o blog ainda. Chegou a vez, então, de OS ACOMPANHANTES (2010), comédia dirigida pela mesma dupla de ANTI-HERÓI AMERICANO (2003), Shari Springer Berman e Robert Pulcini. A dupla, mais recentemente, dirigiu o premiado telefilme CINEMA VERITE (2011), que está nos meus planos de ver. Só não sei quando.

Em OS ACOMPANHANTES, temos dois personagens bem fora do comum. Paul Dano é um jornalista que gosta, de vez em quando, de usar roupas íntimas de mulher, mas esse é um segredo que ele prefere esconder de todos. Quis o destino que ele saísse de sua cidade e fosse morar, ainda sem ter um emprego certo, em Nova York. O lugar mais barato que encontrou foi para dividir um apartamento com um sujeito excêntrico, vivido por Kevin Kline. Seu meio de vida é sair com senhoras idosas. Uma espécie de garoto de programa da terceira idade. Ele gosta de se fazer de rico e chique, mas seu carro é uma lata velha, caindo aos pedaços.

Trata-se mais de um filme de personagens do que um filme de ação. E nisso, ele se assemelha a ANTI-HERÓI AMERICANO. Mas o problema é que os personagens, apesar de diferentes e de terem os seus momentos de constrangimento, não são suficientemente interessantes. E sendo eles o suporte do filme, por causa disso, OS ACOMPANHANTES não se sustenta. E nem é por falta de talento de Kevin Kline, que já fez muita gente rir em comédias como UM PEIXE CHAMADO WANDA e SERÁ QUE ELE É?. Quanto a Paul Dano, ele ainda é muito jovem para se fazer um julgamento do tipo. Kate Holmes e John C. Reilly, no elenco de apoio, também não ajudam muito. Mas é um filme que tem seus admiradores.

sábado, agosto 04, 2012

JOGO SUBTERRÂNEO



Meu primeiro contato com a literatura de Julio Cortázar conta menos de um ano. Foi um professor do mestrado que me instingou à leitura de um de seus contos mais famosos e, posteriormente, à revisão de BLOW-UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO, de Michelangelo Antonioni, adaptado de "As babas do diabo". Depois dele, foi a vez de eu conferir A HORA MÁGICA, de Guilherme de Almeida Prado, outra adaptação de um conto de Cortázar, "Troca de luzes". Quanto a JOGO SUBTERRÂNEO (2005), de Roberto Gervitz, a iniciativa de ver o filme não foi minha. Foi novamente de uma professora do mestrado, com a intenção de compararmos e discutirmos o filme e o conto "Manuscrito achado num bolso".

JOGO SUBTERRÂNEO é o segundo trabalho de Gervitz desde FELIZ ANO VELHO (1987). Dezoito anos separam um filme do outro e não sei porque ele passou tanto tempo sem filmar. Ambos os filmes são adaptações de obras literárias, mas com JOGO SUBTERRÂNEO, ele tomou mais liberdades, já que tinha em mãos um pequeno conto, que ele poderia alargar, criar mais personagens, ir para outros caminhos diferentes da obra do escritor argentino. O resultado não foi dos mais felizes, mas não deixa de ser um filme interessante. Foge do padrão a que estamos acostumados.

Na trama, Felipe Camargo é um sujeito que tem o hábito de fazer um jogo: no metrô, ele escolhe uma mulher que ele acha interessante e fica torcendo para que ela desça nas estações que ele mentalmente quer. Se ela fugir daquilo que ele deseja, ele deixa ela seguir; caso ela desça na estação que ele deseja, ele a segue e a persegue. Assim, três mulheres surgem no filme, as personagens de Maria Luíza Mendonça, Júlia Lemmertz e Daniela Escobar. Cada uma delas tem um papel diferente quando entra em sua vida. Mas a maior importância na história é dada à personagem cheia de mistérios e de temperamento instável de Maria Luíza.

O filme é uma espécie de história de amor sem sentimento. Ou com sentimentos que não emocionam, que, de propósito ou não, acabam seguindo uma linha racional próxima ao conto de Cortázar, muito embora algumas cenas tentem optar por forçar alguma emoção. Mas tudo que o filme consegue é nos manter sempre distantes de seus personagens, todos eles fechados em sua própria solidão. Uma solidão atribuída também à cidade de São Paulo e ao metrô.

A cada dia que o tempo passava, mais o filme se distanciava de minha memória. Fui lembrando dele agora, aos poucos, enquanto escrevia este texto, pois já faz várias semanas que o vi. Escrever é mesmo um belo exercício de memorização.