sábado, janeiro 30, 2016

TRUMBO – LISTA NEGRA (Trumbo)



Hollywood é cheia de histórias sujas. Muitas delas só ocorrem, porém, por causa de algum problema social ou político, como foi o caso do macarthismo, o sectarismo anticomunista que atingiu os Estados Unidos e que afetou bastante a indústria cinematográfica na década de 1950. Quem era chamado para depor é porque era suspeito de integrar alguma reunião do Partido Comunista e era automaticamente considerado um inimigo do país. Caso fosse considerado culpado, era privado de praticar as suas funções, como foi o caso de Dalton Trumbo, roteirista de grandes sucessos e também de vários filmes B durante a sua fase clandestina. Trumbo até chegou a ser preso, por se recusar a responder as perguntas da comissão parlamentar.

TRUMBO – LISTA NEGRA (2015) tem a direção de um homem especializado em comédias, Jay Roach, cujos melhores filmes para cinema são ENTRANDO NUMA FRIA (2000) e AUSTIN POWERS EM O HOMEM DO MEMBRO DE OURO (2002). Nos últimos anos, porém, Roach passou a ter uma aproximação maior com o mundo da política americana em dois telefilmes que obtiveram boa repercussão na temporada de premiações, RECONTAGEM (2008) e VIRADA NO JOGO (2012).

E eis que chegamos a TRUMBO, uma cinebiografia que foca na situação que foi marcadamente importante para a história de vida do roteirista e romancista: o período em que ele esteve na lista negra por evitar depor ou dar nomes à comissão. Para quem é interessado nos bastidores de Hollywood, o filme tem o seu grau de interesse, com participações em cena de gente como John Wayne, que era um dos sujeitos mais direitistas dos Estados Unidos, Kirk Douglas, Edward G. Robinson, e o produtor de filmes B Frank King, vivido por John Goodman.

Ver TRUMBO não deixa de ser uma boa aula de cinema nos tempos da Guerra Fria, focando em um homem em particular, mas também um pouco na sociedade ao seu redor e no modo como ele resiste e que foi um elemento fundamental para desmantelar a lista negra, principalmente quando começam a surgir comentários de que ele teria sido o homem responsável pelo roteiro do oscarizado A PRINCESA E O PLEBEU (1953) e depois de ARENAS SANGRENTAS (1956) e SPARTACUS (1960).

Bryan Cranston brilha no papel, apesar de o filme não ser assim tão brilhante, mas devem ser levados em consideração no conjunto do elenco, as boas performances de Diane Lane, como a adorável esposa de Trumbo, Elle Fanning, como a filha mais velha, Michael Stuhlbarg, como Edward G. Robinson, e Helen Mirren, como a colunista que perseguia aqueles que integravam a lista negra.

TRUMBO – LISTA NEGRA concorre ao Oscar na categoria de melhor ator (Bryan Cranston).

sexta-feira, janeiro 29, 2016

STEVE JOBS



Eis mais um caso em que a vida real serviu de inspiração para um filme ambicioso. Entre os indicados para melhor ator no Oscar deste ano o único personagem que não é baseado em uma história real é o de Matt Damon, em PERDIDO EM MARTE. Os demais são mostras do quanto a vida pode ser combustível valioso para a arte. E no caso de STEVE JOBS (2015) o biografado não é estreante nas telas. O filme anterior, JOBS, estrelado por Ashton Kutcher, não foi assim tão bem-sucedido. Tanto por não ter bons talentos envolvidos, quanto por querer resumir a maior parte da vida de um homem em apenas duas horas de filme.

Danny Boyle não comete a mesma falha. Seu STEVE JOBS consegue nos dar uma dimensão do homem através apenas de três recortes. E dentro dessa janela até ficamos sabendo bastante, mas através das falas dos personagens que se encontram em três ocasiões distintas da vida do inventor: 1984, com o lançamento do computador Macintosh; em 1988, com o lançamento da NeXT; e o retorno triunfante à Apple em 1998, com a apresentação do iMac.

A ideia dos recortes temporais funciona, até porque conta com dois atores ótimos: Michael Fassbender, no papel-título, e Kate Winslet, como Joanna Hoffmann, a assistente pessoal de Jobs. Como as cenas ocorrem em momentos de tensão pré-apresentação, os nervos estão à flor da pele e nesse instante aparece a mulher com quem Jobs teve uma filha, que a princípio ele nega e já demonstra uma personalidade mesquinha. O que é interessante para o filme, pois estamos lidando aqui com a figura do gênio, cheio de defeitos de caráter.

As cenas com a filha são parte essencial da desconstrução desse homem perverso que aos poucos vai se tornando mais maleável. Os diálogos entre os personagens trazem informações que normalmente só uma biografia convencional traria, como o fato de Jobs ter sido um filho adotado, e de que psicologicamente isso poderia ter afetado de alguma forma o modo como ele lida com aquela filha. São psicologismos que funcionam no filme, assim como também funciona a rixa de Jobs com seu antigo amigo e parceiro, vivido por Seth Rogen, que se vê sempre como o injustiçado da história, aquele que foi traído, depois de ter desempenhado um papel tão importante em sua vida.

O papel de Winslet, porém, é curiosamente mais desafiador, pois ela tem bastante tempo em cena, mas é apenas a assistente, não tendo parte em brigas e desentendimentos com Jobs. Pelo menos, não a ponto de quebrar a relação profissional e o companheirismo dos dois. O incrível é que Kate consegue roubar as cenas, apesar disso. Se bem que, levando em consideração o histórico da atriz, não se trata de nenhuma surpresa.

Se o filme não consegue atingir a excelência pretendida, ao menos pode ser visto como um dos trabalhos mais bem-sucedidos da carreira irregular de Boyle, caso de cineasta que ganhou o Oscar pelo filme mais errado de sua filmografia.

STEVE JOBS concorre ao Oscar nas categorias de melhor ator (Michael Fassbender) e melhor atriz coadjuvante (Kate Winslet).

quarta-feira, janeiro 27, 2016

JOY – O NOME DO SUCESSO (Joy)



Curioso como a Jennifer Lawrence tem passado de moça querida para moça chata e/ou superestimada para alguns. Mas se não fosse por ela o que seria de JOY – O NOME DO SUCESSO (2015)? Certamente é o mais frágil dos trabalhos de David O. Russell, que já tem uma carreira marcada por altos e baixos, mas que nos últimos anos soube construir filmes com uma galeria de personagens memoráveis e bem interessantes. Sem falar no elenco caprichado e na trilha sonora de muito bom gosto.

Na terceira parceria com o cineasta, depois dos premiados O LADO BOM DA VIDA (2012) e TRAPAÇA (2013), Jennifer Lawrence segue na frente no papel-título e os demais coadjuvantes aparecem apagados, mesmo tendo no elenco Robert De Niro, Bradley Cooper e Isabella Rossellini. O filme é uma ode à capacidade humana de vencer os obstáculos. Embora tom agridoce, é uma história real de superação e conquista de alguém que veio de uma classe pouco privilegiada, mas que conseguiu o sucesso graças à sua criatividade.

JOY conta a história de Joy Mangano, uma jovem mulher que mora com a mãe depressiva e viciada em telenovelas (Virginia Madsen), o ex-marido (Édgar Ramírez) e os filhos em uma casa em estado precário. Como se não bastasse, o pai (De Niro) também aparece para compor o ambiente, depois de ser dispensado pela namorada. Diante desse caos, e tendo que trabalhar para manter a todos, Joy tem uma ideia: criar um esfregão prático que até então não existia nos Estados Unidos. O problema estava em conseguir espaço para vender o produto, além de também ter que ter muito cuidado com advogados e empresários corruptos.

Desde o começo vemos que estamos diante de uma obra menor, mas também vemos o quanto o filme deve à força e à presença de cena de Jennifer Lawrence, que confere autenticidade à personagem. Além do mais, além da ótima reconstituição de época (anos 70), há momentos particularmente emocionantes, como a primeira apresentação de Joy de seu produto em um canal especializado em venda de objetos. Também muito legal quando Bradley Cooper entra em cena, embora o papel dele seja menos importante do que se esperava.

O filme, porém, tem uma fragilidade na estrutura, principalmente no modo como se encerra, no final, deixando a dúvida se houve uma intenção deliberada de tornar as últimas cenas pouco realistas, de modo a destoarem do todo, ou se é falha mesmo. De todo modo, ficou feio. Ainda assim, JOY tem uma série de momentos bonitos, como o dueto de J. Law com Ramírez cantando "Something stupid" e as tantas vezes que grandes canções de artistas como Rolling Stones, Buffalo Springfield, Bruce Springsteen, Bee Gees, Elvis Presley, entre outros, aparecem na trilha. Quer dizer, como DJ, O. Russell continua excelente.

JOY – O NOME DO SUCESSO concorre ao Oscar na categoria de melhor atriz (Jennifer Lawrence).

segunda-feira, janeiro 25, 2016

CINCO GRAÇAS (Mustang)



Vivemos em um tempo em que as minorias estão reivindicando cada vez mais os seus direitos, a sua própria voz. Mulheres, gays, negros e outras minorias que se sentem marginalizados ou têm sua voz calada estão tendo a chance de usar a arte para exercitar esse direito, um direito que não lhes era concedido. CINCO GRAÇAS (2015), da cineasta turca radicada na França Deniz Gamze Ergüven, é um exemplo bem representativo de um cinema feminista, embora, pelo fato de se passar em um vilarejo na Turquia, seja também um filme de combate contra certas tradições culturais e religiosas extremamente machistas e desumanas.

E muitas vezes é preciso que certas atitudes sejam tomadas para que a sociedade assuma seu erro, mesmo que essas atitudes sejam bem extremistas. Um filme que dialoga bem com CINCO GRAÇAS é o brasileiro S. BERNARDO, de Leon Hirszman, que traz uma mulher forte em luta contra a opressão de um coronel do sertão, o seu próprio marido. No filme franco-turco, porém, essa mulher é multiplicada em cinco garotas de idades diferentes, cinco irmãs que querem ser felizes, mas tudo o que encontram são imposições, barreiras, grades.

