quinta-feira, maio 14, 2020

M - O VAMPIRO DE DUSSELDORF (Eine Stadt Sucht Einen Mörder)

Como ainda não tenho tanta intimidade com o cinema de Fritz Lang, acabo ficando um pouco intimidado para escrever a respeito, ainda mais em se tratando de uma obra tão grandiosa quanto M - O VAMPIRO DE DUSSELDORF (1931). Mas tentarei falar um pouco de algumas impressões que tive. A intenção é ver mais obras de Lang (quase todas), a fim de preencher as enormes lacunas.

O que mais me chamou a atenção nesta revisão de M foi o uso do som. Até dei uma "googlada" em alguns textos e vi que há alguns estudos imensos sobre a abordagem do som neste filme em particular, que foi, sim, revolucionária. Afinal, quando falamos de filmes do início dos anos 1930, sentimos aquele problema de um uso do som ainda um tanto deficiente, já que era um momento de transição. Lang, ainda por cima, fez do som um elemento fundamental para a narrativa, já que o assassino (Peter Lorre) está sempre assobiando quando se aproxima de uma de suas vítimas, sempre uma criança.

A ideia para o filme veio através de discussões entre Lang e sua então esposa Thea von Harbou, que co-assinou o roteiro junto com o diretor. Na discussão, eles se perguntavam qual seria o crime mais bárbaro, mais repugnante para ser abordado em seu futuro filme. E a partir dessa discussão veio o consenso de fazer um filme sobre um assassino de crianças. Não apenas um assassino, mas também um estuprador, o que é algo ainda mais terrível.

E para não ficar apenas nas estatísticas e na informação em si, o filme já começa mostrando a situação de desespero de uma mãe, que prepara a mesa para sua filha, que estava voltando da escola. Infelizmente, a pequena Elsie não volta. Ela é a nova vítima do maníaco. A primeira aparição do assassino é também bem memorável, com utilização de uma sombra sobre um cartaz que oferece recompensa para a captura do monstro.

Outra coisa que chama a atenção em M é o quanto os personagens principais demoram a se destacar, já que a narrativa nos apresenta a muitas pessoas comuns lidando com a situação, seja se revoltando em conversas em bares, seja confundindo homens inocentes na rua, seja se preparando para uma caçada coletiva ao assassino - sensacional a formação conjunta de mendigos nas ruas como espiões para a caçada. Destaque também para a montagem de cenas que mostram a mobilização tanto da polícia, quanto da organização criminosa, que estava se sentindo prejudicada em seus negócios e percebe que precisaria juntar forças para apanhar o assassino também.

Um dos aspectos mais curiosos de M está no fato de que, uma vez que conhecemos mais de perto o assassino, através daquele monólogo antológico, quando ele enfrenta um julgamento popular no submundo do crime, é que ele não se vê como a pior pessoa do mundo. Afinal, ele não consegue domar o demônio interior que o força a cometer os assassinatos, enquanto que a maioria das pessoas age conscientemente do mal que estão fazendo. É uma ousadia e tanto para um filme, algo que muito dificilmente seria aceito se M fosse rodado em Hollywood.

E há essa ligação de Lang, essa aproximação dele com o criminoso, talvez por ele também carregar algum tipo de culpa. Ele mesmo, que foi chamado de assassino depois que sua esposa anterior cometeu suicídio após flagrá-lo na cama com a então amante Thea von Harbou. Durante algum tempo, Lang foi suspeito de assassinato da esposa. E o filme também nos dá um final aberto, o que o deixa ainda mais intenso, com a visão das três mães.

As novas cópias disponíveis acentuam a beleza da fotografia de Fritz Arno Wagner, que tem em seu currículo obras como NOSFERATU, de F.W. Murnau, e um trabalho anterior de Lang, OS ESPIÕES (1928). No elenco, além de Lorre, brilham também Gustav Gründgens, que faz o rei do crime de luvas pretas, e Otto Wernicke, no papel do inspetor Karl 'Fatty' Lohmann.

+ TRÊS FILMES

A CASA QUE JACK CONSTRUIU (The House That Jack Built)

Dos melhores trabalhos do Lars von Trier, este filme sobre a psicopatia de um homem tem muita semelhança com o trabalho anterior do diretor. Se antes era o sexo o tema, agora é a violência, mas ambos os filmes trazem co-narradores que dialogam com o protagonista em sua história de declínio espiritual. Há pelo menos uma cena bem barra pesada, mas o que me encantou foi mesmo a sequência final. Como aconteceu com ANTICRISTO (2009), é filme para ficar pensando a respeito bastante.

O ANIMAL CORDIAL

Eu não esperava encontrar um dos filmes mais incômodos que eu já vi neste primeiro longa-metragem de Gabriela Amaral Almeida, que já tinha uma bem-sucedida carreira de curtas. Adoro A MÃO QUE AFAGA (2012) e principalmente ESTÁTUA! (2014). Então, a gente já sabia de seu gosto e interesse pelo filme de gênero, e o quanto de valioso ela ia adicionar ao nosso cinema. O que me surpreendeu foi o modo como ela mostrou a violência não como algo fascinante, como em um filme do Peckinpah, do Tarantino ou do Scorsese, mas como um sentimento extremamente perturbador mesmo. E ainda tratar de questões sociais, como as relações entre empregada e patrão, de preconceito etc. Ano: 2017.

CUSTÓDIA (Jusqu'à la Garde)

Tendo a Supo Mungam Films já deu pra notar que estávamos diante de um filme diferente do que normalmente se vê no Festival Varilux. E que bom. CUSTÓDIA é tenso desde o começo, mas essa tensão vai crescendo. Arriscado dizer que pessoas muito sensíveis podem achar o filme muito pesado, psicologicamente. Destaque para os planos mais longos. Direção: Xavier Legrand. Ano: 2017.

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