sábado, novembro 27, 2021

ZEROS E UNS (Zeros and Ones)



Abel Ferrara foi o diretor que eu escolhi para ser meu primeiro “parceiro” no início da pandemia do Coronavírus. Aproveitei que estava com um pouco mais de tempo disponível e pude ver praticamente toda sua filmografia disponível durante esse período. Felizmente é um cineasta muito ativo e na própria Mostra Internacional de Cinema de São Paulo tive a chance de ver mais dois filmes inéditos dele, SIBÉRIA (2019) e SPORTIN’ LIFE (2020). Sendo que esse segundo já mostrava o mundo afetado pelo vírus. Ou seja, dos grandes cineastas em atividade, Ferrara é um dos poucos a deixar registrado em filme este momento trágico e delicado em que vivemos.

ZEROS E UNS (2021) segue neste caminho, de explicitar o momento pandêmico, ainda que seja em uma ficção e não em um documentário. Aqui ele usa o momento surreal em que vivemos para criar uma espécie de sci-fi pós-apocalíptica travestida de filme de espionagem. Não deixa de ser bizarro ver Roma tão deserta. No segundo lockdown na cidade, o diretor filmou durante o toque de recolher após as nove da noite, e por isso conseguiu esse resultado. E como boa parte da trama se passa em uma única noite e Ferrara opta por usar um tipo de câmera digital de baixa resolução, isso acaba por tornar a atmosfera do filme um bocado desconfortável. 

Também é desconfortável por conta da falta de um roteiro. O diretor, em entrevista ao site The Playlist, conta que gosta de filmar, que não gosta de planejar. E isso tem transparecido em seus últimos trabalhos. Já faz um bom tempo que ele parou de trabalhar com o roteirista Nicholas St. John, seu parceiro até OS CHEFÕES (1996), mas trabalhar em Hollywood meio que o forçava a usar roteiros prévios. Agora que mora na Itália há sete anos, tem feito trabalhos mais intuitivos.

No caso de ZEROS E UNS, como se trata de um filme de espionagem, um gênero que por si só já lida com a confusão, até que combina. O senso de desorientação permeia o filme do início ao fim. E mesmo quando Ethan Hawke aparece após os créditos para contar que ele havia aceitado trabalhar sem roteiro algum, apenas confiando no diretor, ele mesmo conta que as próprias aparições dele no início e no fim do filme fazem parte do filme. Ou seja, Ferrara segue brincando com nossas percepções sobre suas obras.

Na “trama”, Hawke é ao mesmo tempo um soldado americano patrulhando a cidade e o seu irmão gêmeo, um revolucionário. O termo “revolucionário” é usado com uma certeza pelo diretor e pelo irmão soldado também. Se pensarmos nesse personagem duplo como uma espécie de alter-ego de Ferrara, podemos vê-lo como uma tentativa de apresentar tanto seu aspectos mais mundano, como também como uma espécie de mártir, disposto a morrer por seus princípios, ainda que esses princípios não tenham me parecido muito claros.

Aliás, nada no filme é muito claro e nem me refiro às imagens escuras, mas à trama em si. Ethan Hawke me pareceu meio perdido, mas pode ser só impressão minha, uma impressão de quem estava se sentindo perdido e talvez coloque os próprios sentimentos no personagem. Há também algumas citações intrigantes sobre Jesus, sobre a vida, sobre religião. Ainda que tenha se tornado budista, o catolicismo segue muito presente no espírito da obra de Ferrara.

E por mais que nem todo filme novo dele funcione para mim – TOMMASO (2019) e SPORTIN’ LIFE funcionaram bastante, enquanto SIBÉRIA e este novo nem tanto –, fico feliz em vê-lo ativo e louco para trabalhar. Atualmente o cineasta está fazendo um filme sobre o Padre Pio (ao que parece, com Shia LaBeouf), um documentário sobre Patti Smith e algo parecido com TOMMASO, sobre a vida de uma pessoa recuperada do vício nas drogas, estrelada por Asia Argento. Será que teremos três Ferraras em 2022?

+ DOIS FILMES

O SILÊNCIO DA CHUVA

Fico feliz que Daniel Filho tenha voltado a filmar com um intervalo de tempo menor entre os títulos. Achei que ele se aposentaria com a divertida comédia SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO - O FILME (2014), também estrelado por Lázaro Ramos, mas ainda tivemos uma adaptação muito boa de Nelson Rodrigues (BOCA DE OURO, 2019) e agora este policial bem amarradinho sobre a investigação em torno da morte de um homem rico. Ramos e Thalita Carauta são os investigadores da polícia civil responsáveis por desvendar o assassinato (ou seria suicídio?), que envolve traições, muita grana e a figura de um jovem ladrão. É engraçado que o filme já me ganhou no início, com o som da chuva na noite. O elenco ainda conta com gente boa como Mayara Neiva, Cláudia Abreu e Otávio Müller. Podia ter sido um filme mais inspirado, mas acho que cumpre seu papel, sem falar que é mais um título a engrossar esse movimento de trazer mais filmes policiais para nossa cinematografia. 

A PROFISSIONAL (The Protégé)

Parece ter um bom filme no meio da bagunça no roteiro e da falta de habilidade nas cenas de ação que resultaram neste A PROFISSIONAL (2021). Até fica parecendo que Martin Campbell, que outrora filmou ótimas cenas de ação em dois filmes da franquia 007 e tem no currículo o ótimo O FIM DA ESCURIDÃO (2010), ficou para trás nestes tempos de maior valorização das coreografias em detrimento de edições picotadas, como é o caso deste aqui. O fato de o filme ser vendido como uma produção do mesmo estúdio de JOHN WICK torna esse dado ainda mais evidente. No mais, há coisas no filme de que gosto, em especial a história de Anna, vivida por Maggie Q, que é resgatada quando criança após o massacre de sua família no Vietnã e agora é uma profissional treinada em lutas corporais e armas de todo tipo, graças a seu mentor (Samuel L. Jackson). O problema é que A PROFISSIONAL não funciona como filme de vingança, tem uma história meio enrolada sobre um inimigo de L. Jackson, tem o personagem interessante, mas mal desenvolvido de Michael Keaton (por que ele aparece antes de Maggie Q nos créditos, afinal?), e, por mais que tenha algumas boas cenas (gosto muito de um flashback, especificamente), o resultado é um filme tão perdido que parece envergonhado de si mesmo.

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