A mais esperta das cinco é a mais velha, que até consegue fugir de casa para transar com o namorado e ainda usa métodos anticoncepcionais ousados para evitar perder a virgindade ou engravidar. Mas é a mais nova, uma criança ainda, que narra o filme, e é pelos seus olhos que vemos a história se desenrolar. Olhos que já começam o filme chorando, ao se despedir da professora, no final do ano letivo.

A história é contada com muita simplicidade, até para atingir com mais eficácia, como um soco no estômago, o conservadorismo reinante, principalmente o vivenciado em países em que a religião mulçumana é dominante. Se bem que a história poderia se passar em qualquer lugar ermo do interior do Brasil, que seria comprada como verdadeira.

CINCO GRAÇAS lida muito bem com a beleza dos corpos das moças, descobrindo-se, mas também descobrindo o quanto o mundo em que habitam é cheio de maldade. Uma maldade não necessariamente deliberada, mas herdeira de anos e anos de dominação do patriarcado e de uma cultura religiosa já bastante velha para uma sociedade que convive tão perto da modernidade.

A natureza as chama para os prazeres do amor e do sexo, e por isso mesmo a família precisa tomar atitudes rápidas quanto a isso, providenciando casamentos de conveniência, para que elas possam sair de casa sem envergonhar o tio ou a avó, que são aqueles que cuidam delas. E CINCO GRAÇAS vai mostrando a desarticulação das meninas, à medida que os primeiros casamentos vão surgindo, mas, como a trajetória de cada uma delas é singular, a história é rica em surpresas e momentos comoventes, assim como também funciona como um excelente filme de fuga de prisão.

CINCO GRAÇAS concorre ao Oscar na categoria de melhor filme em língua estrangeira pela França.

domingo, janeiro 24, 2016

A GRANDE APOSTA (The Big Short)



O fato de A GRANDE APOSTA (2015) ter vencido o PGA, o prêmio do Sindicato dos Produtores, aumenta suas chances de vencer o Oscar na categoria principal. O lado ruim disso é que o filme de Adam McKay está longe de lidar tão bem com o mundo dos negócios como o ácido, provocativo e genial O LOBO DE WALL STREET, de Martin Scorsese, que concorreu à categoria principal dois anos atrás e que não tinha a menor chance no banco de apostas, apesar de ser melhor do que qualquer um dos indicados. Quase sempre acontece isso nessa premiação, aliás.

O curioso que A GRANDE APOSTA, que foi citado por um amigo como sendo o filme que finge explicar e o expectador finge entender, tem até mesmo a participação de Margot Robbie, justamente na primeira das supostas explicações didáticas. Afinal, com a bela atriz sensualizando dentro de uma banheira, quem ia conseguir prestar atenção em explicações tão específicas do mundo da Economia e dos negócios imobiliários?

É com essa intenção de ser engraçadinho que McKay fala de um assunto muito sério: o da crise econômica nos Estados Unidos em 2008, que contou com a participação até mesmo de uma pessoa que apostava na falência do sistema, ainda que ele tenha antecipado isto em alguns anos. Trata-se de Michael Burry, vivido de maneira brilhante por Christian Bale, que consegue passar todo o aspecto antissocial do sujeito, assim como o aparente estrabismo, por causa de um olho de vidro.

Essa é a grande aposta do título e muitos homens de negócio de Wall Street souberam do ocorrido e procuraram fazer o mesmo. É onde entram, principalmente, os personagens de Steve Carell, Ryan Gosling e Brad Pitt. O filme também mostra o quanto os bancos tentaram disfarçar a crise no mercado imobiliário, quando todo o castelo de cartas estava prestes a ruir.

Um dos problemas do filme é procurar expressar de maneira muito explícita e didática as consequências da falência do sistema econômico, no quanto isso ia trazer desemprego e fome para o país de forma quase imediata. Isso fragiliza um pouco a obra, embora ajude a trazer mais dramaticidade ao filme. E não deixa de ser uma maneira de tornar o assunto um pouco mais palatável e de tornar todas aquelas explicações econômicas em uma espécie de mcguffin, ou seja, algo que está ali, mas que não necessariamente é essencial para a compreensão global da obra, ainda que o espectador que compreende todos os meandros e detalhes daquele universo possa se sentir mais privilegiado durante a projeção.

Quanto a Steve Carell, ele já havia mostrado que consegue se sair muito bem no território dramático no sombrio FOXCATCHER – UMA HISTÓRIA QUE CHOCOU O MUNDO, de Bennett Miller, mas aqui, talvez pelo fato de as fronteiras entre o drama e a comédia serem mais tênues, alguns de seus momentos parecem saídos de THE OFFICE, o que acaba comprometendo um pouco as sequências mais dramáticas. No fim das contas, o fato de A GRANDE APOSTA ser do mesmo diretor das comédias O ÂNCORA (2004) e sua continuação, TUDO POR UM FURO (2013), acaba fazendo bastante sentido.

A GRANDE APOSTA foi indicado ao Oscar nas categorias de melhor filme, diretor, ator coadjuvante (Christian Bale), roteiro adaptado e edição.

sexta-feira, janeiro 22, 2016

CAROL



Um dos filmes mais belos desta atual temporada de premiações é CAROL (2015), de Todd Haynes, cineasta que já havia mostrado sua sensibilidade no trato com situações de relacionamentos proibidos no igualmente ótimo LONGE DO PARAÍSO (2002), que também se passava na década de 1950 e que emulava, de maneira mais forte, o cinema de Douglas Sirk, o mestre do melodrama na velha Hollywood.

A diferença é que nos filmes de Haynes, e em CAROL especificamente, as emoções são mais contidas. Como numa tentativa de captar também o sentimento de impotência diante da vida em uma sociedade que não permite a pessoa seguir os seus próprios interesses. Suas paixões devem ser tolhidas ou muito bem escondidas, o que não é fácil, especialmente para uma mulher casada, como é o caso de Carol, vivida brilhantemente por Cate Blanchett.

Conhecemos inicialmente Carol pelos olhos assustados mas também muito curiosos de Therese (Rooney Mara), uma moça que trabalha como balconista em uma loja de departamentos e que sonha em ser fotógrafa. É nessa loja que as duas se conhecem, com uma troca de olhares e de informações e um par de luvas esquecido que faz com que Therese queira mudar de vida, deixar para trás tudo aquilo que não lhe faz mais sentido, inclusive o namorado.

Já Carol tem uma história de vida mais longa e mais complicada. Está passando por um processo de divórcio e tem uma filha que ela corre o risco de perder na justiça para o marido. Aliás, a questão da filha chega a causar mais emoção do que o próprio relacionamento entre as duas mulheres, que é tratado de maneira mais sutil e sóbria.

As cenas fotografadas através de vidros e véus funcionam como uma metáfora da dificuldade de alcançar o objeto de desejo naquela sociedade que arruinava a vida de pessoas que fugiam do modelo estipulado de relacionamento e de família. Se nos dias de hoje ainda é um pouco assim, é de se imaginar como era na década de 1950, quando astros de Hollywood eram obrigados a não falar de suas preferências sexuais, ainda que muitos já soubessem.

Quanto à relação entre Carol e Therese, Haynes emoldura tudo de maneira muito elegante. Cada detalhe de roupa, penteado ou mobília ao redor delas é cuidadosamente pensado, a fim de compor uma espécie de quadro pintado, mas em movimento. A primeira cena das duas se beijando bem que poderia ser mais carregada de tensão, mas do jeito que ficou continua sendo muito agradável de ver. Pequenos detalhes íntimos das duas se engrandecem com a direção segura e a bela atuação do par central e do elenco de apoio.

Curiosamente, o filme é baseado em um romance de Patricia Highsmith, mais conhecida por escrever livros policiais – ela é a criadora do assassino serial Ripley, que já serviu de inspiração para uma série de filmes. CAROL, de certa forma, é um filme sobre um crime, pelo menos um crime para as normas que deviam ser seguidas naquela época. Como dois ladrões, as duas mulheres fogem de carro pelos Estados Unidos, em busca de liberdade, paz e amor.

CAROL foi indicado ao Oscar nas categorias de atriz (Cate Blanchett), atriz coadjuvante (Rooney Mara), roteiro adaptado, fotografia, trilha sonora original e figurino.

terça-feira, janeiro 19, 2016

EM TRÊS ATOS



Delicado e inquietante, EM TRÊS ATOS (2015), o mais novo trabalho da brava Lúcia Murat, é dividido em três momentos distintos mas complementares: o corpo, a morte e a despedida. A cineasta utiliza inicialmente a dança para compor o seu trabalho. A dança e a música. E nesta dança vemos duas bailarinas, uma jovem e uma idosa. Fala-se do quanto o corpo velho já não responde às vontades como antes e a diretora não se furta a destacar as rugas da bailarina idosa em close-up. Nem a bailarina parece se importar com isso.

Na verdade, o filme fala justamente sobre isso: sobre o tabu do corpo exposto e principalmente do corpo nu da pessoa mais velha, ou da mãe, como descrita no texto de Simone de Beauvoir, que serve de base para a parte mais interessante do filme: a que trata com palavras duras da relação entre a pensadora e sua mãe, do distanciamento de gerações, de quando ela passou a cuidar dela no hospital e tentou uma aproximação, ainda que em vão, e do rancor que a mãe guarda da filha por ter parte da sua vida roubada em benefício de outra pessoa, ainda que sua filha.

Pode parecer cruel isso tudo e algumas mães talvez não concordem com essas palavras, ou não se sintam identificadas. Afinal, ser mãe não é algo sagrado? Mas ser filho não é também ser humano e tentar compreender o outro, as necessidades do outro? Mas o filho é essencialmente egoísta. Até porque, se ele não for, ele vive em função da mãe. É uma questão tão delicada, mas que nos deixa pensando bastante a respeito, dando vontade, inclusive, de ir em busca dos textos integrais de Beauvoir.

