quinta-feira, junho 30, 2016

JOHNNY SUEDE



Ler a entrevista de Tom DiCillo sobre a realização de seu primeiro longa-metragem como diretor, JOHNNY SUEDE (1991), é acompanhar a trajetória de um quase desastre, por mais que no meio de tudo haja os momentos bons, como o fato de o filme ter sido aceito e ainda tenha ganhado o prêmio principal do Festival de Locarno. Mas isso só aconteceu depois de ele ter sido rejeitado em Cannes. E depois de Locarno houve todas as frustrações relativas ao lançamento comercial, a relação com os Weinsteins etc.

Essa entrevista pode ser lida no livro My First Movie, organizado por Stehen Lowestein. Já tinha lido a entrevista dos irmãos Coen, sobre a realização de GOSTO DE SANGUE, mas a trajetória dos Coens teve um final feliz. Já DeCillo teve tantas frustrações e até mesmo sabotagens dentro de membros da equipe com quem trabalhou (um diretor de fotografia filmava errado de propósito, por inveja do diretor), que a gente até entende o fato de ele ter parado de fazer filmes de ficção para cinema desde DELÍRIOS (2006). Além do mais, seu segundo longa foi um filme sobre as frustrações de um diretor, com jeitão autobiográfico, VIVENDO NO ABANDONO (1995).

JOHNNY SUEDE foi o primeiro filme com Brad Pitt como protagonista. Na verdade, ele até fez alguns trabalhos antes, mas nada que possa ser lembrado. O seu boom aconteceu com THELMA & LOUISE, de Ridley Scott, filmado no mesmo ano. Como o filme de Scott teria uma visibilidade maior, por ser uma grande produção de um cineasta já estabelecido em Hollywood, o filme de DeCillo pegaria carona nele. E Pitt já era tratado como astro no set, embora o diretor tenha se aborrecido com ele durante as gravações e não tenha ficado exatamente satisfeito com sua interpretação.

Curiosamente, a voice-over do narrador que apresenta o personagem só foi feita por causa dos vários cortes na edição, mas eu particularmente gosto dessa narração. Passa um ar de filme da velha Hollywood, e por isso sinto falta quando essa voz deixa de aparecer ao longo do filme e só é retomada mais à frente. Mas eu diria que o tempo do filme é bem próprio e agradável, além de ter um visual sujo, mas ao mesmo tempo muito bem cuidado, como numa pintura. Pode não ser aquele filme que você sai divulgando para os amigos, mas vê-lo faz bem. Até pelas cenas com Catherine Keener, que está linda, como um dos interesses amorosos de Johnny. Gosto muito da cena em que ela dá um banho nele em uma banheira. A gente quer uma namorada carinhosa assim. E além de tudo, muito disposta a ensinar as coisas que o cara deve saber para fazer uma mulher feliz na cama.

Na trama, Johnny é um sujeito que se veste de maneira bem excêntrica, com um topete bem grande e uns sapatos de veludo que caem do "céu" e que se tornam algo muito especial para ele. Ele tem uma fascinação por uma moça que vive com um homem mais velho, mas a relação dos dois é um tanto conflituosa. Johnny também tem um ar muito inocente e isso passa algo de positivo para o personagem. O que incomodou o diretor foi o fato de alguns expectadores não aceitarem seus erros, como se o personagem tivesse que ser o tempo todo um herói.

Depois de ver JOHNNY SUEDE e de ler a entrevista do diretor, dá vontade de ver VIVENDO NO ABANDONO e se solidarizar com o sofrimento por que passou DeCillo na realização de seu primeiro trabalho.

quarta-feira, junho 29, 2016

AS MONTANHAS SE SEPARAM (Shan He Gu Ren / Mountains May Depart)



Ter visto o documentário de Walter Salles, JIA ZHANG-KE, UM HOMEM DE FENYANG (2014), ajuda bastante ao espectador que não tem muita intimidade com a obra do cineasta chinês a perceber que em meio a tantos aspectos próprios da cultura que são mais fáceis de serem entendidos por quem acompanha as transformações do país há também muita coisa que tem uma natureza universal, especialmente quando o cineasta lida com os sentimentos.

AS MONTANHAS SE SEPARAM (2015), ainda que conte uma única história, tem uma estrutura em segmentos que muito lembra a opção em contar três histórias do longa-metragem anterior de Zhangke, UM TOQUE DE PECADO (2013). Em AS MONTANHAS SE SEPARAM, esses segmentos são as histórias contadas em tons parecidos, mas em circunstâncias e tempos diferentes. O cineasta até usa uma janela de aspecto diferente para cada ano: 1,37:1 para 1999; 1,85:1 para 2014; e 2,35:1 para 2025.

Ao contrário de outras obras do diretor, que parecem ser um pouco mais difíceis, e talvez um pouco sofisticadas demais, arthouse demais, talvez, como O MUNDO (2004) e EM BUSCA DA VIDA (2006), AS MONTANHAS SE SEPARAM se apresenta como um melodrama sem medo de exagerar no sentimentalismo. Ao contrário, isso beneficia bastante o filme, desde o primeiro momento, quando vemos os jovens personagens dançando ao som de “Go West”, música do Village People em bela cover dos Pet Shop Boys. A música da dupla britânica, aliás, costuma passar um sentimento de melancolia que tenta se esconder através de uma suposta alegria da batida eletrônica e de um vocal supostamente frio.

Ao mesmo tempo, só o título da canção ("Go West") já remete a uma ocidentalização da China, algo que já é bastante criticado e visto com certo pesar por parte do Zhangke em outras de suas obras. Se por um lado os chineses passaram por maus bocados nos tempos da Revolução Cultural, ainda que possam se ver aspectos positivos desse momento, a entrada do capitalismo no país chegou com força para enriquecer os empresários, mas principalmente para deixar os trabalhadores em situação econômica precária.

Em AS MONTANHAS SE SEPARAM, vemos essa dualidade presente em dois personagens rivais: Liangzi (Jing Dong Liang), que trabalha em uma mina, e Jinsheng (Yi Zhang), o rico proprietário da mina. Os dois são loucamente apaixonados por Tao (Tao Zhao, esposa e colaboradora frequente do cineasta). Ela se sente dividida, pois gosta muito dos dois, mas chega um momento que ela precisa escolher.

É mais fácil gostarmos mais de Liangzi, com sua simplicidade, do que com o jeito arrogante de Jinsheng, mas é também previsível saber quem ela escolherá para ser seu marido e pai de seu filho. Essa situação é mostrada no ano de 1999 e afetará o rumo dos acontecimentos destes personagens e do futuro filho de Tao, algo que será visto a partir do segmento de 2014.

Uma das coisas mais bonitas de AS MONTANHAS SE SEPARAM é o modo como o diretor apresenta a paixão desses dois homens por essa mulher, a ponto de um deles ter que abandonar a cidade para poder esquecer aquela que foi a mulher de sua vida. Neste segmento de 2014 também vemos uma cena linda envolvendo a morte do pai de Tao. O modo como ela chora em prantos durante o funeral do patriarca é mostrado com muita intensidade e emoção. Mesmo para quem vê tudo com distanciamento e estranheza diante de uma cultura diferente, difícil não ficar comovido. Além do mais, cada vez mais, com a ocidentalização/globalização, os chineses passam a ficar mais parecidos com os ocidentais.

E esse processo é levado ao extremo no terceiro segmento, passado no futuro, e centrado na vida do filho de Tao, vivendo agora na Austrália e falando apenas inglês. Tudo de chinês que ele sabia ele esqueceu, assim como também parece querer esquecer suas origens, mesmo estando em uma escola que ensina a falar sua língua natal. É o segmento que mais se distancia da história dos outros dois, mas ao mesmo tempo se conecta, principalmente quando chega ao tocante final. É o tipo de filme que faz com que queiramos reavaliar e/ou conhecer mais e mais a obra de Jia Zhanke, esse homem tão sensível quanto aos sentimentos de seus personagens e aos rumos sombrios e complexos de seu país em constante mutação.

segunda-feira, junho 27, 2016

GAME OF THRONES – A SEXTA TEMPORADA COMPLETA (Game of Thrones – The Complete Sixth Season)



Confesso que no começo da temporada estava um tanto impaciente. Mas isso talvez tenha se dado mais a uma inquietude em meu espírito do que exatamente a um problema da série, já que, lendo o que escrevi sobre a temporada passada, o fato de os primeiros episódios serem mais parados e de preparação estratégica para o que viria nos últimos também estava presente, e nem por isso eu achei a quinta temporada fraca, embora não tivesse a mesma força da quarta, até o momento, a melhor.

