segunda-feira, novembro 15, 2021

CHEGA DE SAUDADE



Como tenho por hábito acompanhar a programação de cinema da cidade e não deixar passar alguns filmes que julgo importantes, fiquei confuso quando percebi que não havia visto ainda CHEGA DE SAUDADE (2007), que acabou se tornando o meu favorito da diretora Laís Bodanzky. E olha que eu gosto bastante dos outros três longas dela – não estou contando com PEDRO (2021), exibido na Mostra de São Paulo e ainda inédito no circuito. Enfim, como sei que o lançamento nacional foi em março/2008, alguma coisa pode ter acontecido, como o choque com o Cine Ceará ou alguma viagem que porventura eu tenha feito.

Mas não importa mais. Só pensei nisso porque trata-se de um filme com muita música e muita emoção e geralmente isso me pega de jeito numa sala de cinema, um espaço que intensifica a nossa relação com o filme. Assim como fiz questão de ir duas vezes ao cinema para ver PARAÍSO PERDIDO, de Monique Gardenberg, é bem possível que tivesse feito o mesmo com o filme de Bodanzky. Aliás, CHEGA DE SAUDADE talvez até tenha uma intensidade maior, já que se passa o tempo inteiro (exceto algumas cenas finais) dentro do salão de baile. Logo, todo o carrossel de emoções dos vários personagens parece muito mais condensado. Inclusive, lembrei de um filme recente e muito louvado de Steve McQueen, LOVERS ROCK, que fez parte do projeto SMALL AXE, que também se passa em um ambiente fechado e com muita música.

O diferencial de CHEGA DE SAUDADE é que estamos diante de personagens muito carentes, a maioria deles idosos. O salão de baile que toca Martinho da Vila, Pixinguinha, Reginaldo Rossi, Marvin Gaye, Rita Lee, Dorgival Dantas, Lulu Santos, entre outros, e tem Elza Soares e Marku Ribas no papel de crooners de uma banda, é um espaço que mais parece um paraíso, embora um paraíso também pontuado por uma série de aflições e angústias de seus personagens, que encontram na dança e na música um escape para a vida lá fora – em nenhum momento vemos alguém reclamando de falta de dinheiro, por exemplo.

Entre os dramas de destaque, temos os dois personagens mais idosos, vividos por Tônia Carrero e Leonardo Villar. Que honra para Bodanzky ter uma estrela tão importante como Tônia em seu filme, interpretando uma mulher com um problema que ela mesma já sofria, a séria perda gradual de memória. Ela e Villar são responsáveis pelo momento mais emocionante do filme. Mas temos também os personagens mais jovens. Paulo Vilhena é o rapaz que cuida do som e Maria Flor é a namorada que o acompanha e que nunca havia estado em uma festa do tipo antes. Acaba gostando muito e não se incomoda com as abordagens do mulherengo vivido por Stepan Nercessian, que a tira para dançar e a deixa muito feliz. Para ciúme da namorada do sujeito, vivida por uma encantadora Cássia Kiss. O que é aquela cena das lágrimas de Cássia ao som de “Carinhoso”?

Outra estrela que comparece em um papel de cortar o coração é Betty Faria. Para uma atriz que já foi um símbolo sexual em outras épocas, interpretar uma mulher que é rejeitada na festa não deve ser fácil. De todo modo, um papel é um papel e Betty Faria brilha como sempre. Percebe-se, então, que inevitavelmente o filme não conseguirá fugir do tema da velhice, mas o diferencial está no modo como aquelas pessoas lidam com o passar dos anos. Há um personagem que representa muito bem essa opção por preferir a diversão relativamente perigosa a ter que ficar deitado num caixão esperando a morte chegar.

O uso da câmera pertinho dos atores nos deixa quase dançando com eles, no salão, e nossa posição deixa de ser de meros espectadores, a partir dessa escolha da cineasta. O nosso voyeurismo fica tão próximo e tão pouco “seguro”, que é como se assumíssemos também a dor e o prazer de estar ali, com aqueles personagens, ouvindo a música, lembrando de um evento ou outro de nossa vida ou simplesmente esquecendo de tudo e se concentrando no agora.

Agradecimentos a Paula pela companhia durante a sessão.

+ DOIS FILMES

BOB CUSPE - NÓS NÃO GOSTAMOS DE GENTE

É impressão minha ou nosso quadrinho nacional é tão underground que mesmo os nossos maiores cartunistas e quadrinistas são pouco conhecidos de verdade pelo grande público? Lembro quando encontrava a Chiclete com Banana nas bancas, mas conheci poucos amigos que a compravam. Eu mesmo nunca adquiri um exemplar. Por isso é admirável que esses personagens - os do Angeli, os da Laerte - tenham não só sobrevivido mas se tornado de certa forma clássicos. É o caso do Bob Cuspe que envelheceu aqui como seu criador Angeli. Em BOB CUSPE - NÓS NÃO GOSTAMOS DE GENTE (2021), de Cesar Cabral, que pega emprestado características de documentário, ficamos sabendo que o personagem foi inspirado no próprio autor, em sua fase jovem. Quanto ao filme, só não me ganhou mais porque eu sou um chato e cochilo em animações e tive a impressão de que faltou um interesse maior na criação de um roteiro. Mas não deixa de ser uma alegria ver uma sala de cinema com um número de pessoas bem razoável para ver uma animação made in Brazil.

ALL TOO WELL: THE SHORT FILM

Não conheço o trabalho de Taylor Swift, mas tenho simpatia por esses projetos que usam o videoclipe e transformam em curta-metragem. Deu muito certo lá atrás com “Thriller”, do Michael Jackson. Agora é um outro momento e as pessoas, aparentemente, não ligam muito para clipes, então seria uma maneira de chamar a atenção. ALL TOO WELL: THE SHORT FILM (2021), dirigido pela própria cantora, usa a canção-tema para contar uma história de amor que acabou em separação e depois em "superação", por assim dizer. As cenas dramáticas, ainda que poucas, são boas, a música é agradável e o filminho de 15 minutos passa como se tivesse apenas cinco.

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