Não estava nos meus planos rever AMANTES (2008), de James Gray, tão cedo. Mas o pessoal do Cinema na Varanda fez uma votação entre os leitores para discussão no quadro "Cinemateca da Varanda" e este filme acabou ganhando de outros três. Eu mesmo votei em AMANTES para rever, inclusive. E ouvir a discussão da turma foi o que mais me incentivou a escrever sobre o filme hoje. Ia deixar para amanhã ou outro dia. Durante a discussão, alguns membros, principalmente Tiago Faria, comentaram sobre o quanto a percepção sobre a obra mudou em relação à primeira vez que viram o filme, na época em que ele foi lançado nos cinemas. Eu também tive essa percepção bem distinta.
Quando vi o filme nos cinemas, eu estava apaixonado. Muito em sintonia com o sentimento confuso de Leonard, o personagem de Joaquin Phoenix. Se não me engano, eu sequer percebi o quanto a vizinha Michelle, vivida por Gwyneth Paltrow, não estava mesmo dando bola para o protagonista. Só porque a loira foi simpática e afetuosa com ele não quer dizer que ele tivesse tanta chance. Enquanto que o relacionamento mais certo porém sem paixão com a personagem Sandra (Vinessa Shaw), a morena, se tornava menos interessante, talvez justamente por isso. Claro que tem a questão da beleza e de certa atratividade com o fato de a loira ser uma garota cheia de problemas; isso tudo conta pontos na cabeça de pessoas mais românticas. E por românticas falo de pessoas que têm um pé nos excessos e até mesmo na morbidez.
Fui reler o que escrevi sobre o filme em 2009 sob os efeitos da paixão e achei interessante o quanto consegui ainda ser razoavelmente racional mesmo estando em uma situação de embriaguez emocional e dor no peito (ou algo parecido). De todo modo, com o distanciamento e com o coração livre de hoje (por assim dizer), percebo o quanto Leonard se deixa levar pela fantasia de querer jogar tudo para cima e fugir com a mulher amada (o que quase acontece), e o quanto ele podia estar perdendo uma chance de ouro ao ter ao lado de si uma pessoa tão carinhosa e especial como Sandra.
Outro aspecto que poderia ser levado em consideração seria o quanto a família representava uma espécie de prisão para Leonard, não apenas por tentar procurar ajudá-lo, até mesmo apontando uma namorada para ele, mas também por não dar o devido espaço ao rapaz para que ele pudesse agir de maneira mais livre, por mais que seu transtorno bipolar e seu comportamento suicida fossem sim motivos de preocupação. Agora, vendo o filme, eu entendo o quanto essa família também é extremamente amorosa, tanto a mãe, quanto o pai. E o pessoal da Varanda lembra, de maneira feliz, da cena da escada, do abraço, com Isabella Rossellini simbolizando a matriarca que deseja o melhor para o filho.
Mas AMANTES não seria tão especial se não fosse tão rico como cinema. Passei boa parte do texto falando sobre a minha relação de identificação e empatia com os personagens e não falei no quanto James Gray foi fantástico ao dirigir certas cenas. As duas cenas no terraço do prédio se passam com pouca iluminação, uma delas quando o sol ainda estava nascendo. Essa ambientação traz um sentimento muito especial para aquela situação de desejo intenso de Leonard por Michelle. E também representativo de um estado de espírito mais nebuloso. Há também uma cena de tempestade, quando Leonard recebe uma ligação de Michelle precisando de ajuda: ela acabara de sofrer um aborto espontâneo.
Enquanto isso, as cenas com Sandra são agradáveis e impregnadas de um tipo de paz interior, ainda que essa paz seja pouco valorizada por Leonard, figura tão mais interessada em explosões de sentimentos, tão mais atraído pelas paixões, por mais que ele entenda que paixão também significa sofrimento. Em determinado momento do filme ele diz para Michelle: eu sei o que é amor, eu já amei alguém. E, de fato, Michelle pode ter provocado uma vontade de viver que estivesse faltando na vida do rapaz. Sei disso também por experiência própria, inclusive, agradecendo a uma moça que não me quis lá por 2007, mas que trouxe de volta esse sentimento intenso novamente.
AMANTES é uma prova de que o amor e o cinema sempre andam de mãos dadas. E essa confusão de sentimentos, de pensamentos, de dualidades, de ambiguidades que um filme como este é capaz de trazer só reforça essa união.
+ TRÊS FILMES
EMA
Eu costumo me irritar, por um motivo ou outro, com os filmes do Pablo Larraín. Por isso que fiquei tão surpreso ao ter adorado JACKIE (2016), sua experiência em cinema de língua inglesa. Aqui, de volta ao seu país, ele novamente nos apresenta a uma mulher que vive um turbilhão de emoções e tribulações. Ela e o marido devolveram para adoção a criança que eles tinham como filho, depois de algumas presepadas pesadas do menino. Junta o sentimento de culpa com o julgamento da sociedade. E depois uma busca criativa de redenção de Ema. Mariana Di Girolamo é sim uma mulher atraente, especialmente quando olha nos olhos daquelas pessoas a quem quer seduzir; mas às vezes parece que o filme não consegue fazer com que nos apaixonemos por ela, talvez pela busca do diretor por um cinema tão focado na forma que o sentimento acaba sendo prejudicado. E o que é aquele aviso de sexo explícito no início do filme? Se tem, eu não vi. Ano: 2019.
YESTERDAY
Uma ode aos Beatles, à genialidade desses caras que mudaram o mundo. O ponto de partida do filme por si só já é muito atraente e confere um monte de situações divertidas. Só não achei que funcionou como química a questão do romance entre o protagonista e a bela amiga vivida por Lily James. Acredito que o filme foi apressado em muitos aspectos, inclusive em não fornecer uma base maior e melhor para a construção do sentimento entre os dois. Isso o tornaria tão mágico quanto outros clássicos roteirizados por Richard Curtis. E com as canções dos Beatles, então, teria sido ainda mais mágico. Mas não há muito o que reclamar além disso. O filme é uma delícia de ver e mais uma vez pensamos no quanto o quarteto de Liverpool foi fantástico em criar um conjunto de canções tão impressionante em um espaço de tempo tão curto. Nenhuma outra banda faria algo igual. Direção: Danny Boyle. Ano: 2019.
ENTRE TEMPOS (Ricordi?)
Segundo filme italiano seguido que me faz renovar a esperança num reerguimento da cinematografia do país. É um filme que exige um pouquinho mais do espectador. A montagem é um tanto recortada, lembrando os primeiros filmes de Alain Resnais, embora em alguns momentos também lembre Khouri. É um filme sobre a memória na vida de um homem e uma mulher que se conhecem e se apaixonam. As memórias, como lhe são características, não obedecem muito bem uma linha cronológica. Mas mesmo tendo algum vai e vem, ENTRE TEMPOS é um filme que segue uma linha do presente para o futuro, tendo o passado como um tanto borrado. Gosto muito das digressões dos personagens sobre o tempo e sobre a memória. Nos faz pensar no quanto cada momento acaba se tornando algo muito pouco palpável, mesmo quando estamos apreciando o momento presente. Direção: Valerio Mieli. Ano: 2018.
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