Quanto à sexta temporada de GAME OF THRONES (2016), ela tem a vantagem de contar com a melhor cena de batalha da história da série. Até agora, pelo menos, a nota 10,0 e o primeiro lugar no ranking do IMDB segue sendo do poderoso e sangrento episódio 9, "Battle of the Bastards", que mostra, principalmente, uma luta épica entre Jon Snow e o odioso Ransay Bolton, o sujeito que havia se casado e estuprado Sansa Stark.

Falando em Sansa, um dos momentos mais bonitos desta temporada é o seu reencontro com o irmão Jon, depois de passarem por tantas coisas ao longo de suas vidas sofridas. Agora eles podem contar com a ajuda um do outro. Mas também precisarão contar com a ajuda de outros povos para poder formar um exército forte o suficiente para combater Ransay e restabelecer Winterfell, a cidade natal dos Starks. O final desta batalha traz um gostinho amargo, mas bastante agradável, de vingança.

E a vingança também se faz necessário – e comparece – no núcleo de outra personagem feminina forte, Cersei Lannister, que depois de ser encarcerada e humilhada por um grupo de poderosos fanáticos religiosos, os Pardais, ela arranja um jeito de ir à desforra. Claro que ela está longe de ser uma personagem do bem, mas aos poucos aprendemos a gostar também dos Lannisters. E o fato de os inimigos serem um bando de opressores das vontades e dos desejos só faz com que a vontade de matá-los seja ainda melhor.

Quanto à Daenerys, ela tem um momento especialmente forte quando mostra todo o seu poder com o fogo e os dragões, mas há algo de déjà vu nisso, o que acaba fazendo com que as cenas com ela sejam boas, mas não tão interessantes quanto o que acontece com os já citados personagens.

Também não é fácil ter que aguentar toda aquela história de ser "um ninguém" na terra em que a jovem Arya foi parar, mas felizmente as coisas terminam de maneira satisfatória, funcionando para dar mais força à personagem. A sexta temporada também marcou o retorno de seu irmão mais novo, Bran, que se mostra mais importante do que imaginávamos no modo como é capaz de manipular os acontecimentos passados. Ainda assim, é um personagem frágil que necessitaria de mais cuidado por parte dos roteiristas.

No mais, é bom perceber que, com as alianças que estão se formando, a série vai estreitando os caminhos e diminuindo o número de núcleos para uma conclusão na qual possivelmente só um deles liderará o trono. Se bem que eu não entendo essa ambição por liderar os sete reinos, mas, enfim, se essa é a intenção da série quando chegar ao fim, vamos ver no que vai dar. Enquanto isso, é bom que a série continue saciando a sede de sangue de seus espectadores mal acostumados com a catarse que a violência da série tem proporcionado. E deixo meus votos para que jamais nos sintamos como Theon em um puteiro.

domingo, junho 26, 2016

A ACADEMIA DAS MUSAS (La Academia de las Musas)























Para quem só conhece o José Luis Guerín de NA CIDADE DE SYLVIA (2007), um filme que lida mais com imagens do que com diálogos, certamente vai estranhar a nova abordagem do cineasta no desconcertante A ACADEMIA DAS MUSAS (2015), cinema falado da mais alta qualidade, que nos inunda de informações, de dúvidas, de discussões filosóficas a respeito do papel das musas no passado e como isso pode ser visto na contemporaneidade, além de também falar de coisas como infidelidade, a natureza das paixões, o papel do professor, isso com diversas citações à literatura clássica, especialmente Dante Alighieri.

A palavra, portanto, é um elemento não apenas essencial para a forma do filme. A palavra ganha uma importância que vai além da vida, essa vida que é finita. Sem precisar citar a Bíblia, que também cita o próprio Deus como sendo a palavra, esta ganha força no sentido de que ela é mais importante do que o corpo. É através dela que o professor Raffaele Pinto seduz suas alunas, tão interessadas e fascinadas com sua aula quanto dispostas a discordar de coisas como a passividade da musa diante do artista, levando em consideração que quase tudo que foi produzido na literatura mundial veio de uma sociedade patriarcal.

Enquanto o filme está na sala de aula, com câmera em baixa resolução, ele consegue se manter tão fascinante quanto WAKING LIFE, de Richard Linklater, para citar outro filme com uma abundância de informações e questionamentos filosóficos. Mas aqui entra um elemento que aproxima um pouco mais a obra dos espectadores comuns: o pensar sobre o amor, as paixões, a poesia, a arte, que são coisas mais ligadas às emoções, algo que não é exclusividade de nenhuma pessoa letrada, embora saibamos que o filme não é muito palatável para todas as audiências.

A ACADEMIA DAS MUSAS tem uma estrutura bem interessante, que se apresenta a princípio como um documentário sobre as aulas de filosofia da arte do professor Rafaelle Pinto (que foi professor de verdade do diretor), mas aos poucos ele vai se mostrando como um filme de ficção, a partir do momento em que a câmera vai ao pátio ouvir as discussões entre as alunas e o próprio professor dentro do carro com elas. As imagens embaçadas pelos vidros passam a impressão de que a câmera quer manter certo distanciamento daquele momento de intimidade, ao mesmo tempo em que é cúmplice do que acontece e oferece às vezes imagens refletidas do vidro, que funciona quase como um espelho. O relacionamento do professor com suas musas também afeta a esposa dele, que em determinado momento questiona se existe amor, se ele não foi inventado pela literatura para enganar as mulheres, que depois que casam sofrem na pele uma rotina dura de vida. Não deixa de ser uma postura interessante.

A sedução do professor com sua retórica afasta um pouco o filme de uma proposta mais feminista, embora abra espaço para discussões nesse campo, já que as mulheres, apesar de atraídas por aquele homem, são também questionadoras. Talvez porque a voz das mulheres sobre o tema deva ser dada a elas e não a mais um diretor do sexo masculino, embora seja dito em determinado momento da aula que as convenções de masculino e feminino estão presentes em homens e mulheres – somo escravos da linguagem, diz o professor.

Por outro lado, a força das palavras se mostra tão intensa que até temos o caso de uma aluna que mantém um relacionamento à distância com um sujeito pela internet, um homem que ela nunca viu, e que, no entanto, mexeu com ela de tal forma que se transformou em paixão. E nesse jogo de palavras, em que a teoria se funde à vida prática e às nossas próprias experiências como espectador, A ACADEMIA DAS MUSAS ganha uma importância especial em gerar dúvidas e provocações.

sábado, junho 25, 2016

QUATRO FILMES DE SUSPENSE



Cada vez que eu vejo as minhas quatro páginas de títulos de filmes esperando para serem comentados aqui no blog me dá certo desespero. E por isso postagens como essa, com comentários rápidos e rasteiros, precisarão ser feitas com uma frequência maior do que eu gostaria. No caso desses quatro filmes, terei que apelar para sinopses a fim de lembrar detalhes que a memória já tratou de esquecer. Todos eles são do gênero suspense.

PERSEGUIÇÃO VIRTUAL (Open Windows)

Não resta dúvida que meu interesse por esse filme tenha se dado por causa da presença de Sasha Grey, ex-atriz pornô que tem enveredado de vez em quando pelo entretenimento mainstream, graças ao empurrãozinho que Steven Soderbergh deu a ela em CONFISSÕES DE UMA GAROTA DE PROGRAMA. Sua passagem pela série ENTOURAGE também foi bastante marcante, interpretando ela mesma, ou a persona que ela criou, melhor dizendo. Em PERSEGUIÇÃO VIRTUAL (2014), o diretor espanhol Nacho Vigalondo faz um exercício em estilo e experimentação bem interessante, usando especialmente webcams e tecnologia de computação de ponta. Na trama, Sasha Grey é uma atriz que se recusa a comparecer a um concurso no qual um rapaz havia ganhado um jantar com ela. O sujeito, decepcionado, pede a um hacker (Elijah Wood) para vigiar os passos da atriz. O que o jovem hacker não sabia é que ele também estava sendo usado como marionete nos jogos do rapaz, um psicopata interessado em matar a atriz. O filme é narrado em tempo real.