Creio que o que me encantou no filme não foi a dança, embora seja interessante e belo acompanhar certos momentos, mas as palavras da pensadora e no quanto isso mexe com a gente, o quanto faz pensar na vida, na morte, na vontade de não morrer, ou mesmo no desejo de se livrar de alguém muito querido, por já estar um tanto cansado de tudo. Pensamentos considerados ruins que passam pela mente em circunstâncias difíceis.

E que bom poder ver Andrea Beltrão e Nathália Timberg no papel de intérpretes dessas palavras, como se aquela situação tivesse ocorrido com elas. Lembro-me do quanto fiquei emocionado com Andrea, em sua participação em JOGO DE CENA, de Eduardo Coutinho, no quanto ela adentrou a personalidade daquela mulher que acreditava que a filha morta estava viva em outro lugar, enquanto que para ela, que não acredita em Deus, aquilo seria impossível e por isso mesmo motivo de muito choro. Esse recurso de levar a vida real para a interpretação deve ser tão doloroso para os atores e atrizes.

Quanto ao filme, ele pode não ter atingido o seu potencial, mas talvez EM TRÊS ATOS tenha nascido para ser "pequeno", e a intenção da diretora tenha sido bem sucedida, nesse sentido. Afinal, não é todo dia que somos confrontados com ideias tão profundas, tão cruéis e tão humanas, como num desafio ao expectador em olhar para si mesmo, para seu próprio egoísmo, a sua própria fragilidade como representante da espécie humana.

segunda-feira, janeiro 18, 2016

BOI NEON



Apesar de ser uma cultura bastante popular e que não existe apenas fora das capitais nordestinas, mas também junto a shows de bandas de forró, a vaquejada não é muito bem vista por certo círculo de pessoas, que veem como sendo cruel a brincadeira de laçar o boi e fazê-lo ir ao chão. De fato é, mas também não se pode negar sua existência, nem perceber o quanto se trata de um tipo de negócio que movimenta uma quantidade bem significativa de pessoas, principalmente nas cidades do interior do Nordeste.

BOI NEON (2015), o novo longa-metragem de Gabriel Mascaro, não apenas trata do assunto, mas tem a ousadia de mostrar a vida de gente que atua nos bastidores, pessoas que seriam consideradas insignificantes dentro da lógica de qualquer outro filme convencional, que costumam mostrar aquelas pessoas que agem sob os holofotes ou que têm uma história de vida mais ligada a uma trajetória de sucesso.

Mascaro inverte também a lógica de gênero, evitando mostrar um vaqueiro com os estereótipos mais comuns. O Iremar interpretado por Juliano Cazarré age nos currais, é responsável por limpar o rabo do boi e prepará-lo para os peões do espetáculo. No entanto, Iremar sonha em trabalhar com confecção, especialmente feminina. Até tem uma máquina de costuma bem simples e monta seus manequins a partir do que encontra no lixão. Iremar convive com uma mulher que também foge ao estereótipo feminino, Galega, a mãe solteira vivida por Maeve Jinkings que dirige o caminhão da trupe.

Assim como em seu trabalho anterior, VENTOS DE AGOSTO (2014), Mascaro demonstra uma obsessão pelos corpos, seja do homem ou da mulher (e no caso de BOI NEON também dos animais), e muito da força do filme vem do modo como ele visualiza esses corpos. Até porque algumas cenas podem ser consideradas fortes para determinado tipo de audiência, levando em consideração que o cinema brasileiro foi se domesticando da década de 1990, com o cinema da retomada, até os dias atuais.

Assim, de forma bastante saudável, o cineasta pernambucano põe em seu filme cenas de sexo (com direito a membro em ereção) e não hesita em mostrar uma cena com um cavalo que certamente vai dar o que falar durante e depois das sessões, até por ser também engraçada. Mas apesar de se destacar dentro da estrutura narrativa, essas cenas não são feitas com um intuito de serem sensacionalistas, mas de mostrar os corpos como algo natural, ainda que momentos íntimos, como o sexo, o banho e a depilação, sejam vistos na verdade de natureza privada.

A força de cada cena e diálogo do filme, desde as simples conversas de Iremar com a garotinha que não tem contato com o pai, seja com os outros vaqueiros colegas ou com Galega, é captada com um senso de realismo impressionante, próprio de um diretor que começou com documentários e foi tentando se libertar desse registro aos poucos, como já se podia notar em VENTOS DE AGOSTO. Em BOI NEON, Mascaro dá seu maior salto em direção ao cinema de ficção, embora as cenas que se passem dentro das vaquejadas sejam apropriações de eventos reais.

O que pode incomodar um pouco a grande audiência é a estrutura pouco convencional da narrativa, que foge ao tradicional formato "introdução-desenvolvimento-conclusão", embora esses elementos estejam sim presentes, mas de uma maneira mais moderna, por assim dizer, sem uma preocupação em fechar um ciclo na vida dos personagens, mas preferindo optar pelo recorte de determinados momentos de suas vidas, e de dar profundidade a eles, especialmente o protagonista. Difícil é não ficar encantado com cada cena do filme e com seu aspecto tão natural quanto extraordinário em captar a vida de pessoas simples.

domingo, janeiro 17, 2016

MOZART IN THE JUNGLE – A PRIMEIRA TEMPORADA COMPLETA (Mozart in the Jungle – The Complete First Season)



Engraçado como a gente, da noite para o dia, começa a ficar interessado em determinada série e essa série acaba se tornando o centro das atenções até o fim de sua temporada, pelo menos. Foi o caso de MOZART IN THE JUNGLE, que ganhou o Globo de Ouro de melhor série de comédia este ano e pouca gente sabia de sua existência, inclusive eu. Gael García Bernal, que interpreta um maestro excêntrico e simpático, também ganhou o prêmio pelo papel. Como a primeira temporada foi colocada online pelo serviço de streaming da Amazon em dezembro de 2014, só ao longo de 2015 que a série pôde ser devidamente apreciada.

No meu caso, houve um empurrãozinho bem decisivo para que eu finalmente desse uma chance à série, que foi a presença de Lola Kirke, que já havia me encantado em MISTRESS AMERICA, de Noah Baumbach. Ela havia passado desapercebida por mim em seu pequeno papel em GAROTA EXEMPLAR, de David Fincher. Mas tudo bem. Agora tenho a chance de ver essa moça linda como protagonista e em um papel apaixonante: o de uma garota que toca oboé e deseja entrar em uma das mais importantes orquestras sinfônicas dos Estados Unidos.

Hailey, o nome de sua personagem, funciona como uma ponte entre nós, que não fazemos parte desse mundo da música erudita, e aqueles que fazem parte. É um universo que já foi visitado em alguns filmes, mas é mesmo um mundo fechado e uma série de televisão tem mais chance de explorar mais a fundo, por ter mais tempo para isso. No caso de MOZART IN THE JUNGLE, a Amazon optou por fazê-la com episódios de meia hora, formato normalmente dedicado a comédias. E como é uma série bem leve, não seria errado classificá-lo como tal, embora seu conteúdo dramático seja bastante evidente.

Além de Lola e de Gael, há uma série de coadjuvantes que brilham na série, como Cynthia, vivida pela bela Saffron Burrows, que toca violoncelo na orquestra e mantém um caso com o velho maestro, vivido por Malcolm McDowell. Há outro membro da orquestra que também é bem simpático, Dee Dee (John Miller), que é o cara que vende drogas para a equipe. E há Betty (Debra Monk), do grupo de oboé que não quer dar mole para a novata que chega e trata logo de demarcar o território. Aliás, é até natural que a série mostre a batalha de egos que esse mundo trava e é um de seus pontos mais interessantes.

Curiosamente, MOZART IN THE JUNGLE teve o seu piloto inicialmente posto online pela Amazon, para, só depois da aprovação da audiência, chamar todo o elenco e equipe para filmar os outros nove episódios da primeira temporada. A direção dos primeiros episódios ficou a cargo de Paul Weitz, mais lembrado por UM GRANDE GAROTO (2002), mas há também outros dirigidos por Roman Coppola. Os dois, ao lado de Alex Timbers e Jason Schwartzman, são os criadores da série.

No mais, fico feliz em encontrar mais uma série de meia hora tão boa quanto GIRLS para acompanhar. E já quero ver a segunda temporada, que foi disponibilizada online no finalzinho do ano passado. A vida às vezes é bem pesada e programas desse tipo, ao mesmo tempo em que nos lembram disso, também nos ajudam a relaxar, com seu modo mais leve e descontraído de olhar para as coisas do cotidiano.

sábado, janeiro 16, 2016

CREED – NASCIDO PARA LUTAR (Creed)



O caminho para apreciar os filmes de Rocky Balboa é o caminho do coração. Não há outro. Desde ROCKY, UM LUTADOR (1976), drama sobre um rapaz pobre com a tarefa de enfrentar um campeão do mundo do boxe, passando por suas sequências, até chegar ao que teria sido o final da história, no melancólico ROCKY BALBOA (2006), Rocky é um personagem tão carismático e amado que se confunde com a própria persona de Sylvester Stallone, que ao longo dos outros filmes que atuou raramente se esforçou para ter um desempenho que o levasse a ser bem visto pela crítica como grande ator.

Sly encanta novamente ao encarnar mais uma vez o velho Rocky em um filme da série (ou um spin-off, por assim dizer) que pela primeira vez não conta com um roteiro seu. Na verdade, ele não gostou inicialmente da ideia, mas Ryan Coogler (diretor de FRUITVALE STATION – A ÚLTIMA PARADA, 2013) o convenceu. E o resultado tem dado frutos, prêmios e muita emoção nas sessões. CREED – NASCIDO PARA LUTAR (2015) é uma mistura da mitologia de Rocky com a criação de um personagem novo, Adonis Johnson, vivido por Michael B. Jordan.

