Ontem, ao terminar de ver MARIA (2005), escrevi umas palavras que hoje já não me representam tanto assim. O que eu disse foi: "Quando a gente começa a amar os filmes de Ferrara, até obras menores e consideradas imperfeitas como MARIA se revestem de uma profundidade e de uma relevância impressionantes." Após passadas algumas horas e tendo lido alguns textos fantásticos sobre o filme, só percebo que, assim como outros trabalhos dele imediatamente anteriores, uma revisão imediata deste trabalho de Abel Ferrara só faria bem e o engrandeceria ainda mais. E que este filme não é em nada uma de suas obras menores.
MARIA parece ser diferente dos outros trabalhos do diretor, pois aqui não temos sequer personagens que transitam pelo mundo da criminalidade, embora possamos ver o personagem de Forest Whitaker como um jornalista de poucos escrúpulos que lembra um dos vampiros dos filmes de Ferrara, ou o próprio diretor do filme dentro do filme ("This Is My Blood" é o título), vivido por Mathew Modine, como um sujeito arrogante, mas que, ao representar o próprio Ferrara, também tem a qualidade de defender o próprio filme, inclusive com uma arma na mão, sozinho na sala de cinema.
E há o terceiro ponto do triângulo de protagonistas, talvez o ponto que fica mais acima dos outros, que é Marie, a personagem de Juliette Binoche. Marie, uma vez que interpreta Maria Madalena no filme de Tony (Modine), resolve largar tudo e ir para Jerusalém, em busca de Cristo e de si mesma. Ou das duas coisas. A compreensão de sua atitude acontece aos poucos no filme. A princípio parece uma atitude de loucura, depois como a representação do caminho - ou o próprio caminho - para a salvação.
No caso, falamos da salvação em especial da esposa e do filho do personagem de Whitaker. Desesperado, ele tem apenas Marie como uma pessoa que poderia trazer-lhe uma orientação para a salvação almejada. Ao trair a esposa (Heather Graham) para ir para a cama com uma amiga de Marie, vivida por Marion Cotillard (que no IMDB curiosamente aparece creditada como Gretchen Mol, ainda que nos créditos do filme seja apenas Gretchen), e acarretar o nascimento prematuro de seu filho, o jornalista se vê consumido pela culpa, mas sua escolha é a busca pela religião como resolução de seus problemas.
MARIA é um filme sobre fé feito de uma maneira diferente do que Ferrara vinha fazendo até então. Há menos veneno e mais fervor religioso, dentro do que se pode esperar do cineasta, com a fé vista como uma espécie de energia em que as pessoas se atiram cegamente, como se correndo dentro de um nevoeiro, seja pela certeza de encontrar o caminho da verdade (Binoche), seja pelo desespero (Whitaker).
Há outros aspectos muito interessantes em MARIA, como a discussão sobre a natureza de Jesus a partir de evangelhos apócrifos encontrados no século XX e que trazem novas visões sobre Cristo, Maria Madalena e toda a mitologia envolvendo a história da cristandade. Alguns teólogos célebres são convidados para o debate e aparecem para a discussão no programa sobre a vida e a morte de Jesus. Daí a necessidade de se ver mais vezes ou com mais atenção os filmes de Ferrara: se em O VÍCIO (1995), a filosofia trazia ainda mais profundidade para a narrativa dos vampiros, em MARIA, as discussões teológicas surgem como outro elemento enriquecedor, principalmente levando em consideração que o catolicismo sempre esteve presente na obra do cineasta.
+ TRÊS FILMES
CARAVAGGIO - A ALMA E O SANGUE (Caravaggio - L'Anima e il Sangue)
Impressionante como filmes sobre pintores ilustres lotam as salas de cinema alternativos. E quase sempre as pessoas acham os filmes ótimos. Eu quase sempre acho-os suspeitos. Este CARAVAGGIO é desses documentários modorrentos, que fazem da vida intensa de um artista algo pouco atraente até. E mesmo as descrições das obras são incômodas, quando tentam de início mostrar um pedaço da obra, deixando-me querendo ver o todo. A voz do narrador me deu sono e tudo. O filme até tenta ser algo diferente de um documentário para a TV, mas creio que se fosse estilo doc para TV seria sim mais interessante. Direção: Jesus Garces Lambert. Ano: 2018.
UMA RAZÃO PARA VIVER (Breathe)
Belo melodrama baseado na história real de um homem com uma vida extraordinária, marcada por um imenso obstáculo. Não sei se gosto da interpretação do Garfield em geral, mas neste filme ele está mais convincente que no drama do Mel Gibson. E Claire Foy aos poucos vai se tornando apaixonante. A janela do filme é larga, como a de OS OITO ODIADOS. Não por acaso é o mesmo diretor de fotografia, Robert Richardson. Pena que no Iguatemi não aproveitaram os lados da tela toda para a exibição. E eu, que cheguei atrasado, não quis ir sair pra reclamar e perder mais ainda. Direção: Andy Serkis. Ano: 2017.
A ESPERA (L'Attesa)
Que bela surpresa esse flme, hein. E por que chega aqui com tanto atraso? Grande momento tanto de Juliette Binoche quanto da jovem Lou de Laâge. Gosto muito da atmosfera sombria que o filme propõe desde o início. Na trama, Binoche sabe da morte do filho e recebe a namorada do rapaz em sua casa. A garota desconhece o ocorrido e o espera chegar. Direção: Piero Messina. Ano: 2015.
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