O GAROTO DA CASA AO LADO (The Boy Next Door)

Eis um caso de filme que parece ruim e que talvez seja mesmo ruim, mas que eu confesso que curti bastante. O GAROTO DA CASA AO LADO (2015, foto), de Rob Cohen, deve muito de seu sucesso (se é que dá pra dizer isso) à presença de cena de Jennifer Lopez, que está estonteante e sensual como uma professora que perto de se divorciar e que acaba tendo uma aventura com o rapaz que recentemente se tornou seu vizinho. O problema é que o sujeito se recusa a se afastar dela, faz ameaças na escola (ele se matricula lá para infernizar a vida da mulher) e seu modo psicopata vai se apresentando num crescendo cada vez maior. É um filme que pode ser visto como uma versão oposta (de inversão de gêneros) de ATRAÇÃO FATAL, inclusive com direito a cenas bem interessantes de sexo. O crescendo de suspense é tanto que o filme tangencia o gênero horror lá perto do final, com sequências bem violentas.

ANTES DE DORMIR (Before I Go to Sleep)

Um dos pontos positivos de ANTES DE DORMIR (2014), de Rowan Joffe, é que é um filme que nos coloca nos sapatos da personagem de Nicole Kidman, uma mulher que desperta sem se lembrar absolutamente nada do que aconteceu na sua vida nos últimos 20 anos, depois de um acidente sofrido. O marido (Colin Firth) tem a tarefa de estar sempre lembrando a ela de sua vida através de um mural de fotos e detalhes do passado. Aos poucos, porém, ela percebe que tem alguma coisa estranha e passa a desconfiar do marido e de todos que tentam aprisioná-la. Principalmente quando recebe uma ligação de alguém interessado em alertá-la para o que está acontecendo. A trama é meio rocambolesca e o suspense nem sempre é eficiente, mas é um filme que tem o seu grau de interesse.

OLHOS DA JUSTIÇA (Secret in Their Eyes)

Este é o filme que todo mundo dizia que não deveria ter sido feito. Isso porque a versão original argentina, O SEGREDO DOS SEUS OLHOS (2009), já é tido em alta conta como um dos melhores thrillers latino-americanos do cinema recente. Mas os americanos têm mesmo esse costume de querer refilmar sucessos internacionais com elenco hollywoodiano para vender para um público que não quer ver filmes com legendas – refiro-me aos americanos aqui. Mas até que OLHOS DA JUSTIÇA (2015), de Billy Ray, tem as suas qualidades, especialmente se o vemos como uma obra independente. Na trama, a vida dos investigadores do FBI Ray (Chiwetel Ejiofor) e Jess (Julia Roberts) e da procuradora Claire (Nicole Kidman) é abalada com o assassinato da filha adolescente de Jess. A busca pelo assassino se torna uma obsessão para todos os envolvidos. O filme se passa em um intervalo de tempo que apresenta os personagens em dois estágios de suas vidas e as surpresas que o roteiro traz são bem-vindas. No fim das contas, se visto com um pouco de carinho, é possível gostar do filme sim.

sexta-feira, junho 24, 2016

BIG JATO



Claudio Assis se firmou como grande autor de nosso cinema com apenas três longas-metragens, que se caracterizavam pela agressividade forte e também pela forte carga sexual. Mas em FEBRE DO RATO (2011) já se percebia uma transição em sua obra que desembocaria no novo BIG JATO (2015). Ou seja, ambos os filmes fazem homenagem à poesia, cada um à sua maneira.

Se BIG JATO não tem a mesma força e inspiração dos demais talvez isso se deva em parte por não contar com um roteiro original. Seu roteirista, o também diretor Hilton Lacerda (de TATUAGEM, 2013), adaptou o livro de Xico Sá, e por isso muito daquilo que vemos no filme é do escritor. Não deixa de ser um sinal de generosidade por parte de Assis, embora a sua marca na direção esteja presente tanto na apresentação de tipos marginalizados, quanto no uso de enquadramentos que lembram BAIXIO DAS BESTAS (2006), como a cena que mostra a visão de cima de um prostíbulo, ou o travelling se afastando da casa dos protagonistas em uma das sequências finais.

Na quarta parceria de Matheus Nachtergaele com Assis, o ator interpreta dois personagens irmãos, um sujeito que é pai de família e que trabalha com um caminhão pipa usado para limpar fossas em lugares que não contam com saneamento básico e também um apresentador de um programa de rádio metido a hippie. No meio dos dois, há o garoto Chico, personagem autobiográfico vivido pelo garoto Rafael Nicácio.

O garoto tem talento para poesia, tem um interesse especial pelas coisas pouco práticas da vida, embora tenha respeito pelo pai, com quem viaja durante o dia, ajudando-o com seu trabalho. Mas o tio o aconselha a fugir daquela cidade, que é um lugar famoso pelos fósseis. O tio tem uma teoria de que as pessoas que não saem dali o quanto antes correm o risco de ficarem fossilizadas. E como a maioria das pessoas sai do sertão para a cidade grande com frequência desde muito tempo, a cidade representada no filme poderia ser qualquer cidadezinha do interior do Nordeste.

O filme causa estranheza pelo carinho com que mostra a trajetória de descoberta do menino. A primeira transa em um puteiro, uma paixão platônica que o deixa aflito e desperta ainda mais seus instintos de poeta, o bullying na escola, sua amizade com um poeta de rua vivido por Jards Macalé, a relação conflituosa entre o irmão mais velho e as relações com o pai e o tio, tudo isso é visto de maneira leve e terna pelas lentes de Assis.

Há também algo bastante divertido ao longo do filme, que é a teoria do tio de que os Beatles teriam sido influenciados por uma banda brasileira desconhecida chamada Os Betos, que infelizmente a indústria fonográfica britânica, poderosa que é, tratou de silenciá-los. Também engraçados os termos em falso inglês pra enganar a população local, mas que acaba ganhando uma conotação bem bonita à medida que o filme se aproxima de seu final. "Lerilái" vira uma espécie de ode à liberdade.

quinta-feira, junho 23, 2016

OS COWBOYS (Les Cowboys)



Uma das grandes surpresas do Festival Varilux de Cinema Francês deste ano foi o pouco badalado OS COWBOYS (2015), estreia de Thomas Bidegain na direção e exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. O ideal é ver o filme sem saber nada do enredo, mas pra quem se aventura a ler a respeito sem ter visto, eu diria que é uma muito bem dosada mistura de RASTROS DE ÓDIO, o clássico de John Ford, com HOMELAND, a série sobre ataques terroristas do canal americano Showtime.

O filme nos apresenta a uma comunidade que tem um especial carinho pela cultura americana e no início já somos apresentados a uma das festas mais importantes, com várias bandeiras americanas, muita gente cantando e dançando música country e vestidos como se estivessem no velho oeste selvagem. Há quem se vista de xerife, há quem se vista de índio. O filme não demora a mostrar o que será o seu principal eixo dramático: o desaparecimento da filha mais velha de um casal, uma adolescente que teria fugido com um rapaz de origens árabes.

A família está esfacelada, mas o pai (François Damiens) tenta a todo o custo trazer a filha de volta, enfrentando vários obstáculos pelo caminho, já que o rapaz que a teria levado estaria envolvido com grupos extremistas. E trafegar pelos lugares onde ele possa estar é sempre um perigo, tanto para ele quanto para quem tente ajudá-lo.

O passar do tempo na narrativa é muito interessante, com o filme oferecendo sinais da passagem dos anos de maneira muito sutil, a partir de eventos que requerem um pouco mais de observação por parte do espectador, mas nada que seja muito difícil de acompanhar. É apenas uma maneira menos didática de contar uma história, respeitando a inteligência de quem vê o filme.

A semelhança dessa busca do pai pela filha que já pode ter mudado bastante depois de conviver com os islamitas lembra bastante a trajetória de Ethan Edwards no já citado western de Ford. Saem os índios, entram inimigos ainda mais difíceis de serem pegos, já que se sacrificam e se tornam invisíveis.

Um acontecimento inesperado faz com que o filme se divida em duas partes, como um disco que contém um lado A e um lado B. A boa notícia é que, com a saída de cena de um ótimo personagem, a narrativa continua forte, já que muda um pouco mais de aspecto, passando a se confundir com um thriller moderno de espionagem, mas sem perder o foco dramático. Ao contrário, a busca pela garota se torna ainda mais desesperadora, levando em consideração que entra um sentimento maior de desesperança.