Muito se fala em CREED sobre legado, principalmente quando as pessoas cobram do jovem Adonis a força e a capacidade de lutar de Apollo, falecido no próprio ringue em ROCKY IV (1985). Para o filho, a vontade de lutar vem desde criança, brigando com outras crianças em reformatórios, e mesmo quando tem a oportunidade de ter uma vida de luxo, ele deixa tudo para perseguir o sonho de lutar boxe, indo parar na Filadélfia, a fim de encontrar Rocky e ser por ele treinado.

A estrutura do enredo é extremamente simples e talvez por isso mesmo ele mereça ser louvado, pois a partir dessa simplicidade e sabendo que poderia correr o risco de estar sempre à sombra de Rocky, Coogler consegue imprimir uma obra sua, em que o velho Garanhão Italiano é só um dono de um restaurante cujos familiares já morreram, embora ainda seja uma espécie de mito na cidade. O surgimento daquele garoto reacende a vontade de viver de Rocky, embora outras circunstâncias comprometam um pouco o trabalho dos dois.

Mas mesmo esse aspecto melodramático é muito bem pensado para que CREED seja uma obra tão emotiva e tão sensível quanto os filmes de Rocky. Não à toa, a luta final parece uma reprise da apresentada em 1976, com direito a uma rápida citação da lendária e arrepiante trilha sonora de Bill Conti.

Passar o bastão não é fácil, mas Michael B. Jordan segura bem as pontas e a subtrama envolvendo uma vizinha que se torna seu interesse amoroso (Tessa Thompson) é tão boa que renderia um bom trabalho sem a presença de Rocky. O hip hop, fenômeno cultural das ruas, criado pelos negros americanos na década de 1980, está presente de maneira forte e transmite frescor ao novo filme.

E embora as sequências mais tocantes cresçam à medida que o drama dos personagens se acentua, o auge é mesmo a tão esperada luta entre Creed e o campeão mundial de boxe de sua categoria. Quem vê o filme no cinema se sente dentro do ginásio. O som que ouvimos de todos os lados da sala faz com que nos sintamos ali dentro, torcendo por aquele jovem herói e também por Rocky, o treinador amoroso, e com toda a vantagem de vermos tudo pelo ponto de vista da câmera de Coogler, que capta não só a luta, mas os olhares, usa a câmera lenta e a imagem distorcida para fins dramáticos etc.

Se CREED não prima pela originalidade como filme de boxe (os clichês mais conhecidos estão lá, parecem inevitáveis), tem sim a singularidade de conseguir fazer uma homenagem à altura de um dos personagens mais amados da cultura dos últimos 40 anos e de fazer isso com seus próprios méritos e estilo.

CREED - NASCIDO PARA LUTAR concorre ao Oscar na categoria de melhor ator coadjuvante (Sylvester Stallone).

quinta-feira, janeiro 14, 2016

O BOM DINOSSAURO (The Good Dinossaur)



O novo filme da Pixar é claramente um passo atrás em relação a DIVERTIDA MENTE (2015), realizado no mesmo ano. De todo modo, não chega a ser algo que vá comprometer a reputação da companhia de animações, que continua sendo a melhor da indústria em Hollywood. O BOM DINOSSAURO (2015), de Peter Sohn, o homem que havia assinado o belo curta PARCIALMENTE NUBLADO (2009), exibido antes do superestimado UP – ALTAS AVENTURAS, entrega um trabalho que vai de encontro ao público mais infantil e certamente dialoga bem com as crianças e também com a história dos filmes da Disney/Pixar.

Isso acontece pois há uma sequência de morte em família que vai remeter a clássicos como BAMBI, O REI LEÃO e PROCURANDO NEMO. Se não passa o mesmo grau de tragédia pode ser por falha da direção, mas também por medo de assustar demais as crianças de hoje. Antes os contos de fadas eram tão mais poderosos, violentos e impressionantes, não é? E alguns desenhos da Disney conseguiam esse feito também, embora possamos dizer que VALENTE possua elementos assustadores que perturbam os pequenos sim.

O que conta mesmo em O BOM DINOSSAURO é a relação de amizade improvável que surge entre o pequeno dinossauro desastrado Arlo e o garotinho selvagem Spot. O filme se passa em um mundo alternativo que não sofreu com a queda de um meteoro e com isso os dinossauros ainda dominam o planeta, enquanto os humanos estão ainda vivendo como selvagens.

Arlo se distingue logo dos demais por nascer dentro de um ovo enorme, mas ser bem pequeno. Ele sente dificuldade em se ajustar e em desempenhar um bom trabalho como seus irmãos, mas o pai sente muito carinho por ele e diz que Arlo é melhor do que ele. Uma tempestade faz com que ele se perca de sua aldeia e vá parar em lugares perigosos e viva grandes aventuras, enfrentando tanto inimigos quanto os próprios medos. É um filme sobre a jornada do herói, a construção da maturidade de um jovem e também um belo filme de amizade, que se desenrola à medida que Arlo e Spot passam a ver que se completam. E que ambos estão perdidos, de certa forma, de suas famílias.

Há um momento do filme bem comovente e que pode fazer chorar até mesmo os mais velhos. As crianças mais sensíveis chorarão, certamente, como pude presenciar na sala em que assisti o filme: uma garotinha sentada ao meu lado chorou que soluçou na tal cena, que pode até ser vista como carregada demais nas tintas por alguns, mas que eu vejo como um de seus méritos. É quando O BOM DINOSSAURO quase atinge o status de grande filme.

Antes do espetáculo principal é exibido um curta-metragem chamado OS HERÓIS DE SANJAY, de Sanjay Patel. Comparado com outros curtas bonitos que costumam passar antes dos longas da Pixar, este é um dos menos memoráveis, embora seja visualmente bonito e lide com a importância de a criança exercitar a criatividade e ter o seu próprio universo de fantasia. E ainda traz elementos da cultura indiana, o que é um aspecto curioso.

terça-feira, janeiro 12, 2016

A FÊMEA DO MAR



A FÊMEA DO MAR (1981), de Ody Fraga, é uma obra que além de saber lidar muito bem com seu alto teor erótico, é muito bem construído e muito bem resolvido em sua narrativa fluida, que nos pega pela mão e não solta até que vejamos como termina a história. Não é o tipo de filme para ver para se aliviar (para isso existem os filmes pornôs), mas é muito bom ver o filme com a energia sexual relativamente alta, a fim de estar um pouco em sintonia com o sentimento de urgência, desejo e necessidade dos personagens, embora talvez isso nem seja assim tão necessário, já que o jogo se constrói mais em torno de um certo suspense e de um clima de tragédia no ar, que se instala a partir mesmo dos próprios nomes dos personagens jovens, Ulisses e Cassandra, essa interpretada pela jovem Aldine Müller.

Essa história que vai se tornando cada vez mais fascinante à medida que se delineia ganha ainda mais força quando surge o personagem de Jean Garrett (aqui, como ator), um marinheiro que chega para contar a notícia de que o marido de Jussara (Neide Ribeiro, linda e desafiando a gravidade) e pai dos meninos morrera. A primeira aparição desse personagem, chamado Roque, vem junto com os primeiros acordes da 5ª Sinfonia de Beethoven, já deixando claro que seu papel será de desestruturação daquela família que vive sozinha em uma casa afastada de uma vila. Para aumentar o clima de desolação, o ambiente ainda conta com casas em ruínas, o que funciona perfeitamente para dar um ar de tragédia grega à trama.

Mas antes de ser uma tragédia grega, é um filme erótico brasileiro, com direito a cenas de Cassandra tomando banho nua e sendo observada pelo irmão Ulisses, que, além de secar a própria irmã, costuma se aliviar com as cabritas. O começo do filme, portanto, já instala a ideia de que aquela família – inicialmente os mais jovens – estava precisando de uma válvula de escape para sua energia sexual e na falta de outras pessoas, eles mesmos acabavam desenvolvendo uma relação quase incestuosa.

Mas isso é uma rotina tranquila para aquela família que vive de trabalhos artesanais de renda. O que pega todo mundo de jeito é mesmo Roque, que dá logo em cima da nova viúva, cuja beleza ele logo percebe. Como se não bastasse, a confusão está feita quando a garota também quer transar com ele, deixando o irmão com ciúmes. Fraga constrói, então, uma obra carregada de sexualidade, mas que lida com uma temática até mesmo bíblica, no sentido de que no Antigo Testamento há vários casos de incesto e confusão.

Jean Garrett, em seu último dos poucos trabalhos como ator, encarna muito bem um personagem que muito se assemelha ao protagonista de TEOREMA, de Pier Paolo Pasolini. E Fraga, que já havia feito a alegria de muitos com um dos segmentos de A NOITE DAS TARAS (1980), entre outros trabalhos que preciso ver, se supera como artista que domina a gramática da narrativa e do erotismo e cria aqui também uma obra de proporções épicas.

segunda-feira, janeiro 11, 2016

GLOBO DE OURO 2016























Foi uma cerimônia que começou bastante morna – os prêmios para televisão, além de pouco empolgantes, estavam sendo entregues de maneira rápida, como se quisessem se livrar logo de um estorvo – mas depois foi ficando bem animadora. Primeiro teve a vitória de Ennio Morricone pela trilha sonora de OS OITO ODIADOS. O bom velhinho não estava lá e o Tarantino subiu ao palco e falou o quanto estava feliz por ter dirigido um filme com trilha de um cara que pra ele é comparado a Mozart e que não havia recebido prêmios em Hollywood e tal. Acontece que ele não fez a devida pesquisa quando disse isso e depois pegou mal. E eu que tinha gostado do discurso dele. Vacilo.

