domingo, dezembro 01, 2019

UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK (A Rainy Day in New York)

Chegará o dia em que os filmes dos anos 2010 de Woody Allen serão revalorizados. Claro que isso só o tempo dirá, mas, a impressão que dá, vendo UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK (2019), é que o tom do filme lembra bastante o de algumas obras de Éric Rohmer ou de Hong Sang-soo. Não há um compromisso com o naturalismo nas interpretações, no ritmo das falas. No caso do filme de Allen, a velocidade dos acontecimentos é coerente com a agilidade dos diálogos.

Há, como sempre a projeção da própria persona de Woody Allen em seus personagens, e isso se vê em ambos os protagonistas. Enquanto Timothée Chalamet simboliza aquele aspecto mais amargo e pouco entusiasmado com a vida, ainda que não tanto quanto o protagonista de HOMEM IRRACIONAL (2015), que chegava ao niilismo; temos a personagem entusiasmada, vivida com encanto por Elle Fanning.

Ele vem de uma família abastada de Manhattan, embora não fique nada à vontade com suas origens e viva fugindo dos familiares e de uma festa que deveria estar presente; ela também vem de família rica, seu pai é um banqueiro em Tucson, Arizona, mas é alvo de chacota, por causa do lugar de origem pelos amigos nova-yorquinos de Gatsby (personagem de Chalamet), que a consideram uma caipira.

O filme começa com uma narração em voice-over por Gatsby, que confessa estar apaixonado por Ashleigh (Fanning), e isso lhe traz mais prazer de viver. Ela precisa ir a Nova York para entrevistar um famoso diretor de cinema para seu trabalho na faculdade e os dois partem para um par de dias em Manhattan. Gatsby tinha seus planos para o dia com Ashleigh: visitar museus, comer em bons restaurantes, passear bastante.

Mas aí surgem alguns empecilhos, já que o diretor (Liev Schreiber), muito provavelmente por parecer atraído pela jovem estudante, decide dar-lhe um furo de reportagem, dizer o quanto está desgostoso com o projeto e ainda por cima mostrar uma prévia do novo filme, ainda em fase de produção. Uma oportunidade dessas Ashleigh não ia perder. E por isso vai adiando o encontro com o namorado, que vai sendo cada vez mais deixado de lado.

As trajetórias de Gatsby e Ashleigh vão seguindo por caminhos opostos com relação ao encaminhamento de como ver a vida: enquanto ela parece uma criança em uma loja de doces à frente daquele universo hollywoodiano, com homens mais velhos da indústria bastante interessados sexualmente naquela jovem bela e com um figurino que lembra uma colegial, ela parecia totalmente dona da situação, tanto por ser desejada até mesmo por um ator símbolo sexual (personagem de Diego Luna).

Enquanto isso, sentindo uma falta enorme da namorada, Gatsby visita um set de filmagens de um amigo estudante de cinema e dá de cara com a irmã de uma ex-namorada, Chan (Selena Gomez), uma personagem atraente. A cena do beijo dos dois no carro na filmagem de um dos takes é um dos pontos altos da temperatura erótica do filme. A outra cena boa, sensualmente falando, envolve a chegada de Ashleigh à casa do personagem de Diego Luna. Há quem veja a situação de Ahsleigh, ao final dessa situação, como sendo humilhante, e talvez seja mesmo, mas há também algo de belamente erótico e perverso.

Paralelamente, enquanto Ashleigh, recebe uma bofetada ao ser exposta ao doce e ao amargo do showbizz hollywoodiano, Gatsby, ao ter uma conversa com a mãe, passa a ter uma ideia melhor de sua vida e de suas origens. Assim, UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK é um filme que apresenta uma visão agridoce da vida, misturando tanto o romantismo de uma obra como MAGIA AO LUAR (2014), quanto a amargura e a certeza de que a vida é que dá as cartas de CAFÉ SOCIETY (2016).

Completando tudo isso, a fotografia linda do mestre Vittorio Storaro, que trabalhou com Allen no anterior RODA GIGANTE (2017), apresenta uma luz tão bela e tão própria do trabalho do fotógrafo, que só é um pouco suavizada pela presença da chuva, símbolo das situações emocionalmente instáveis da vida de todos os personagens.

Além do mais, não deixa de ser um alívio adentrar mais uma vez o universo familiar e delicioso dos filmes de Allen no cinema, depois de tanta confusão causada pelas acusações de sua filha adotiva, que puseram novamente um dedo na ferida de algo que repercutiu na década de 1990 e que prejudicou a reputação do cineasta nesse momento de caça às bruxas, atrapalhando sua rotina anual de produções. Mesmo agora, depois de ter entrado em um acordo com a Amazon, UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK segue inédito em seu país de origem. Felizmente, Allen já tem um novo filme em fase de pós-produção, rodado na Espanha.

+ TRÊS FILMES

CADÊ VOCÊ, BERNADETTE? (Where'd You Go, Bernadette)

Muitas vezes a gente se pergunta o motivo que faz certos cineastas abraçarem certos projetos. A história de uma arquiteta que tem problemas de sociabilidade teria provocado alguma identificação ou algo parecido por parte de Richard Linklater? De todo modo, por mais que tenhamos um filme com problemas de ritmo, mesmo querendo ser rapidinho nos diálogos e tal, o que mais conta é a presença sempre radiante de Cate Blanchett, e de um punhado de cenas memoráveis. Ela cantando com a filha "Time after time", da Cindy Lauper, é emocionante. Assim como são todas as cenas que envolvem a relação dela com a filha. A impressão que fica é que o filme poderia ter saído melhor do que saiu, mas nem sempre se pode acertar em tudo. Ano: 2019.

ENCONTROS (Deux Moi)

É o tipo de cinema fofo, com direito até a um gatinho filhote adotado e que rouba a cena algumas vezes. O filme lembra o argentino MEDIANERAS - BUENOS AIRES NA ERA DO AMOR VIRTUAL, e mostra a rotina de solidão de um rapaz e uma moça que moram vizinhos, mas que seguem em busca de alguém que sirva para eles. Divertido o paralelismo do que acontece na vida deles, como o fato de ambos frequentarem psicanalistas, entre outras coisas. François Civil está se especializando em boas comédias românticas. Bom pra ele. Ana Girardot também é uma moça que além de bonita é muito carismática, como já tínhamos podido ver na série LES REVENANTS. Direção: Cédric Klapsch. Ano: 2019.

A TABACARIA (Der Trafikant)

Um filme um tanto morno, mas que tem as suas qualidades, especialmente a presença de Bruno Ganz como um simpático Sigmund Freud, aqui dando conselhos a um jovem que quer conquistar uma moça. Aliás, que moça! Uma pena que o filme dê pouco espaço para a presença da garota, já que ela rouba a cena sempre que aparece. Trata-se da russa Emma Drogunova. A história se passa momentos antes do início da Segunda Guerra Mundial, quando a Áustria já estava quase toda ocupada por oficiais nazistas. Aos poucos, o filme vai perdendo sua razão de ser. Direção: Nikolaus Leytner. Ano: 2018.

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