sexta-feira, maio 29, 2020

O HOTEL ÀS MARGENS DO RIO (Gangbyeon Hotel)

O HOTEL ÀS MARGENS DO RIO (2018) é o décimo filme de Hong Sang-soo que vejo, mas o primeiro visto na telinha. Mesmo sendo um diretor de que eu gosto muito e que sempre me trouxe alegria nas minhas idas ao cinema, não havia tido disposição até então de ver um trabalho dele em casa, por mais que até já tenha deixado alguns títulos na agulha, prontinhos para ver. Agora que o novo trabalho dele teve um lançamento direto em streaming me vi na posição de que não há alternativa, neste atual momento de ser tão otimista quanto à abertura em um futuro próximo das salas de cinema, nas mesmas condições de antes, tão cedo. Sendo assim, o jeito é aproveitar a calma da madrugada para buscar adentrar a atmosfera tão própria de seus filmes.

O HOTEL ÀS MARGENS DO RIO pertence à nova leva de produções do diretor que aproxima mais suas obras da melancolia do que do humor, a exemplo do que ele fez em NA PRAIA À NOITE SOZINHA (2017) e O DIA DEPOIS (2017). Ambos os filmes e também este mais novo trabalho trazem a musa de Sang-soo, Kim Min-hee, pivô do fim de seu casamento. O novo filme tem mais um clima de O DIA DEPOIS, inclusive pela opção pela fotografia em preto e branco, que funciona muito bem em seus tons prateados com o branco da neve que impera nas cenas nos exteriores.

A repetição, algo que já se impôs como uma marca do autor, surge aqui menos na narrativa e mais para quem já é familiar às obsessões do cineasta, como a presença de artistas que adoram ser paparicados e reconhecidos por seus feitos, principalmente por pessoas do sexo oposto; os elogios um tanto bobalhões às mulheres; as atitudes masculinas imaturas; o álcool como catalisador das emoções contidas etc. Assim, podemos dizer que, uma vez que nos acostumamos e gostamos da experiência que é ver um filme de Sang-soo, ver esse tipo de repetição é muito agradável. Mal comparando, é como entrar em uma sessão de um Woody Allen e já sorrir ao ver os créditos em tela preta de preferência com um jazz tocando.

E até há quem diga que Sang-soo faz sempre os mesmos filmes, mas isso não é bem verdade. Ele pode se repetir e trazer a ideia da repetição como algo genial, inclusive, através de obras como A VISITANTE FRANCESA (2012) e CERTO AGORA, ERRADO ANTES (2015), que trazem as repetições como possíveis tentativas de acertar, diante dos tantos erros que se comete na vida. No entanto, cada obra sua carrega algo de novidade.

Em O HOTEL ÀS MARGENS DO RIO, o personagem mais amargurado é um poeta idoso que está morando no tal hotel do título. Ele tem tido pesadelos e marca encontro com os dois filhos. Ele não teve um contato maior com esses filhos depois da separação. E isso o perturba tanto quanto deixa nos filhos um sentimento de rejeição profundo, que só se torna mais evidente quando os três estão em uma mesa de um restaurante já bastante ébrios, prontos para verbalizar aquilo que tanto lhes incomoda. Outro detalhe curioso é o quanto este senhor tem pensado na morte, e o quanto ele imagina que ela está próxima de si.

Apesar do tema espinhoso e de ser um dos trabalhos mais melancólicos de Sang-soo, há ainda algum tipo de leveza própria do cineasta que faz com que as dores dos personagens ganhem certo distanciamento, para o bem e para o mal. No caso da personagem de Kim Min-hee, por exemplo, não sabemos ao certo o que aconteceu para que ela esteja de coração partido. O filme acaba por trazer mais presente o drama da família do poeta e seus filhos do que das duas amigas, gerando um certo desequilíbrio. Pode até ter sido proposital, mas acaba por comprometer um pouco a ligação personagem-espectador.

Se bem que é sempre bom levar em consideração o grau de sintonia com a obra. Se isso já é algo que deve ser considerado em qualquer obra, talvez em Hong Sang-soo seja um fator determinante para que a poesia do filme alcance quem o está vendo.

+ TRÊS FILMES DE HONG SANG-SOO

CONTO DE CINEMA (Geuk Jang Jeon)

Em comparação com os trabalhos mais recentes de Sang-soo, este CONTO DE CINEMA parece até um tanto amador. Mas estão lá o estilo e as obsessões do diretor, presentes em quase todas as obras seguintes. A figura do homem patético e inseguro e também a figura do diretor de cinema, os personagens buscando a saída da infelicidade no álcool, o zoom desconcertante etc. Confesso que o filme até me pareceu um pouco confuso, como se houvesse arestas a serem aparadas ainda. Ou então seria necessária uma revisão quase que imediata. As cenas de sexo são destaque, mas não por serem excitantes ou coisa assim, mas por também trazerem muito dessa sensação de desconforto que impregna os personagens e os filmes do diretor. Ano: 2005.

O FILME DE OKI (Ok-hui-ui Yeonghwa)

Uma diferença e tanto um Sang-soo de 2010. Aqui temos uma espécie de filme em episódios, mas com os personagens interpretando os mesmos papéis, em situações e pontos de vista distintos. O ideal é rever o filme, já que demorei um pouco para perceber a brincadeira do diretor. Embora seja um filme que mostre as angústias de seus personagens (como praticamente todos os outros), ainda não seria envolvido pela melancolia das obras a partir de 2015. O quarto e último segmento é um primor, tratando a repetição de maneira muito inventiva.

A MULHER É O FUTURO DO HOMEM (Yeojaneun Namjaui Miraeda)

Mais um filme da fase inicial de Sang-soo que talvez fosse beneficiado com uma revisão. Senti dificuldade em entrar na narrativa e de me aproximar dos personagens. Fica a impressão de algo etéreo (o fato de algumas cenas serem sonhos com marcação não exatamente definida ajuda isso) e com algum distanciamento da maturidade e da dimensão mais dramática das obras mais recentes do diretor. Ainda assim, é uma obra que traz muitas cenas que ficam gravadas na mente, especialmente as que envolvem sexo e violência. O modo como o diretor faz uma crítica às figuras masculinas é bem explícito e seriam uma marca em quase todos os seus outros filmes. Senão em todos. Ano: 2004.

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