Mas o melhor mesmo estaria por vir, com a premiação de Sylvester Stallone como melhor ator coadjuvante por CREED – NASCIDO PARA LUTAR. Que maravilha ver não apenas as redes sociais comemorando o ocorrido, mas também todo mundo que estava no teatro, aplaudindo-o de pé. Muito bom ver o cara que criou Rocky ser novamente reconhecido em uma premiação de grande repercussão e mostrando que ele e seu personagem são muito queridos.

E como a noite foi dos atores, houve espaço também para mais um Globo de Ouro para Leonardo DiCaprio, pela sua atuação em O REGRESSO, de Iñarritu, o grande vencedor da noite, e um prêmio especial, o Cecil B. De Mille, para Denzel Washington, que fez questão de levar a família para o evento. O clipe com os trabalhos dele lembra o quão bom o cara é e há quanto tempo ele vem prestando ótimos serviços ao cinema – desde os anos 1980.

Entre as novidades da noite, a mais interessante foi o prêmio de melhor atriz (drama) para Brie Larson, por O QUARTO DE JACK. Como pouca gente conhecia a moça, muitos, como eu, tiveram a mesma impressão: “que moça linda”. E de fato é. E como disse Rubinho: “nasce uma estrela”. Isso lembrou muito o que ocorreu na época em que Jennifer Lawrence surgiu, com um filme pequeno. J. Law, aliás, ganhou de novo, por JOY – O NOME DO SUCESSO, embora dessa vez ela não tenha sido tão bem recebida. Pra mim, ela merece tudo e mais um pouco. E eu nem vi JOY ainda...

Quanto às premiações da televisão, é curioso como de vez em quando aparecem algumas séries que a gente nem ouviu falar direito e que chegam ganhando prêmios, como foi o caso de MOZART IN THE JUNGLE, que ganhou o prêmio de melhor série – comédia musical e também o de melhor ator – comédia/musical (Gael García Bernal). Acho que está havendo uma espécie de crise de popularização das comédias americanas. Mas posso estar errado.

A série mais quente do ano, felizmente, não foi esquecida. MR. ROBOT ganhou na categoria de melhor série – drama e também o de melhor ator coadjuvante para Christian Slater, que está de volta aos holofotes. Lamenta-se apenas a esnobada que deram à excelente segunda temporada de FARGO, mas isso faz parte.

Pra encerrar, falemos um pouco do apresentador. Ricky Gervais é ótimo e tal, mas ele parecia muito desinteressado, até por já ter sido apresentador outras vezes. E aí entram caras como Will Ferrell, que nem precisa falar para fazer a gente rir, mas principalmente Jim Carrey, que chega para entregar um prêmio e dá um show, fazendo com que a gente nem queira mais saber de Golden Globes, mas de um espetáculo só com ele. Ah, e quanto ao Gervais, talvez o melhor momento tenha sido o atrito (de brincadeira) com Mel Gibson. Aliás, que bom rever o Mel Gibson. Talvez sua aparição seja o recomeço de sua volta a Hollywood. E Gibson nos lembra mais uma vez que a cerimônia deste ano foi mesmo dedicada à ala masculina do cinema.



Prêmios da noite

Cinema

Melhor Filme (Drama): O REGRESSO
Melhor Filme (Comédia/Musical): PERDIDO EM MARTE
Melhor Direção: Alejandro González Iñarritu (O REGRESSO)
Melhor Ator (Drama): Leonardo DiCaprio (O REGRESSO)
Melhor Ator (Comédia/Musical): Matt Damon (PERDIDO EM MARTE)
Melhor Atriz (Drama): Brie Larson (O QUARTO DE JACK)
Melhor Atriz (Comédia/Musical): Jennifer Lawrence (JOY – O NOME DO SUCESSO)
Melhor Ator Coadjuvante: Sylvester Stallone (CREED – NASCIDO PARA LUTAR)
Melhor Atriz Coadjuvante: Kate Winslet (STEVE JOBS)
Melhor Roteiro: Aaron Sorkin (STEVE JOBS)
Melhor Trilha Sonora: Ennio Morricone (OS OITO ODIADOS)
Melhor Canção Original: "Writing’s on the Wall" (007 CONTRA SPECTRE)
Melhor Animação: DIVERTIDA MENTE
Melhor Filme Estrangeiro: O FILHO DE SAUL (Hungria)

Televisão

Melhor Série (Drama): MR. ROBOT
Melhor Série (Comédia/Musical): MOZART IN THE JUNGLE
Melhor Minissérie ou Telefilme: WOLF HALL
Melhor Ator de Série (Drama): Jon Hamm (MAD MEN)
Melhor Ator de Série (Comédia): Gael García Bernal (MOZART IN THE JUNGLE)
Melhor Ator em Minissérie ou Telefilme: Oscar Isaac (SHOW ME A HERO)
Melhor Atriz de Série (Drama): Taraji P. Henson (EMPIRE)
Melhor Atriz de Série (Comédia): Rachel Bloom (CRAZY EX-GIRLFRIEND)
Melhor Atriz em Minissérie ou Telefilme: Lady Gaga (AMERICAN HORROR STORY: HOTEL) 
Melhor Ator Coadjuvante em Série, Minissérie ou Telefilme: Christian Slater (MR. ROBOT)
Melhor Atriz Coadjuvante em Série, Minissérie ou Telefilme: Maura Tierney (THE AFFAIR)


domingo, janeiro 10, 2016

TRÊS DOCUMENTÁRIOS BIOGRÁFICOS



Nesta semana que esta terminando, coincidência ou não, vi três documentários biográficos sobre a vida de três artistas: dois astros de cinema e uma cantora. São histórias que naturalmente trazem os momentos de ápice e alegria na vida dessas pessoas, mas também as suas angústias e os momentos mais atribulados. São justamente esses momentos de maior sobrecarga emocional que tornam essas obras impactantes. Também há nesses filmes uma vontade, uma tendência em contar a história pelas palavras dos próprios biografados. Falemos um pouco dos três – o primeiro deles está em cartaz em algumas praças do Brasil, inclusive.

EU SOU INGRID BERGMAN (Jag Är Ingrid)

Muito provavelmente EU SOU INGRID BERGMAN (2015), de Stig Björkman, é um filme mais direcionado a fãs de cinema e mais especificamente a apreciadores do trabalho desta linda e singular mulher que ficou muito famosa por causa de Hollywood, mas que deixou sua marca em outras cinematografias também. O filme é narrado a partir de um diário da própria Ingrid e de cartas que ela escreveu. Alicia Vikander lê os documentos. O filme traça um painel da vida de Ingrid Bergman desde sua infância, quando ora pela vida de seu pai, e depois, quando vários familiares seus morrem num mesmo ano, passando por sua vontade de ser atriz de cinema, a vida em Hollywood, os amores, o jeito como ela abandona a família para ficar com o novo amor, como aconteceu com o cineasta italiano Roberto Rossellini, e há também alguns depoimentos de familiares, como as filhas. A primeira filha, do primeiro casamento, é a que demonstra mais mágoa por ter sido deixada de lado pela mãe. Sentimos sua frustração, associada ao amor que ela sentia e o quanto ela gostaria de estar mais perto de Ingrid. É também um belo passeio pelos trabalhos que ela realizou no cinema, tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos. E vemos o quanto ela foi corajosa e à frente de sua época, ao encarar uma sociedade tão moralista quanto a americana, especificamente. Mas acho que o que mais vai ficar na memória é a da jovem Ingrid feliz da vida quando chega aos Estados Unidos. E é lindo ver suas participações em filmes como CASABLANCA, À MEIA LUZ, OS SINOS DE SANTA MARIA, INTERLÚDIO, STROMBOLI, ESTRANHAS COISAS DE PARIS, SONATA DE OUTONO, entre outros.

WHAT HAPPENED, MISS SIMONE?

Este documentário realizado pelo Netflix, apesar de aproveitar muito de uma entrevista dada por Nina Simone sobre sua vida e sua obra, tem uma estrutura bem comum, e por isso vai ficando melhor quando a vida da cantora vira de cabeça pra baixo, especialmente a partir do momento em que ela passa a ser uma espécie de porta-voz dos negros durante a luta pelos direitos civis na década de 1960 nos Estados Unidos. WHAT HAPPENED, MISS SIMONE? (2015), de Liz Garbus, me apresentou facetas da cantora que eu não conhecia. Na verdade, apesar de admirar a sua música desde os anos 1990, quando a descobri, nunca tive muita curiosidade de saber sobre a sua vida. Então, tudo o que foi mostrado foi novidade pra mim. E eu fiquei impressionado com muita coisa, como a questão do marido e empresário dominador, a relação forte com Martin Luther King e com todas as pessoas que lutavam por uma igualdade nos Estados Unidos entre negros e brancos, e seu temperamento, que depois saberíamos que se tratava de uma doença que seria depois diagnosticada. Muito triste o momento de decadência da cantora e também ver o quanto a luta política atrapalhou sua evolução como cantora, embora tenha tornado sua história de vida especial. E o filme tem um monte de canções lindas interpretadas por ela. Enfim, pra quem gosta dela é uma beleza; pra quem não a conhece, também pode ser bem interessante.

