quinta-feira, janeiro 01, 2015
A TURBA (The Crowd)
Sempre digo que o melhor do cinema não está no cinema. Infelizmente. Não que não vejamos filmes excelentes na telona e até mesmo algumas ocasionais obras-primas, mas o fato é que se um dia os cinemas todos fechassem teríamos um turbilhão de maravilhas para rever ou descobrir com uma facilidade cada vez maior nos dias de hoje. Tudo bem que não é a mesma coisa. Hoje, por exemplo, para ver A TURBA (1928), eu tive que ouvir uma trilha sonora de pagode do vizinho, que não para com o som alto desde ontem à noite. Isso atrapalha um bocado a apreciação do filme, bem como outras distrações que não se tem na imersão que a telona proporciona. Enfim, falemos deste clássico de King Vidor.
Na verdade, o filme me chamou a atenção por estar atualmente na sexta posição do ranking geral da Liga dos Blogues Cinematográficos, atrás apenas de UM CORPO QUE CAI, de Hitchcock, A PALAVRA, de Dreyer, LUZES DA CIDADE, de Chaplin, e ERA UMA VEZ EM TÓQUIO, de Ozu. Portanto, eu, como membro da Liga, tinha por obrigação já ter visto o filme há muito tempo. E, como começar o ano vendo um clássico tão louvado é satisfação garantida, lá fui eu aproveitar o dia.
Enxergo semelhanças entre A TURBA e AURORA, de Murnau (que acho superior), devido principalmente às discussões tensas entre o casal. Mas A TURBA, embora não tenha a magia, a dramaticidade e a força cinematográfica da obra-prima de Murnau, tem a ousadia de trazer uma história que naquela época, em Hollywood, era banal demais para se levar às telas. Era uma história comum de um homem comum, mas que se torna grandiosa pela força do cinema de Vidor, do modo como ele conta essa história.
Lendo sobre o filme no guia 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer, soube que o protagonista, o então pouco experiente James Murray, cometeu suicídio menos de uma década depois do lançamento de A TURBA. Mas a curiosidade mórbida é que há uma cena de seu personagem, John, quase pulando da ponte de tão triste com a situação em que se encontra – dificuldades profissionais e em casa.
A TURBA é um filme sobre uma cidade grande (no caso, Nova York) que engole as pessoas. Há, claro, aqueles que se destacam dos demais, mas a grande maioria das pessoas é como formiguinhas. E a intenção do casal de protagonistas nem é serem famosos ou algo do tipo, mas crescerem na vida, deixarem de viver em uma casinha apertada. A própria sociedade cobra isso deles, como os irmãos de Mary (Eleanor Boardman, esposa do diretor), que tratam de visitá-los apenas para cobrar deles ascensão social.
Mas tudo isso fica muito pequeno, toda a intenção de ganhar dinheiro se torna algo insignificante na cena da morte de um ente querido. Uma cena que certamente fica na nossa memória como uma das mais pungentes e dolorosas da história do cinema.
Um dos grandes atributos de A TURBA é a sua dinâmica, que faz com que vejamos o filme de uma sentada. Nenhuma cena parece estar sobrando e em vários momentos o uso da câmera é especialmente brilhante, como na cena da morte do pai de John, quando ele tinha 12 anos. Vidor pegou emprestado um recurso do expressionismo alemão. Destaque também para a grua que busca a mesa de trabalho de John em meio a tantas outras daquela empresa.
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