sábado, agosto 12, 2023
ASTEROID CITY
Na quinta-feira, lá fui eu para a sala VIP da Cinépolis ver o novo Wes Anderson, ASTEROID CITY (2023). O preço do ingresso, parcelado em suaves 12 parcelas, desce fácil. Além do mais, é preciso escolher a melhor sala de cinema da cidade para ver este filme, já que as cores em tom pastel estão mais claras ainda e, isso, numa projeção ruim, poderia resultar em prejuízo visual. Ok, você pode ver o filme em sua sala, numa ótima televisão LED ou OLED, mas olha: ASTEROID CITY merece uma tela grande, já que há muitos planos gerais e muitos detalhes a ser percebidos. Inclusive o filme pede para uma segunda apreciação, já que os detalhes visuais estilizados podem desviar a atenção para a trama, o que é já natural de se esperar no cinema de Wes Anderson, mas aqui talvez se apresente de maneira mais intensa.
Uma das coisas mais fascinantes no cinema do realizador nem é algo geralmente citado logo de cara nos primeiros parágrafos de reviews sobre seus filmes, já que as pessoas costumam dar mais atenção à plasticidade de sua obra. Refiro-me ao modo como o cineasta bloqueia suas emoções, tanto nas interpretações, que tem algo de Bresson, quanto no quanto há coisas não ditas. Em ASTEROID CITY isso se torna mais visível, e ele deixa escapar um pouco mais dessa sentimentalidade presa numa garrafa neste filme com personagens que agem como numa história em quadrinhos, embora sejam também atores de uma peça que está sendo apresentada num programa de TV.
(Se a referência a Bresson pode não ser muito acertada para alguns, acho que vale reavaliar, já que, pesquisando sobre uma possível ligação entre os dois cineastas, fui parar em duas listas de filmes favoritos de Anderson. Numa delas, para a Criterion, ele cita num top 10 A GRANDE TESTEMUNHA. Aliás, na mesma lista está presente também O ANJO EXTERMINADOR, de Luis Buñuel, cuja trama tem um pouco em comum com a de ASTEROID CITY: ambos mostram pessoas presas num determinado lugar, embora as circunstâncias aqui pareçam menos misteriosas do que em Buñuel.)
Ver ASTEROID CITY representou um novo momento para mim na apreciação do cinema de Anderson. No fundo, eu não entendia de verdade seus filmes. Talvez ainda não entenda. Mas é como se neste filme, finalmente, aquela emoção que eu senti lá com OS EXCÊNTRICOS TENEBAUMS (2001), e que nunca mais foi repetida nos demais filmes do diretor por mim, começasse a ser notada. O tema do luto está bastante forte. Temos uma família que veio enterrar as cinzas de uma falecida esposa/mãe/filha e as criancinhas querem fazer o enterro ali, no deserto daquele espaço com características de lugar tão radiativo quanto os efeitos da bomba atômica que está sendo testada ali ao lado.
E boa parte daqueles personagens vivem num momento de dificuldade, como se tivessem um problema imenso de lidar com a vida, com as pessoas, com os obstáculos. O personagem de Schwartzman, por exemplo, tem vontade de abandonar seus filhos para ir embora, após a morte da esposa. A personagem de Scarlett Johansson usa a maquiagem de um soco no olho para internalizar os sentimentos de quem ela interpretará, uma mulher prestes a cometer suicídio. Aquele momento em que aquelas pessoas estranhas estão tendo a oportunidade de conhecer e conversar com novos indivíduos é uma possibilidade de conexão que elas veem surgir em suas vidas.
Como tem se tornado cada vez mais comum nas obras mais recentes de Anderson, o elenco é um caso à parte e constitui uma diversão por si só ver tanta gente boa e famosa reunida, mesmo que em papéis bem pequenos. Assim como é uma diversão ver a beleza da composição visual milimetricamente pensada, ainda mais neste projeto mais ambicioso, com um monte de personagens em vários cenários de uma cidadezinha fictícia no deserto americano em 1955. Os personagens mais fáceis de serem gostados são os de Jason Schwartzman e Scarlett Johansson, os primeiros nomes dos créditos, mas há pequenos personagens fascinantes, como a de Margot Robbie e o de Jake Ryan, que parecem possuir também cargas de pessoalidade com o cineasta, seja como alguém que se percebe deletada de um universo, seja como um pequeno gênio que está trabalhando ainda sua autoconfiança.