A VERDADE SOBRE MARLON BRANDO (Listen to Me Marlon)

Sabia de algumas coisas da vida de Marlon Brando mostradas neste documentário que saiu direto em DVD no Brasil, mas também aprendi muito sobre ele. A VERDADE SOBRE MARLON BRANDO (2015, foto), de Stevan Riley, tem o forte mérito de contar com gravações inéditas em áudio do próprio ator, o que dá muita credibilidade para as imagens que são costuradas na edição final. O que eu não sabia de Brando era o quanto ele não gostava de atuar. Para ele, era mais ou menos como uma espécie de prostituição, ele só fazia porque precisava de dinheiro e por isso passou a cobrar cachês milionários, como em APOCALYPSE NOW ou SUPERMAN – O FILME, que ele chamou de um filme bobo. Também ficou bastante chateado com o diretor Bernardo Bertolucci, que arrancou coisas de sua própria vida para compor o personagem de ÚLTIMO TANGO EM PARIS. Enfim, o que há de mais feliz mesmo é o início, quando ele ingressa em Hollywood nos anos 1950 e foi uma referência tão forte para aquela geração que alguns perguntavam: existiria Elvis Presley sem Marlon Brando? Também é muito feliz a sua relação com o Taiti. O ponto fraco do filme é o andamento um pouco lento ou irregular. A coisa vai ficando mais interessante quando a vida do ator vai ganhando contornos trágicos, especialmente com o que acontece com seus dois filhos. É de arrepiar mesmo. Devastador. Se o documentarista quisesse, poderia prolongar esses momentos e fazer muita gente chorar. Mas tudo é passado de maneira muito pontual. Ainda assim, muito bom ter visto esse trabalho e entrar em contato com o lado mais pessoal e humano de Brando. E depois ver o quanto O PODEROSO CHEFÃO foi especial para ele, e, no final da carreira, quando ele já estava lutando contra obesidade mórbida, perceber que ele passou a admirar e valorizar o trabalho do ator.

sábado, janeiro 09, 2016

CONQUISTA SANGRENTA (Flesh+Blood)



Interessante rever CONQUISTA SANGRENTA (1985), filme que trazia uma linda e jovem Jennifer Jason Leigh em um papel que, de certa forma, lembra a mulher refém de um grupo de homens de OS OITO ODIADOS, de o novo trabalho de Tarantino, realizado 30 anos depois. Aliás, ambos os cineastas têm algo em comum: o gosto por sangue em seus filmes, embora Paul Verhoeven não tenha nenhum pudor em mostrar de forma escancarada o sexo. Além do mais, a violência nos filmes de Tarantino é mostrada de forma propositalmente exagerada, anti-natural.

Minha lembrança de CONQUISTA SANGRENTA é muito feliz. Tinha visto o filme na televisão há muitos anos e tinha uma especial recordação pela cena da banheira, quando os personagens de Rutger Hauer e Jennifer Jason Lee fazem sexo pela primeira vez – o estupro coletivo não conta. Aliás, raramente um filme hoje teria a coragem de colocar uma cena de estupro tão incômoda. E o pior: havia, sim, uma intenção de excitar a audiência. É algo tratado como um fetiche até.

Sabe-se que CONQUISTA SANGRENTA foi um dos vários filmes medievais que nasceram a partir do sucesso de CONAN, O BÁRBARO, de John Millius. Então, o holandês maluco Verhoeven, que tinha feito uns trabalhos impressionantes (e excelentes) em seu país natal, foi convidado para esta superprodução da MGM, feita com dinheiro americano, espanhol e holandês.

Apesar da interferência dos produtores e da briga que o diretor teve com seu então ator preferido Rutger Hauer durante as filmagens, o trabalho é impressionante até hoje, tendo envelhecido muito pouco. Na época, creio, a crueldade e a violência eram muito mais impactantes. Mas tudo o mais é muito envolvente e o momento da peste negra invadindo o grupo de Martin (Hauer) segue sendo bastante intenso e marcante.

Na lista de personagens, o destaque vai mesmo a jovem Agnes (Leigh) que iria se tornar princesa, ou algo do tipo, mas que é capturada pelo bando de Martin e que, para sobreviver e não virar saco de pancada do grupo, acaba por fingir interesse pelo líder Martin - ou teria ela uma atração por ele, de fato? Depois de perder a virgindade numa espécie de ritual macabro de estupro coletivo, ela ajuda a gangue de Martin a adentrar um castelo e matar os habitantes e tomar posse do lugar. O filme também não deixa de mostrar o aspecto religioso/supersticioso vigente na época, sendo a estátua São Martin o exemplo mais representativo.

Ver CONQUISTA SANGRENTA ajuda também a matar a saudade do cinema de Paul Verhoeven, cujo último filme foi o média-metragem STEEKSPEL (2012), mas cujo último trabalho para cinema foi a obra-prima A ESPIÃ (2006). Quer dizer, já são dez anos sem Verhoeven na telona. Felizmente o holandês maluco estará de volta este ano com ELLE, uma produção franco-germânica estrelada por Isabelle Huppert, deste já um dos filmes mais aguardados de 2016.

sexta-feira, janeiro 08, 2016

SPOTLIGHT – SEGREDOS REVELADOS (Spotlight)



A temporada de premiações está mais quente do que nunca e alguns dos principais filmes desse período estão começando a chegar neste início do ano. Um dos primeiros deles é SPOTLIGHT – SEGREDOS REVELADOS (2015), de Tom McCarthy, uma obra que entra em sintonia com os dias atuais de revelação de esquemas de corrupção em grandes corporações e no Governo e também em revelações pessoais em redes sociais, de gente confessando sua própria experiência de ter sido abusada sexualmente na infância ou na adolescência.

O caso aqui é um pouco mais delicado, já que envolve a Igreja Católica e um número alarmante de ocorrências de padres que abusaram sexualmente de crianças em suas paróquias. O filme foca a atenção no trabalho investigativo de um grupo de repórteres do jornal The Boston Globe, conhecido como Spotlight. A investigação começa a partir da chegada de um novo editor para o jornal, um homem que pede ao pequeno grupo de jornalistas investigativos que interrompa sua atual investigação para focar no caso de abuso sexual de um padre local, um caso que foi devidamente abafado pela Igreja.

De um único padre a investigação passou a ganhar proporções assustadoramente grandes com o surgimento de novas evidências, de novos casos envolvendo outros sacerdotes e novas vítimas, inclusive um grupo de pessoas (homens e mulheres) que foram abusadas na infância e que só têm a outras pessoas que também passaram pela mesma situação para falar sobre o assunto.

O Catolicismo, segundo pesquisa do Pew Research Center de 2008, possui 23,9%, de adeptos nos Estados Unidos, um número bastante expressivo em um país de maioria Protestante. Portanto, Hollywood, ao trazer um filme desses à tona, arrisca-se a ganhar inimigos. Embora não esteja trazendo nenhuma novidade, a recriação de um caso divulgado há mais de dez anos por um meio de comunicação com um maior alcance mundial, o cinema, pode prejudicar ainda mais a reputação de uma instituição religiosa de quase dois mil anos. Mas, segundo a Bíblia, a verdade liberta, não é?

Quanto às qualidades fílmicas de SPOTLIGHT, trata-se de um trabalho feito com um rigor admirável. A fotografia, de Masanobu Takayanagi, tem um trabalho de profundidade de campo dentro do ambiente de trabalho, o escritório do jornal, admirável, e os outros aspectos técnicos relacionadas (cenografia, figurino etc.) também não ficam atrás. É tudo muito discreto e sóbrio, mas também feito com um compromisso estético bem elegante, lembrando alguns filmes políticos e ligados ao jornalismo da década de 1970, como TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE, de Alan J. Pakula, e REDE DE INTRIGAS, de Sidney Lumet, com direito a toda uma carga de urgência e suspense que obras como essa requerem.

O elenco, formado por artistas de peso como Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams, Liev Schreiber, John Slattery e Brian d’Arcy James, compõe uma equipe de jornalistas que sacrificam a sua vida pessoal por amor ao trabalho, pela obsessão pela história bombástica a ser contada. Curioso como os cônjuges dos jornalistas não aparecem ou aparecem apenas em uma ponta. O filme também constitui um alerta para os novos tempos, em que jornais estão fechando as portas ou demitindo em massa por causa da internet, que muito raramente bancaria um tipo de investigação como essa, que requer meses de pesquisa e aprofundamento.

Portanto, SPOTLIGHT tem essas duas funções: o de filme-denúncia, mas também o de filme-homenagem, uma homenagem ao estilo de jornalismo old school e às pessoas que o fazem/faziam. Como filme-denúncia, porém, é que deixa a sua marca mais forte, ao mostrar uma instituição religiosa como uma espécie de máfia, capaz de esconder todas as fontes, comprar advogados, ou oferecer altas somas em dinheiro às vítimas.

SPOTLIGHT foi indicado ao Globo de Ouro nas categorias de filme (drama), direção e roteiro.

quarta-feira, janeiro 06, 2016

QUATRO FILMES INDIGESTOS



Dizer que um filme é indigesto é geralmente dizer que um filme é ruim. É o caso de minha percepção destes quatro exemplares. Alguns deles são considerados ótimos por críticos de respeito e publicações de renome. No entanto, eles estão aí mais pelo fato de eu pessoalmente não ter gostado. Em poucas palavras, vamos a eles.

MOMMY

Foi o meu primeiro filme de Xavier Dolan, o jovem cineasta canadense que tem agradado a alguns, mas que tem feito também muitos inimigos. Com MOMMY (2014), eu lembro de ter saído do cinema sem saber direito o que tinha achado, só que eu tinha tanta raiva daquele moleque que eu seria capaz de esganá-lo. Sei que isso não é coisa que se diga, mas tomemos o caso do belo DE CABEÇA ERGUIDA, de Emmanuelle Bercot, que trata de um assunto similar, ou seja, de um adolescente com problemas de se relacionar com o mundo. O garoto do filme de Bercot comete coisas mais horríveis que o garoto-problema de Dolan, mas o segundo rapaz não é abandonado pela mãe, que faz de tudo para manter aquele rapaz selvagem em casa. Uma das características marcantes em MOMMY é a janela 1:1 para forçar um sentimento de claustrofobia e depois passar uma impressão de abertura com uma famosa canção pop. A brincadeira com a janela não deixa de ser divertida, mas o problema é que o menino é impulsivo e insuportável o tempo todo (seja na alegria, seja na raiva), não há trégua, não há tempo para respirar e o filme acaba numa espécie de monotonia do exagero e do histerismo.

