domingo, junho 05, 2016

O PEQUENO QUINQUIN (P'tit Quinquin)



Ver uma comédia dirigida por Bruno Dumont já é por si só algo muito estranho, ou pelo menos bem pouco usual, até pela duração: três horas e vinte minutos. Cineasta mais famoso por dramas intensos, tensos e às vezes ligados à religião, Dumont experimenta a leveza em O PEQUENO QUINQUIN (2014), que nasceu como uma minissérie de quatro episódios, mas que depois do sucesso no Festival de Cannes ganhou os cinemas de vários países, tendo sido eleito entre os melhores do ano por vários críticos de todo o mundo. Em São Paulo e outras praças o filme chegou a passar no ano passado, mas aqui em Fortaleza só tivemos uma única e preciosa chance de apreciá-lo: na mostra Retrospectiva do Cinema do Dragão.

A história de O PEQUENO QUINQUIN se passa em uma região agrária e costeira da França, uma cidadezinha pequena ainda bem pouco acostumada com estrangeiros ou qualquer coisa diferente, ainda que seja uma cidade formada basicamente por pessoas com defeitos de nascença, como o personagem título, o menino Quinquin, com defeito facial e problema de audição, o inspetor de polícia cheio de tiques nervosos e o tio de Quinquin que roda em círculos e é cuidado pela família depois de ter voltado de um hospício, entre outros tipos fora do usual que compõem a fauna da cidade.

Na trama, estranhos crimes passam a ocorrer naquela pequena cidade: pedaços de corpos são encontrados dentro de cadáveres de vacas. Não se sabe como as vacas foram parar naquele lugar ou quem cometeu os crimes, ou mesmo por que motivo isso está acontecendo. O filme conserva a divisão em quatro episódios, adotando o nome do capítulo para cada parte que se inicia, e vai se mostrando cada vez mais sombrio à medida que se aproxima de sua conclusão. É característico do cinema de Dumont o ar de mistério e mesmo em uma comédia que oferece vários momentos de riso esse elemento permanece presente.

Dumont se preocupa menos com a investigação e sua resolução e mais com o estudo daquela sociedade tão estranha quanto comum. Além dos momentos de riso e de mistério tangenciando o terreno do horror, há também pelo menos uma cena bem dramática, envolvendo a morte de um personagem. Isso acaba lembrando um pouco o cinema de David Lynch, que também se atém em vasculhar as profundezas de seu país e em estudar tipos exóticos.

O fato de boa parte do enredo mostrar a história pelo ponto de vista das crianças, principalmente de Quinquin e de sua namoradinha Eve, dá ao filme um ar de inocência que vai aos poucos sendo perdida, à medida que os eventos vão se desenrolando. Trata-se de um filme que se constrói em torno de estranhezas, de afetos, do mistério e de um ar pessimista diante da vida, coisa que já se podia notar e sentir em outras obras do realizador, como O PECADO DE HADEWIJCH (2009) e CAMILLE CLAUDEL 1915 (2013).

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