domingo, fevereiro 06, 2011
CISNE NEGRO (Black Swan)
Dez anos depois de RÉQUIEM PARA UM SONHO (2000), Darren Aronofsky deixa o espectador novamente saindo do cinema totalmente desnorteado, quase com náuseas. E essa não é a única semelhança do filme de dez anos atrás em relação ao novo e aclamado CISNE NEGRO (2010). De lá pra cá, muita coisa aconteceu. Aronofsky passou de piada (com FONTE DA VIDA, 2006) a cineasta prestigiado e premiado (com O LUTADOR, 2009). E é com o respeito que ganhou com a bela história de um homem decadente que Aronofsky parte para um mergulho mais ousado, fazendo um terror psicológico a partir da história de uma garota (Natalie Portman) e sua obsessão por conseguir o papel principal para o "O Lago dos Cisnes", de Tchaikovsky.
E assim como a personagem de Ellen Bustyn em RÉQUIEM PARA UM SONHO ficou obcecada para emagrecer e começou a ter alucinações com a ajuda das pílulas receitadas pelo médico, a jovem Nina (Portman) também chega a confundir a realidade com seus piores pesadelos. Uma das coisas que mais incomodam em CISNE NEGRO – e quando uso o verbo 'incomodar' não é para depor contra o filme – é o fato de Nina aparecer sempre em dor, com uma expressão de angústia que parece não ter fim. A perfeição que ela quer chegar através da técnica não é suficiente para que ela alcance o que é requerido para o papel. Principalmente porque ela deve desempenhar duas personas e a que corresponde a seu lado negro requer mais sensualidade e visceralidade, coisa que ela tem dificuldade em obter e ainda vê em sua colega Lily (Mila Kunis), uma rival capaz de tomar o seu tão cobiçado papel.
A personagem de Kunis é um contraponto perfeito a Nina. Enquanto uma é atormentada o tempo todo, a outra é cheia de confiança e sensualidade. E as comparações com CLUBE DA LUTA, de David Fincher, são inevitáveis nesse aspecto, como o espectador pode perceber durante o filme. Outras figuras fortes e de autoridade são responsáveis por potencializar a personalidade frágil de Nina: a mãe, vivida por Barbara Hershey, que quer que ela continue sendo uma criança, cheia de bichos de pelúcia no quarto; e o diretor da peça (Vincent Cassel), um personagem dúbio, que pode ser visto como alguém que está ajudando Nina a se tornar mais forte e mais independente, mas também aquele sujeito que quer se aproveitar da ingenuidade da moça. Ou as duas coisas, pois o preto e o branco são sempre faces da mesma moeda.
Por incrível que pareça, alguns momentos do filme lembram bastante A MOSCA, de David Cronenberg. E não me refiro apenas às cenas dos ferimentos que surgem em suas costas e dedos. E como um filme não é feito apenas de diretores e elenco, ajudando a tornar CISNE NEGRO uma experiência sensorial ainda mais perturbadora, o autor da trilha sonora, Clint Mansel (o mesmo da excepcional trilha de RÉQUIEM PARA UM SONHO), faz uma música perfeita para o que se pretende o filme: fazer com que nós entremos na mente perturbada da protagonista. E para isso ele usa muitas vezes variações da própria obra de Tchaikovsky, de uma maneira com que se torne uma espécie de negativo da música. Para completar, a pequena participação de uma estranha Winona Ryder ajuda a compor este quadro de um mundo dominado pela neurose e pela paranoia. E o mais estranho de tudo é que o efeito disso numa obra de arte ainda pode gerar algo belo.
CISNE NEGRO concorre ao Oscar em seis categorias: filme, diretor, atriz (Natalie Portman), roteiro original, fotografia e edição. O belo trabalho de Clint Mansel foi desclassificado por se basear na obra de Tchaikovsky. Provavelmente o único prêmio que deve levar seja o de melhor atriz para Portman. Muito justo para tanto sacrifício e perfeição na composição.
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