segunda-feira, janeiro 18, 2016
BOI NEON
Apesar de ser uma cultura bastante popular e que não existe apenas fora das capitais nordestinas, mas também junto a shows de bandas de forró, a vaquejada não é muito bem vista por certo círculo de pessoas, que veem como sendo cruel a brincadeira de laçar o boi e fazê-lo ir ao chão. De fato é, mas também não se pode negar sua existência, nem perceber o quanto se trata de um tipo de negócio que movimenta uma quantidade bem significativa de pessoas, principalmente nas cidades do interior do Nordeste.
BOI NEON (2015), o novo longa-metragem de Gabriel Mascaro, não apenas trata do assunto, mas tem a ousadia de mostrar a vida de gente que atua nos bastidores, pessoas que seriam consideradas insignificantes dentro da lógica de qualquer outro filme convencional, que costumam mostrar aquelas pessoas que agem sob os holofotes ou que têm uma história de vida mais ligada a uma trajetória de sucesso.
Mascaro inverte também a lógica de gênero, evitando mostrar um vaqueiro com os estereótipos mais comuns. O Iremar interpretado por Juliano Cazarré age nos currais, é responsável por limpar o rabo do boi e prepará-lo para os peões do espetáculo. No entanto, Iremar sonha em trabalhar com confecção, especialmente feminina. Até tem uma máquina de costuma bem simples e monta seus manequins a partir do que encontra no lixão. Iremar convive com uma mulher que também foge ao estereótipo feminino, Galega, a mãe solteira vivida por Maeve Jinkings que dirige o caminhão da trupe.
Assim como em seu trabalho anterior, VENTOS DE AGOSTO (2014), Mascaro demonstra uma obsessão pelos corpos, seja do homem ou da mulher (e no caso de BOI NEON também dos animais), e muito da força do filme vem do modo como ele visualiza esses corpos. Até porque algumas cenas podem ser consideradas fortes para determinado tipo de audiência, levando em consideração que o cinema brasileiro foi se domesticando da década de 1990, com o cinema da retomada, até os dias atuais.
Assim, de forma bastante saudável, o cineasta pernambucano põe em seu filme cenas de sexo (com direito a membro em ereção) e não hesita em mostrar uma cena com um cavalo que certamente vai dar o que falar durante e depois das sessões, até por ser também engraçada. Mas apesar de se destacar dentro da estrutura narrativa, essas cenas não são feitas com um intuito de serem sensacionalistas, mas de mostrar os corpos como algo natural, ainda que momentos íntimos, como o sexo, o banho e a depilação, sejam vistos na verdade de natureza privada.
A força de cada cena e diálogo do filme, desde as simples conversas de Iremar com a garotinha que não tem contato com o pai, seja com os outros vaqueiros colegas ou com Galega, é captada com um senso de realismo impressionante, próprio de um diretor que começou com documentários e foi tentando se libertar desse registro aos poucos, como já se podia notar em VENTOS DE AGOSTO. Em BOI NEON, Mascaro dá seu maior salto em direção ao cinema de ficção, embora as cenas que se passem dentro das vaquejadas sejam apropriações de eventos reais.
O que pode incomodar um pouco a grande audiência é a estrutura pouco convencional da narrativa, que foge ao tradicional formato "introdução-desenvolvimento-conclusão", embora esses elementos estejam sim presentes, mas de uma maneira mais moderna, por assim dizer, sem uma preocupação em fechar um ciclo na vida dos personagens, mas preferindo optar pelo recorte de determinados momentos de suas vidas, e de dar profundidade a eles, especialmente o protagonista. Difícil é não ficar encantado com cada cena do filme e com seu aspecto tão natural quanto extraordinário em captar a vida de pessoas simples.
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