terça-feira, março 31, 2015

PONTE AÉREA



Muito bom ver o cinema brasileiro que circula fora do circuito alternativo trabalhando com o gênero drama de vez em quando, ao invés das já tradicionais e manjadas globochanchadas. E não há mal nenhum em colocar no elenco dois atores globais. Isso é chamariz para a bilheteria, embora a distribuidora, no fim das contas, tenha colocado o filme com poucas cópias cartaz, talvez porque a resposta do público para filmes brasileiros tem sido um tanto preconceituosa. E isso, levando em consideração um público crescente que cada vez mais tem dado preferência para filmes dublados. O que é uma pena, mas isso ao menos seria uma boa desculpa para que esse mesmo público arriscasse mais no cinema brasileiro, já que não querem ler as legendas.

Quanto a PONTE AÉREA (2015), por mais que esteja longe de ser um primor de história de amor, não faz feio diante da maior parte dos dramas românticos produzidos em Hollywood. E embora a temática possa lembrar um pouco AMOR À DISTÂNCIA, com Drew Barrymore e Justin Long, por causa da questão do relacionamento à distância do casal de protagonistas, Julia Rezende faz algo bem diferente.

Na trama, durante um transtorno causado por mau tempo em São Paulo, um voo comercial precisa fazer uma parada no aeroporto de Belo Horizonte. E é no hotel próximo ao aeroporto que Bruno (Caio Blat) e Amanda (Letícia Colin) se conhecem e têm logo um momento de intimidade. A construção dos personagens no início incomoda, como estereótipos da figura de um carioca, o sujeito que vive a vida com mais tranquilidade, e da paulistana, que vive sempre tensa com os compromissos do trabalho, mas depois a própria questão do estereótipo dos dois é, de certa forma, discutida.

Tanto as locações na Av. Paulista quanto em Copacabana encantam, cada uma à sua maneira, nos momentos em que o casal vive nesse lá e cá, provocado tanto pelo trabalho de campo de Amanda (uma publicitária), mas principalmente pelo fato de o pai de Bruno estar na UTI, em São Paulo.

Julia Rezende trabalha bem a questão das diferenças entre o casal, mas difícil não achar Bruno um tremendo de um bobão diante de uma moça tão linda e tão amável como Amanda, personificada por uma Letícia Colin no auge da beleza. Nem parece a mesma mocinha, ainda verde, da mais recente versão de BONITINHA, MAS ORDINÁRIA. Além do mais, sua personagem é mais centrada, enquanto Bruno representa, de certa forma, a covardia masculina, ainda que atenuada por sua simpatia e a convincente situação de querer, ele mesmo, levar as rédeas de sua vida.

A trilha sonora contribui com algumas belas canções que costuram a narrativa com elegância e um pouco de nostalgia, mas como resistir a "Whiter Shade of Pale", do Procul Harum? É até covardia tocarem-na em determinada cena, que acaba culminando em lágrimas por parte da plateia.

Em entrevista à revista Preview, a diretora afirma que em alguns momentos Letícia Colin chorava nas filmagens e Julia Rezende tinha que pedir para ela segurar o choro até o momento certo. E essa entrega ao papel é percebida, principalmente nos momentos de crise do casal. Ou numa cena de reencontro. Quem já passou por algo parecido na vida certamente vai se identificar ou até sentir um pouco de déjà vu. Por isso, não seria exagero afirmar que a mesma diretora da comédia MEU PASSADO ME CONDENA – O FILME (2013) acertou a mão neste registro mais dramático e mais afetivo das relações humanas.

segunda-feira, março 30, 2015

THE WALKING DEAD – 5ª TEMPORADA COMPLETA (The Walking Dead – The Complete Fifth Season)



Nada como um grande episódio de abertura de temporada para que uma série volte a causar entusiasmo em seus fiéis apreciadores. É o caso do excelente “No Sanctuary”, o melhor episódio da série até então. A boa notícia é que melhores viriam nesta temporada que representa o ponto alto da mais famosa série de zumbis da televisão.

Para completar a festa, a Fox brasileira resolveu exibir a season finale da quinta temporada de THE WALKING DEAD (2014-2015) simultaneamente com os Estados Unidos. Na verdade, deveriam fazer isso sempre. Isso diminuiria a caça aos downloads e aumentaria, consequentemente, a audiência da televisão por assinatura. Espera-se que eles tenham aprendido com essa experiência. (Antes de começarem a ler os parágrafos seguintes, um aviso: o texto contém vários spoilers.)

