domingo, abril 22, 2012

JUVENTUDE TRANSVIADA (Rebel without a Cause)



Terceira vez que vejo JUVENTUDE TRANSVIADA (1955) e o filme só cresce a cada revisão. A primeira vez que vi foi em VHS e dá para imaginar o quanto eu perdi do filme, já que ele foi realizado em scope. Agora, vendo na edição especial dupla em DVD da Warner e tendo um maior conhecimento de quem é Nicholas Ray, seus temas recorrentes, e suas preferências estéticas, foi muito mais gostosa a apreciação. Sem falar que conta também o fato de ter uma televisão melhor, fazendo jus às belas cores do filme. Aliás, as cores já haviam sido muito bem utilizadas de forma simbólica em outra obra-prima de Ray, JOHNNY GUITAR (1954).

Gostaria de, antes de falar do filme em si, comentar um pouco sobre a caprichada edição em DVD. A Warner fez edições especiais dos três filmes estrelados por James Dean, sendo os outros dois VIDAS AMARGAS, de Elia Kazan, e ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE, de George Stevens. Não tenho os outros, pois comprei apenas esta edição, mais interessado em Ray do que em Dean, mas depois de ver o excelente documentário RELEMBRANDO JAMES DEAN (1974), um programa de televisão feito em homenagem aos vinte anos de JUVENTUDE TRANSVIADA e que tenta entender o fenômeno James Dean, fiquei igualmente interessado na curta obra do ícone. E qual foi a minha surpresa quando vejo, entre os entrevistados, a maravilhosa Natalie Wood, vinte anos depois do filme e mais linda do que nunca. Quase tive um ataque do coração.

O documentário, de pouco mais de uma hora, entrevista Natalie, Sal Mineo, Sammy Davis Jr e o músico Leonard Roseman, cada um deles mostrando a sua visão de James Dean. O que só aumenta a figura misteriosa do ator. Para Sammy Davis Jr, Dean era um grande amigo, desses que aparecem em sua casa sem avisar - Sammy, inclusive, conta uma história engraçada do primeiro encontro de Dean com Marlon Brando em sua casa. Sammy também fala algo que me deixou bastante emocionado. Para Sal Mineo, assim como acontece no filme, Dean era uma figura que ele admirava, um ícone, mas revela que ele às vezes chegava sem querer falar com ninguém nas filmagens. O curioso é a história do contato dele com o espírito de James Dean. Leonard Roseman conta que Dean gostaria que ele fosse o pai que ele não teve. Na verdade, ele teve um pai, mas ele, depois da morte da mãe, entregou-o para os tios e isso criou uma revolta e um vazio em Dean. Já Natalie, o via como uma pessoa gentil e agradável. O documentário mostra também cenas do ator em outros filmes, inclusive alguns que eu nem sabia que existiam, que ele fez para a televisão. Dos extras, é, sem dúvida, a melhor coisa. O outro documentário, sobre o filme em si, é fraco e tem cerca de meia hora de duração. Há também algumas cenas deletadas e testes de guarda-roupa, mas que não me interessaram.

Quanto ao filme, trata-se de um dos melhores trabalhos de Nicholas Ray, e um dos mais representativos da obra do cineasta, o chamado "poeta da noite". A trama se passa em pouco mais de 24 horas. Começando com a noite em que os três personagens principais, Jim (Dean), Judy (Natalie) e Plato (Mineo) são levados a uma delegacia de polícia. A câmera de Ray capta num só momento os três, separados em diferentes lugares. Os três têm problemas familiares: Jim sente falta de um pai de mais pulso; Judy fica ofendida pelo fato de o pai não aceitar mais seus carinhos, por achar que ela já está bem crescida; e Plato é abandonado pelos pais e mais tarde vê na figura do jovem casal uma espécie de família que ele não tem.

Nota-se que na obra de Ray essa figura da família desestabilizada e de pessoas sentindo a necessidade de se estabilizar, de ter enfim uma família, é um elemento comum. Também é comum vermos essa agitação de espírito em seus personagens, mas em JUVENTUDE TRANSVIADA isso alcança um nível bem alto. Até porque são personagens adolescentes, com os hormônios em ebulição. Além do mais, o ano era 1955, o ano em que o rock and roll surgiu com força. Quer dizer, já havia um clima de rebeldia tomando conta da sociedade, independentemente de classe social.

Quanto às sequências mais memoráveis, sem dúvida a disputa de carros é a mais lembrada. Mas antes disso há uma briga de facas no planetário que mexe com os nervos do espectador. Depois do acidente no penhasco, o filme ganha contornos mais melodramáticos. Acredito que ele só não ganha mais perfeição por carregar um pouco além da conta nas tintas e porque o personagem de Sal Mineo não era tão bom, talvez por causa da própria inexperiência do jovem ator. Ao lado de James Dean e Natalie Wood, que já eram gigantes em suas idades, ele fica bem pequeno e quase chega a comprometer algumas cenas. É o personagem mais frágil, em todos os sentidos. Ainda assim, JUVENTUDE TRANSVIADA é um filme que se aproxima de uma obra-prima.

P.S.: No blog do Diário do Nordeste, confira o texto que escrevi sobre os últimos vencedores da Palma de Ouro, por ocasião da divulgação da lista dos filmes do festival.