sábado, setembro 04, 2021

SHANG-CHI E A LENDA DOS DEZ ANÉIS (Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings)



Em meu texto sobre O ESQUADRÃO SUICIDA, comentei sobre as diferenças de abordagem entre a Marvel/Disney e a DC/Warner. Não vou me alongar novamente nesse assunto, mas vou comentar mais uma vez sobre a necessidade de a Marvel ter mais carinho por cada filme produzido, e não por um projeto a longo prazo, tratando os títulos menores como uma mera formalidade, como algo que possa satisfazer apenas os fãs interessados na criação/ampliação de uma cronologia dentro do MCU.

Claro que é louvável se pensar no futuro e ter um grande projeto à frente. Claro que é louvável ter a coragem de fazer filmes milionários com super-heróis, super-heroínas e equipes pouco conhecidos do grande público – afinal, quem imaginaria que teríamos filmes dos Guardiões da Galáxia ou dos Eternos? E são filmes que custam muito dinheiro sempre.

SHANG-CHI E A LENDA DOS DEZ ANÉIS (2021), dirigido pelo inexpressivo Destin Daniel Cretton, traz o herói que eu conheci na infância como o Mestre do Kung Fu no mix Heróis da TV. Na minha memória turva, suas histórias não tinham tantos elementos de fantasia quanto o filme preferiu incluir. O personagem, aliás, veio ao mundo em um momento de grande popularidade dos filmes de artes marciais em todo o mundo na década de 1970,  estendendo/se para os anos 80. Eu até me lembro que havia uma sessão de filmes que passava depois do Fantástico chamada Sessão Faixa Preta, só com produções de kung fu feitas em Hong Kong. Essa sessão durou nos anos 1983-84 e ficaram lembradas pelo esticamento das imagens da janela scope dos filmes. Um horror, mas achava estranho e interessante.

Shang-Chi, o personagem chinês com as feições de Bruce Lee e que até entraria em uma ou mais formações dos Vingadores, deixou de ser tão popular nos anos 2000 ou até antes, mas já está voltando à ativa nos quadrinhos por conta do retorno aos holofotes provocado pelo provável sucesso de bilheteria do filme.

Sobre SHANG-CHI, ele empolga bastante no primeiro ato, com o protagonista (Simu Liu) trabalhando como manobrista de carros em um hotel junto com sua divertida amiga Katy (Awkwafina). Os dois são tão amigos que os pais de Katy não sabem por que não assumem logo um namoro. A melhor cena do filme acontece nesse primeiro ato, quando um sujeito quer roubar o pingente usado por Shang-Chi, que por sua vez é obrigado a revelar suas incríveis habilidades nas artes marciais. Especialmente quando entram em cena mais homens e até um outro com uma enorme lâmina no lugar do braço capaz de cortar o ônibus ao meio. Trata-se, sem dúvida, da melhor cena do filme, com um belo cuidado na coreografia.

Uma pena que as demais cenas de ação não sejam boas. As duas seguintes se passam à noite e são muito escuras. Quando Shang-Chi recebe um cartão postal da irmã, sabe que precisa voltar à China para vê-la, e sabe também que aqueles homens que o atacaram foram enviados por seu pai. E eis algo muito bom no filme, que é o fato de que seu pai, o verdadeiro Mandarim, e não aquele ridículo maluco vivido por Ben Kingsley em HOMEM DE FERRO 3, é interpretado pela lenda-viva Tony Leung. Por mais que o ator não aparente estar à vontade no papel, sua presença em cena ajuda a dar a SHANG-CHI E A LENDA DOS DEZ ANÉIS um ar de dignidade.

Além do mais, o flashback que vemos de seu encontro com a mãe de Shang-Chi (a bela Fala Chen) traz uma beleza plástica nas cenas que remetem àqueles belos filmes de artes marciais dirigidos por Zhang Yimou no início dos anos 2000, como O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS e HERÓI. Mas só um pouco, já que há o tal poder dos dez anéis usado pelo personagem de Leung é só o começo para um filme que cada vez mais se deixará levar pela fantasia.

A tal ponto que todo o terceiro ato parece um carnaval colorido de brigas de monstro com dragão e lutas sem sangue (de vez em quando rola um nariz sangrando). E há o excesso de CGI e uma trama meio estranha sobre o pai de Shang-Chi ouvir a voz da esposa, morta em um ataque inimigo muitos anos atrás. No fim das contas, pai e filho se tornam inimigos em uma grande batalha na região mágica escondida. Esse universo mágico que mais provoca bocejos e um convite ao sono é também tratado com desleixo na história. E Awkwafina segue até o fim por ser carismática e divertida, e talvez por ser o elo de ligação com o espectador dentro de sua normalidade. Além de equilibrar o pouco encanto do protagonista.

+ DOIS FILMES

CAVALO

Como não sou íntimo nem da dança nem de religiões afro, já era de se esperar que minha relação com CAVALO (2020), de Rafhael Barbosa e Werner Salles, fosse de certo distanciamento, ainda que tenha ficado bastante impressionado com a beleza plástica e a sensibilidade dos realizadores em trazer imagens arrebatadoras. Gosto demais da cena do homem sendo seguido pelo vento forte e pelas folhas das árvores e aquelas com a mulher nua no escuro, tendo seu reflexo visto na água. Lembrei bastante de SOB A PELE, de Jonathan Glazer - não sei se houve intenção de homenagear ou buscar inspiração nesse filme. Quanto às cenas de religião de matriz africana, elas me fizeram pensar no quanto são tão mais próximas da terra, sem tanta pretensão de vislumbrar o paraíso pós-vida terrena ou o nirvana. Isso se manifesta, por exemplo, no momento em que uma das professoras de dança fala aos alunos dessa característica da coreografia, parecida com uma árvore, enraizada. Há muito o que se guardar das imagens e das falas que o filme trás, embora eu tenha ficado com a impressão de que ele pudesse ser um pouco mais curto.

O EMPREGADO E O PATRÃO (El Empleado y el Patrón)
 
Drama envolvente e que ainda tem como curiosidade o fato de se passar na fronteira entre o Uruguai e o Brasil. Até podemos ver uma pessoa falando aquele português fronteiriço. O que me deixou um pouco confuso foi tentar compreender a proposta do diretor Manuel Nieto Zas, já que é muito mais fácil se identificar e simpatizar com o patrão (Nahuel Pérez Biscayart) do que com o empregado (Cristian Borges), um sujeito tão "avoado" que, pela falta de atenção, comete acidentes terríveis. Superficialmente até fica parecendo um "anti-ARÁBIA". A força do filme está num tipo de tensão sutil entre as duas famílias. A família rica também tem uma preocupação relacionada à criança, que poderia sofrer algum tipo de síndrome; já o problema do filho da família pobre se apresentará de outra natureza. É muito curiosa a cena da corrida de cavalos (que mais parece uma feira do que uma corrida) e também o tipo de relacionamento que se estabelece entre os dois homens - destaque para a cena no bordel. O EMPREGADO E O PATRÃO (2021) foi uma presença bem discreta do Brasil em Cannes (até por ser uma coprodução), mas em tempos de vacas magras, está valendo.

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