Quem achava que a procura pelo Santuário na temporada anterior e seu consequente encontro seria o tom de praticamente toda a temporada teve uma baita surpresa já no primeiro episódio, que se encerra com sangue e violência nunca vistos antes na série e deixa espaço para que o grupo de Rick fique no meio do nada novamente, sujeitos a novas aventuras e novos perigos.

Outro episódio antológico viria mais adiante, o do massacre na igreja, que faz o sangue da gente ficar intoxicado. E o que dizer do grupo de canibais que comem a perna de um dos membros do grupo? Aquilo ali revirou o estômago de muita gente. E THE WALKING DEAD não perdeu a sua tradição de matar alguns de seus heróis, ainda que o núcleo-base permaneça vivo. Se bem que o núcleo-base já foi outro temporadas atrás. Por isso, todo cuidado é pouco. Por isso temos que ter cuidado para não perdermos Glenn ou, principalmente, Maggie. A dor de perder Beth já foi intensa.

Os episódios de 2014, que podemos chamar de lado A, oferecem bem mais ação que os do lado B, de 2015, mais centrados na zona segura de Alexandria, um novo local que o grupo encontra, mas que representa também muitos conflitos internos entre o grupo do Rick e o grupo de lá. E isso acaba rendendo momentos bem excitantes, como quando Rick briga com o marido de uma mulher por quem se interessa.

Essa química entre os dois grupos mostra o quanto os nossos heróis ficaram fortes e preparados para enfrentar praticamente qualquer ameaça. É um grupo que cresceu um bocado e que tem agora alguns personagens de pouca expressividade, mas eles devem funcionar bem como bucha de canhão para os zumbis na próxima temporada.

A quinta temporada também apresenta o episódio mais depressivo de toda a série, que lida com a morte de dois personagens queridos. Chama-se “Them” e funciona como uma espécie de respiro misturado com angústia para um novo lote de aventuras e perigos que viriam. E apesar de personagens como Carol, Daryl, Michone e Glenn continuarem fortes, ninguém consegue tirar o brilho do líder Rick, o grande herói problemático da série.

sábado, março 28, 2015

A SÉRIE DIVERGENTE – INSURGENTE (Insurgent)



Das atuais cinesséries destinadas ao público juvenil, a franquia Divergente é uma das mais respeitadas e rentáveis. Não chega a ser nem tão boa nem tão rentável quanto Jogos Vorazes, embora tenha o seu charme. Principalmente nesta segunda parte, em que há vários momentos que se assemelham a animes/mangás, como no momento em que Trisha (Shailene Woodley) tem o seu corpo preso a fios e é obrigada a passar por determinados estágios mentais para provar certa teoria da maquiavélica diretora da Audácia, Jeanine, vivida por Kate Winslet.

Falando em Kate Winslet, um dos aspectos positivos desta segunda parte, INSURGENTE (2015) é não pintar a sua personagem excessivamente vilanesca como no primeiro filme. Nisso pelo menos o diretor Robert Schwentke soube melhorar. E outra atriz de renome que traz mais tons de cinza ao enredo é Evelyn, a líder dos Sem-Facção, vivida por Naomi Watts. Só a presença dessas duas respeitadas atrizes já passa certo ar de prestígio à franquia, embora isso não seja nenhuma garantia de qualidade.

Fazendo uma rápida retrospectiva, o primeiro filme, DIVERGENTE (2014), nos apresentou a uma cidade sobrevivente de uma suposta grande guerra que vive sob o domínio de regras nas quais as pessoas são divididas em cinco categorias. E para isso foram criados cinco grupos responsáveis em manter aquele ambiente em harmonia. São eles: Erudição, Audácia, Amizade, Abnegação e Franqueza. (No segundo filme, o trabalho desses cinco grupos fica mais claro para quem não leu os livros e apenas acompanha pelos filmes.)

E é neste ambiente que conhecemos Trisha, que descobre ser uma divergente, isto é, tem dentro de si elementos de mais de uma facção, o que significa perigo para aquela sociedade. Mesmo assim, alguém a salva de ser presa durante o exame médico e ela escolhe fazer parte da comunidade da Audácia, deixando o lar de seus pais, pertencentes à Abnegação. Depois de uma série de incidentes que não vale a pena contar aqui, no final do primeiro filme ela e mais três outros fogem das garras dos soldados de Jeanine.