A GANGUE (Plemya)

Um filme ucraniano totalmente falado em linguagem de sinais de surdos (e sem legendas) não deixa de ser interessante, não é mesmo? O problema é que A GANGUE (2014, foto), de Miroslav Slaboshpitsky, é daqueles filmes apelativos, que se encaminham para a violência gráfica a fim de chocar a plateia. E sem o charme das produções autenticamente exploitation, já que A GANGUE quer ser também um filme de arte respeitado. Na trama, um jovem protagonista ingressa numa turma do mal e vai galgando até se tornar um dos líderes. Há uma cena que é mesmo de causar muita aflição, envolvendo um aborto. E é provavelmente a melhor cena desse filme que se estende além do que deveria e que causa mais incômodo pelo tédio na maior parte de sua metragem do que por ser ousado.

À BEIRA MAR (By the Sea)

Angelina Jolie quer assumir o posto de doutora em direção de filmes ruins. Num mesmo ano, tivemos a “honra” de assistir o drama de guerra INVENCÍVEL (2014) e agora nos vemos diante de uma trama mais intimista sobre a crise de um casal em À BEIRA MAR (2015). Desta vez, Jolie também atua, e ao lado do marido, Brad Pitt. Os dois são um casal de americanos que passa uma temporada em uma pequena cidade da costa francesa. A intenção para ele é conseguir inspiração para o novo livro; para ela é sair da depressão e da estagnação de seu casamento aparentemente falido. O que pode salvar o casamento é ao mesmo tempo aquilo que pode matar: um casal de vizinhos mais jovens em lua de mel. Entre os dois quartos há um pequeno buraco em que é possível ver a intimidade desses jovens cheios de energia e amor para dar. Se uma coisa positiva podemos dizer de À BEIRA MAR é que Angelina consegue mesmo nos deixar cansados e angustiados, doidos para que aquilo tudo termine. Eu não considero isso exatamente uma qualidade, mas até que À BEIRA MAR é uma evolução em relação aos dois anteriores da diretora.

A VERY MURRAY CHRISTMAS

Se não fosse o nome de Sofia Coppola na direção e a duração ser menor que uma hora eu certamente teria largado este A VERY MURRAY CHRISTMAS (2015) logo no começo. Trata-se de um especial de Natal com músicas cantadas por Bill Murray e convidados, todos em situação constrangedora. E ficamos também constrangidos. Até tem algo de semelhante ao que a diretora trabalha em seus longas, como a questão de um personagem se sentir deslocado, mas isso não chega a ser um grande mérito diante de uma experiência tão chata. Mesmo as participações especiais de gente famosa no elenco não ajudam e só tornam a coisa parecida com um mero capricho da diretora em fazer o que lhe der na telha, mesmo quando não há boa ideia. Curiosamente, a parte menos constrangedora é a cantada por Miley Cyrus. Provavelmente não avisaram pra ela que não era pra cantar direitinho e aí ela destoa de todo o conjunto.

terça-feira, janeiro 05, 2016

AS DEUSAS



Há algo de muito pouco palpável em AS DEUSAS (1972). É como se o filme fosse feito de uma matéria próxima daquela que é feita o sonho, sem o peso da materialidade de um cinema mais físico. Poderíamos dizer isso da obra completa de Walter Hugo Khouri, mas talvez em AS DEUSAS esta impressão se instale de maneira mais forte. Havia visto o filme em 2005 em uma gravação do Canal Brasil, mas na revisão é como se eu estivesse vendo um filme inédito. O que se fez da memória daquela primeira vez?

E a riqueza de rever o filme se reforça quando o revemos imediatamente, já que AS DEUSAS se inicia com cortes rápidos de cenas que serão vistas ao longo da narrativa. A mão tocando o tronco da árvore, o olho do coelho assustado, uma mulher loira tomando banho nua no rio, uma escada, as árvores vistas de baixo em tom ameaçador, o nome "Anima", presente na casa em que nossos três personagens ficarão durante um tempo.

Cada elemento em cena tem uma importância toda especial, como a árvore gigante cujos caules se expandem para todos os lados assim que Angela (Lilian Lemmertz) e Paulo (Mario Benvenuti) adentram à casa grande e vazia que lhes foi oferecida como abrigo pela psiquiatra de Angela, Ana, interpretada por uma lindíssima Kate Hansen. A casa e a natureza ao redor seria uma forma de diminuir as crises de depressão de sua paciente.

Curiosamente, porém, a natureza, quando surge nos filmes de Khouri não oferece necessariamente alívio para as angústias da alma. É só lembrar de O ANJO DA NOITE (1974), AS FILHAS DO FOGO (1978) e AMOR VORAZ (1984), justamente os três filmes de horror do diretor. É como se fugir do ambiente urbano se mostrasse ainda pior. A dor na alma se transforma em medo ou algo próximo disso, algo que a mente nem sabe bem distinguir.

Se há uma série de Marcelos em vários filmes centrados em figuras masculinas na obra de Khouri, há também a sua cota de Anas. A Ana de Kate Hansen é uma mulher insegura diante do próprio ofício e da dificuldade em tratar aquela paciente que parece incurável. Ao mesmo tempo, Angela é também fascinante, como o marido afirma em determinado momento, quando complementa que esse é um dos motivos de ele querer continuar com ela, amá-la. Paulo representa também a figura do predador, que é tão comum de encontrar nos trabalhos de Khouri. Tão predador quanto os mais sombrios Marcelos.

AS DEUSAS é também o filme que melhor trabalha o olhar, em closes cheios de intensidade. Como esquecer a primeira vez que Ana chega na casa e a imagem se alterna entre o seu rosto e o rosto de Angela? É como se elas fossem uma só, a morena e a loira, como duplos de filmes de Hitchcock e De Palma, ou como as mulheres de PERSONA, de Ingmar Bergman, a referência mais explícita tanto em AS DEUSAS quanto em AMOR VORAZ. Mas que ainda se manifesta de maneira mais forte neste filme de 1972.

A música de Rogerio Duprat com trechos da Fantasia em Ré Menor de Mozart é de uma beleza ímpar e fantasmagórica. Duprat está para Khouri assim como Badalamenti está para Lynch. Os dois se complementam de uma maneira quase indissociável. Os tons dissonantes do piano de Duprat ajudam a compor o clima de angústia e incômodo crescentes ao longo da narrativa.

Quanto ao sexo, elemento tão presente na obra khouriana, ele, mais uma vez, é tanto uma válvula de escape para a alma, como na cena de sexo a três pós-bebedeira, quanto um elemento desconfortável, como na invasão de Paulo ao quarto de Ana. A reação dela passa um misto de aceitação, vontade e negação, o que pressupõe um estupro. Tudo fica nessa linha tênue entre o prazer e a dor. Ana é pega como um coelho na armadilha daquele casal.

Mas uma das coisas mais impressionantes de AS DEUSAS é não dar explicações sobre suas significações, sobre as intenções dos personagens e, com poucas linhas de diálogo, traçar uma narrativa a partir de olhares, de enquadramentos, de silêncios incômodos, de simbolismos, de ambientes opressores e de um anseio contagiante.

segunda-feira, janeiro 04, 2016

PÁSSARO BRANCO NA NEVASCA (White Bird in a Blizzard)



É uma raridade os filmes de Gregg Araki estrearem no circuito local. O último – e muito provavelmente único a entrar em cartaz em Fortaleza foi MISTÉRIOS DA CARNE (2004). Sendo o único filme visto, ainda que muito bom, não foi o suficiente para me deixar interessado a ponto de acompanhar a filmografia do diretor por outros meios. Assim, o meu caminho para chegar a PÁSSARO BRANCO NA NEVASCA (2014) foi através da vitrine de um fórum de compartilhamento de filmes e também pelo fato de ser um título que figura em algumas listas individuais de melhores do ano.

De fato, trata-se de um trabalho que merece a atenção, tanto pelo ar de mistério que carrega, quanto pela carga erótica. Este segundo elemento, pelo menos, parece ser algo comum na filmografia de Araki, que também tem uma especial predileção pelo universo dos jovens. PÁSSARO BRANCO NA NEVASCA traz uma cena de sexo – ou de preliminar de sexo, melhor dizendo – que é muito mais excitante que qualquer coisa feita no cinema mainstream recente. Trata-se da cena da visita de Kat (Shailene Woodley) ao apartamento de um policial.

Na trama, que se inicia no ano de 1988, Kat é uma jovem de 17 anos que convive com um mistério: o desaparecimento da mãe (Eva Green), que não era exatamente um exemplo de mulher carinhosa, nem com o marido, nem com ela, mas era a sua mãe, de certa forma um modelo. Através de pequenos flashbacks somos apresentados um pouco mais a essa mulher misteriosa e ao modo como ela se relacionava com a filha e o marido, bem como às suas frustrações, por não ser feliz no casamento e ter inveja do vicejar da filha, que namora o vizinho (Shiloh Fernandez).

O fato de o filme trazer cenas de nudez e sexo com uma atriz que é hoje mais conhecida por uma série juvenil (DIVERGENTE e suas sequências) não deixa de passar um ar um tanto transgressor, embora PÁSSARO BRANCO tenha sido lançado meses antes de sua série distópica e também de outro sucesso entre os jovens, A CULPA É DAS ESTRELAS, o que só mostra a versatilidade de Shailene ao transitar por trabalhos tão distintos.

Mas o legal de PÁSSARO BRANCO NA NEVASCA é que esse elemento erótico não eclipsa o aspecto sombrio e misterioso do filme, já que com frequência Kat sonha com a mãe, geralmente pedindo ajuda a ela. Chega um momento que o espectador descobre o que aconteceu com a personagem de Eva Green, mas isso já é mais perto do fim. E outro ponto positivo do filme é que mesmo esse fim foge do caminho que um thriller convencional seguiria. Mais um motivo para prestar mais atenção nas obras de Gregg Araki.

domingo, janeiro 03, 2016

OS OITO ODIADOS (The Hateful Eight)



A teoria de que Quentin Tarantino teria sido prejudicado bastante com a morte da montadora Sally Menke, que trabalhou com o cineasta de CÃES DE ALUGUEL (1992) a BASTARDOS INGLÓRIOS (2009), ganha ainda mais força neste novo filme, OS OITO ODIADOS (2015), que possui uma metragem de quase três horas de duração. Desde DJANGO LIVRE (2012), seu trabalho anterior, Tarantino vem trabalhando com o menos talentoso Fred Raskin (franquia VELOZES E FURIOSOS) na montagem.

