quinta-feira, fevereiro 09, 2012
MADAME BOVARY
E depois de três filmes um tanto frustrantes baseados na obra-prima de Gustave Flaubert, eis que me delicio com essa maravilhosa adaptação de Claude Chabrol. Não que A SEDUTORA MADAME BOVARY, de Vincente Minnelli, não tenha o seu brilho, mas é uma obra que, apesar de ter a cara de seu diretor, fica aquém do texto literário, no sentido de provocar a catarse final. Não se pode dizer o mesmo de MADAME BOVARY (1991), de Chabrol, que além de respeitar e muito o texto de Flaubert, possui semelhanças curiosas com o livro.
A começar pelo fato de que ambas são obras "realistas". O livro de Flaubert é um marco do Realismo francês. E Chabrol, vindo da nouvelle vague, escola que simpatiza com o neorrealismo italiano, carrega também essa tendência. Assim, seu filme se distancia do romantismo do trabalho de Minnelli. Sem falar que Chabrol já tinha experiência em filmes sobre mulheres fortes. Mas o que me deixou mais impressionado na semelhança entre a obra literária e a adaptação fílmica foi o fato de que ambos os autores ficaram doentes quando escreveram/filmaram o momento da agonia e morte de Emma Bovary.
Conta-se que Flaubert sentiu o gosto de arsênico na boca quando escreveu sobre o suicídio de Emma e ficou doente. O mesmo aconteceu com Chabrol, que também adoeceu depois de ter filmado essa sequência. E ao contrário das outras adaptações, MADAME BOVARY, de Chabrol, é muito feliz em sua tentativa de reproduzir toda a agonia e dor da personagem, através de pontos de vista dela e daqueles que estão ao seu redor. Não é tão impactante quanto no romance, mas acredito que é o mais próximo que alguém já conseguiu chegar.
Outro acerto imenso do filme é a presença magistral de Isabelle Huppert vivendo Emma. A atriz possui algo de camaleônico. Sabe se mostrar quase invisível, como uma mulher comum, nos momentos necessários para a trama; e sabe se transformar numa dama exuberante nos momentos extremos de alegria e paixão. A atriz se mostra fria para com o marido, mas o filme tem um cuidado para não torná-la demasiado perversa com Charles. Que aqui mais se aproxima do personagem literário, alheio ao que se passa na vida da mulher.
Chabrol, assim como Minnelli, e diferente de Jean Renoir, utiliza a narração em voice-over, numa voz masculina, com textos aparentemente retirados diretamente do romance de Flaubert. Essa narração só intervém quando necessário, como que para dar ao filme, que já carrega em si o tempo presente, o pretérito imperfeito do romance. Há também um cuidado com o uso do figurino de Emma, de acordo com a situação e evolução da personagem. Ela começa usando um vestido branco e vai escurecendo, erotizando e sofisticando seus trajes à medida que a trama se desenrola. São detalhes como esse que enobrecem a obra de Chabrol, esse gigante do cinema francês, que deixou um legado de mais de sessenta filmes a serem degustados por gerações de cinéfilos.
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