Infelizmente, o que predomina em INSURGENTE é o andamento um tanto arrastado e pouco interessante para uma produção do tipo. O que dá uma ideia do que pode vir por aí no terceiro e no quarto filmes, que mais uma vez serão adaptações de um só livro divididos em parte 1 e parte 2. Herança dos efeitos nocivos da série Harry Potter, que acabou revelando uma saída espertíssima para ganhar mais dinheiro dos espectadores. Se INSURGENTE já é problemático em questão de ritmo, o que dizer do que virá em CONVERGENTE, em suas duas partes? O gancho deixado abre espaço para uma série infinita de possibilidades, mas será que conseguirão fazer algo digno com a mesma equipe criativa?

Ao menos a entrada da personagem de Naomi Watts deu uma refrescada na trama. Além do mais, não dá pra acusar a série de ser maniqueísta, já que há personagens que se revelam diferentes do esperado na trama, em especial os vividos por Miles Teller (que está muito bem, ainda mais depois que ganhou grande visibilidade por causa de WHIPLASH – EM BUSCA DA PERFEIÇÃO) e em menor grau Ansel Elgort (A CULPA É DAS ESTRELAS). Já Theo James, como o Quatro, é o típico herói bonito e sem defeitos que funciona mais para agradar as meninas, além de ter também função de salvador em algumas cenas de ação e interesse romântico da heroína.

P.S.: Sou só eu que acho ridículo esses títulos brasileiros, que colocam o nome do primeiro filme como se o público deixasse de conhecer se não estivesse lá? Seguindo o rastro de A Saga Crepúsculo, agora temos que aguentar A Série Divergente... Coisas do mercado medroso.

quarta-feira, março 25, 2015

GIRLS – A QUARTA TEMPORADA COMPLETA (Girls – The Complete Fourth Season)



Começa a temporada de primeiras séries encerrando seus trabalhos neste ano de 2015. E é justamente uma das séries mais queridas que acaba logo, com seus curtos episódios de 30 minutos (alguns até menos) e só 10 por temporada. Mas se é para o bem da qualidade do produto de Lena Dunham (a criadora e protagonista) e do produtor executivo Judd Apatow, que assim seja.

A quarta temporada de GIRLS (2015) começou não tão animadora quanto as demais. Aliás, o primeiro episódio foi até bem interessante. É aquele em que Hannah (Dunham) se despede de seus amigos para estudar numa universidade em Iowa, lugar tão calmo e com pessoas tão diferentes de uma nova-iorquina que obviamente ela se sente como um peixe fora d'água. Sem falar que está longe do namorado Adam (Adam Driver) e de suas três melhores amigas, que se mostram cada vez mais distantes, vivendo suas próprias vidas e batalhando por seu próprio espaço.

Pouco sabemos de Adam durante este período e Hannah também fica meio perdida por causa disso. Ao mesmo tempo, acompanhamos a jornada tortuosa da adorável Jessa (Jemima Kirke) e da piradinha Shoshanna (Zozia Mamet). Quem está vivendo uma vida profissional mais ou menos certa é Marnie (Alison Williams), como cantora. Inclusive, logo no primeiro episódio somos brindados com uma cena de beijo grego envolvendo ela e o namorado cantor e parceiro que deu o que falar.

Mas isso não faz de Marnie a mais adorável das meninas. Ao contrário: com o relacionamento que tem com esse sujeito, ela segue sendo a menina mais irritante das quatro. Por outro lado, cada vez gostamos mais de Hannah, cheia de frases espirituosas e tão carente de afeto que dá vontade de abraçá-la.

Outra marca desta ótima quarta temporada é que testemunhamos o episódio mais engraçado da série: o que tem a tal cena do piercing. E GIRLS nem é série pra você ficar gargalhando, mas dessa vez eles conseguiram isso sem fazer muito esforço.

E a coisa vai ficando também divertida com a história da orientação sexual do pai de Hannah. Os pais dela me fazem lembrar os pais dos personagens de SEINFELD. Seria uma versão para os anos 2010 da melhor sitcom ever. Teria GIRLS mais a ver com SEINFELD do que com SEX AND THE CITY? Começo a achar que sim, apesar de tantas diferenças.