Vale lembrar também que desde CÃES DE ALUGUEL Tarantino faz uma espécie de prova de fidelidade do espectador. Os mais impacientes, por exemplo, não devem gostar nada de tanto falatório que precede a ação e a violência que viria a seguir. A diferença é que em OS OITO ODIADOS (2015) tantos diálogos nem sempre resultam divertidos ou tensos.

Os primeiros capítulos, por exemplo, se passam dentro de uma carruagem que leva quatro pessoas: dois caçadores de recompensas, o Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson) e John Ruth (Kurt Russell), uma mulher levada para a forca, Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), e um homem que afirma ser o novo xerife de Red Rock (Walton Goggins).

O ódio de classe e cor já começa a partir da conversa dessas quatro pessoas no norte dos Estados Unidos, alguns anos após o fim da Guerra Civil Americana. Lembra um pouco NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS, de John Ford, ao juntar um grupo heterogêneo de pessoas em um pequeno espaço, mas aqui temos um elemento negro e forte, vivido por Jackson. A mulher, por sua vez, é todo o tempo lembrada que não é nenhuma dama, é uma assassina, uma vadia, e que deve ser tratada na porrada, ainda que sua vida deva ser conservada para que seja devidamente enforcada.

O curioso de OS OITO ODIADOS é que a insistência de Tarantino em usar o glorioso Ultra Panavision 70 não é para mostrar lindas imagens em planos gerais de exteriores, já que a maior parte do filme se passa dentro de um armazém, que é onde os quatro primeiros personagens encontram os outros quatro. Mas embora o roteiro servisse muito bem se aplicado em uma peça de teatro, Tarantino não nos deixa em nenhum momento esquecermos que estamos vendo um filme, seja pelo movimento da câmera, pelo ajuste de foco, ou pela inclusão de um narrador inesperado, que serve tanto para nos lembrar da graça de Tarantino em brincar com o tempo da narrativa, quanto para enfatizar o clima de mistério à Agatha Christie que movimenta o capítulo final.

Como o nome de Tarantino ainda é quente, nem mesmo um trailer pouco atraente como o de OS OITO ODIADOS afastou o público, que têm lotado as sessões neste período de pré-estreia. A coragem do cineasta em exagerar no tempo dos diálogos é diretamente proporcional à fidelidade de seus fãs, que aplaudem o novo trabalho, embora possa admitir que se trata de seu filme menos brilhante, embora seja, no papel e na produção, muito ambicioso, especialmente se compararmos com o naturalmente mais despretensioso À PROVA DE MORTE (2007).

Quanto ao tradicional uso da violência, os fãs podem ficar tranquilos: ela está bastante presente, ainda que demore para explodir em um banho de sangue digno de filmes de horror com muito gore. E talvez seja essa demora que atrapalhe um pouco a eficiência do filme em deixar o espectador tenso ou minimamente preocupado com qualquer um daqueles personagens, como acontece, por exemplo, na cena da cabana em BASTARDOS INGLÓRIOS ou na cena do jantar em DJANGO LIVRE. Pode parecer bobagem, mas apegar-se a determinados personagens ou construir personagens com um grau elevado de maldade ajuda e muito a estreitar a ligação entre filme e espectador.

Assim, o que acontece em OS OITO ODIADOS é que o espectador mantém um olhar distante, embora não saiba de tudo e também esteja tão sujeito às surpresas quanto alguns personagens. O distanciamento e a facilidade em perceber repetições de estilo e autocitações fazem do ato de ver o novo trabalho de Tarantino uma atividade mais fria e racional do que estávamos acostumados. E talvez do que intencionaria o próprio diretor, o que não é um bom sinal.

sábado, janeiro 02, 2016

VAI QUE DÁ CERTO 2



Há algo de estranho em VAI QUE DÁ CERTO 2 (2015). A sequência do sucesso de 2013 optou por um registro menos cômico e um pouco mais sombrio, ficando a dúvida se isso ocorreu acidentalmente ou de forma deliberada. O fato é que temos um filme curioso, com personagens que aprendemos a gostar na produção anterior e que continuam levando a vida com as mesmas dificuldades de antes, lamentando o fato de não conseguirem o tão sonhado dinheiro.

O personagem mais centrado é Rodrigo (Danton Mello), que logo no começo do filme está em um casamento com Jaqueline (Natália Lage). A moça é tão encantadora que os seus três amigos patetas, Amaral (Fábio Porchat), Tonico (Felipe Abib) e Danilo (Lúcio Mauro Filho), ficam secando e torcendo para que tenham um dia uma chance com ela também. Coisa de gente sem noção ou de gente sincera e que fala o que realmente sente?

A nova chance de os rapazes ficarem ricos está em um vídeo comprometedor que traz um sujeito que quer dar o golpe do baú em uma mulher mais velha. Vladimir Brichta interpreta esse sujeito. E o tal vídeo pode por fim ao seu casamento e a sua chance de enriquecer. Acontece que outras pessoas estão também interessadas no vídeo e no quanto isso pode lucrar para elas, como é o caso de dois policiais corruptos e de uma prima de Rodrigo e Danilo.

O tom grave que o filme passa a ter envolvendo o destino de um membro do grupo parece deslocado e compromete o humor já pouco presente. Por isso as sessões de VAI QUE DÁ CERTO 2 têm sido marcadas por risos amarelos, silêncio, um certo incômodo e alguma tensão, embora a tentativa de fazer graça esteja presente, mas muito raramente é eficiente. Nem mesmo Lúcio Mauro, como o avô gagá, consegue imprimir humor nas cenas em que aparece. Inclusive, há uma cena dele com a Natália Lage que muita gente pode até achar de mau gosto.

Ainda assim, a série de situações envolvendo uma sacola de dinheiro escondida funciona como motor para que o filme siga mantendo o interesse do público até o final. Maurício Farias, agora com Calvito Leal coassinando a direção,  embora tenha entregado um trabalho fragmentado, demonstra relativa confiança na arte de narrar, até por toda a bagagem que tem com filmes, minisséries, séries e telenovelas para a Rede Globo. Curiosamente, um de seus trabalhos para cinema mais marcantes é também uma obra que vacila bastante no uso do humor, O CORONEL E O LOBISOMEM (2005).

Por isso, talvez o problema de VAI QUE DÁ CERTO 2 esteja na mão pesada do diretor, já que os rapazes têm uma boa química juntos (mesmo com a ausência de Gregório Duvivier) e a história não é ruim. Resta saber se, mesmo com esses equívocos, esta sequência consiga repetir o sucesso do original ou se ocorrerá um boca a boca negativo que prejudicará sua carreira no circuito.

sexta-feira, janeiro 01, 2016

DRUGSTORE COWBOY



Lembro da primeira vez que vi DRUGSTORE COWBOY (1989) no extinto Arte Iguatemi em companhia de minha irmã mais velha. Como o filme estreou no Brasil em 1991, deve ter sido neste ano mesmo ou no seguinte que pude testemunhar a estreia de Gus Van Sant como diretor de longas-metragens. Até então ele só era conhecido por um pequeno público de festivais. Este drama sobre viciados em drogas que assaltam farmácias nos Estados Unidos dos anos 1970 elevou de imediato o cineasta a grande revelação daquele momento e a promessa da década que viria. Promessa que se cumpriu, vale dizer.

Rever o filme hoje, sabendo da tendência de Van Sant em tratar com carinho personagens marginais, passa a impressão de que estamos vendo um novo trabalho seu. A direção é tão acertada e madura, já em sua estreia, sem falar que ele teve poucas chances de superar essa sua obra. Talvez só com ELEFANTE (2003), vários anos depois, em nova fase, na chamada "trilogia da morte", depois de dirigir uma série de trabalhos mais comerciais.

O curioso de DRUGSTORE COWBOY é que ele não carrega aquela carga de "oitentismos" tão característica em produções da época do neon. Talvez por ele já ser um diretor à frente do seu tempo, embora a direção de arte e o fato de o filme se passar nos anos 1970 já ajude bastante. Há uma preocupação em tratar a questão das drogas com seriedade, e há também uma problematização interessante, especialmente quando entra em cena o escritor William Burroughs, no papel de um padre junkie passando uma temporada numa clínica de reabilitação. Para o padre, é preciso parar de demonizar as drogas e os seus usuários.

Porém, se Bob, personagem de Matt Dillon, foi parar ali, depois de uma vida inteira dedicada ao uso de drogas, é porque algo muito sério aconteceu. E esse algo a gente acompanha até com bastante tensão em um dos momentos mais fortes do filme, quando tudo começa a dar muito errado na vida dele a ponto de ele, sendo líder da gangue, decidir cair fora, deixando inclusive a sua fiel namorada Dianne (Kelly Lynch, em estado de graça).

Também é interessante ver no elenco Heather Graham, que pra mim só ganharia visibilidade de fato no papel da sapeca moça dos patins de BOOGIE NIGHTS – PRAZER SEM LIMITES, de Paul Thomas Anderson. Também está no elenco Grace Zabriskie, que faria a mãe de Laura Palmer em TWIN PEAKS, e um jovem James Remar, que ficaria famoso na televisão, como o pai fantasma de DEXTER.

DRUGSTORE COWBOY é baseado no romance autobiográfico de James Fogle, um homem que dedicou sua vida ao uso e ao assalto de farmácias e hospitais, a fim de manter o seu vício e o seu estilo de vida, tendo sido preso, inclusive, durante o lançamento do filme. Depois de várias vezes preso pelos mesmos motivos, o escritor morreu de câncer em 2012, enquanto estava cumprindo pena em Monroe, Washington.