Como o personagem de John C. Reilly diz a Georges "Kid" Balland, o rapaz precisa preocupar-se mais consigo mesmo, com conseguir voltar vivo daquela viagem perigosa, do que com a irmã perdida. A natureza amarga daquela situação contamina e pesa sobre o jovem protagonista e sobre todos ao redor. E um reencontro perto do final é de uma sensibilidade tão bonita quanto dolorosa. Sempre muito bom quando nos vemos diante de uma obra assim tão cheia de força, mesmo quando essa força vem da dor da perda.

terça-feira, junho 21, 2016

COMO EU ERA ANTES DE VOCÊ (Me Before You)



Um dos problemas de COMO EU ERA ANTES DE VOCÊ (2016) é aceitar os protagonistas como eles são apresentados. Emilia Clarke é uma Louisa Clark excessivamente boba com suas roupas bregas e Sam Claflin é um Will Traynor exageradamente arrogante na figura do milionário tetraplégico amargurado. E há sim vários momentos-clichê que incomodam um bocado. Mas temos que dar um desconto inicialmente pelo fato de que se trata da adaptação de um best-seller bem popular e esses personagens nasceram do livro de Jojo Moyes.

Além do mais, vendo o filme com olhos mais carinhosos é possível sim criar uma afeição pelos personagens e perceber o quanto ele vai evoluindo para melhor ao longo de sua narrativa. Que, aliás, é bem amarradinha. Mal dá para sentir o tempo passar. A edição fluida passa a impressão de estarmos vendo um filme de uma hora apenas, não de quase duas. Curiosamente, o editor, é John Wilson, que anos atrás fazia a montagem de vários trabalhos de Peter Greenaway, no auge da popularidade do autor.

Claro que ver Emilia Clarke deixando de ser a poderosa Daenerys de GAME OF THRONES faz ela parecer um pouco deslocada – ela também já foi uma sexy Sarah Connor no pouco amado O EXTERMINADOR DO FUTURO – GÊNESIS –, mas é interessante que a atriz abra o leque de personagens, por mais que não acerte em alguns. Por outro lado, outro ator da série violenta mais badalada do momento está muito bem no filme: Charles Dance, no papel do pai de Will.

Com a evolução dos personagens, algumas más impressões se dissipam. A bobinha Clark vai ganhando maturidade ao aprender um pouco de arte e se afeiçoar a Will. E Will vai deixando de ser o chato de galocha e passa a dizer coisas bonitas, como "Você é a única razão de eu querer acordar de manhã" ou "Vamos ficar aqui no carro por um tempo. Eu só quero me sentir como o cara que saiu com a garota de vermelho". São coisas simples, mas que tocam os corações de muitos.

Há algo no filme que a maioria dos espectadores já sabe ao entrar na sessão: o fato de que Will planeja sua própria morte. Assim, trata-se de um filme sobre despedida também, sobre os momentos finais da vida e a descoberta de momentos felizes desse rapaz que acredita que a vida não deve ser vivida se não for plenamente, de corpo inteiro, um corpo que ele não tem mais. É um tema polêmico, na verdade. Há muita gente que tem raiva de filmes como AMOR, de Michael Haneke, ou MAR ADENTRO, de Alejandro Amenábar, justamente por pregar essa escolha do direito à morte.

Mas é curioso como a diretora Thea Sharrock transforma esse tema espinhoso em um filme relativamente leve feito para plateias jovens. Assim, o que interessa mais não é a decisão de Will, mas os momentos de vida junto a Louisa e o quanto ambos são transformados a partir do momento em que se conhecem, mesmo sendo tão diferentes. Isso acaba valendo para qualquer encontro a dois que tenha uma natureza mais especial. Por isso esse apelo que o filme tem junto a casais que, mesmo sabendo que um dia deixem de se ver, o que sobrar da relação será bonito, válido, rico e pra sempre.

segunda-feira, junho 20, 2016

MARESIA



O longa-metragem de estreia de Marcos Guttmann, MARESIA (2015), é um filme sobre paixões e obsessões, duas palavras, aliás, que são quase sinônimas. Temos a paixão de um artista pela sua arte, a pintura, e posteriormente por uma jovem viúva que ele conhece e constitui família, e, em paralelo, a paixão obsessiva de um apreciador de arte pela obra deste pintor fictício e suas obras fascinantes. Os dois papéis são interpretados com intensidade por Julio Ribeiro, um dos melhores atores de sua geração, e que felizmente tem dado mais preferência ao cinema do que a televisão para a construção de uma carreira sólida e cheia de ótimos momentos.

Ele é a espinha dorsal de MARESIA, não apenas pelo desafio em interpretar personagens diferentes em épocas diferentes, mas por dar ao filme mais do que a direção e o roteiro adaptado do premiado romance Barco a Seco, de Rubens Figueiredo, conseguem extrair. Aliás, mesmo quem não sabe que o filme é adaptação de uma obra literária já pode sentir, talvez por ver ecos de autores como Rubem Fonseca ou Jorge Luis Borges aqui e ali, talvez por notar que os personagens são apresentados como pinceladas, como sujeitos (ou objetos) sempre incompletos.

Mas como essa incompletude também faz parte da ideia do filme, MARESIA é possuidor de um charme notável, e vai ganhando força à medida que pensamos nele. Além de Andrade, outro ator, o veterano Pietro Mário (mais conhecido por sua carreira extensa como dublador), conta mais pontos positivos para o filme de Guttmann. Sua presença como um misterioso velhinho vendedor de obras do lendário pintor desaparecido é essencial para que o filme se fortaleça e ganhe momentos de grandeza, como é o caso da cena em que o colecionador o visita em sua casa.

Outro destaque do filme é a montagem que alterna presente e passado, costurada como o fluir das ondas do mar. Como Andrade faz os dois papéis, algumas vezes o que ocorre em um momento é semelhante ao que ocorre em outro, como em cenas em que o personagem está na praia. O som das ondas, aliás, dá o tom das emoções, já que é o habitat natural do pintor selvagem que chega a pintar uma de suas obras em um bacalhau para presentear a mulher amada, vivida por Mariana Nunes, de FEBRE DO RATO.

Uma das curiosidades de MARESIA está no modo como o especialista em obras Gaspar imagina o pintor excêntrico Vega: como um espelho de si mesmo. Assim, a opção pelo mesmo ator para viver os dois personagens não tem nada a ver com qualquer homenagem ao Buñuel de ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO ou coisa parecida (se bem que Buñuel fez o oposto, colocando duas atrizes para fazer a mesma personagem), mas no quanto a obsessão de Gaspar por esse mítico homem e sua jornada misteriosa faz com que o passado – ainda que totalmente oculto a ele e somente visto pelos olhos do narrador onisciente e do espectador – e o presente se mesclem. E por isso essa conjunção se torna tão mágica na tela quando o personagem do especialista em obras de arte encontra o velhinho colecionador.

Texto publicado original no site da Aceccine – Associação Cearense dos Críticos de Cinema

domingo, junho 19, 2016

EPITAFIO



Segundo longa-metragem exibido na edição 2016 do Cine Ceará, EPITAFIO (2015), dos realizadores Yulene Olaizola e Rubén Imaz, carrega em si um sentimento forte de grandiosidade épica, embora se perceba ser um trabalho de baixo orçamento e que se propõe minimalista em sua narrativa, que mostra basicamente homens subindo uma montanha.

O filme acompanha a jornada de três conquistadores espanhóis do século XVI subindo a segunda maior montanha do México, a fim de provarem sua superioridade frente ao povo dominado. Na verdade, segundo as palavras do capitão Diego de Ordaz (Xabier Coronado), ele não quer voltar e fazer com que os homens que não tiveram a coragem de subir aquela montanha deixem de acreditar que eles são deuses.

EPITAFIO não é um filme fácil, apesar da duração curta (82 minutos). Trata-se de uma obra que adota um ritmo lento e nem sempre feliz na construção de uma atmosfera intrigante, o que dificulta um pouco para o espectador embarcar na viagem. Em compensação, as imagens são de uma beleza extraordinária, feitas por uma equipe que subiu justamente não a segunda, mas a primeira maior montanha do México, porém, uma que não possui um vulcão tão perigoso em seu cume. Essa informação ajuda a valorizar ainda mais os esforços de toda a equipe técnica e também dos atores. Além do mais, toda aquela beleza mostrada na tela foi filmada com luz natural.

