quarta-feira, março 18, 2015

INSUBORDINADOS



INSUBORDINADOS (2013), de Edu Felistoque, trata do vazio da vida e a fuga através das memórias de infância e principalmente por meio da ficção, que funciona não somente para diminuir o tédio, mas também como forma de se “outrar”, de deixar de ser, nem que seja pela via da imaginação, uma pessoa com uma vida comum para ser alguém com uma vida cheia de emoções, uma delegada de polícia, no caso.

No filme, Sílvia Lourenço é Janete, uma jovem mulher que acompanha o pai em estado de coma em um hospital. Vivendo sozinha e praticamente sem sair daquele ambiente, ela passa as horas vagas escrevendo um romance policial. Nesse romance, acontecem as aventuras de Diana, delegada de polícia, sua alter-ego, e também de seus parceiros Bete, Carlão e Latrina. Aos poucos, a ficção vai se tornando mais presente tanto no filme quanto na vida de Janete.

A entrevista que abre o filme, de Janete, personagem de Sílvia Lourenço, com uma senhora que gosta de filmes de horror, dialoga com o tom geral da narrativa, com sua atmosfera, que parece mostrar a personagem numa espécie de purgatório. Lembremos que a mulher da entrevista afirma que quando morrer desejaria ficar aqui na Terra mesmo, ajudando sempre que possível àqueles que ela ama.

A cena da entrevista, inclusive, é a que mais acena para um tom documental, ao mesmo tempo em que se passa dentro do hospital. Sabemos que a primeira cena de um filme diz muito de suas intenções. Portanto, seria algo importante a se considerar neste trabalho.

Um trabalho em que a realidade e a ficção oferecem diferentes tons de interpretação também. Enquanto a vida no hospital traz uma interpretação mais naturalista, a narrativa do livro de Janete lembra alguns filmes noir, com uma voice-over que remete a romances policiais baratos e que nos apresenta ao seu alter-ego, a policial Diana, além dos demais personagens que fazem parte da série BIPOLAR (2010), exibida no Canal Brasil e na Warner, e cujas cenas foram costuradas de modo a formar SUBORDINADOS.

A solidão de Janete, no início do filme, é acentuada pelo movimento de câmera que nos distancia dela e nos apresenta à cidade de São Paulo, à noite. Por isso o vazio da vida de Janete requer essas fugas. O curioso (e ao mesmo tempo triste) é quando ela encontra uma fagulha de esperança de melhorar sua vida, como quando ela paquera com o rapaz no hospital e depois festeja a troca de olhares ao marcar um encontro de sua personagem (Diana) com uma representação desse rapaz na ficção. “A vida finalmente tava mudando de cor”, ela celebra.

Porém, o desencanto, que já havia sido antecipado pela possibilidade de o rapaz ser um procurado pela polícia, mostra o quanto ela tinha perdido as esperanças na vida. Esse, aliás, é o momento em que podemos louvar o belo trabalho de edição, uma tão difícil costura das novas cenas no hospital com cenas gravadas cinco anos atrás.

No filme, a solidão invade as personagens da ficção de Janete (Diana, Carlão e Latrina), como se ela não conseguisse fugir dela nem mesmo através da arte. Só as memórias, essas sim, garantidas, aparecem em cores, como se a felicidade estivesse apenas no passado, ao contrário do presente cinza e asséptico do hospital e da presença do pai em coma.

Repara-se que aos poucos a ficção criada por Janete vai se tornando mais interessante ao longo do filme. No início, o artificialismo parece atrapalhar um pouco o envolvimento. Depois, a narrativa policial se torna mais envolvente, ao mostrar mais a vida dos personagens em separado do que as investigações.

INSUBORDINADOS pode ser visto como o retrato do homem pós-moderno, esse ser fragmentado e solitário que busca formas de atingir um pouco de paz de espírito. O título do filme talvez remeta a esse homem pós-moderno, representado por uma jovem mulher e sua necessidade de não estar subordinada à realidade. Uma realidade que ela mesma questiona em certo momento. Seria a realidade uma coisa inventada por nós mesmos? Não deixa de ser uma pergunta interessante.

P.S.: Tive o prazer de participar de um debate após a sessão do filme, no Cinema do Dragão, com a atriz e roteirista Sílvia Lourenço, uma simpatia de pessoa.

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