No mais, Jessa continua ainda mais adorável com seu jeito "não mexe comigo, vão tomar no %$!", enquanto Adam e Alex (Ray Ploshansky) seguem suas trajetórias ascendentes na série. Dois novos personagens (que talvez nem voltem na quinta temporada) surgem e são muito bem-vindos, enquanto dois outros conhecidos da série retornam para a emocionante season finale, "Home Birth". Outros episódios memoráveis: "Ask My Name" e "Daddy Isues".

sexta-feira, março 20, 2015

MAPAS PARA AS ESTRELAS (Maps to the Stars)



Há diretores que, mesmo tendo perdido uma legião de fãs devido a suas escolhas, continuam ainda fiéis a si mesmos, ao seu cinema autoral. David Cronenberg é um desses casos. Desde MARCAS DA VIOLÊNCIA (2005) que o diretor tem trazido para a vida real aquilo que antes era ficção científica e horror. A tão anunciada "nova carne" de VIDEODROME – A SÍNDROME DO VÍDEO (1983) chegou. O futuro é hoje. E isso nunca se manifestou de maneira tão forte quanto em MAPAS PARA AS ESTRELAS (2014).

O mundo estranho da filmografia de Cronenberg se fundiu com o mundo estranho da nossa contemporaneidade. Vivemos em uma sociedade doente, e que está se acostumando ainda com esse fato. Mas Cronenberg parece bem à vontade com esse novo momento. Em uma das cenas de MAPAS PARA AS ESTRELAS, o personagem de Robert Pattinson, um chofer que sonha em ser ator em Hollywood, fala para a personagem de Mia Wasikowska, uma jovem piromaníaca com o rosto marcado por queimaduras e pelo fato de ter causado mal à sua família no passado, que ela é muito louca. Ela diz algo como "e daí?".

As fronteiras entre a loucura e a sanidade nunca estiveram tão borradas quanto nos dias de hoje e Cronenberg faz de uma família rica de Hollywood a representação da atualidade. John Cusack é o patriarca, um sujeito que ganha dinheiro como uma espécie de guru de autoajuda, enquanto a esposa (Olivia Williams) vive preocupada com o filho adolescente (Evan Bird), que, apesar da idade, já é veterano em clínicas de reabilitação e sofre o mal de quem é mimado e idolatrado desde pequeno.

A filha expulsa de casa da família, que adora tocar fogo nas coisas e toma várias caixas de comprimidos para evitar ter uma recaída novamente, está de volta a Los Angeles. Consegue com Carrie Fisher (interpretando ela mesma) um cargo de assistente de uma atriz famosa mas atormentada (Julianne Moore) por visões da jovem mãe, que morreu em um incêndio. Seu sonho atual é interpretar uma nova versão de um filme que a mãe fizera na década de 1960, mas não é fácil lidar com o mundo tortuoso das negociações de Hollywood.

Outro cineasta talvez tornasse MAPAS PARA AS ESTRELAS em algo mais fantasmagórico, menos cientificista. Mas estamos falando de Cronenberg e muito provavelmente sua intenção é se encaminhar mais para o campo da ciência ao lidar com as alucinações de seus personagens, reflexo do cada vez mais crescente aumento de casos de problemas psíquicos graves e perturbadores.

O gosto pela violência e pelo gore presentes desde alguns dos primeiros trabalhos do diretor marca presença também em MAPAS, embora aqui seja necessário um pouco mais de paciência por parte do espectador, tendo em vista a semelhança de andamento com seu trabalho anterior, COSMÓPOLIS (2012), que chegou a enxotar muitos incautos da sala de cinema. Porém, pode-se dizer que MAPAS é mais acessível e aparentemente menos complexo, embora ofereça uma abertura imensa de possibilidades de discussão, tanto no que concerne ao cinema do próprio diretor quanto no diálogo com o mundo atual.

quarta-feira, março 18, 2015

INSUBORDINADOS



INSUBORDINADOS (2013), de Edu Felistoque, trata do vazio da vida e a fuga através das memórias de infância e principalmente por meio da ficção, que funciona não somente para diminuir o tédio, mas também como forma de se “outrar”, de deixar de ser, nem que seja pela via da imaginação, uma pessoa com uma vida comum para ser alguém com uma vida cheia de emoções, uma delegada de polícia, no caso.

