sábado, dezembro 14, 2019

A FORÇA DOS SENTIDOS



Talvez esteja exagerando, levando em consideração a rica tradição do cinema brasileiro em criar excelentes cenas de sexo, de ter grandes mestres que souberam lidar com o erotismo de maneira que o termômetro se eleva a níveis estratosféricos e, ainda assim, conserva a beleza das imagens e da direção cinematográfica. Mas, ao ver uma das cenas de A FORÇA DOS SENTIDOS (1980), do genial Jean Garrett, eu não consegui pensar em outra cena de sexo melhor e mais bonita.

Para a construção dessa cena, há todo um trabalho também de criação de mistério, de cuidado com o culto à escuridão da noite. A cena começa com o personagem de Flávio (Paulo Porto) saindo da casa de praia em que se hospeda, já que não está conseguindo dormir. Ele segue até a beira da praia. Lá chegando, vê Andrea (Ana Maria Kreisler), uma das jovens mulheres do vilarejo, em cima de uma pedra, próxima ao mar. O som do mar é não apenas ouvido mas sentido também.

Os dois têm uma breve conversa, que funciona muito bem para uma conversa que teria como objetivo saírem dali para o sexo. Ela o convida para uma bebida em sua casa; ele aceita, diz ser uma ótima ideia; vai apenas de camiseta e sunga (ou cueca?) para a casa da bela mulher. Ou seja, a cena já começa excitante pois o que temos aqui é a prévia, num encontro, em que o desejo é construído aos poucos. A excitação não está apenas no aspecto erótico em si, mas também na ansiedade, no frio na barriga que o espectador (leia-se este espectador) sente neste momento.

E a amplificação aumenta ao chegarem à casa de Andrea. Detalhe: durante todo o tempo, os dois estão sendo vigiados pela misteriosa Pérola (Aldine Müller), uma jovem bela e muda que parece ter uma especial atração por aquele homem que acabou de chegar ao vilarejo. Pérola os segue até a casa de Andrea. E presencia da janela da casa toda a noite de amor dos dois. Flávio e Andrea ouvem um disco na vitrola, tomam uma bebida, dançam grudados um no outro, e em seguida começam a se beijar voluptuosamente e a tirar a roupa.

Àquela altura (fim dos anos 70 e início dos 80), o cinema brasileiro já trazia cenas de sexo bastante gráficas. Diria que aquele foi o melhor momento para o erotismo no cinema brasileiro. E Jean Garrett e Carlos Reichenbach, aqui participando como um diretor de fotografia pra lá de inspirado, fazem algo muito especial na construção dessa cena. Pois há a aproximação e também o distanciamento da câmera, a experiência do voyeurismo, com a presença de Pérola na janela, e os momentos em que a câmera filma os três personagens no mesmo quadro.

Mas há algo também muito forte para apimentar ainda mais esta cena: Pérola está sedenta de desejo ao ver os dois transando. Tanto que é preciso se aliviar no mar. Ela se deita na praia e se contorce de desejo, enquanto a maré traz a água para suavizar esse momento de calor intenso. Que voracidade erótica numa única cena!

Só por essa cena este filme já poderia ser alçado a uma das obras mais importantes da cinematografia brasileira. Mas, por mais que o culto a Jean Garrett tenha aumentado bastante ao longo dos anos no meio cinéfilo, ainda pode-se dizer que A FORÇA DOS SENTIDOS é quase obscuro.

Em tempos de sucesso do cinema de horror brasileiro, vale lembrar que A FORÇA DOS SENTIDOS poderia muito bem se enquadrar nesse gênero. O filme já começa com uma cena de Flávio vendo o aparecimento do corpo nu de um homem chegando no mar. Não é a primeira vez que isso acontece, conforme ele mesmo narra em voice-over. Aquilo é uma cena do futuro do filme, que começa a contar da chegada dele até aquele lugar belo e misterioso e a fazer amizade com as pessoas de lá.

O mistério começa a ser percebido com força quando ele, ao conversar com Andrea após a noite de sexo, percebe que ela nega ou diz não se lembrar do que aconteceu. Estaria ela brincando com ele, teria se esquecido realmente ou tudo foi fruto de sua imaginação? O restante do filme, embora não consiga superar a tal cena descrita nos parágrafos acima, ainda é uma beleza, enfatizando mais no mistério e um pouco menos no erotismo, embora ele nunca seja deixado de lado. Até o final, que traz horror e maravilhamento. Viva Jean Garrett!

+ TRÊS FILMES

DEPRAVAÇÃO - ORGIA DAS TARAS

Esse pessoal da Boca do Lixo sabia mesmo vender o peixe: colocaram logo três palavras chamarizes para o público no título. Aí nem importava se fazia sentido no enredo, que nesse caso aqui está mais próximo do suspense. Infelizmente a trama é uma confusão dos diabos e o filme parece não se importar com isso. As cenas de sexo nem compensam, não são boas, e nisso se sente falta de um bom diretor nesse quesito. O que conta é mesmo a estranheza da atmosfera e a Patrícia Scalvi, que consegue ser boa atriz até em produções meio toscas como essa. Quanto à Matilde Mastrangi, sua personagem é coadjuvante. Direção: Luiz Castellini. Ano: 1980.

OS BONS TEMPOS VOLTARAM: VAMOS GOZAR OUTRA VEZ

O primeiro segmento é bem legal, principalmente pela presença da Carla Camurati (linda!!), mas também por emular a graça dos anos 50 e ter várias subtramas e personagens divertidos. Pena que a segunda história não é tão boa. Até achei um tanto constrangedora na falta de criatividade na construção do erotismo. Mas vale pelas cenas de sexo, e pela vontade que o cinema e a arte em geral naquele 1985 tinham de mandar a ditadura à merda. Direção: Ivan Cardoso e John Herbert. Ano: 1985.

BAR ESPERANÇA (O ÚLTIMO QUE FECHA)

Quanto amor que esse filme passa, hein! No fim, a gente chega a relevar os momentos pouco brilhantes em prol dos momentos cheios de emoção e beleza. Sem falar que é um documento valioso daquela época. E uma ode à amizade e às reuniões nos bares. Ah, e a única cena que eu lembrava, a do striptease da Sylvia Bandeira, continua uma beleza, e entendo ter ficado tão impressionado quando a vi, pré-adolescente. Ver um negócio daqueles na televisão mexe mesmo com a cabeça da gente. Sylvia, linda demais, embora sua personagem seja fraca. Mas não é só isso que conta, ainda mais em filme de grupo. Quanto às músicas: Blitz, Caetano, Gal, Gretchen e uma marchinha de carnaval de arrepiar. E que emoção ver certa atriz tão querida ali no final, não creditada. Direção: Hugo Carvana. Ano: 1982.

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