segunda-feira, junho 20, 2016
MARESIA
O longa-metragem de estreia de Marcos Guttmann, MARESIA (2015), é um filme sobre paixões e obsessões, duas palavras, aliás, que são quase sinônimas. Temos a paixão de um artista pela sua arte, a pintura, e posteriormente por uma jovem viúva que ele conhece e constitui família, e, em paralelo, a paixão obsessiva de um apreciador de arte pela obra deste pintor fictício e suas obras fascinantes. Os dois papéis são interpretados com intensidade por Julio Ribeiro, um dos melhores atores de sua geração, e que felizmente tem dado mais preferência ao cinema do que a televisão para a construção de uma carreira sólida e cheia de ótimos momentos.
Ele é a espinha dorsal de MARESIA, não apenas pelo desafio em interpretar personagens diferentes em épocas diferentes, mas por dar ao filme mais do que a direção e o roteiro adaptado do premiado romance Barco a Seco, de Rubens Figueiredo, conseguem extrair. Aliás, mesmo quem não sabe que o filme é adaptação de uma obra literária já pode sentir, talvez por ver ecos de autores como Rubem Fonseca ou Jorge Luis Borges aqui e ali, talvez por notar que os personagens são apresentados como pinceladas, como sujeitos (ou objetos) sempre incompletos.
Mas como essa incompletude também faz parte da ideia do filme, MARESIA é possuidor de um charme notável, e vai ganhando força à medida que pensamos nele. Além de Andrade, outro ator, o veterano Pietro Mário (mais conhecido por sua carreira extensa como dublador), conta mais pontos positivos para o filme de Guttmann. Sua presença como um misterioso velhinho vendedor de obras do lendário pintor desaparecido é essencial para que o filme se fortaleça e ganhe momentos de grandeza, como é o caso da cena em que o colecionador o visita em sua casa.
Outro destaque do filme é a montagem que alterna presente e passado, costurada como o fluir das ondas do mar. Como Andrade faz os dois papéis, algumas vezes o que ocorre em um momento é semelhante ao que ocorre em outro, como em cenas em que o personagem está na praia. O som das ondas, aliás, dá o tom das emoções, já que é o habitat natural do pintor selvagem que chega a pintar uma de suas obras em um bacalhau para presentear a mulher amada, vivida por Mariana Nunes, de FEBRE DO RATO.
Uma das curiosidades de MARESIA está no modo como o especialista em obras Gaspar imagina o pintor excêntrico Vega: como um espelho de si mesmo. Assim, a opção pelo mesmo ator para viver os dois personagens não tem nada a ver com qualquer homenagem ao Buñuel de ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO ou coisa parecida (se bem que Buñuel fez o oposto, colocando duas atrizes para fazer a mesma personagem), mas no quanto a obsessão de Gaspar por esse mítico homem e sua jornada misteriosa faz com que o passado – ainda que totalmente oculto a ele e somente visto pelos olhos do narrador onisciente e do espectador – e o presente se mesclem. E por isso essa conjunção se torna tão mágica na tela quando o personagem do especialista em obras de arte encontra o velhinho colecionador.
Texto publicado original no site da Aceccine – Associação Cearense dos Críticos de Cinema
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