sexta-feira, junho 01, 2018

PARAÍSO PERDIDO

Os musicais começaram a bombar nos Estados Unidos durante o período da chamada Grande Depressão, na virada dos anos 1920 para 1930, aproveitando o advento do cinema sonoro. Ir ver um musical tinha, portanto, um simbolismo imenso: a necessidade de encontrar em uma espécie de oásis em meio a turbulência do mundo lá fora.

É assim que José, o personagem de Erasmo Carlos, proprietário da boate Paraíso Perdido, oferece àqueles que lá estão: esqueçam todos os seus problemas, esqueçam sua vida lá fora, bem-vindos ao Paraíso Perdido. Mais ou menos isso. E, de fato, o que experimentamos ao longo da duração do novo trabalho de Monique Gardenberg é mesmo o de quase duas horas de trégua da dura vida.

Não só isso: PARAÍSO PERDIDO (2018), sendo também um musical, não tem a preocupação de ser fiel no campo do naturalismo das atuações e nem de fazer sentido em sua complicada trama familiar. As cores da fotografia, o gosto pelo brega e o respeito imenso ao amor (homo ou hetero) facilitam uma identificação com o cinema de Pedro Almodóvar, mas as canções, a maioria delas classificadas por muitos como bregas, são muito brasileiras, o que torna este trabalho muito nosso.

Como não gostar de um filme que já começa com uma bela interpretação de "Impossível acreditar que perdi você", de Márcio Greyck? E a música tem até mais espaço do que a fala ao longo da narrativa. A música, além de muito querida por todos os personagens, é parte integrante e fundamental para que a experiência de ver o filme seja arrebatadora, com vários momentos de arrepiar, em especial quem não tem preconceito com canções mais populares e mais carregadas nas emoções.

Assim, há espaço para canções de Reginaldo Rossi, Odair José, Waldick Soriano, Belchior, Zé Ramalho fazendo cover de Bob Dylan, Gilliard, Roberto e Erasmo e até o jovem Johnny Hooker. As melhores interpretações são as de Julio Andrade. Talvez o melhor ator de sua geração, Andrade dá um show também na hora de subir no palco. O que dizer quando ele sobe para tocar "Não creio em mais nada", de Paulo Sérgio? É mais para sentir, talvez chorar, e se deliciar com tudo aquilo. E o respeito com todo esse material que é explorado é lindo.

Além de Andrade, há também interpretações belas de Seu Jorge (quem diria que um cantor seria passado para trás por um ator), por Jaloo, por Marjorie Estiano e pelo próprio Erasmo Carlos. Sua presença ali é mais do que simbólica. Parceiro do Rei e influência direta na formação da maioria dos cantores românticos da década de 1970, o Tremendão não precisa se esforçar para cantar bem. Basta estar lá e cantar uma das faixas.

Ele é o patriarca de uma família um pouco problemática e que comanda aquele espaço paradisíaco noturno. À família somos apresentados através do personagem do policial Odair (Lee Taylor), que é convidado para ser o guarda-costas do neto homossexual, que se apresenta travestido nos shows. Odair aceita, encantado com aquele lugar. Não demora para descobrirmos que há uma estreita ligação entre ele e aquela família.

Transbordando amor por todos os lados, PARAÍSO PERDIDO tem suas quase duas horas de música, intrigas amorosas e traumas do passado plenamente abraçados pela audiência, em uma experiência catártica poucas vezes vista no cinema brasileiro, no que se refere ao uso da música. Além de resgatar a música sentimental do passado, o trabalho mais belo de Monique Gardenberg tem uma elegância no uso dos movimentos de câmera, dos campos e contracampos tão bem usados nas cenas de apresentações na boate (destaque para a cena em que uma personagem informa estar grávida usando libras) e uma direção de arte e uma fotografia em tons quentes. Um dos melhores acontecimentos deste estranho e sombrio ano. Celebremos, portanto.

+ TRÊS FILMES

ANTES QUE EU ME ESQUEÇA

Esperava mais deste filme. Mas gosto da honestidade, do fato de não ter medo de abraçar o melodrama, mas me incomoda um pouco o humor que poucas vezes funciona. Ainda assim, para um filme sobre Alzheimer, até que é bem feel good e trabalha bem a questão da reaproximação entre pai e filho. Direção: Tiago Arakilian. Ano: 2018.

ALGUÉM COMO EU

É desses filmes que faz a gente sentir uma saudade enorme das comédias brasileiras dos anos 70/80. Até as produções para a televisão da Globo sabem explorar melhor a beleza de Paolla Oliveira. Além do mais, a própria ideia, além de parecer ruim, é pessimamente explorada. Mas gosto dos 15 minutos iniciais do filme, ao menos. Direção: Leonel Vieira. Ano: 2017.

TROPYKAOS

Acho que é um filme mais interessante do que exatamente bom. Mas não deixa de ser uma obra que fica na memória, que incomoda devido ao pesadelo do protagonista, vivendo um calor intenso. Gosto dos personagens do amigo viciado em crack e da namorada. A cena com a mãe também é muito boa. Direção: Daniel Lisboa. Ano: 2016.

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