No filme, Sílvia Lourenço é Janete, uma jovem mulher que acompanha o pai em estado de coma em um hospital. Vivendo sozinha e praticamente sem sair daquele ambiente, ela passa as horas vagas escrevendo um romance policial. Nesse romance, acontecem as aventuras de Diana, delegada de polícia, sua alter-ego, e também de seus parceiros Bete, Carlão e Latrina. Aos poucos, a ficção vai se tornando mais presente tanto no filme quanto na vida de Janete.

A entrevista que abre o filme, de Janete, personagem de Sílvia Lourenço, com uma senhora que gosta de filmes de horror, dialoga com o tom geral da narrativa, com sua atmosfera, que parece mostrar a personagem numa espécie de purgatório. Lembremos que a mulher da entrevista afirma que quando morrer desejaria ficar aqui na Terra mesmo, ajudando sempre que possível àqueles que ela ama.

A cena da entrevista, inclusive, é a que mais acena para um tom documental, ao mesmo tempo em que se passa dentro do hospital. Sabemos que a primeira cena de um filme diz muito de suas intenções. Portanto, seria algo importante a se considerar neste trabalho.

Um trabalho em que a realidade e a ficção oferecem diferentes tons de interpretação também. Enquanto a vida no hospital traz uma interpretação mais naturalista, a narrativa do livro de Janete lembra alguns filmes noir, com uma voice-over que remete a romances policiais baratos e que nos apresenta ao seu alter-ego, a policial Diana, além dos demais personagens que fazem parte da série BIPOLAR (2010), exibida no Canal Brasil e na Warner, e cujas cenas foram costuradas de modo a formar SUBORDINADOS.

A solidão de Janete, no início do filme, é acentuada pelo movimento de câmera que nos distancia dela e nos apresenta à cidade de São Paulo, à noite. Por isso o vazio da vida de Janete requer essas fugas. O curioso (e ao mesmo tempo triste) é quando ela encontra uma fagulha de esperança de melhorar sua vida, como quando ela paquera com o rapaz no hospital e depois festeja a troca de olhares ao marcar um encontro de sua personagem (Diana) com uma representação desse rapaz na ficção. “A vida finalmente tava mudando de cor”, ela celebra.

Porém, o desencanto, que já havia sido antecipado pela possibilidade de o rapaz ser um procurado pela polícia, mostra o quanto ela tinha perdido as esperanças na vida. Esse, aliás, é o momento em que podemos louvar o belo trabalho de edição, uma tão difícil costura das novas cenas no hospital com cenas gravadas cinco anos atrás.

No filme, a solidão invade as personagens da ficção de Janete (Diana, Carlão e Latrina), como se ela não conseguisse fugir dela nem mesmo através da arte. Só as memórias, essas sim, garantidas, aparecem em cores, como se a felicidade estivesse apenas no passado, ao contrário do presente cinza e asséptico do hospital e da presença do pai em coma.

Repara-se que aos poucos a ficção criada por Janete vai se tornando mais interessante ao longo do filme. No início, o artificialismo parece atrapalhar um pouco o envolvimento. Depois, a narrativa policial se torna mais envolvente, ao mostrar mais a vida dos personagens em separado do que as investigações.

INSUBORDINADOS pode ser visto como o retrato do homem pós-moderno, esse ser fragmentado e solitário que busca formas de atingir um pouco de paz de espírito. O título do filme talvez remeta a esse homem pós-moderno, representado por uma jovem mulher e sua necessidade de não estar subordinada à realidade. Uma realidade que ela mesma questiona em certo momento. Seria a realidade uma coisa inventada por nós mesmos? Não deixa de ser uma pergunta interessante.

P.S.: Tive o prazer de participar de um debate após a sessão do filme, no Cinema do Dragão, com a atriz e roteirista Sílvia Lourenço, uma simpatia de pessoa.

domingo, março 15, 2015

GOLPE DUPLO (Focus)



O mundo se tornou um lugar melhor quando Martin Scorsese nos revelou o talento e a beleza de Margot Robbie, australiana nascida sob o signo de Câncer que encantou meio mundo em O LOBO DE WALL STREET e passou direto para a primeira divisão de Hollywood, protagonizando com Will Smith esta comédia com toques de drama e suspense dirigida pela dupla Glenn Ficarra e John Requa, os mesmos de O GOLPISTA DO ANO (2009) e AMOR A TODA PROVA (2011), filmes que também equilibravam suas características de comédia com situações dramáticas. E Margot foi tão bem em GOLPE DUPLO (2015), que já está na agenda dos mesmos diretores para um novo filme, FUN HOUSE, a estrear no ano que vem.