A luta do homem diante da natureza selvagem, com o ar rarefeito, o frio intenso e o poder próximo do espiritual de uma montanha considerada sagrada e habitada por inumanos, pôde ser vista recentemente em um filme de apelo mais comercial, EVERESTE (2015), de Baltasar Kormákur, para lembrar de uma geografia parecida e situações-limite semelhantes. No cinema recente, também podemos lembrar do colombiano O ABRAÇO DA SERPENTE (2015), de Ciro Guerra, mas este se passa na Selva Amazônica.

Mas o filme que tem sido mais alvo de comparações com Epitáfio é AGUIRRE, A CÓLERA DOS DEUSES (1972), de Werner Herzog, por razões óbvias, já que é um trabalho que também trata de uma busca insana: no caso, a jornada de Don Lope de Aguirre liderando uma expedição espanhola em busca da lendária cidade de El Dorado. Há, também, outro filme bem menos conhecido que dialoga bastante com Epitáfio, a produção espanhola HONRA DOS CAVALEIROS (2006), de Albert Serra, um retrato econômico e também minimalista do clássico romance Dom Quixote de La Mancha.

É possível comparar a obsessão de Diego de Ordaz à loucura de Dom Quixote e o quanto ele faz sofrer seu companheiro de viagem Gonzalo (seu Sancho Pança) na jornada. Ordaz, inclusive, possui componentes até bem complexos, como seu fanatismo religioso, como podemos conferir perto do final do filme, misturado à sua crença em ser alguém superior àqueles a quem eles mataram e esquartejaram, a fim de provar poder e dominação. Tudo isso sendo devidamente abonado por Deus e a Santa Igreja Católica.

O filme acaba causando certa dubiedade entre mostrar esse aspecto doentio do protagonista, a forma desumana com que ele trata seus companheiros que não têm força para seguir adiante, e a sua perseverança ao enfrentar com coragem a jornada, com tão poucos recursos. A natureza é mostrada como algo aterrador, e isso é auxiliado por uma mixagem de som admirável, que une o uivo dos ventos à música em tom épico de Alejandro Otaola e Pascual Reyes.

Para completar, os letreiros finais, ao mostrar a importância de Ordaz para a continuação da dominação espanhola em território latino-americano, acabam o elevando a uma espécie de lenda deste processo de transição violenta de destruição de uma cultura para a entrada de outra, como ocorreu em toda a América, tanto pelos espanhóis, como pelos ingleses, portugueses e franceses.

Texto publicado originalmente no site da Aceccine – Associação Cearense dos Críticos de Cinema

sábado, junho 18, 2016

LOLO – O FILHO DA MINHA NAMORADA (Lolo)



Julie Delpy tem uma carreira bastante sólida como atriz, tendo estreado como intérprete de longa-metragem justamente em um filme de Jean-Luc Godard, DÉTÉCTIVE (1985). No entanto, foi graças à sua parceria com o diretor Richard Linklater, com quem ela, juntamente com Ethan Hawke, dividiu os créditos de roteiro em ANTES DO PÔR-DO-SOL (2004) e ANTES DA MEIA-NOITE (2013), que ela parece ter encontrado a sua naturalidade com a direção.

Assim como em um de seus trabalhos como diretora, O VERÃO DE SKYLAB (2011), leva seus interesses para a família, embora aqui a família seja apresentada de maneira bem mais resumida: apenas uma mãe, Violette (a própria Delpy), e um filho, o Lolo do título, vivido por Vincent Lacoste, que pôde ser visto no cinema em outra edição do Festival Varilux do Cinema Francês, em HIPÓCRATES, de Thomas Lilti.

A diretora resolve apostar aqui em uma comédia ao mesmo tempo física e psicológica, ao mostrar um relacionamento entre duas pessoas na casa dos 40 sendo perturbado pelas sabotagens do filho ciumento e que acredita estar fazendo um bem para a mãe, ao livrá-la de mais um otário. Na verdade, as traquinagens de Lolo seguem num crescendo de absurdos tão grandes que acabam por fazer com que muitos espectadores o odeiem.

O filme, no entanto, é diversão pura, e todas as situações pelas quais Jean-René (Dany Boon) passa por causa do filho de sua namorada podem ser vistas como algo próximo das screwball comedies dos anos 1930, como nas cenas em que Jean-René fica excessivamente bêbado, ou quando ele sente o corpo inteiro coçar, tudo por obra de Lolo.

LOLO é também um filme que lida com uma situação bastante comum e que certamente vai encontrar identificação em muitos espectadores solteiros ou separados que tentam um relacionamento em que há uma terceira pessoa envolvida, no caso, um filho. Há também brincadeiras saudáveis sobre as dificuldades próprias da idade e um momento especialmente de fácil de identificação, desta vez para todas as idades, quando Violette se sente rejeitada pelo novo namorado e passa infinitas mensagens e telefonemas para ele, em um ataque de paranoia.

No mais, como não gostar do filme estrelado pela eterna Celine? Julie Delpy, apesar de fazer uma personagem diferente, carrega em si muito do que vimos em seus trabalhos com Linklater, talvez porque todos esses trabalhos tragam muito de sua personalidade na construção dos personagens. A adorável Delpy, agora mais madura, segue encantando a todos que têm a chance de conferir mais este seu trabalho como diretora e atriz. E mostrando que está, sim, bastante afinada com a comédia.

quinta-feira, junho 16, 2016

MEU REI (Mon Roi)



O amor, a paixão, o desejo, a sensação de estar perdendo ou sendo deixado de lado, aguentar todas as oscilações de humor e de interesse (ou falta de) da outra pessoa, tudo isso e mais um pouco é posto no liquidificador de emoções que é MEU REI (2015), quarto longa-metragem dirigido por Maïwenn. Depois do sucesso do drama POLISSIA (2011), a atriz e diretora foca nas alegrias e principalmente nas dores geradas por um relacionamento complicado.

O filme começa com o acidente e o posterior internamento para tratamento do joelho de uma mulher chamada Tony (Emmanuelle Bercot, prêmio de melhor atriz em Cannes-2015), que passa a lembrar de sua vida a partir do envolvimento que teve com Georgio (Vincent Cassel), um homem que tinha o hábito de se relacionar com modelos e ter um padrão de vida bem alto, mas que por algum motivo parece se interessar por ela, uma pessoa de vida “normal”. No envolvimento, ele quis e consegue ter um filho com ela.

O trabalho de Maïwenn é admirável, no quanto consegue em pouco mais de duas horas mostrar anos do envolvimento afetivo do casal, a partir dos momentos felizes do início da relação, passando pelas crises e pela quase perda da sanidade por parte da mulher. O mais interessante é que MEU REI é o tipo de filme que acaba trazendo à tona muitas lembranças pessoais a vários espectadores que vivenciaram situações semelhantes e que não demoram a se colocar nos sapatos de Tony. Um pouco menos nos de Georgio, já que ele é a peça misteriosa e responsável pelo sofrimento da mulher nas crises.

Mas o mais bonito de tudo é que a diretora não o pinta como um vilão, e na verdade ele não é. Os personagens têm tonalidades de cinza que acentuam tanto seus defeitos quanto suas qualidades. Georgio é, por exemplo, um sujeito fácil de ser admirado pelas mulheres, pela sua autoconfiança natural , pelo seu charme, enquanto Tony, com seu aspecto de mulher normal e sem atributos físicos de modelos, é mais fácil de causar identificação no espectador ao longo da trama.

No duelo de interpretações quem sai ganhando é Bercot, cuja personagem muda ao longo dos anos, com o desgaste do relacionamento e de suas emoções, enquanto Cassel vive praticamente o mesmo homem do começo ao fim, apesar de ter um ou outro momento de mudança. Mesmo quando ele confessa que é viciado em drogas, por exemplo, o espectador, assim como a própria Tony, duvida dele. É um dos momentos mais interessantes do filme justamente por isso, já que Cassel encarna um típico cafajeste com muita facilidade, e por isso é tão difícil acreditar que o seu choro é sincero.

As cenas alternadas de Tony na clínica de reabilitação funcionam como momentos de triste paz para um filme que se caracteriza pelos atritos e pela perturbação emocional. Maïwenn, inclusive, faz tudo isso com muita crueza, evitando fazer um filme feito para chorar e ser esquecido. Ao contrário, enquanto o choro fica preso na garganta, o filme vai crescendo na memória. A belíssima cena final é uma prova da grandeza de MEU REI entre as produções francesas recentes e da capacidade da cineasta em falar de amor e desilusão como poucos.

segunda-feira, junho 13, 2016

INVOCAÇÃO DO MAL 2 (The Conjuring 2)



Em 2013, James Wan estava muito inspirado, ao presentear o espectador fã de filmes de horror com dois dos dos mais belos e assustadores exemplares da década: o clássico e cristão INVOCAÇÃO DO MAL e o engenhoso SOBRENATURAL - CAPÍTULO 2. São dois filmes que, junto a outros trabalhos vigorosos do cineasta, o colocam como o nome mais importante do horror contemporâneo, ao menos no cenário mainstream. INVOCAÇÃO DO MAL 2 (2016) era um filme muito aguardado justamente por isso.