O encontro de Schwartzman com Margot Robbie tem algo de espiritual e de mágico, inclusive. É como se, ao sair daquele mundo artificial, o ator da peça (que vive um fotógrafo) tivesse um encontro com sua falecida esposa, cuja personagem fora deletada na montagem. Sonho e realidade se confundem, neste caso, já que, o que é visto em preto e branco são os bastidores.
Boa parte dos demais parecem pequenos bonequinhos num cenário construído por uma criança. E talvez Anderson seja esse menino nerd que não quer deixar seu gosto pela brincadeira, pela ciência e pela criatividade morrer. Mas um nerd apaixonado pelo cinema, e por isso, para ter uma apreciação melhor de seu filme seja necessário não apenas estar um pouco mais íntimo de seu cinema, mas também ter uma bagagem cinematográfica um pouco maior. Saber que ele é uma fã da Nouvelle Vague francesa, de gente como Godard e Truffaut, pode ajudar a fazer conexões com seus personagens e suas opções estéticas. VIVER A VIDA, de Godard, por exemplo, é um filme que pode ser lembrado ao vermos ASTEROID CITY, já que há uma divisão fragmentada e explicitada por capítulos também no filme de Anderson.
A diferença é que o filme de Anderson explicita seu detalhismo ao fazer divisões e subdivisões entre capítulos, atos e até cenas. A sensação é como lermos um livro. Ou melhor, como lermos uma história em quadrinhos sofisticada. Ou melhor, como vermos um filme que assimila o teatro, a televisão, a literatura, o cinema de animação e as histórias em quadrinhos.
Uma observação de alguém com pouco conhecimento do assunto: sobre o uso da câmera deslizante, bastante presente no filme, acredito que esse recurso fica prejudicado na transformação para o digital. E consta no IMDB que Anderson usou lentes anamórficas, câmera 35 mm, para seu filme. Muito provavelmente possíveis exibições em película ganhariam nesse aspecto.
+ DOIS FILMES
O ENCONTRO DE CARL (Carl’s Date)
Uma bela surpresa este O ENCONTRO DE CARL (2023), de Bob Peterson, curta que pode ser visto nas sessões de ELEMENTOS. Aqui temos Carl, o velhinho de UP – ALTAS AVENTURAS (2009) e seu cãozinho que se comunica, Dug. O que aflige Carl é o fato de que ele não está mais preparado para um novo par, uma nova mulher em sua vida. E o filme consegue passar essa aflição de maneira divertida, mas também empática, em apenas oito minutos de duração. A Pixar de vez em quando acerta. Nem que seja nos curtas.
ELEMENTOS (Elemental)
As animações da Pixar estão evoluindo cada vez mais para serem vistas mais por um público juvenil do que para um público infantil. ELEMENTOS (2023), de Peter Sohn, é uma história de amor proibido entre uma moça do elemento fogo e um rapaz do elemento água. Gosto mais dos personagens do que da história, mais da ideia do que de sua aplicação. Tanto que depois do terço inicial o filme perde sua força, pois passa a depender mais da trama, que é pouco atraente. Interessante que os idealizadores pegam um pouco das características de signos do zodíaco de fogo (impulsivos, agressivos) e da água (sentimentais, sensíveis), levadas ao extremo. Por exemplo, o rapaz e sua família choram aos borbotões, enquanto a menina destrói tudo quando começa a ficar muito irritada. Há situações com potencial de emocionar, e até acho que parte do público se emocionou (houve palmas após a sessão), mas certamente a Pixar já fez muito melhor. Tanto que ELEMENTOS representa um momento de forte crise na companhia e na Disney.
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