Em GOLPE DUPLO, ela é Jess, uma moça que se beneficia de sua beleza e sensualidade para aplicar golpes. Acontece que ela dá de cara com um dos maiores golpistas dos Estados Unidos, Nicky, vivido por Will Smith. Na primeira tentativa de enganá-lo, o experiente golpista já saca a brincadeira e desmascara os amadores. Ela procura, então, pedir que ele a ensine a se tornar também uma profissional do ramo. E depois de hesitar um pouco, ou pelo menos fazer um pouco de charme, Nicky a aceita no grupo. Aliás, a aceita como namorada. Se bem que aceitar não é bem o verbo certo em se tratando de Margot Robbie/Jess. Ela é tão adorável e linda que é difícil demais não ficar apaixonado.

GOLPE DUPLO é dividido em duas partes. A primeira parte é certamente a mais divertida, a que mostra o início do relacionamento dos dois e os primeiros golpes. No cinema, é impressionante como nos solidarizamos com essas criaturas detestáveis, que são os ladrões. No cinema está liberado. Afinal, o que eles roubam é apenas dinheiro. Ou coisas que possam ser trocadas por dinheiro. E o tom leve que o filme adota também ajuda.

Não dá pra dizer que é um filme sem falhas. Há alguns buracos na trama, mas isso é tão fácil de relevar quando o resultado final é de deixar você sair com um sorriso de orelha a orelha. Sem falar nos momentos dramáticos e de tensão. O que dizer da cena do "chinês" no jogo de futebol americano? Certamente é um dos pontos altos do filme. Talvez o ponto mais alto. Mas que também culmina com o fim do "lado A" de GOLPE DUPLO e um salto no tempo em três anos, que traz à tona, em Buenos Aires, o personagem de Rodrigo Santoro. Que não está exatamente bem. Na verdade, ele quase estraga o filme nas cenas em que aparece, mas provavelmente porque seu personagem não é bem escrito.

No lado B, Ficarra e Requa utilizam tintas um pouco mais dramáticas, incluindo aí uma possível mudança de intenções de Nicky, ao ver novamente Jess, agora em aparente situação mais confortável. Palavras como "possível" e "aparente" cabem muito bem num filme que tenta enganar, muitas vezes com sucesso, o espectador. E é como um bom show de mágica: nós gostamos de ser enganados, nesse caso. Pagamos pra isso, inclusive.

GOLPE DUPLO representa então dois fatos importantes: o retorno definitivo (espera-se) de Will Smith como protagonista de um bom filme e a definição de Margot Robbie como uma das estrelas mais importantes de Hollywood atualmente, com chances de aumentar ainda mais os holofotes em torno dela nos próximos anos, além da possibilidade de descobrirmos os seus trabalhos anteriores, nas produções australianas.

No mais, por mais que nos atentemos para os belos e inteligentes recursos narrativos, que ainda por cima não se importam de serem deliciosamente inverossímeis, tentativas de procurar uma maior profundidade no filme, como a questão paterna de Nicky, resultam um pouco frustradas. O que importa mesmo é a ótima fluidez da trama e a química de um dos casais de protagonistas mais divertidos da telona em 2015.

sexta-feira, março 13, 2015

A ESCOLHA DE SOFIA (Sophie’s Choice)



Acho que nunca passei tanto tempo sem postar no blog. Em outros tempos, muita gente estaria preocupada, perguntando do meu paradeiro, mas esses tempos se foram. E a maioria das pessoas só liga mesmo para as redes sociais, anyway. Esta é a segunda postagem do mês e eu já sinto que estou mais do que enferrujado. Não recomendo para ninguém deixar de escrever por tantos dias. E como estou atrasado mesmo com todos os filmes novos, vamos de um filme "antigo" visto recentemente, A ESCOLHA DE SOFIA (1982), de Alan J. Pakula. Por ironia do destino, inclusive, acabei vendo por ocasião do mesmo trabalho que tem consumido meu tempo e minhas energias.

A primeira impressão que tive foi que eu teria gostado bem mais se o visse no cinema, na época. Esses filmes longos, mesmo os de Hollywood, se beneficiam bem mais em um estado de imersão maior. Também pensei bastante nas chamadas do SBT para o filme, e da cena que o canal destacava, que mostrava justamente o momento mais doloroso do filme, um flashback do passado da personagem de Meryl Streep. E dos poucos filmes que vi de Alan J. Pakula, tenho um carinho enorme por ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA (1990), visto no cinema.

