domingo, agosto 13, 2023

OS COMPANHEIROS (I Compagni)



Quando percebo que estou dedicando a maioria dos meus textos principais a filmes falados em inglês, eu sei que é necessário trazer (e ver) também títulos de outras nacionalidades. Há tantos, e tão pouco tempo para vê-los e pensar sobre eles.. Claro que o mesmo pode ser dito sobre o cinema americano, seja o da velha ou da nova Hollywood, mas, como não sou um especialista, e quero abraçar tudo, mesmo sabendo que não conseguirei nunca, faço o possível para ir conhecendo diferentes cinematografias e diferentes obras de grandes (ou nem tão grandes) cineastas. Os livros que a Versátil tem produzido, com diferentes recortes e várias críticas que destacam filmes importantes de autores e de diferentes gêneros, tem sido uma espécie de farol para mim. E por causa deste livro e dos lançamentos em DVD que estou acompanhando, tenho tido a chance de diminuir um pouco minha ignorância sobre certas obras essenciais.

Tenho uma lacuna imensa, por exemplo, com o cinema de Mario Monicelli. Peguei para ver do box O Cinema de Mario Monicelli este OS COMPANHEIROS (1963), que foi o escolhido pela Versátil para integrar os ensaios presentes no livro O Cinema de... (O texto, aliás, é de José Geraldo Couto, um dos críticos que mais contribuiu para minha primeira formação cinéfila, na melhor fase da revista SET). Ou seja, OS COMPANHEIROS foi destacado como uma das principais obras do realizador, talvez seu melhor trabalho.

O filme já me conquistou de imediato com o modo humano com que lida com seus vários personagens. Neste filme-coral que ganha uma espécie de protagonista lá pela meia hora de duração (Marcello Mastroianni), somos apresentados à realidade dura de trabalhadores de uma indústria têxtil na virada para o XX, na cidade de Turim. Logo numa das primeiras cenas, um dos trabalhadores perde a mão num acidente de trabalho. A partir de então, seus companheiros procuram pensar em estratégias para chamar a atenção dos patrões. Afinal, trabalhar 14 horas por dia e ainda se alimentar mal é como pedir para que um acidente como esses aconteça com mais frequência.

Há cenas antológicas, como quando os trabalhadores tentam segurar os desempregados vindos de outra cidade para trabalhar na fábrica, e com isso estragar a greve, ou o discurso final do professor vivido por Mastroianni para incentivar a continuidade da luta. Para nós, brasileiros, é fácil nos identificarmos com OS COMPANHEIROS, e nos lembrarmos da obra-prima ELES NÃO USAM BLACK-TIE, de Leon Hirszman. Monicelli, que ficaria mais famoso por suas comédias, aqui traz também doses de humor na apresentação carinhosa de seus personagens simples, sofridos e às vezes amargos, como é o caso da prostituta vivida por Annie Girardot. E tudo isso com um cuidado imenso com a mise-en-scène, com fotografia e direção de arte magníficas.

É também um filme que nos faz lembrar da fome como elemento primordial de dominação dos empresários para manipular a mão de obra barata. Um dia desses, ao sair de uma sessão de terapia, estive pensando no quanto as canções destacam tanto o amor (ou a perda de um amor), enquanto muito pouco se fala sobre a angústia diante de dificuldades financeiras, como se essa preocupação fosse menos nobre. Já o cinema, principalmente o italiano, abraça esse tema sem medo e com resultados muitas vezes arrebatadores.

Inclusive, quando comecei a ver OS COMPANHEIROS, até pensei que aquela sociedade era contemporânea (anos 1960) ou do pós-guerra, já que nesse período houve muita miséria, já muito explorada nos filmes do Neorrealismo. Mas saber que se passa no final do século XIX ajuda também a trazer o filme para o humanismo e talvez menos para os governos socialistas de países como União Soviética ou Cuba. É um filme de esquerda que deve ter trazido muito mais gente à causa operária do que os textos dos filósofos socialistas mais clássicos.

Quanto a Marcello Mastroianni, é impressionante constatar que ele era, naquele momento, um dos maiores atores do mundo. Só no mesmo ano (1963) ele fez ONTEM, HOJE E AMANHÃ, de Vittorio De Sica, e 8 E ½, de Federico Fellini. No ano anterior, vinha do melodrama DOIS DESTINOS, de Valerio Zurlini, e no seguinte faria a comédia MATRIMÔNIO À ITALIANA, de De Sica.

Já Mario Monicelli, trata-se de um dos maiores diretores de comédias italianas de todos os tempos, com filmes como OS ETERNOS DESCONHECIDOS (1958), O INCRÍVEL EXÉRCITO DE BRANCALEONE (1966), MEUS CAROS AMIGOS (1975), entre outros. Enfim, há muito a explorar e conhecer de sua filmografia.

+ DOIS FILMES

BROKER – UMA NOVA CHANCE (Beurokeo)

Bela história de uma “família” que se forma a partir de uma situação inusitada. Em BROKER – UMA NOVA CHANCE (2022), temos uma jovem que abandona o filho recém-nascido, dois homens que pegam a criança para vender (eles são intermediadores desse tipo de negócio) e um garotinho órfão que se junta à trupe. Hirokazu Koreeda constrói uma espécie de road movie em que seus personagens (e suas tramas) vão ganhando mais força emotiva à medida que as negociações se aproximam e o filme se encaminha para sua conclusão. Ao mesmo tempo, temos duas policiais que têm a intenção de prendê-los em flagrante. O diretor segue sua tradição de lidar com questões familiares de forma sensível, mas contando, desta vez, com o novo tempero de interpretações sul-coreanas. Destaque para Song Kang-ho, de PARASITA, que ganhou o prêmio de atuação em Cannes-2022. Pena que a projeção escura da sala do Belas Artes incomoda um pouco a fruição.

BEM-VINDOS DE NOVO

Filmes como BEM-VINDOS DE NOVO (2021) são muito expositivos da intimidade de uma família, mas, curiosamente, este não me pareceu tanto, não chega a causar constrangimento por certas situações. Na verdade, logo no começo, há coisas não ditas que conferem ao filme um ar intrigante. Afinal, qual o motivo de um casal ter saído do Brasil para ir ao Japão, deixando seus três filhos pequenos, e só voltando 13 anos depois? O diretor e filho do casal, Marcos Yoshi, conta tudo com muita sinceridade e deixa transparecer de forma explícita a personalidade forte e indignada do pai. A revolta do pai consigo mesmo e com os países que não foram gentis com ele é um destaque. Além do mais, causa indignação pensar em pessoas que trabalham 12 horas por dia numa fábrica (de um país tão rico quanto o Japão) para voltarem para seu país sem um bom dinheiro, após mais de uma década. Há muitas cenas que causam emoção, mas tudo fica dentro de uma espécie de linha de segurança. Ainda assim, certamente é um filme que ficará presente na nossa memória afetiva por um bom tempo.

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