sexta-feira, janeiro 23, 2015

ATÉ QUE A SBÓRNIA NOS SEPARE



Ontem tive mais uma daquelas experiências estranhas de estar em uma sala de cinema sozinho. Até estou mais ou menos acostumado. É comum até em fins de semana, dependendo do filme, imagine numa tarde de quinta-feira. Mas desta vez isso me deixou particularmente triste. Afinal, trata-se de uma animação brasileira feita com muito esforço e muito talento e que foi lançada em apenas seis salas de todo o país. Até seria motivo de orgulho para nós estarmos no rol das poucas cidades que tiveram o filme em cartaz no dia da estreia nacional, já que a local, no Rio Grande do Sul, aconteceu no ano passado.

Muito desse problema (não apenas deste filme em particular mas de tantos outros, principalmente pequenas produções brasileiras) se justifica pela total falta de divulgação. No UCI Parangaba, único cinema da cidade onde o filme passava, não havia sequer um simples cartaz de divulgação. O que se divulga são justamente os blockbusters ou as comédias brasileiras da Globo Filmes. Mesmo as que são atacadas pela crítica acabam ganhando visibilidade, pois as pessoas ficam sabendo de sua existência e não ligam para o que os críticos dizem. Atrás de mim, por exemplo, estava uma moça querendo comprar ingresso para LOUCAS PRA CASAR, um exemplo de filme que foi lançado em mais de 500 cópias em seu lançamento e mais uma ajudinha de praxe da Globo, que faz propaganda de suas produções em seus programas.

Ainda assim, é digno de louvor o trabalho de alguns animadores brasileiros que fizeram filmes mais ousados esteticamente, caso de UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA (2011), de Luiz Bolognesi, e O MENINO E O MUNDO (2013), de Alê Abreu. Esses, junto com ATÉ QUE A SBÓRNIA NOS SEPARE (2013), de Otto Guerra e Ennio Torresan Jr., são obras totalmente diferentes entre si e que também oferecem uma proposta diferente de experiência cinematográfica. Falemos da animação de Guerra e Torresan Jr.

O filme é livremente baseado na peça Tangos & Tragédias, criada e encenada por Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky, e que esteve em cartaz em Porto Alegre por 30 anos. Nicolaiewsky faleceu em fevereiro do ano passado e é a ele que o filme é dedicado, um artista que teve também uma interessante carreira musical. Nota-se em SBÓRNIA que há uma estranheza que não necessariamente está ligada aos hábitos estranhos do povo do lugar, mas que se deve mais à nossa falta de intimidade com a peça. Por isso o filme deve falar de maneira mais forte ao público gaúcho, assim como CINE HOLLIÚDY falou mais ao público cearense. Mas isso não é motivo para não se interessar pelo filme. Ao contrário: é mais um diferencial que torna esse objeto estranho em nosso circuito numa opção imperdível.

O que mais salta aos olhos além dos lindos traços e da animação requintada de ATÉ QUE A SBÓRNIA NOS SEPARE é a sua narrativa anárquica e seu ritmo meio louco. Os envolvidos no filme, que participam na dublagem e nas músicas, parecem estar em família: além de Hique e Nico, que interpretam dois parceiros musicais que animam a Sbórnia com suas canções que parecem saídas da ex-Ioguslávia, há também a presença de Fernanda Takai e de André Abujamra, além de Arlete Salles.

Na trama, a Sbórnia, que é separada do continente americano por uma grande muralha de pedras por dezenas de anos, tem sua muralha derrubada e começa a ser visitada por estrangeiros e vice-versa. O personagem de Nico, por exemplo, fica apaixonado por uma adolescente rica, interpretada por Takai, e que acaba por se tornar a subtrama mais importante da história.

Trata-se de um filme irregular, que poderia ser melhor desenvolvido narrativamente, ter mostrado de maneira melhor os hábitos da Sbórnia (a cena do "futebol viking", por exemplo, é bem problemática). Mas isso é compensado por uma animação que salta aos olhos de tão bonita que é. E o próprio aspecto caótico e onírico da trama acaba nos deixando relevar alguns problemas de ritmo. A animação foi tão caprichada, aliás, que os criadores acabaram quebrando, tendo que pedir dinheiro emprestado ao banco para a finalização da obra.

O mais importante é que a criança nasceu e pode ser vista. Porém, o ideal é que ela seja vista pelo maior número de pessoas possível. Pessoas que estejam abertas a novas experiências visuais, de preferência.

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