A ESCOLHA DE SOFIA rendeu o segundo dos três Oscar de Meryl. O primeiro foi como atriz coadjuvante em KRAMER VS. KRAMER. O terceiro seria vários anos depois, com A DAMA DE FERRO. E falar de A ESCOLHA DE SOFIA sem mencionar a performance extraordinária de Meryl seria no mínimo injusto. Eu não entendo nada de polonês, mas ela convence que é uma beleza no sotaque e até na aparência de uma imigrante polonesa. Não só por isso: há toda uma relação muito especial e bonita que ela tem com o homem com quem vive junto, vivido por Kevin Kline.

Kline interpreta um sujeito de forte instabilidade mental e emocional. Passa do psicótico para o amigo pra toda hora em questão de segundos. Ele foi o homem que acolheu a imigrante que havia passado uma temporada infernal em um campo de concentração e que estava nos Estados Unidos havia pouco tempo, com a saúde debilitada por falta de alimentação adequada. Todas essas sequências que vão descortinando o passado dos personagens são especiais. E por mais que o narrador-personagem vivido por Peter MacNicol seja simpático, os personagens de Meryl e Kline são tão interessantes que MacNicol fica praticamente apagado e esquecido ao final.

Fiquei com a impressão de que o filme não envelheceu muito bem, mas ainda assim é uma obra a se ver com carinho e interesse até o fim, apesar de suas quase três horas de duração. Quer dizer, não é muito diferente de alguns desses filmes recentes do Oscar. Hollywood não mudou tanto assim.

quarta-feira, março 04, 2015

ESPECIAIS EFEITOS (Special Effects)



Lembro que no início dos anos 2000 – puxa, isso já faz um tempão, hein – o Carlão Reichenbach, em suas saudosas colunas, costumava com frequência destacar alguns filmes que ele considerava merecedores de serem conhecidos. Um desses títulos recorrentes era o ESPECIAIS EFEITOS (1984), do Larry Cohen. Era uma lenda encontrar um VHS desse filme por aqui. Simplesmente não tinha. Acho que até procurei no tal sebo do Messias, em São Paulo, na vez que fui lá. E nunca foi lançado em DVD.

Hoje vivemos tempos melhores, pelo menos em termos de podermos encontrar com facilidade certos filmes. As comunidades secretas de filmes e sites de compartilhamento ajudam demais a vida dos cinéfilos, trazendo aquilo que antes custaria uma pequena fortuna. E olha que ainda não contaria com umas legendas nem mesmo em inglês, caso fosse comprar um DVD americano em um site gringo.

Meu interesse também pelo filme vem da admiração pelo Larry Cohen, esse que talvez seja o maior dos diretores de filmes B da década de 1980. Pena que ele, aparentemente, se aposentou como cineasta. A última coisa que ele dirigiu foi o excelente PICK ME UP, episódio/filmete da antologia MASTERS OF HORROR.

ESPECIAIS EFEITOS tem bem cara de produção oitentista, desde o visual até a trilha sonora com sintetizador. Hoje isso acaba sendo um aspecto charmoso na composição, ainda mais quando se trata de uma obra que envelheceu bem. Na trama, temos um cineasta (Eric Bogosian) que faz um filme baseado em um assassinato que ele mesmo cometeu. E ainda tem a cara de pau de chamar o namorado da vítima para protagonista e convidar um policial para consultor de roteiro.

O filme tem um quê de UM CORPO QUE CAI, já que a Zoë Lund interpreta dois papéis: um da mulher morta e outro da atriz convidada para interpretá-la. A citação ao filme de Hitch só pode ter sido proposital, embora a transformação física aconteça num salão de beleza – ou num lugar do tipo.

O curioso deste trabalho de Cohen é que a narrativa tem a agilidade tradicional dos bons filmes B, mas há um trabalho todo especial de interpretação de Bogosian, que depois faria o ótimo TALK RADIO – VERDADES QUE MATAM, de Oliver Stone, que já pode ser considerado uma produção classe A. Ainda assim, seu excelente desempenho não faz com que haja uma disparidade entre os outros atores. Todos parecem estar no tom. Enfim, uma delícia de filme. Sinal de que eu preciso ver mais Cohen.