quinta-feira, abril 04, 2019

ELEGIA DE UM CRIME

Há quem diga que Cristiano Burman, diretor de ELEGIA DE UM CRIME (2018), construiu sua obra (ou boa parte dela) em torno da morte de três familiares seus. Para quem não sabe, este novo trabalho é o terceiro da chamada trilogia do luto, que começou com os filmes CONSTRUÇÃO (2007), sobre a morte do pai do diretor, e MATARAM MEU IRMÃO (2013), de título autoexplicativo.

Como não cheguei a ver ainda os dois anteriores, só posso falar de ELEGIA DE UM CRIME, que considero um trabalho bem impactante e diria que bastante respeitoso no que se refere à figura da mãe. Pode haver algum oportunismo, mas a história das obras de arte é cheia desse tipo de situação, em que artistas procuram transformar uma tragédia ou uma dor em algo belo, transcendental.

ELEGIA DE UM CRIME traz à tona uma série de questionamentos, a partir da apresentação de familiares e da história que vai sendo construída da vida e da morte de Isabel Burlan da Silva, assassinada pelo namorado, aos 52 anos de idade. O crime ocorreu em 2011 e Burlan volta a Uberlândia para conversar com os irmãos e também com outras pessoas próximas sobre fatos relativos à mãe.

E eis que no meio de tudo isso, uma revelação sobre o próprio diretor é feita: ele foi adotado. Isso pode trazer à tona alguns questionamentos a respeito da natureza do sangue como possível elemento de dádiva ou maldição para uma família. Afinal, Cristiano parece muito diferente dos outros dois irmãos, que enveredaram pelo crime e passaram pela prisão mais de uma vez.

Um dos irmãos, inclusive, é o personagem mais trágico da história, mostrando-se extremamente fragilizado, física e espiritualmente, e muito arrependido de tudo que fez na vida. Conta do preconceito que sofre por ter fama de ladrão, mas logo em seguida o diretor faz questão de mostrar que o mesmo rapaz cairia mais uma vez, como se roubar ou cometer um crime fosse uma doença, tanto quanto o alcoolismo ou o vício em outras drogas. Mas sabemos que as circunstâncias econômicas e sociais são também fundamentais para o que ocorre com essa família.

Mas, voltando à questão da adoção, o momento mais emocionante do filme é a conversa de Cristiano com a irmã, que diz já saber sobre ele ter sido adotado e até conta a comovente história de Isabel e o filho que nasceu morto. Daí ela ter compensado com uma criança adotada e até fantasiava um parto de Cristiano, como se para apagar a perda da criança que não sobreviveu.

E o curioso é que essas questões se mostram até mais intensas na estrutura dramática do filme do que a própria morte da mãe de Burlan, que é o motivo de o filme existir. De todo modo, a figura da mãe e as circunstâncias trágicas de sua morte fornecem muitos momentos fortes, como o descaso da polícia, coisa que já aparece desde o prólogo, com Cristiano ligando para a Polícia Militar de uma cidade informando o paradeiro do assassino e recebendo a resposta de que isso não é da alçada deles. Há também a visita à casa onde ocorreu o crime etc. Assim, se há oportunismo por parte do cineasta, o resultado do filme faz com que nos esqueçamos disso e nos solidarizemos com o drama daquela família.

+ TRÊS FILMES

O SILÊNCIO DOS OUTROS (El Silencio de Otros)

Filme importante para estes tempos de ascensão da extrema direita no mundo. O caso da Espanha tem semelhanças com o que ocorreu na América Latina e em outros países, com ditaduras sendo levantadas e patrocinadas pelos Estados Unidos para bloquear o comunismo e levando à morte e à tortura de muitos. No caso da Espanha, a situação foi bem complicada, pois a Lei da Anistia também perdoou aqueles que torturaram. O filme começa em 2010 e vai até 2017, acompanhando o drama de pessoas que buscam justiça.O final é emocionante. Na minha sessão, houve gritos de "Lula livre". Direção: Almudena Carracedo e Robert Bahar. Ano: 2018.

SEXO NOS QUADRINHOS (Sex in the Comix)

Belo documentário exibido na GNT sobre quadrinhos eróticos. Contém depoimentos de mestres da nona arte, como Milo Manara, Robert Crumb, Zep, Bastien Vivès, que eu nem sabia que tinha escrito erótico... E ainda tem uma apresentadora-quadrinista gatíssima (Molly Crabapple). Deu vontade de ler mais obras do gênero. Atualmente tenho achado que diminuiu bastante a publicação. Até Manara está saindo pouco. Direção: Joëlle Oosterlinck. Ano: 2012.

BERGMAN 100 ANOS (Bergman – A Year in the Life)

Uma beleza este documentário comemorativo de um dos maiores gênios do cinema mundial. O que me assustou foi o tanto de coisas com que eu me identifiquei com o atormentado Bergman. Pena que não tenho o talento nem a sorte com as mulheres, só as dores e as angústias. O formato é bem tradicional, com entrevistados e cenas dos filmes e relatos mais ou menos em ordem cronológica, mas funciona muito bem. Direção: Jane Magnusson. Ano: 2018.

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