E o fato de Wan estar tão afiado na condução de sua direção elegante faz do novo filme uma obra no mínimo obrigatória para os fãs do cineasta, embora represente uma curva descendente, em comparação com seus filmes de horror recentes. Também pode desagradar um pouco aqueles que conhecem a história da família Hodgson, atormentada por um espírito maligno em uma cidadezinha da Inglaterra na década de 1970. Para uma visão mais próxima do que é documentado e que virou livro, recomendamos a minissérie britânica THE ENFIELD HAUNTING (2015), com três episódios, todos dirigidos por Kristoffer Nyholm.

No entanto, ver a série pode trazer um pouco de decepção ao ver a história condensada e bastante alterada na adaptação de Wan. Enquanto a minissérie mostra os esforços de Maurice Grosse, que foi quem realmente teve uma posição de protagonismo em ajudar a família na batalha contra forças espirituais malignas, em INVOCAÇÃO DO MAL 2, o personagem aparece, mas em um papel muito mais curto, quase insignificante, para dar lugar ao casal de investigadores do paranormal Ed e Lorraine Warren, vividos por Patrick Wilson e Vera Farmiga, que são enviados a pedido da Igreja.

Uma vez aceita a condição de quase total reinvenção da história e de total independência do filme em relação aos eventos documentados, em prol de um estilo que se distancia um pouco de certo classicismo que predominou um pouco mais no primeiro INVOCAÇÃO DO MAL, e que remetia mais fortemente ao horror sobrenatural realizado na década de 1970 nos Estados Unidos, o segundo filme abre o leque e utiliza até alguns efeitos especiais em CGI que causam uma sensação de contraste, como é o caso da aparição do "homem torto", que assombra um dos garotinhos da família.

O filme sofre com tentativas de assustar, nem sempre de maneira eficiente. Embora isso não tire o prazer de vê-lo, acaba demonstrando certa carência de algo mais próximo da originalidade e que existia nos trabalhos anteriores de Wan. Em compensação, o trabalho do diretor malaio se mostra cada vez mais vigorosa em sua construção visual, com ângulos de câmera belos e pouco usuais (o que são aquelas tomadas vistas de cima de algumas cenas finais?), uma direção de arte caprichada e um trabalho de mostrar e esconder muito criativo (caso da cena da conversa entre Ed e o espírito que possui o corpo da jovem Janet, que utiliza o recurso de desfocar a imagem em segundo plano).

Mas, curiosamente, uma das melhores cenas do filme não é de terror, mas a que mostra Ed tentando alegrar a família atormentada, tocando ao violão "I can't help falling in love", conhecida na voz de Elvis Presley. Trata-se de uma cena tão bela e tocante, tão cheia de amor, que parece saída de um melodrama da velha Hollywood. Isso ajuda a compensar um pouco o foco no carinho existente entre Maurice Grosse e a família, especialmente Janet, que existe na série de televisão e que no filme fica ausente, em prol de uma busca por uma história que tenha a marca de seu diretor e que também seja redondinha para explicar os eventos.

domingo, junho 12, 2016

LEGIÃO URBANA XXX ANOS NO CENTRO DE EVENTOS – FORTALEZA, 11 DE JUNHO DE 2016























O meu amor pela banda e o fato de ter perdido a última apresentação da Legião Urbana em Fortaleza, em 1990, fizeram com que eu desejasse uma experiência ao menos similar, mesmo sabendo que as coisas estão longe de serem parecidas, com uma falta imensa do Renato Russo. Mas é também uma maneira de apoiar Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, os dois remanescentes do grupo que agora estão fazendo uma turnê de comemoração dos 30 anos de lançamento do primeiro disco, Legião Urbana (1985).

Não vou dizer que foi uma noite tão prazerosa. O DJ que colocaram lá para entreter o público até meia-noite era péssimo, só tocando canções manjadas. E eu ando bem chato com essas coisas. Ando querendo algo com um pouco de frescor e não algo que nem para saudosismo me serve. Mas o principal problema era a qualidade do som que esse sujeito tirava, além de intervenções terríveis nas faixas escolhidas.

As coisas melhoram quando a banda entra no palco, com vocal de André Frateschi, um cantor e ator que eu tive a oportunidade de conhecer em uma série da HBO, MAGNÍFICA 70, em que ele interpreta um ator picareta e de pouca confiança da Boca do Lixo. Nem sei se ele foi a melhor escolha, mas ao menos consegue cantar, enquanto que Dado e Bonfá só arranham de vez em quando.

Na primeira parte do show eles tocam o primeiro disco na íntegra, de "Será" a "Por enquanto", na mesma ordem do álbum. E foi justamente deste conjunto de canções que saiu a minha favorita do show, "Soldados". Incrível o poder desta canção, que, diferente das demais, que tem uma simplicidade mais punk nas letras, possui uma complexidade e uma inquietação muito próprias. E a bateria marcial que acompanha a música é um achado. De arrepiar mesmo. A que eu mais cantei em plenos pulmões, esquecendo a minha labirintite, que no começo do show eu achei que fosse me fazer apagar no meio da multidão. O que não seria nada bom.

A segunda parte do show traz faixas de todos os discos, exceto do póstumo Uma Outra Estação (1997). Começa animando com "Tempo perdido", cantada por Dado e Bonfá. Infelizmente quando o Dado canta, muito da música se perde por suas limitações. O Bonfá também, embora consiga atingir alguns agudos que o outro não consegue. Aí isso prejudica um pouco o show. Neste segundo momento, o som também estava um pouco mais misturado, mais alto e mais distorcido. Não sei a que culpar: se a uma mixagem de som ruim ou à acústica da casa mesmo.

Um frescor de novidade aparece no momento que os convidados especiais chegam para abrilhantar o show. Fernando Catatau, do Cidadão Instigado, canta e toca guitarra em duas faixas escolhidas por ele, "Andrea Doria" e "Se fiquei esperando meu amor passar", curiosamente duas faixas que precisariam de um som menos barulhento para que funcionassem. Mal dava para ouvir a voz do Catatau. Por outro lado, ele brilhou nos solos de guitarra, e mostrou que é um dos grandes do rock brasileiro na atualidade.

Já Jonnata Doll (do Jonnata Doll & Os Garotos Solventes) mandou bem demais, tanto no vocal, quanto na performance louca no palco, cheio de energia. Eis o frescor que eu gostaria de ver e que finalmente estava ali. Jonnata pegou logo duas faixas pedradas da Legião, "Fábrica" e "1965 (Duas tribos)". Na última, ele se meteu no meio do público, deixando os seguranças preocupados. Enquanto isso, uma parede de guitarras ensurdecedora – Catatau ainda estava no palco, junto com o restante dos músicos – fazia jus àquela celebração punk. Antes de "1965", aliás, Doll começa dizendo em tom de deboche: "O Brasil é o país do futuro! Rá!". A terceira e última convidada da noite foi Marina Franco, que mandou bem com "Dezesseis" e "Meninos e meninas".

No restante do show, Frateschi volta com uma canção dessas que já nasceu perfeita, "Eu sei" (quem duvida basta procurar o primeiro demo desta faixa, disponível em um disco solo póstumo do Renato Russo). Em seguida, Bonfá surpreende cantando bem "Pais e filhos". Por outro lado, canções que mereceriam um pouco mais de calmaria no som foram prejudicadas, como "Angra dos Reis" e "Teatro dos Vampiros" (que Dado tratou de estragar – mais uma). Ao menos ele lembrou da situação política horrível em que estamos vivendo, bastante representativa da faixa de 1991, única do excelente álbum V tocada. O show "encerra" com "Índios", com vocais alternados de Dado, Frateschi e Bonfá.

