domingo, dezembro 26, 2021

NÃO OLHE PARA CIMA (Don’t Look Up)



O filme mais badalado dos últimos dias é uma produção da Netflix lançada na véspera de Natal e estrelada por um baita elenco. NÃO OLHE PARA CIMA (2021) é o novo filme de Adam McKay, o diretor que passou a ser encarado como um artista “sério” após abandonar as comédias de cunho mais despretensioso para se dedicar a assuntos mais políticos, a partir de A GRANDE APOSTA (2015) e VICE (2018). O tema do novo filme seria aquecimento global, mas a aposta do diretor e roteirista é transformar esse mal que aflige o planeta de maneira mais lenta em um cometa que acabará com a Terra em seis meses. E, com isso, mostrar até que ponto vai o negacionismo de boa parte das pessoas nesses tempos de pós-verdade.

NÃO OLHE PARA CIMA também marca o retorno de Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence depois de dois anos longe das telas, o que não deixa de ser também um grande atrativo, levando em consideração a força dos dois astros que encabeçam o elenco, que ainda traz Mark Rylance, Cate Blanchett, Jonah Hill, Meryl Streep, Tyler Perry, Timothée Chalamet, Ron Pearlman, Ariana Grande, entre outros. Ou seja, é um tipo de filme que vai chamar a atenção do grande público que vê qualquer coisa lançada pela Netflix, dos cinéfilos interessados no trabalho do diretor e do elenco e das pessoas interessadas no assunto, pelo viés político e pelo viés ecológico.

Este foi o filme de que mais gostei de McKay. Não há a velocidade excessiva dos diálogos de A GRANDE APOSTA e de VICE e o senso de humor aparece aliado a um teor dramático que muito me interessou desde o começo. As cenas dos astrônomos vividos por DiCaprio e Lawrence calculando o tamanho do cometa, o potencial de seu impacto e a velocidade e o tempo de chegada à Terra passam um ar de excitação e desespero contagiosos.

O que eles resolvem fazer, então? O mais óbvio, junto com o cientista governamental vivido por Rob Morgan, eles vão à Casa Branca para falar diretamente com a Presidente dos Estados Unidos (uma mulher sem caráter e sem capacidade de concentração vivida por Meryl Streep). Ela está sempre ao lado de seu mais importante assessor, o próprio filho, um sujeito ainda mais odiável vivido por Jonah Hill, que, “coincidentemente”, nos faz lembrar de um outro filho de presidente que está sempre atrelado às presepadas do pai, na realidade brasileira.

Mas não há sujeito mais odioso em NÃO OLHE PARA CIMA do que o personagem de Mark Rylance, uma espécie de Steve Jobs com ligação direta com a presidência e que tem um tipo de riso e de desprezo com as pessoas que o torna o grande vilão do filme, por mais que seja um personagem menor. Falo isso dando mérito a Rylance pela construção desse personagem. Não à toa, mesmo na maturidade se tornou um gigante – será por isso que Steven Spielberg o escalou para aquela fantasia?

Quando a presidente do país, claramente inspirada no jeito de Donald Trump, resolve não levar a sério o fim iminente do mundo, os nossos heróis resolvem botar a boca no trombone e ir à imprensa. Porém, a grande imprensa televisiva é tão cínica quanto os políticos, vide a recepção dos âncoras vividos por Cate Blanchett e Tyler Perry. Além do mais, o filme também lida com questões relativas à superficialidade das redes, que mais se interessam por subcelebridades do que por assuntos mais sérios.

Ao atacar os políticos, suas salas de guerra e seus seguidores, a ganância dos grandes empresários e a “leveza” da mídia televisiva americana mais centrada em fofoca, McKay tenta uma aproximação de seu filme com clássicos como DR. FANTÁSTICO, de Stanley Kubrick, e REDE DE INTRIGAS, de Sidney Lumet, além da comédia de humor negro MERA COINCIDÊNCIA, de Barry Levinson. Mas há também um tom de disaster movie, embora de maneira totalmente diferente do que estamos acostumados a ver, e um bocado mais pessimista e ácida do que coisas patrióticas e toscas como ARMAGEDDON, de Michael Bay. Por isso e por tantos outros aspectos atraentes (e também repulsivos) do filme, difícil não sentir uma admiração por McKay e todos os envolvidos neste projeto.

+ DOIS FILMES

IMPERDOÁVEL (The Unforgivable)

Vi este belo melodrama mais pela presença de Sandra Bullock, atriz de que muito gosto, do que pela direção de Nora Fingscheidt, que tem no currículo o ótimo TRANSTORNO EXPLOSIVO (2019). Em IMPERDOÁVEL (2021), acompanhamos o difícil retorno de uma mulher à sociedade depois de passar 20 anos na prisão. O crime pelo que ela pagou - e segue pagando - é ainda mais difícil de ser perdoado por parte da sociedade e o que vemos é uma mulher que está, quase sempre, se autopenitenciando, exceto quando está em busca de sua irmã mais nova, que tinha apenas cinco anos quando ela foi presa. Sandra está tão bem no papel que o filme cresce sempre que ela está em cena, e cai um pouco quando entram em cena os outros personagens. Diria que Bullock é uma das atrizes mais subestimadas de Hollywood. Basta lembrar que ela esteve praticamente sozinha em GRAVIDADE, de Alfonso Cuarón, e o filme tem uma força impressionante. Além do mais, como fico muito tocado com esses filmes que lidam com relações familiares e distanciamento imposto, posso dizer que me emocionei.

THE VELVET UNDERGROUND

Só descobri o Velvet Underground nos anos 1990, quando um amigo da faculdade me emprestou o disco da banana (além de um disco solo do Lou Reed). Hoje é muito fácil reconhecer este álbum como um dos melhores e mais importantes de todos os tempos. Mas também é fácil compreender como pode ter sido difícil assimilá-lo naquele momento, 1967, por mais que tenha sido um ano revolucionário em muitos aspectos. O documentário THE VELVET UNDERGROUND (2021) que Todd Haynes fez como uma homenagem à banda, é também uma colagem do espírito da época. Enquanto vemos e ouvimos depoimentos de alguém da banda (ou próximo), vemos imagens do que estava acontecendo naquele momento. E nem sempre dá para acompanhar tudo que é despejado na tela. O filme não é tão didático, mas oferece uma apresentação muito boa para quem não conhece a banda ainda. Mas com certeza quem conhece vai curtir mais. A força das canções é tanta que eu só imaginava como seria lindo ver este filme no cinema, já que música no cinema se amplifica e nos amplifica. Como toda história de banda, essa mostra a ascensão e a queda. E é natural que fique no ar certa melancolia. Essencial para os amantes de rock e também de bom cinema.

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