segunda-feira, abril 01, 2019

UMA CANTA, A OUTRA NÃO (L'une Chante l'Autre Pas)

Como o blog anda meio parado e a última em vez que escrevi aqui foi para homenagear o cineasta Domingos de Oliveira, falecido recentemente, e como agora a homenagem é para outro cineasta que se foi para um novo plano astral, fica essa impressão de que esse espaço se transformou em um local de despedida de pessoas queridas e, no caso desses, em especial, também de lamento pelo fato de não ter visto os filmes que deveria. No caso de Agnès Varda, a situação ainda é pior para mim, levando em consideração que ela tem mais de 50 títulos na direção.

Figura importante na história do cinema francês e contemporânea da turma da Nouvelle Vague, ainda que pertencente a outro grupo, junto com o então marido Jacques Demy, Varda foi vítima do machismo que impera em nossa sociedade e que o cinema naturalmente assimilou. É por isso que atualmente tem se buscado uma maneira de diminuir essa diferença de louvação de diretores homens e mulheres, através do reconhecimento e descoberta do trabalho das grandes cineastas da história do cinema. E não há dúvidas de que Agnès Varda está entre as mais importantes do mundo.

Atuando por sete décadas, a cineasta que faleceu aos 90 anos no último dia 29, experimentou bastante, fazendo tanto ficção quanto documentário e sendo uma das pioneiras de um cinema essencialmente feminista. UMA CANTA, A OUTRA NÃO (1977), por exemplo, é um desses filmes em que esse tema se mostra poderoso.

Acompanhamos aqui a história da amizade entre duas mulheres de diferentes estilos de vida ao longo de quase duas décadas. Começando em 1962, a trama apresenta Pauline aka Pomme (Valérie Mairesse) e Suzanne (Thérèse Liotard) passando por pelo menos duas situações perturbadoras. Uma delas é o aborto da amiga mais velha, Suzanne, que, ao não ter condições financeiras de manter um terceiro filho, é encorajada pela jovem amiga de então 17 anos a fazer um aborto. A outra situação é ainda mais perturbadora, e embora seja algo que as una espiritualmente ainda mais, será o fator que as distanciará fisicamente.

Vivendo em cidades diferentes, Pomme e Suzanne se encontrarão novamente apenas 10 anos depois, durante uma manifestação a favor do aborto. A questão do direito de ter filhos quando desejar é tão importante na trama quanto a dádiva e a alegria de ser mãe. Assim, há momentos musicados no filme em que os dois temas são cantados. Inclusive, uma das cenas mais belas é a ida de um grupo de mulheres em um barco para uma clínica de aborto na Holanda.

É lá que Pomme passa a namorar um rapaz iraniano, Darius (Ali Rafie), que está passando alguns meses na Europa. Pomme gosta de cantar e participa de apresentações musicais. Quando a peça em que está participando não dá certo, ela aceita o convite de Darius de ir com ele até o Irã. Apaixonada, ela aceita a proposta. Enquanto isso, Suzanne se sente tentada a ter um relacionamento com mais um homem casado.

Um dos méritos do filme é contar a história dessas duas mulheres com idas e vindas no tempo de maneira muito hábil e estabelecendo uma proximidade com as personagens, através dos textos dos cartões postais usados para correspondência entre as duas. Assim, depois de um salto de 10 anos, o filme volta no tempo para contar o que aconteceu entre os anos de distância entre as duas protagonistas.

Embora tenha gostado mais de Suzanne , o filme dá mais destaque a Pomme , até por ela ter uma vida mais ativa, sem filhos para prendê-la ao lar durante mais tempo. Assim, enquanto Pomme é alegre e sempre disposta a aventuras, Suzanne tem um sorriso geralmente triste, talvez por carregar o trauma da morte do antigo companheiro, mas também por não ter muita sorte nos relacionamentos e na vida financeira.

Por mais que alguns cineastas homens tenham lidado muito bem com a alma feminina, como Bergman ou Cukor, ter uma cineasta mulher abordando assuntos da feminilidade com força e sensibilidade faz muita diferença. Além do mais, quem só conhece Varda do recente VISAGES, VILLAGES (2017), pode ver em ELA CANTA, A OUTRA NÃO um momento em que a diretora já gostava de filmar em viagens no interior não-atores participando das cenas. Não à toa, Varda é tão querida: ela expande o amor para além de suas personagens.

+ TRÊS FILMES

IMAGEM E PALAVRA (Le Livre d’Image)

Não deixa de ser uma experiência bem interessante poder ver uma colagem de imagens do Jean-Luc Godard em pleno 2019. Pena que as imagens são mostradas de maneira tão rápida e com um ruído tão incômodo que fica muito difícil de estabelecer conexões e entender os elos, de modo a buscar uma aproximação maior com a obra. Sabemos que Godard dificilmente é fácil e o filme é pra ser incômodo mesmo, mas poderia ao menos ter saído da sessão com certos questionamentos. Acabei saindo com sono mesmo. Ano: 2018.

NORMANDIA NUA (Normandie Nue)

O curioso deste filme, que lembra bastante o inglês OU TUDO OU NADA pela temática (mas sem a mesma graça, claro), é o quanto ele consegue ser careta. Talvez a intenção seja aproximar-se das pessoas do vilarejo, que ficam em polvorosa com a história da fotografia com todos nus. Não deixa de ser um filme simpático (o diretor é o mesmo do ótimo A VIAGEM DE MEU PAI), mas isso não é suficiente. Quando eu penso em cinema francês, jamais vou querer pensar nesse tipo de cinema. Direção: Philippe Le Guay. Ano: 2018.

O PARQUE (Le Parc)

É um filme que cresce à medida que pensamos nele. Muitas imagens ficam fortes na lembrança. Ele se constrói de maneira realista, como uma espécie de romance tímido entre dois jovens, mas depois vai ficando mais misterioso. Na trama, dois jovens se encontram pela primeira vez em um parque. Seria um encontro amoroso, mas um deles não se interessa tanto a ponto de querer um relacionamento. Grande filme. Direção: Damien Manivel. Ano: 2016.

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