sexta-feira, junho 18, 2021

OLÁ, MAMÃE! (Hi, Mom!)



Em OLÁ, MAMÃE (1970), Brian De Palma segue apostando nas comédias com forte influência de Jean-Luc Godard, com um senso de humor bem particular e um espírito bastante anárquico. Ainda que suas comédias não me façam rir - as vejo como uma tentativa do diretor de encontrar o seu caminho -, compreendo o sarcasmo e sua vontade de lidar com temas quentes daquele momento, como a Guerra do Vietnã e a luta dos negros por igualdade, que rende o melhor e mais antológico momento do filme, a performance "Be black, baby".

Se OLÁ, MAMÃE é uma espécie de continuação de QUEM ANDA CANTANDO NOSSAS MULHERES (1968), com a volta do personagem Jon, vivido por Robert De Niro, trata-se também de uma prévia de TAXI DRIVER, de Martin Scorsese. Há, inclusive, uma fala de De Niro/Jon que muito lembra o "you talkin' to me?” do clássico filme de 1976. Foi De Palma quem apresentou formalmente De Niro a Scorsese em uma festa de natal em 1972.

Na trama de OLÁ, MAMÃE!, de volta do Vietnã, Jon aluga um apartamento em um lugar em que é possível assistir de sua janela a vida de diversas pessoas, como em JANELA INDISCRETA, de Alfred Hitchcock. A referência ao clássico hitchcockiano é bem óbvia e explícita e antecipa o que viria em breve na filmografia de De Palma, principalmente a partir de IRMÃS DIABÓLICAS (1972). É olhando para essas janelas, e seguindo seu instinto voyeurístico que Jon decide comprar um equipamento novo para filmar as pessoas. O reencontro do personagem com Allen Garfield, o produtor de filmes pornôs de QUEM ANDA CANTANDO NOSSAS MULHERES acaba rendendo algumas cenas divertidas. É com esse produtor que ele consegue fundos para fazer o seu primeiro filme.

A ideia de Jon é não apenas filmar uma de suas vizinhas da janela, mas também conquistá-la e filmar a transa dos dois, usando um timer acoplado à câmera. Assim, ele chega ao apartamento de Judy (Jennifer Salt) dizendo estar lá por um encontro feito por computador. Não demora para que a moça resolva sair com ele, afinal, ela estava sozinha e carente e ele fazia o papel de um rapaz de bem. Os dois vão ao cinema e conversam bastante após a sessão. Ela diz que se identificou com a personagem do filme, e lembra do fato de ter sido enganada e humilhada pelo rapaz que tirou sua virgindade. Engraçado como algumas falas do filme se tornariam imagens em filmes futuros. Robert De Niro, em seguida, fala de quando flagrou sua namorada com outro, o que faz lembrar uma cena de DUBLÊ DE CORPO (1984).

A dependência da câmera - já que Jon não pode (ou não quer) transar com a moça no primeiro encontro sem que a câmera estivesse funcionando - ajuda a trazer um elemento constante na obra do diretor, que é a insegurança, o medo da rejeição, o sentimento de impotência e muitas vezes de castração. É curioso como De Palma deixa tanto de si e de seus traumas e conflitos em suas obras, que podem se passar para muitos como exercícios de estilo.

Um momento que pode simbolizar uma "brochada" é a cena em que Jon vai mostrar o resultado de suas filmagens ao produtor. É quando ele vê que a câmera que estava mirando no apartamento de Judy passou a mirar um ou dois andares abaixo. Depois dessa situação embaraçosa, Jon fica bastante triste e resolve mudar os rumos de sua vida, trocando a câmera por uma televisão. O que não deixa também de ser simbólica a troca de um elemento mais fálico e masculino por um mais passivo, sem falar que a televisão ainda tinha naquela época uma posição de inferioridade em relação ao cinema.

É a partir daí que o filme dá uma guinada e fica mais interessante, pois se iniciam as sequências que envolvem a performance "Be black, baby", uma ação de um grupo de ativistas negros. Essa performance é uma influência do tempo em que De Palma foi estudante de teatro na Universidade de Columbia, bem como das inovadoras performances em teatros de Nova York que usavam o público também como participantes da ação e não apenas como espectadores.

A intenção da trupe do "Be black, baby" é fazer com que as pessoas que participam do espetáculo, todos burgueses brancos, sintam na pele o que é ser negro nos Estados Unidos. E a experiência acaba sendo muito mais realista do que eles imaginavam. Jon faria o papel do policial que aborda os homens e mulheres brancos pintados de preto e os trataria de maneira humilhante, como geralmente fazem com os negros. Toda essa sequência, filmada em preto e branco granulado e câmera na mão, ganha bastante força, realismo e incômodo. Há também uma aparente improvisação por parte dos atores. Vale destacar que De Palma contratou ativistas reais do movimento negro para papéis-chave.

Depois dessa poderosa sequência, o filme perde a força, fica difícil retornar para a história anterior de Jon, mas ainda assim De Palma faz algo interessante: seu personagem, agora casado, entediado e emasculado, resolve jogar tudo pra cima da maneira mais destrutiva possível. Por mais que não goste tanto do modo como essas cenas finais são desenvolvidas, é difícil não ficar impressionado com o quanto elas trazem de importante para ajudar a elucidar o autor De Palma e, muito provavelmente também, o homem De Palma.

+ DOIS FILMES

BRUTALIDADE (Brute Force)

Gosto de como Jules Dassin faz um filme simbólico daquele momento de caça aos comunistas e também faz uma analogia amarga sobre a vida (ou o tipo de vida na sociedade desigual e hostil?) como uma prisão praticamente impossível de escapar. BRUTALIDADE (1947) me frustrou como prison break movie, pois é muito mais um retrato do sofrimento psicológico daqueles homens e do quanto a vida lá fora, por mais que fosse tão cheia de defeitos, parece um sonho impossível ou uma realidade distante - os pequenos flashbacks dos homens, colegas de cela, em geral sempre ligados a uma mulher em específico, ajudam a compor esse ar da liberdade como utopia. Burt Lancaster tem grande presença de cena e dá para entender o porquê de ter se tornado uma das estrelas da época, mesmo nesse período mais sombrio (mas também brilhante) que foi a Hollywood dos anos 1940.

BANQUETE COUTINHO

Para quem parecia estar de má vontade para dar entrevista, logo no início do filme, até que Eduardo Coutinho se permitiu falar muito de si, tentando explicar sua necessidade de fazer cinema, a importância que a entrevista passou a ter em seu processo criativo, o vício no tabaco, e fala, muito por cima, do quanto sua vida é complicada e de como ele precisa do cinema para encontrar motivos para acordar. Mas muito da força deste BANQUETE COUTINHO (2019) está mais nas imagens de filmes feitos pelo Coutinho desde os anos 1960, passando muito pouco pela fase Globo Repórter, e enfatizando CABRA MARCADO PARA MORRER (1984) e os filmes pós SANTO FORTE (1999). Quanto às questões do diretor Josafá Veloso, de que Coutinho estaria filmando o mesmo filme, mas ao mesmo tempo um filme diferente, isso é repetido, mas não aprofundado. Talvez ele quisesse que as imagens dos filmes de Coutinho respondessem sozinhas a sua tese.

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