O bis vem com "Faroeste Caboclo", com todo mundo cantando junto e animado os nove minutos de duração da canção épica; e mais duas canções de protesto, uma com um ar de ironia, "Perfeição"; e outra direta, simples, e com uma guitarra deliciosamente poderosa, "Que país é este?". A faixa, mesmo tendo sido escrita em 1978, continua atual. Infelizmente. Saímos do show com um gosto amargo de desgosto pelo nosso país e "sua corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões", mas ao menos sabendo que o trabalho do Renato Russo segue tocante e que novos representantes do rock brasileiro estão trazendo novas energias e um espírito contestador que podem fazer a diferença.

quarta-feira, junho 08, 2016

HITCHCOCK/TRUFFAUT























A ideia de Kent Jones, diretor de A LETTER TO ELIA (2010), junto com Martin Scorsese, foi sensacional. Fazer um filme sobre o espetacular livro de entrevistas que o apaixonado François Truffaut idealizou e concretizou junto com o mestre do suspense Alfred Hitchcock. HITCHCOCK/TRUFFAUT (2015) ganha o mesmo título que o livro-referência, considerado por muitos o mais importante livro sobre cinema já escrito. E o legal de tudo é que ele não foi exatamente escrito, mas transcrito, embora muitas das perguntas tenham sido prévia e cuidadosamente preparadas por Truffaut.

O cineasta francês e um dos pais da nouvelle vague estava apenas em seu terceiro longa-metragem quando enviou uma carta para Hitchcock com o convite, e lhe dizendo que o considerava o maior de todos os diretores de cinema. Hitchcock ficou emocionado e topou disponibilizar oito dias para a realização dessa sessão de entrevistas sobre os filmes de sua carreira, analisados em ordem cronológica. Além dos dois, havia uma intérprete e também houve uma ótima sessão de fotos, que pode ser melhor apreciada no livro em questão.

Quem já leu o livro sabe como é saboroso, principalmente se lido logo após a apreciação de cada filme. E poder ouvir um pouco das gravações originais chega a ser emocionante. Há partes do livro que eu havia esquecido, como a descrição de Hitchcock do momento do beijo entre Cary Grant e Ingrid Bergman em INTERLÚDIO (1946), quando Hitch comenta que estava dando ao público o grande privilégio de participar de um ménage à trois com os dois astros na cena em que eles estavam se beijando e a câmera os acompanhando.

Esse erotismo hitchcockiano, tão cheio de fetiches e ousadias, poderia facilmente servir de base para outro documentário, já que pouco se fala da força erótica de JANELA INDISCRETA (1954) e LADRÃO DE CASACA (1955). Mas, em compensação, temos a honra de ver e ouvir Martin Scorsese dissecando cenas de PSICOSE (1960), aos moldes do que ele fez naqueles outros dois documentários, o sobre o cinema americano e o sobre o cinema italiano, e assinalando a importância de PSICOSE para a virada da década, para um novo momento que estava por vir. Bogdanovich completa lembrando os gritos do público na cena do chuveiro quando o filme estreou comercialmente. E a gente fica com um pouco de inveja de quem pôde apreciar essa surpresa sem saber com antecedência nada sobre Norman Bates, antes de esta cena em particular entrar definitivamente no inconsciente coletivo.

UM CORPO QUE CAI (1958) também é outro filme que ganha destaque e uma breve análise, enfatizando a questão da metáfora da nudez e do desejo sexual quando a personagem de Kim Novak chega com o cabelo pintado de loiro em um dos momentos mais mágicos da história do cinema.

Vez ou outra HITCHCOCK/TRUFFFAUT tenta fazer um paralelo entre a carreira de Hitchcock e a de Truffaut, mas nem sempre isso é possível, já que um estava começando e outro estava em um período derradeiro da carreira. Mas, por exemplo, é bom quando o documentário cita a história lendária de quando o pequeno Hitch foi preso a mando do pai, em uma espécie de pegadinha, enquanto o próprio Truffaut foi preso, mas de verdade, também pelo pai, em um instituto correcional, fato utilizado no autobiográfico (ou quase) OS INCOMPREENDIDOS (1959), longa-metragem de estreia do diretor francês.

Também há uma comparação entre os dois com relação ao rigor formal, que existe de maneira bem forte no cinema do Hitchcock, enquanto Truffaut aceitava filmar de maneira mais espontânea, com direito a improvisação, caso de uma cena de JULES E JIM – UMA MULHER PARA DOIS (1962). O rigor de Hitchcock se mostrava tão forte que ele pouco se importava se os atores e atrizes estavam se sentindo desconfortáveis durante a filmagem, como foi o caso da citada cena de beijo de INTERLÚDIO.

No mais, o documentário traz vários nomes excelentes do cinema contemporâneo falando sobre Hitchcock, sobre o livro, sobre sua relação com o autor e sobre sua história com ele. Além de Scorsese, vemos depoimentos dos diretores Wes Anderson, Paul Schrader, Kiyoshi Kurosawa, Arnaud Despleschin, Richard Linklater, Peter Bogdanovich, David Fincher, Olivier Assayas e James Gray, convidados de luxo deste documentário especial, que mereceria uma exibição nos cinemas.

terça-feira, junho 07, 2016

UMA LOUCURA DE MULHER



Há filmes que parecem não ter razão de existir. Ou não se sabe ao certo o motivo de terem sido concebidos. É o caso de UMA LOUCURA DE MULHER (2016), que até remete um pouco às screwball comedies da velha Hollywood, mas também à tradição de comédias brasileiras que têm predominado há décadas em nosso cinema. O que incomoda é que, ao remeter a um tipo de comédia feita nos anos 1950 ou 60, o filme também fica preso no tempo no que se refere à tradição preconceituosa e machista de tratar a mulher como uma desequilibrada ou totalmente subjugada à vontade do homem.

A mulher do título, Lúcia, vivida por Mariana Ximenes, é uma ex-bailarina que abandonou a carreira para se dedicar à vida de esposa de político, o deputado e candidato a governador Gero, vivido por Bruno Garcia. As coisas mudam para Lúcia quando ela percebe que um político muito importante para a ascensão do marido tem mais interesse em levá-la para a cama do que exatamente apenas dançar com ela. O tal político é vivido pelo saudoso Luís Carlos Miéle, em seu último papel nas telas.

Mas mesmo com esse cheiro de naftalina até que o filme poderia ter alguma graça se o diretor Marcus Ligocki Jr. soubesse tirar algo de engraçado dessa história toda. Lembrando que um bom exemplo desse tipo de cinema que já nasce velho é NINGUÉM AMA NINGUÉM... POR MAIS DE DOIS ANOS, de Clovis Mello, que no entanto conseguiu resultados interessantes e satisfatórios em vários momentos. Aqui, Ligocki Jr. não consegue fazer rir e nem sabe (ou não quer) usar o filme como uma boa pornochanchada, aproveitando a beleza de Ximenes e também de Miá Mello. As duas, aliás, já se mostraram muito bem em comédias e não dá para atribuir a elas o fracasso do filme.

Ainda assim, UMA LOUCURA DE MULHER não é de todo ruim. É daqueles filmes que se assiste até o final sem ficar (muito) constrangido e também sem se cansar, o que pode não ser muita coisa, mas ao menos não saímos dizendo que o odiamos ao fim da sessão. Outra coisa: como é raro hoje em dia os filmes começarem com os créditos iniciais e trazendo uma abertura nos créditos com animação retro, já podemos vê-lo com alguma simpatia.

O fato de a história ser bastante movimentada também ajuda a tornar a diversão leve e relativamente fluida. Principalmente quando a personagem foge para o Rio de Janeiro e lá conhece a fauna do prédio, como a vizinha que tudo vê e o porteiro simpático. E ainda há o reencontro com o primeiro namorado, o que quase torna o filme interessante. O problema é que o diretor e suas duas roteiristas põem tudo a perder quando as situações parecem se encaminhar para algo razoavelmente satisfatório.

domingo, junho 05, 2016

O PEQUENO QUINQUIN (P'tit Quinquin)



Ver uma comédia dirigida por Bruno Dumont já é por si só algo muito estranho, ou pelo menos bem pouco usual, até pela duração: três horas e vinte minutos. Cineasta mais famoso por dramas intensos, tensos e às vezes ligados à religião, Dumont experimenta a leveza em O PEQUENO QUINQUIN (2014), que nasceu como uma minissérie de quatro episódios, mas que depois do sucesso no Festival de Cannes ganhou os cinemas de vários países, tendo sido eleito entre os melhores do ano por vários críticos de todo o mundo. Em São Paulo e outras praças o filme chegou a passar no ano passado, mas aqui em Fortaleza só tivemos uma única e preciosa chance de apreciá-lo: na mostra Retrospectiva do Cinema do Dragão.

