sábado, outubro 23, 2021

SR. BACHMANN E SEUS ALUNOS (Herr Bachmann und Seine Klasse)



Sou professor já faz alguns anos. Mas isso meio que aconteceu, não foi algo programado. Até porque minha timidez não me permitiria fazer tal programação. Fiz o curso de Letras por amor à literatura e pelo fato de estar fazendo um curso de inglês, mas as pessoas perguntavam: mas você vai ser professor? Eu dizia que não sabia, ou que estava fazendo o curso porque gostava de literatura. E de fato era tudo verdade. Lembro que quase saio correndo com medo da minha primeira experiência como professor em uma escola estadual do bairro. Mas confesso que, em parte, o que me assustou bastante foi também a imagem da miséria naquela sala de aula daquela escola.

O tempo foi passando, fui tendo oportunidades de dar aulas de inglês em cidades do interior, através do Núcleo de Línguas da UECE, e isso foi uma experiência muito enriquecedora, tanto para me acostumar e aprender na prática o ofício, quanto como uma experiência de amor. Por mais cansativo que seja, a experiência de ser professor é, na maioria das vezes, uma profissão em que o amor está presente.

Talvez em 1990, quando vi SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS três vezes no cinema, uma semente já tivesse sido plantada. Aos poucos fui vendo que outros filmes de professor me despertavam atenção e emoção, como MR. HOLLAND – ADORÁVEL PROFESSOR, O QUE TRAZ BOAS NOVAS, PRO DIA NASCER FELIZ. O que mais me comove nesses filmes é a intenção do realizador de penetrar na alma humana e descobrir suas fraquezas e suas fortalezas. 

SR. BACHMANN E SEUS ALUNOS (2021), de Maria Speth, estaria mais próximo de ENTRE OS MUROS DA ESCOLA, de Laurent Cantet, mas enquanto o filme de Cantet me deixou desnorteado com tanto barulho e confusão dos alunos (infelizmente rolou uma identificação com situações cotidianas também frequentes), o filme de Speth me pareceu transbordar de amor. A escola aparece como um espaço de puro acolhimento. 

Nota-se que a diretora ficou tão apaixonada pelo professor e pelos alunos e alunas que parecia não querer largar seus objetos de estudo, resultando em um filme com a duração de 3h37min. Além do mais, sendo um documentário e não uma ficção realista que parece documentário, como o filme de Cantet, a opção que Speth tem neste seu quinto longa-metragem (e segundo documentário) é operar a partir da observação.

Em SR. BACHMANN E SEUS ALUNOS, acompanhamos momentos muito especiais das aulas do professor Bachmann para um grupo de alunos vindos de variados países (Bulgária, Turquia, Itália, Rússia, Romênia, há até uma aluna filha de uma brasileira), muitos deles ainda em processo de aprender o alemão. Muitos alunos são carentes e têm um histórico de ter chegado na escola sem conseguir verbalizar nada e odiando, a princípio, aquele novo espaço, mas que, com o tempo, já não queriam mais ir embora. Há um caso comovente de uma garota cuja mãe está propensa a mudar de cidade e quando o professor (e o espectador) recebe a notícia, fica difícil não ficar triste.

Há uma curiosidade no que se refere aos métodos de ensino. O Sr. Bachmann não ensina apenas uma só disciplina. Em suas aulas se estuda matemática, inglês, educação artística e alemão; ele inclui a música como elemento de aproximação emocional com os adolescentes; há pausas para cochilo e há o curioso momento do almoço, em que alguns alunos o fazem em plena sala de aula, conversando com o Sr. Bachmann. Há um cuidado muito bonito com o respeito às diversas culturas, religiões, línguas, que são diversas. E ele mesmo tem uma psicologia toda especial no trato com a condução dos problemas que de vez em quando surgem entre os alunos.

É fácil se pegar sorrindo muitas vezes enquanto vemos o filme e é muito comum nos sentirmos enternecidos e também contagiados com a energia daqueles meninos e meninas. Como já experimentei várias vezes o carinho de uma sala de aula, ver o filme foi uma experiência especial. Dos meus filmes favoritos da 45a. Mostra.

+ DOIS FILMES

LIDANDO COM A MORTE (Dood in de Bijlmer)

O tema acaba sendo o trunfo deste documentário feito sem nenhuma novidade formal. O verbo "lidar" ou "deal" em inglês de LIDANDO COM A MORTE (2021), de Paul Sin Nam Rigter, tem muito a ver com questões financeiras, já que o filme se inicia a partir da proposta da empresária Anita, holandesa branca, de fazer um grande centro funerário capaz de abrigar e prestar serviços a pessoas de diferentes nacionalidades e culturas, assimilando os costumes das pessoas de diferentes países para que os clientes saiam satisfeitos. Ao mesmo tempo, Anita lida com a transição da vida para a morte de seu pai, dando ao genitor o que ele deseja em seu velório. Há uma outra cena que achei muito interessante, que é a que apresenta um paralelo entre a morte de um holandês e a morte de uma pessoa de Gana, o tipo de serviço e de comportamento durante as cerimônias. Sendo que o pessoal de Gana chora e grita muito durante a despedida, mas dança e festeja durante o enterro. É algo a se pensar sobre os modos distintos como se lida com o luto, com a partida. O filme vai perdendo muito de sua força quando Anita passa a se tornar mais ausente das reuniões e das cenas. Também falta um final mais digno ao filme. Ainda assim, diria que é um documentário que vai despertar a curiosidade de quem tem esse interesse por diversidade cultural e por cerimônias de partidas. Como diz em certo momento Anita, "a morte é incrível".

PEDREGULHOS (Koozhangal)

Logo no início de PEDREGULHOS (2021), de P.S. Vinotraj, chama a atenção a brutalidade do homem, um sujeito rude, agressivo e, por algum motivo, está com muita raiva da esposa, a mãe de seu filho pequeno. O menino representa um outro aspecto dessa situação: ele é a tentativa de querer a união e a paz de sua família. Ele sofre agressão física do pai com frequência - e principalmente em um longo trajeto pelo deserto - e seu tipo de reação para se vingar do pai é bem sutil, como jogar fora uma caixa de fósforos dele ou aceitar uma carona de moto e deixar o pai andando sozinho. O filme não nos priva em nenhum momento da situação de miséria daquele povo, desde a cena da família que caça roedores para assar e se alimentar (uma cena até um tanto cruel, se de fato envolveu maus tratos dos animais) até a cena do grupo de mulheres pegando água barrenta de uma fonte por ser a única água disponível. É também um filme que desmonta a ideia de que o indiano é um povo pacífico, religioso e não agressivo e há até momentos que o diretor parece se divertir com isso, como na cena da briga no ônibus. No mais, belas imagens e uma tomada do alto lindamente impressionante.

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