A história de O PEQUENO QUINQUIN se passa em uma região agrária e costeira da França, uma cidadezinha pequena ainda bem pouco acostumada com estrangeiros ou qualquer coisa diferente, ainda que seja uma cidade formada basicamente por pessoas com defeitos de nascença, como o personagem título, o menino Quinquin, com defeito facial e problema de audição, o inspetor de polícia cheio de tiques nervosos e o tio de Quinquin que roda em círculos e é cuidado pela família depois de ter voltado de um hospício, entre outros tipos fora do usual que compõem a fauna da cidade.

Na trama, estranhos crimes passam a ocorrer naquela pequena cidade: pedaços de corpos são encontrados dentro de cadáveres de vacas. Não se sabe como as vacas foram parar naquele lugar ou quem cometeu os crimes, ou mesmo por que motivo isso está acontecendo. O filme conserva a divisão em quatro episódios, adotando o nome do capítulo para cada parte que se inicia, e vai se mostrando cada vez mais sombrio à medida que se aproxima de sua conclusão. É característico do cinema de Dumont o ar de mistério e mesmo em uma comédia que oferece vários momentos de riso esse elemento permanece presente.

Dumont se preocupa menos com a investigação e sua resolução e mais com o estudo daquela sociedade tão estranha quanto comum. Além dos momentos de riso e de mistério tangenciando o terreno do horror, há também pelo menos uma cena bem dramática, envolvendo a morte de um personagem. Isso acaba lembrando um pouco o cinema de David Lynch, que também se atém em vasculhar as profundezas de seu país e em estudar tipos exóticos.

O fato de boa parte do enredo mostrar a história pelo ponto de vista das crianças, principalmente de Quinquin e de sua namoradinha Eve, dá ao filme um ar de inocência que vai aos poucos sendo perdida, à medida que os eventos vão se desenrolando. Trata-se de um filme que se constrói em torno de estranhezas, de afetos, do mistério e de um ar pessimista diante da vida, coisa que já se podia notar e sentir em outras obras do realizador, como O PECADO DE HADEWIJCH (2009) e CAMILLE CLAUDEL 1915 (2013).

sábado, junho 04, 2016

TRUMAN



Histórias sobre amizades masculinas existem no cinema desde muito tempo. Talvez as mais famosas da primeira fase de Hollywood sejam as contadas por Howard Hawks, especialista nisso. Depois outros diretores e outras gerações viriam a lidar com o assunto também com muito carinho. No caso de TRUMAN (2015), a história de amizade entre Julián (Ricardo Darín) e Tomás (Javier Cámara) tem como principal rival a temática da morte iminente e a consequente despedida.

E certamente por isso é que se trata de um filme que fez tanto sucesso de público, crítica e em festivais e premiações. Só no Goya, o Oscar espanhol, o novo trabalho de Cesc Gay ganhou cinco prêmios, incluindo filme, diretor, ator e ator coadjuvante, apesar de Cámara ser tão protagonista quanto Darín. O que talvez diminua um pouco o seu protagonismo seja a atuação de Darín, um gigante que eclipsa a todos sem fazer o menor esforço. Cámara funciona como o escada das cenas. O que não quer dizer que ele também não esteja muito bem.

Na trama, Tomás é um espanhol que mora no Canadá e que está em Madrid por alguns dias para visitar o amigo Julián, que se encontra muito doente. O motivo da visita é revelada aos poucos, mas logo nos minutos iniciais: Julián rejeitou continuar o tratamento de quimioterapia, já que lhe resultaria inútil, levando em consideração que o mal já havia se espalhado por todo o seu corpo. Assim, mesmo contra o que dizem os amigos e familiares, seus últimos dias serão para aproveitar o pouco que lhe resta da vida e fazer alguns preparativos para a morte, entre eles conseguir alguém para adotar o seu cão de nome Truman.

O amor de Julián pelo cachorro é comovente e há pelo menos três cenas envolvendo o animalzinho que justificam o título do filme. Mas é mesmo a relação com o melhor amigo Tomás que faz toda a diferença. Como Julián está sem dinheiro, ele acaba explorando bastante o amigo, que aceita sem fazer muita questão. É como se o filme estivesse ali nos dizendo o tempo todo que o dinheiro não tem importância diante da falta da saúde e da posterior ausência definitiva de alguém.

Um dos aspectos positivos de TRUMAN é o quanto o filme não se esforça para arrancar as lágrimas do espectador nessa temática um tanto pesada. Não que o trabalho de direção não abrace o melodrama. Mas há uma diferença muito grande entre criar uma história usando tintas mais carregadas a preferir a suave e serena despedida de Julián, com algumas cenas, certamente, com maiores intenções de causar lágrimas, como a do abraço entre pai e filho. E o diretor ainda guarda algumas cartas de grande emoção para o final, o que faz de TRUMAN um presente para muitos.

Claro que o filme só se tornou realmente grande por causa de Ricardo Darín. Mas o trabalho de direção de Gay e sua equipe técnica é também louvável. Em nenhum momento sentimos a hora passar. É como se tudo estivesse no lugar certo, na hora certa, sem nenhum excesso. Como vemos o filme pela ótima de Tomás, é como se nos tornássemos também melhores amigos desse sujeito especial que é Julián, e o seguíssemos nesse processo doloroso de encerrar a existência terrena e dar adeus às pessoas que mais importam. Não é pouco.

quarta-feira, junho 01, 2016

A ASSASSINA (Nie Yin Niang)



Não é um filme fácil, no sentido de quem quer estar seguro em acompanhar o enredo tão intrincado e as motivações dos personagens. A ASSASSINA (2015), no entanto, é um dos filmes mais belos dos últimos anos, e cuja oportunidade de ver no cinema é um presente para cinéfilos, especialmente quem já acompanha ao menos um pouco a carreira do talentoso cineasta chinês Hou Hsiao-Hsien. Seu último longa-metragem e primeiro lançado comercialmente no Brasil havia sido A VIAGEM DO BALÃO VERMELHO (2007).

Como Hsiao-Hsien é um cineasta que privilegia a encenação e o movimento dos atores no quadro, há todo um cuidado em tratar com ainda mais delicadeza o gênero wuxia, que já havia sido apropriado de maneira bem bonita por cineastas distintos e talentosos como Wong Kar-Wai, Ang Lee e Zhang Yimou. O problema é quando se tenta comparar o trabalho de Hsiao-Hsien com o dos outros, já que quase sempre as lutas são interrompidas bruscamente, não dando tempo para que o aficionado por artes marciais vá se empolgar.

Por isso A ASSASSINA deve ser aceito como é: um drama que prestigia muito a direção de arte, a fotografia e os figurinos, e que deixa o espectador tão encantado com o que vê ou deixa de ver que mal dá tempo de reclamar do comportamento dos personagens e de seus dilemas morais ou sentimentais. No caso, o grande dilema é o da personagem título, Yinniang, interpretada por Shu Qi, uma assassina habilidosa mas com um coração que a impede de matar um homem por ele estar na presença de seu filho pequeno.

Como forma de puni-la, sua mestra a envia para o lugar onde Yinniang nasceu, a distante província de Weibo, a fim de matar o governador local, primo dela, que deveria ser o homem com quem ela teria se casado. O filme não facilita na hora de explicar os detalhes do passado da assassina e desse homem, embora faça isso à sua maneira. Talvez uma maneira um pouco complicada para a mente ocidental, mas acostumada a uma narrativa quase didática.

Há quem vá achar, inclusive, o filme vazio em sentimento, embora o mais adequado seja revê-lo para tentar captar mais sua essência e os valores desses personagens. Há também que atentar para o quanto o cineasta evita sequências de morte e violência, com cenas de luta interrompidas sem entendermos bem o porquê. Yinniang perscruta do jeito que quer, como um fantasma cujas paredes não são obstáculo, a mansão do governador e de sua família, e nesses momentos há muitas cenas com um véu cobrindo a tela, mostrando o olhar da protagonista em câmera subjetiva.

O filme também carrega uma característica bem comum do wuxia, que é a harmonia do homem com a natureza, que aqui aparece com uma beleza estupenda. Mas Hou Hsiao-Hsien prefere contar uma história longe da grandiloquência dos demais filmes do gênero. Chamar de simplicidade o que ele faz também seria um erro, até pelo esmero com que o diretor opera suas imagens. Por isso a experiência de ver A ASSASSINA é algo um tanto difícil de ser externado em palavras.